Sirach (BAV) 12

12 1 Se fizeres bem, sabe a quem o fazes, e receberás gratidão pelos teus benefícios.
2
Faze o bem para o justo, e disso terás grande recompensa, senão dele, pelo menos do Senhor,
3
pois não há bem para quem persevera no mal e não dá esmolas; porque o Altíssimo tem horror dos pecadores, e usa de misericórdia com os que se arrependem.
4
Dá ao homem bom, não ampares o pecador, pois Deus dará ao mau e ao pecador o que merecem; ele os guarda para o dia em que os castigará.
5
Dá àquele que é bom, e não auxilies o pecador.
6
Faze o bem ao homem humilde, e nada dês ao ímpio; impede que se lhe dê pão, para não suceder que ele se torne mais poderoso do que tu.
7
Pois acharás um duplo mal em todo o bem que lhe fizeres, porque o próprio Altíssimo abomina os pecadores, e exerce vingança sobre os ímpios.

Guardar-se dos inimigos

8 O amigo não se conhece durante a prosperidade, e o inimigo não se pode esconder na adversidade.
9
Quando um homem é feliz, seus inimigos estão tristes; é na desgraça que se reconhece um amigo.
10
Não confies nunca em teu inimigo, pois a malícia dele é como a ferrugem que sempre volta no bronze.
11
Ainda mesmo que se humilhe e ande todo submisso, sê vigilante e previne-te contra ele,
12
Não o estabeleças junto de ti, nem ele se assente à tua direita, para não suceder que ele queira tomar o teu lugar e ocupar o teu assento; e que, reconhecendo enfim a veracidade das minhas palavras, te sintas ferido pelos meus avisos.
13
Quem terá pena de um encantador mordido por uma cobra, e de todos os que se aproximam das feras? Assim acontece com aquele que priva com o malvado, e que se acha envolvido nos pecados dele.
14
Ficará uma hora contigo, mas se vieres a fraquejar, não mais poderá conter-se.
15
O inimigo tem a doçura nos lábios, enquanto no coração arma laços para te lançar na cova.
16
O inimigo tem lágrimas nos olhos, mas, se tiver oportunidade, será insaciável de teu sangue.
17
Se a desgraça te ferir, hás de achá-lo em primeiro lugar;
18
ele tem lágrimas nos olhos, mas, fingindo socorrer-te, dar-te-á uma rasteira.
19
Abanará a cabeça e baterá palmas, e, mudando de semblante, não cessará de cochichar.

Prudência com os poderosos

13 1 Quem toca no pez ficará manchado; e quem trata com o orgulhoso, tornar-se-á orgulhoso.
2
Quem se liga com um mais poderoso do que ele, põe (sob os ombros) uma pesada carga. Não te tornes amigo de um mais poderoso do que tu.
3
Que ligação pode haver entre um pote de barro e um pote de ferro? Quando houver choque, (o pote de barro) será quebrado.
4
O rico comete uma injustiça e em seguida se põe a gritar; o pobre, ofendido, guarda silêncio.
5
Enquanto lhe servires, ele te empregará; quando nada mais tiveres, ele te abandonará.
6
Se tens haveres, ele se banqueteará contigo, te esgotará e não cuidará de tua sorte.
7
Se lhe fores útil, ele te dominará; com um sorriso ele te dará esperanças, com belas palavras te dirá: De que necessitas?
8
Confundir-te-á com seus banquetes, até que te tenha exaurido duas ou três vezes; e, por fim, zombará de ti; depois, vendo-te, abandornar-te-á, e abanará a cabeça, escarnecendo de ti.
9
Humilha-te perante Deus e espera que sua mão (execute).
10
Tem cuidado em não te deixares seduzir, para que não caias numa loucura aviltante.
11
Não te rebaixes em tua sabedoria, para não suceder que esse rebaixamento te arraste à loucura.
12
Se um poderoso te chamar, retira-te, e ele será ainda mais levado a insistir.
13
Não sejas importuno, para não acontecer que ele se canse de ti; não te afastes muito dele, para não suceder que ele te esqueça.
14
Não tenhas a audácia de falar de igual para igual com ele, e não confies em suas longas conversas. Pois fazendo-te falar muito, ele te experimentará, e com um sorriso te interrogará sobre os teus segredos.
15
Seu coração impiedoso relembrará todas as tuas palavras, e não te poupará nem aos maus tratos nem às cadeias.
16
Cuida de ti e presta bem atenção aos teus ouvidos, pois caminhas à beira de um abismo.
17
Mas, ouvido tudo isso, encara-o como um sonho, e serás vigilante;
18
ama a Deus durante toda a tua vida, e invoca-o para tua salvação.

Incompatibilidade entre o rico e o pobre

19 Todo ser vivo ama o seu semelhante, assim todo homem ama o seu próximo.
20
Toda carne se une a outra carne de sua espécie, e todo homem se associa ao seu semelhante.
21
O logo jamais terá amizade com o cordeiro: assim é entre o pecador e o justo.
22
Que relação pode haver entre um santo homem e um cão? Que ligação pode ter um rico com um pobre?
23
O onagro é a presa do leão no deserto: assim os pobres servem de pasto aos ricos.
24
E como a humanidade é abominada pelo orgulhoso, do mesmo modo o pobre causa horror ao rico.
25
Um rico abalado é apoiado pelos seus amigos. O pobre que tropeça é ainda empurrado pelos seus companheiros.
26
Quando um rico é enganado, numerosos são aqueles que o vêm ajudá-lo; se diz tolices, o apóiam.
27
Quando um pobre é enganado, ainda merece censura, e, se falar com sabedoria, não o levam em consideração.
28
Se fala o rico, todos se calam, e glorificam suas palavras até às nuvens;
29
se fala um pobre, dizem: Que é este homem? E se ele tropeçar, fazem-no cair.
30
A riqueza é boa para quem não tem a consciência pesada, péssima é a pobreza do mau que se lastima.
31
O coração do homem modifica seu rosto, seja em bem, seja em mal.
32
O sinal de um coração feliz é um rosto alegre, tu o acharás dificilmente e com esforço.


14 1 Feliz o homem que não pecou pelas suas palavras, e que não é atormentado pelo remorso do pecado.
2
Feliz aquele cuja alma não está triste e que não está privado de esperança!

Inveja e mesquinhez

3 Para o homem avarento e cúpido a riqueza é inútil; para que serve o ouro ao homem invejoso?
4
Quem acumula injustamente, com prejuízo da vida, acumula para outros, e outro há de vir que esbanjará esses bens na devassidão.
5
Para quem será bom aquele que é mau para si mesmo? Não terá nenhuma satisfação em seus bens.
6
Nada é pior do que aquele que é avaro consigo mesmo: eis aí o verdadeiro salário de sua maldade.
7
Se ele fizer algum bem, é inconscientemente, a seu pesar, e acaba desvendando a sua maldade.
8
O olhar do invejoso é mau; ele desvia o rosto e despreza sua alma.
9
O olhar do avarento é insaciável a respeito da iniqüidade, só ficará satisfeito quando tiver ressecado e consumido a sua alma.
10
O olhar maldoso só leva ao mal; não será saciado com pão, mas será pobre e triste em sua própria mesa.

A morte, remédio à avareza

11 Meu filho, se algo tiveres, faze com isso algum bem a ti mesmo, e apresenta a Deus oferendas dignas.
12
Lembra-te de que a morte não tarda, e de que o pacto da moradia dos mortos te foi revelado, pois é lei deste mundo que é preciso morrer,
13
Antes de morrer, faze bem ao teu amigo, e dá esmola ao pobre conforme tuas posses.
14
Não te prives de um dia feliz, e não deixes escapar nenhuma parcela do precioso dom.
15
Não será a outrem que deixarás o fruto de teus esforços e de teus trabalhos, para ser repartido por sorte?
16
Dá e recebe, e justifica a tua alma.
17
Pratica a justiça, antes de tua morte, pois na moradia dos mortos não há de se achar alimento.
18
Toda carne fenece como a erva, e como a folha que cresce numa árvore vigorosa.
19
Umas nascem, outras caem. Assim, nesta raça de carne e sangue, uma geração morre, outra nasce.
20
Tudo o que é corruptível acabará por ser destruído, e o artesão morrerá com o seu trabalho.
21
Toda obra excelente será aprovada e o seu autor nela achará orgulho.

Felicidade do sábio

22 Feliz o homem que persevera na sabedoria, que se exercita na prática da justiça, e que, em seu coração, pensa no olhar de Deus que tudo vê;
23
que repassa no seu coração os seus caminhos, que penetra no conhecimento de seus segredos, que caminha atrás dela seguindo-lhe as pegadas, e que permanece em suas vias;
24
que olha pelas suas janelas, que escuta à sua porta,
25
que se detém junto à sua casa e que, enterrando uma estaca dentro de suas muralhas, edifica sua cabana junto a ela. Nessa cabana, seus haveres repousam tranqüilamente para sempre;
26
sob esse abrigo ele estabelece os seus filhos, e ele mesmo residirá debaixo dos seus ramos.
27
Em sua sombra ele encontra abrigo contra o calor, e repousará na sua glória.


15 1 Aquele que teme a Deus praticará o bem. Aquele que exerce a justiça possuirá a sabedoria.
2
Ela virá ao seu encontro como mãe cumulada de honrarias, e o receberá como uma esposa virgem;
3
alimentá-lo-á com o pão da vida e da inteligência, e o saciará com a água salutar da sabedoria. Ela se fortalecerá nele e o tornará inabalável,
4
ela o sustentará para que não seja confundido, e o exaltará entre os seus próximos.
5
Abrir-lhe-á a boca no meio da assembléia, enchê-lo-á do espírito de sabedoria e de inteligência, e o revestirá com um manto glorioso.
6
Acumulará sobre ele um tesouro de alegria e de júbilo, e lhe dará por herança um nome eterno.


7 Os homens insensatos não a alcançarão, mas os homens de bom senso irão ao encontro dela; os insensatos não a verão, porque ela está longe do orgulho e da fraude.
8
Os mentirosos dela não se recordarão, mas os homens sinceros achar-se-ão com ela, e prosperarão até a visita de Deus.
9
O louvor não é belo na boca do pecador,
10
porque a sabedoria vem de Deus; o louvor a Deus acompanha a sabedoria, enche a boca fiel, e lhe é inspirada pelo Dominador.

Liberdade do homem em face do pecado

11 Não digas: É por causa de Deus que ela me falta. Pois cabe a ti não fazer o que ele abomina.
12
Não digas: Foi ele que me transviou, pois que Deus não necessita dos pecadores.
13
O Senhor detesta todo o erro e toda a abominação; aqueles que o temem não amam essas coisas.
14
No princípio Deus criou o homem, e o entregou ao seu próprio juízo;
15
deu-lhe ainda os mandamentos e os preceitos.


16 Se quiseres guardar os mandamentos, e praticar sempre fielmente o que é agradável (a Deus), eles te guardarão.
17
Ele pôs diante de ti a água e o fogo: estende a mão para aquilo que desejares.
18
A vida e a morte, o bem e o mal estão diante do homem; o que ele escolher, isso lhe será dado,
19
porque é grande a sabedoria de Deus. Forte e poderoso, ele vê sem cessar todos os homens.
20
Os olhos do Senhor estão sobre os que o temem, e ele conhece todo o comportamento dos homens.
21
Ele não deu ordem a ninguém para fazer o mal, e a ninguém deu licença para pecar;


22 pois não deseja uma multidão de filhos infiéis e inúteis.

Filhos ímpios

16 1 Não te regozijes de ter muitos filhos se são maus, nem ponhas neles a tua alegria, se não tiverem o temor de Deus.
2
Não confies na sua vida, nem voltes os teus olhares para os seus trabalhos;
3
pois um único filho temente a Deus vale mais do que mil filhos ímpios.
4
Há mais vantagens em morrer sem filhos, que em deixar após si filhos ímpios.
5
Um único homem sensato fará povoar a pátria, enquanto que um país de maus tornar-se-á deserto.
6
Vi com meus olhos inúmeros exemplos, e meus ouvidos ouviram alguns ainda mais graves.

A justiça de Deus

7 O fogo acender-se-á na assembléia do maus, e a cólera se inflamará sobre um povo incrédulo.
8
Os gigantes não imploraram o perdão de seus pecados, e foram destruídos, apesar de terem confiados na própria força.
9
Deus não poupou a terra onde residia Lot, mas abominou os seus habitantes por causa de sua insolência.
10
Não teve pena deles, exterminou a nação inteira, que se engrandecia com o orgulho, apesar de seus pecados.
11
Assim aconteceu com os seiscentos mil homens vivos que se haviam reunido na dureza de coração; ainda que um único se tivesse mostrado obstinado, seria para admirar que não tivesse sido castigado,
12
pois misericórdia e ira estão sempre em Deus, grandemente misericordioso, porém capaz de cólera.
13
Os seus castigos igualam sua misericórdia; ele julga o homem conforme as suas obras.
14
O pecador não escapará em suas rapinas, e não será postergada a espera daquele que exerce a misericórdia;
15
toda a misericórdia colocará cada um em seu lugar, conforme o mérito de suas obras e a sabedoria de seu comportamento.

Deus vê tudo

16 Não digas: Furtar-me-ei aos olhos de Deus; quem se lembrará de mim no alto do céu?
17
Não serei reconhecido no meio da multidão; quem sou eu no meio de uma tal multidão de criaturas?
18
Eis que o céu e o céu dos céus, o abismo, a terra inteira e tudo o que encerram se abalarão quando ele aparecer.
19
As montanhas, as colinas e os alicerces da terra tremerão de pavor quando Deus os olhar.
20
No meio de tudo isso, o coração do homem é insensato; Deus, porém, conhece todos os corações.
21
Quem é aquele que compreende os caminhos (de Deus), e a tempestade que escapa aos olhos do homem?
22
Com efeito a maior parte de suas obras está oculta; quem anunciará, quem poderá suportar os efeitos de sua justiça? Pois as sentenças (divinas) estão longe do pensamento de muitos, e o exame geral só se realizará no último dia.
23
O homem de coração mesquinho só pensa em vaidades; o imprudente e extraviado só se ocupa de loucuras.

A obra de Deus na criação

24 Meu filho, ouve-me, adquire uma instrução sadia, torna o teu coração atento às minhas palavras.
25
Dar-te-ei um ensino muito exato, vou tentar explicar-te o que é a sabedoria; torna o teu coração atento às minhas palavras, pois vou descrever-te com exatidão as maravilhas que Deus, desde o início, fez brilhar nas suas obras, e vou expor, com toda a veracidade, o conhecimento de Deus.
26
Por decreto de Deus suas obras existem desde o começo; desde a criação distinguiu-as em partes. Colocou as principais em suas épocas,
27
adornou-as para sempre; elas não sentiram necessidade nem fadiga, e nunca interromperam o seu trabalho.
28
Nunca nenhuma delas embaraçou a vizinha.
29
Não sejas incrédulo à palavra do Senhor.
30
Depois disto, olhou Deus para a terra, e encheu-a de benefícios.
31
É o que revela sobre a terra a alma de todo ser vivo, e é ao seu seio que todos eles voltam.

Criação do homem

17 1 Deus criou o homem da terra, formou-o segundo a sua própria imagem;
2
e o fez de novo voltar à terra. Revestiu-o de força segundo a sua natureza;
3
determinou-lhe uma época e um número de dias. Deu-lhe domínio sobre tudo o que está na terra.
4
Fê-lo temido por todos os seres vivos, fê-lo senhor dos animais e dos pássaros.
5
De sua própria substância, deu-lhe uma companheira semelhante a ele, com inteligência, língua, olhos, ouvidos, e juízo para pensar; cumulou-os de saber e inteligência.
6
Criou neles a ciência do espírito, encheu-lhes o coração de sabedoria, e mostrou-lhes o bem e o mal.
7
Pôs o seu olhar nos seus corações para mostrar-lhes a majestade de suas obras,
8
a fim de que celebrassem a santidade do seu nome, e o glorificassem por suas maravilhas, apregoando a magnificência de suas obras.
9
Deu-lhes, além disso, a instrução, deu-lhes a posse da lei da vida;
10
concluiu com eles um pacto eterno, e revelou-lhes a justiça de seus preceitos.
11
Viram com os próprios olhos as maravilhas da sua glória, seus ouvidos ouviram a majestade de sua voz: Guardai-vos, disse-lhes ele, de toda a iniqüidade.
12
Impôs a cada um (deveres) para com o próximo.

Clarividência do divino Juiz

13 O proceder deles lhe está sempre diante dos olhos, nada lhe escapa.


14 Pôs um príncipe à testa de cada povo;
15
Israel, porém, foi visivelmente o quinhão do próprio Deus.
16
Todas as suas obras lhe são claras como o sol, e seus olhos observam sem cessar o seu proceder.
17
As leis de Deus não são eclipsadas pela iniqüidade deles, e todos os pecados que cometem estão diante do Senhor.
18
A esmola do homem é para ele como um selo, e ele conserva a beneficência do homem como a pupila dos olhos.
19
Depois se levantará para dar a cada um o que lhe é devido, e fá-los-á voltar às profundezas da terra.


20 Aos penitentes, porém, abre o caminho da justiça: conforta os desfalecidos, e conserva-lhes a verdade como destino.

Exortação à conversão
21
Converte-te ao Senhor, abandona os teus pecados.
22
Ora diante dele e diminui as ocasiões de pecado.
23
Volta para o Senhor, afasta-te de tua injustiça, e detesta o que causa horror a Deus.
24
Conhece a justiça e os juízos de Deus; permanece firme no estado em que ele te colocou, e na oração constante ao Altíssimo.
25
Anda na companhia do povo santo, com os que vivem e proclamam a glória de Deus.
26
Não te detenhas no erro dos ímpios, louva a Deus antes da morte;
27
após a morte nada mais há, o louvor terminou. Glorifica a Deus enquanto viveres; glorifica-o enquanto tiveres vida e saúde; louva a Deus e glorifica-o em suas misericórdias.
28
Quão grande é a misericórdia do Senhor, e o perdão que concede àqueles que para ele se voltam!


29 Pois não se pode encontrar tudo nos homens, porque os homens não são imortais, e se comprazem na vaidade e na malícia.
30
O que há de mais luminoso do que o sol? E, entretanto, ele tem eclipses. O que há de mais criminoso do que os pensamentos da carne e do sangue? Ora, isso será castigado.
31
O sol contempla a multidão dos astros do céu, enquanto que todos os homens são apenas terra e cinza.

Grandeza divina e pequenez do homem

18 1 O Eterno tudo criou sem exceção, só o Senhor será considerado justo. Ele é o rei invencível que permanece para sempre.
2
Quem será capaz de relatar as suas obras?
3
Quem poderá compreender as suas maravilhas?
4
Quem poderá descrever todo o poder de sua grandeza? Quem empreenderá a explicação de sua misericórdia?
5
Nada há a subtrair, nada a acrescentar às maravilhas de Deus; elas são incompreensíveis.
6
Quando o homem tiver acabado, então estará no começo; e quando cessar a pesquisa, ficará perplexo.

Misericórdia divina e fragilidade humana

7 Que é o homem, e para que serve? Que mal ou que bem pode ele fazer?
8
A duração da vida humana é quando muito cem anos. No dia da eternidade esses breves anos serão contados como uma gota de água do mar, como um grão de areia.
9
É por isso que o Senhor é paciente com os homens, e espalha sobre eles a sua misericórdia.
10
Ele vê quanto é má a presunção do seu coração, e reconhece que o fim deles é lamentável;
11
é por isso que ele os trata com toda a doçura, e mostra-lhes o caminho da justiça.
12
A compaixão de um homem concerne ao seu próximo, mas a misericórdia divina estende-se sobre todo ser vivo.
13
Cheio de compaixão, (Deus) ensina os homens, e os repreende como um pastor o faz com o seu rebanho.
14
Compadece-se daquele que recebe os ensinamentos de sua misericórdia, e do que se apressa a cumprir os seus preceitos.

Mansidão para com o próximo

15 Meu filho, não mistures a repreensão com o benefício, não acrescentes nunca palavras duras e más às tuas dádivas.
16
Porventura o orvalho não refresca o calor ardente? Assim, uma palavra doce vale mais do que um presente.
17
A doçura das palavras não prevalece sobre a própria dádiva? Mas uma e outra coisa se encontram no homem justo.
18
O insensato censura com aspereza; a dádiva de um indiscreto resseca os olhos.

Conselhos de prudência

19 Antes de julgar, procura ser justo; antes de falar, aprende.
20
Usa o remédio antes de ficares doente. Interroga-te a ti mesmo antes do juízo, e acharás misericórdia diante de Deus.
21
Antes da doença, humilha-te, e no tempo da enfermidade mostra o teu proceder.
22
Nada te impeça de orar sempre, e não te envergonhes de progredir na justiça até a morte; pois a recompensa de Deus é eterna.
23
Antes da oração, prepara a tua alma, e não sejas como um homem que tenta a Deus.
24
Lembra-te da ira do último dia, e do tempo em que Deus castigará, desviando o rosto.
25
Lembra-te da pobreza quando estiveres na abundância e das necessidades da indigência no dia da riqueza.
26
Entre a manhã e a tarde muda o tempo, e tudo isto acontece num instante aos olhos de Deus.
27
Um homem sábio está sempre alerta; nos dias de tentação, se resguarda do pecado.
28
Todo homem sagaz reconhece a sabedoria, e presta homenagem àquele que a encontrou.
29
Os homens de linguagem sensata procedem também com sabedoria, compreendem a verdade e a justiça, e espalham uma multidão de sentenças e máximas.
30
Não te deixes levar por tuas más inclinações, e refreia os teus apetites.
31
Se satisfizeres a cobiça de tua alma, ela fará de ti a alegria dos teus inimigos.
32
Não te comprazas no meio das multidões, mesmo da menores, porque nelas somos constantemente comprometidos.
33
Não te empobreças, pedindo empréstimos para aparentar, quando nada tens na algibeira; isso equivaleria a atentar contra a tua própria vida.

O vinho e as mulheres

19 1 O operário dado ao vinho não se enriquecerá, e aquele que se descuida das pequenas coisas, cairá pouco a pouco.
2
O vinho e as mulheres fazem sucumbir até mesmos os sábios, e tornam culpados os homens sensatos.
3
Aquele que se une às prostitutas é um homem de nenhuma valia; tornar-se-á pasto da podridão e dos vermes; ficará sendo um grande exemplo, e sua alma será suprimida do número dos vivos.

O silêncio vale ouro

4 Aquele que é crédulo demais tem um coração leviano; sofrerá prejuízo e será tido como pecador contra si mesmo.
5
Quem se regozija com a iniqüidade será desonrado; quem detesta a correção abreviará a sua vida; quem odeia a tagarelice, destrói sua malícia.
6
Quem peca contra si próprio, arrepender-se-á de tê-lo feito; quem põe sua alegria na malícia, será apontado como infame.
7
Não repitas uma palavra dura e maldosa, e não serás prejudicado.
8
Não confies teu pensamento nem ao amigo nem ao inimigo. Se tiveres cometido uma falta, não a reveles,
9
pois ele te ouvirá, te observará, e, fingindo desculpar o teu pecado, te odiará. E estará sempre presente (para te prejudicar).
10
Ouviste uma palavra contra o teu próximo? Abafa-a dentro de ti; fica seguro de que ela não te fará morrer.
11
Por causa de uma palavra (irrefletida) o tolo estorce-se de dores, como uma mulher que geme para dar à luz.
12
Como uma flecha cravada na gordura da coxa, assim é uma palavra no coração do insensato.

Amigo tem direito ao crédito

13 Repreende o teu amigo, porque talvez não tenha compreendido, e diga: Nada fiz. Ou se o fez, para que não torne a fazê-lo.
14
Repreende o teu próximo, porque talvez não tenha dito (aquilo) de que é acusado. Ou, se o disse, para que não o torne a dizer.
15
Repreende o teu próximo, porque muitas vezes se diz o que não é verdade,
16
e não acredites em tudo o que dizem. Homem há que peca pela língua, mas sem fazer com intenção.
17
Pois quem não peca pela língua? Repreende o teu próximo antes de ameaçá-lo e dá ensejo ao temor do Altíssimo;
18
pois toda a sabedoria consiste no temor de Deus; nela está o temor de Deus. E em toda a sabedoria reside o cumprimento da lei.

Verdadeira e falsa sabedoria

19 O hábito de praticar o mal não é sabedoria; o modo de agir dos pecadores não é prudência.
20
Há uma malícia hábil que é execrável, e há uma estupidez que é apenas falta de sabedoria.
21
Mais vale o homem que tem pouca sabedoria, e a quem falta o senso, mas que tem o temor (de Deus), do que o homem que possui uma grande inteligência, e que transgride a lei do Altíssimo.
22
Há uma habilidade que não falha o alvo, mas que é iníqua.
23
Há quem fale com segurança e só diz a verdade, e há quem se humilhe maliciosamente, cujo coração está cheio de embuste.
24
Há quem se rebaixe com excesso em profunda humilhação, e quem abaixe a cabeça, fingindo não ver o que está oculto.
25
Se a fraqueza o impede de cometer o mal, não deixará de pecar, logo que houver ocasião.
26
Pelo semblante se reconhece um homem; pelo seu aspecto se reconhece um sábio.
27
As vestes do corpo, o riso dos dentes, e o modo de andar de um homem fazem-no revelar-se.
28
Há uma falsa correção na cólera de um insolente; há um modo de julgar que muitas vezes não é justo; e aquele que se cala dá prova de prudência.

Saber calar-se e saber falar

20 1 Oh! quanto melhor é admoestar que irritar-se, e não impedir de falar aquele que quer confessar a sua falta!
2
Como o eunuco que anseia por violentar uma donzela,
3
assim é o que, por violência, faz um julgamento iníquo.
4
Como é bom que o corrigido manifeste o seu arrependimento! Pois assim se evita um pecado voluntário.
5
Há quem se cale e é considerado sábio, e quem se torne odioso pela intemperança no falar.
6
Há quem se cale por não saber falar, e há quem se cale porque reconhece quando é tempo (de falar).
7
O sábio permanece calado até o momento (oportuno), mas o leviano e imprudente não espera a ocasião.
8
Aquele que se expande em palavras, prejudica-se a si mesmo; quem se permite todo o desregramento torna-se odioso.

A arte de doar

9 Para o homem desprovido de instrução há proveito na infelicidade, mas há certas descobertas que lhe acarretam a ruína.
10
Há dom que não é útil. e há dom que é duplamente recompensado.
11
Há quem ache a sua perda na própria glória, e há quem levantará a cabeça após uma humilhação.
12
Há quem compre muito por um preço módico, mas que (de fato) o paga pelo sétuplo do seu valor.
13
O sábio torna-se amável por suas palavras, enquanto que os encantos do insensato desaparecem.
14
O donativo do insensato não te trará proveito, pois ele te fixa com sete olhos.
15
Ele dá pouco e censura muitas vezes; quando abre a sua boca é como uma fogueira.
16
Há quem empresta hoje e amanhã o reclama. Tal homem é odioso.
17
O insensato não tem amigos, e pelo bem que faz não será bem acatado,
18
porque os que comem o seu pão têm línguas falsas; quantas e quantas vezes não zombarão dele?
19
Pois não agiu com bom senso, distribuindo o que devia guardar e o que não devia guardar.

Máximas diversas

20 A queda de uma língua mentirosa é como uma queda na laje; assim a ruína dos maus virá de repente.
21
Um homem desagradável é como uma história ruim, que se acha continuamente na boca das pessoas mal-educadas.
22
Será mal recebida a máxima que sair da boca do insensato, pois que ele a diz fora de tempo.
23
Há quem se abstenha de pecar por falta de meios, mas ressente o aguilhão do pecado até em seu repouso.
24
Há quem perca a sua alma por causa do respeito humano; perde-a, cedendo a uma pessoa imprudente; perde-se por atender demasiadamente a uma pessoa.
25
Há quem, por falsa vergonha, faça uma promessa a um amigo, e dele se faça gratuitamente um inimigo.
26
A mentira é no homem uma vergonhosa mancha: não deixa os lábios das pessoas mal-educadas.
27
Mais vale um ladrão do que um mentiroso contumaz, mas ambos terão a ruína como partilha.
28
O comportamento dos mentirosos é aviltante, sua vergonha jamais os abandonará.
29
O sábio atrai a si a estima por suas palavras; o homem prudente agradará aos poderosos.
30
Quem cultiva sua terra colherá montes de frutos; quem cultiva a justiça será ele próprio elevado; quem agrada aos poderosos fugirá da iniqüidade.
31
Os presentes e as dádivas cegam os olhos dos juízes. São em sua boca como um freio que os torna mudos e os impede de castigar.
32
Sabedoria escondida é tesouro invisível. Para que serve uma e outro?
33
Mais vale aquele que dissimula sua insipiência, do que aquele que esconde sua sabedoria.

Fuga do pecado

21 1 Filho, pecaste? Não o faças mais. Mas ora pelas tuas faltas passadas, para que te sejam perdoadas.
2
Foge do pecado com se foge de uma serpente; porque, se dela te aproximares, ela te morderá.
3
Os seus dentes são dentes de leão, que matam as almas dos homens.
4
Todo pecado é como uma espada de dois gumes: a chaga que ele produz é incurável.
5
O ultraje e a violência destroem as riquezas. A mais rica mansão se arruína pelo orgulho; assim será desenraizada a riqueza do orgulhoso.
6
A oração do pobre eleva-se de sua boca até os ouvidos (de Deus), (e Deus) se apressará em lhe fazer justiça.
7
Aquele que odeia a correção segue os passos do pecador, aquele que teme a Deus volta ao seu próprio coração.
8
De longe é conhecido o poderoso de linguagem insolente, mas o homem sábio sabe como se descartar dele.

Procedimento do pecador e do sábio

9 Quem constrói a sua casa às custas de outrem, é como aquele que amontoa pedras para (construir) no inverno.
10
A reunião dos pecadores é como um amontoado de estopas: seu fim será a fogueira.
11
O caminho dos pecadores é calçado de pedras unidas, mas ele conduz à região dos mortos, às trevas e aos suplícios.
12
Aquele que guarda a justiça penetrará o espírito dela.
13
A sabedoria e o bom senso são a consumação do temor a Deus.
14
Jamais tornar-se-á hábil aquele que não é sábio no bem,
15
pois há uma sabedoria que produz muito mal. E o bom senso não está onde está a amargura.
16
A ciência do sábio espalha-se como a água que transborda, e o conselho que ele dá permanece como fonte de vida.
17
O coração do insensato é como um cântaro lascado, nada retém da sabedoria.
18
Qualquer palavra sábia que ouça o homem sensato, ele a louvará e dela se aproveitará. Que a ouça um voluptuoso, e ela lhe desagradará, e ele a arremessará para trás de si.
19
A conversa do insensato é como um fardo para carregar, mas o encanto se acha nos lábios do homem sensato.
20
A conversação do homem prudente é procurada na sociedade; todos relembrarão suas palavras em seus corações.
21
A sabedoria é para o insensato como uma casa arruinada; a ciência do insensato é feita de palavras incoerentes.
22
A instrução é para o insensato como peias nos pés e como algemas nas mãos.
23
O insensato eleva a voz quando ri, mas o homem sábio sorri discretamente.
24
Para o homem prudente a ciência é um ornato de ouro, uma pulseira que traz no braço direito.
25
O insensato põe facilmente os pés na casa do vizinho, mas aquele que tem educação hesita em visitar um poderoso.
26
O insensato olha dentro de uma casa pela janela; o homem bem educado permanece fora.
27
É sinal de loucura escutar a uma porta; o homem prudente indigna-se com tal grosseria.
28
Os lábios dos imprudentes só proferem tolices, mas as palavras do sábio têm peso na balança.
29
O coração dos insensatos está na boca, a boca dos sábios está no coração.
30
Quando o ímpio amaldiçoa o adversário, amaldiçoa-se a si mesmo.
31
O delator macula-se a si próprio, e é odiado por todos; o que mora com ele será odioso, mas o homem sensato que se cala será honrado.

Preguiça e falta de educação

22 1 Ao preguiçoso é atirado esterco, só se fala dele com desprezo.
2
O preguiçoso é apedrejado com excremento, quem o tocar sacudirá a mão.
3
O filho mal educado é a vergonha de seu pai, a filha semelhante não gozará de nenhuma consideração.
4
Um jovem prudente é uma herança para o marido, mas a filha desavergonhada causa mágoa ao seu pai.
5
A mulher atrevida cobre de vergonha o pai e o marido; e é igual aos celerados: ambos a desprezam.
6
Uma palavra inoportuna é música em dia de luto; a sabedoria, porém, emprega com oportunidade o chicote e a instrução.

Triste sorte do insensato

7 Instruir um insensato é tornar a ajustar um vaso quebrado;
8
falar a quem não ouve é como despertar alguém de um sono profundo.
9
Falar da sabedoria com um insensato é conversar com alguém que está adormecendo; no fim da conversa ele dirá: Que é?
10
Chora sobre um morto, porque ele perdeu a luz; chora sobre um tolo, porque é falho de juízo.
11
Chora menos sobre um morto, porque ele achou o repouso;
12
a vida criminosa do mau, porém, é pior do que a morte.
13
O luto por um morto dura sete dias, mas por um insensato e um ímpio, dura toda a sua vida.
14
Não fales muito com um estulto; não convivas com o insensato.
15
Acautela-te contra ele, para não seres incomodado; e não te mancharás com o contágio de seu pecado.
16
Afasta-te dele: encontrarás repouso, e a sua loucura não te causará mágoa.
17
O que há de mais pesado que o chumbo? E que outro nome dar-lhe a não ser o de insensato?
18
É mais fácil carregar areia, sal ou uma barra de ferro, do que suportar o imprudente, o tolo e o ímpio.

A firmeza

19 Um encaixamento de madeira adaptado aos alicerces de um edifício não se desconjunta. Assim é o coração firmado por uma decisão bem amadurecida.
20
O desígnio de um homem sensato, em qualquer tempo que seja, não será alterado pelo temor.
21
Como a estacada posta em lugar elevado e a parede sem argamassa não podem resistir à violência do vento,
22
assim um coração tímido, de pensamentos tolos, não pode resistir ao choque do temor.
23
O coração medroso do insensato jamais tem temor em seus pensamentos; assim também o que não se apóia nos preceitos divinos.

Rispeito à amizade

24 Quem machuca um olho, dele faz sair lágrimas; quem magoa um coração, nele excita a sensibilidade.
25
Quem lança uma pedra aos pássaros, fá-los fugir; assim, quem insulta um amigo, rompe a amizade.
26
Ainda que tenhas arrancado a espada contra o teu amigo, não desesperes; porque o regresso é possível.
27
Ainda que tenhas dito contra ele palavras desagradáveis, não temas, porque a reconciliação é possível, salvo se se tratar de injúrias, afrontas, insolências, revelação de um segredo ou golpes à traição; em todos esses casos fugirá de ti o teu amigo.
28
Permanece fiel ao teu amigo em sua pobreza, a fim de te alegrares com ele na sua prosperidade.
29
Permanece-lhe fiel no tempo da aflição, a fim de teres parte com ele em sua herança.
30
O vapor e a fumaça elevam-se na fornalha antes do fogo; assim o homicídio e o derramamento de sangue são precedidos de injúrias, ultrajes e ameaças.
31
Não me envergonharei de saudar um amigo, nem me esconderei da sua presença; e se me acontecer algum mal por isso, eu o suportarei,
32
mas quem o souber, dele desconfiará.

Oração para ser preservado do pecado

33 Quem porá uma guarda à minha boca, e um selo inviolável nos meus lábios, para que eu não caia por sua causa, e para que minha língua não me perca?


23
Sirach (BAV) 12