Giobbe (SAV) 32

Intervenção de Eliú

32 1 Como Jó persistisse em considerar-se como um justo, estes três homens cessaram de lhe responder.
2
Então se inflamou a cólera de Eliú, filho de Baraquel, de Buz, da família de Rão; sua cólera inflamou-se contra Jó, por este pretender justificar-se perante Deus.
3
Inflamou-se também contra seus três amigos, por não terem achado resposta conveniente, dando assim culpa a Deus.
4
Como fossem mais velhos do que ele, Eliú tinha se abstido de responder a Jó.
5
Mas, quando viu que não tinham mais nada para responder, encolerizou-se.

Primeiro discurso de Eliú

6 Então Eliú, filho de Baraquel, de Buz, tomou a palavra nestes termos: Sou jovem em anos, e vós sois velhos; é por isso que minha timidez me impediu de manifestar-vos o meu saber.
7
Dizia comigo: A idade vai falar; os muitos anos farão conhecer a sabedoria,
8
mas é o Espírito de Deus no homem, e um sopro do Todo-poderoso que torna inteligente.
9
Não são os mais velhos que são sábios, nem os anciãos que discernem o que é justo;
10
é por isso que digo: Escutai-me, vou mostrar-vos o que sei.
11
Esperei enquanto faláveis, prestei atenção em vossos raciocínios. Enquanto discutíeis,
12
segui-vos atentamente. Mas ninguém refutou Jó, ninguém respondeu aos seus argumentos.
13
Não digais: Encontramos a sabedoria; é Deus e não um homem quem nos instrui.
14
Não foi a mim que dirigiu seus discursos, mas encontrarei outras respostas diferentes das vossas.
15
Ei-los calados, já não dizem mais nada; faltam-lhes as palavras.
16
Esperei que se calassem, que parassem e cessassem de responder.
17
É a minha vez de responder: vou também mostrar o que sei.
18
Pois estou cheio de palavras, o espírito que está em meu peito me oprime.
19
Meu peito é como o vinho arrolhado, como um barril pronto para estourar.
20
Vou falar, isto me aliviará, abrirei meus lábios para responder.
21
Não farei acepção de ninguém, não adularei este ou aquele.
22
Pois não sei bajular; do contrário, meu Criador logo me levaria.


33 1 E agora, Jó, escuta minhas palavras, dá ouvidos a todos os meus discursos.
2
Eis que abro a boca, minha língua, sob o céu da boca, vai falar.
3
Minhas palavras brotam de um coração reto, meus lábios falarão francamente.
4
O Espírito de Deus me criou, e o sopro do Todo-poderoso me deu a vida.
5
Se puderes, responde-me; toma posição, fica firme diante de mim.
6
Em face de Deus sou teu igual: como tu mesmo, fui formado de barro.
7
Assim meu temor não te assustará e o peso de minhas palavras não te acabrunhará.
8
Ora, disseste aos meus ouvidos, e ouvi estas palavras:
9
Sou puro, sem pecado; sou limpo, não há culpa em mim.
10
É ele que inventa pretextos contra mim, considera-me seu inimigo.
11
Pôs meus pés no cepo, espiou todos os meus passos.
12
Responderei que nisto foste injusto, pois Deus é maior do que o homem.
13
Por que o acusas de não dar nenhuma resposta a teus discursos?
14
Pois Deus fala de uma maneira e de outra e não prestas atenção.
15
Por meio dos sonhos, das visões noturnas, quando um sono profundo pesa sobre os humanos, enquanto o homem está adormecido em seu leito,
16
então abre o ouvido do homem e o assusta com suas aparições,
17
a fim de desviá-lo do pecado e de preservá-lo do orgulho,
18
para salvar-lhe a alma do fosso, e sua vida, da seta mortífera.
19
Pela dor também é instruído o homem em seu leito, quando todos os seus membros são agitados,
20
quando recebe o alimento com desgosto, e já não pode suportar as iguarias mais deliciosas;
21
sua carne some aos olhares, seus membros emagrecidos se desvanecem;
22
sua alma aproxima-se da sepultura, e sua vida, daqueles que estão mortos.
23
Se perto dele se encontrar um anjo, um intercessor entre mil, para ensinar-lhe o que deve fazer,
24
ter piedade dele e dizer: Poupai-o de descer à sepultura, recebi o resgate de sua vida;
25
sua carne retomará o vigor da mocidade, retornará aos dias de sua adolescência.
26
Ele reza, e Deus lhe é propício, contempla-lhe a face com alegria. Anuncia (Deus) ao homem sua justiça;
27
canta diante dos homens, dizendo: Pequei, violei o direito, e Deus não me tratou conforme meus erros;
28
poupou minha alma de descer à sepultura, e minha alma bem viva goza a luz.
29
Eis o que Deus faz duas, três vezes para o homem,
30
a fim de tirar-lhe a alma da sepultura, para iluminá-la com a luz dos vivos.
31
Presta atenção, Jó, escuta-me; cala a boca para que eu fale.
32
Se tens alguma coisa para dizer, responde-me; fala, eu gostaria de te dar razão.
33
Se não, escuta-me, cala-te, e eu te ensinarei a sabedoria.

Segundo discurso de Eliú

34 1 Eliú retomou a palavra nestes termos:
2
Sábios, ouvi meu discurso; eruditos, prestai atenção,
3
pois o ouvido discerne o valor das palavras, como o paladar aprecia as iguarias.
4
Procuremos discernir o que é justo, e conhecer entre nós o que é bom.
5
Jó disse: Eu sou inocente; é Deus que recusa fazer-me justiça.
6
A despeito de meu direito, passo por mentiroso, minha ferida é incurável, sem que eu tenha pecado.
7
Onde existe um homem como Jó, para beber a blasfêmia como quem bebe água,
8
para andar de par com os ímpios e caminhar com os perversos?
9
Pois ele disse: O homem não ganha nada em ser agradável a Deus.
10
Ouvi-me, pois, homens sensatos: longe de Deus a injustiça! Longe do Todo-poderoso a iniqüidade!
11
Ele trata o homem conforme seus atos, dá a cada um o que merece.
12
É claro! Deus não é injusto, e o Todo-poderoso não falseia o direito.
13
Quem lhe confiou a administração da terra? Quem lhe entregou o universo?
14
Se lhe retomasse o sopro, se lhe retirasse o alento,
15
toda carne expiraria no mesmo instante, o homem voltaria ao pó.
16
Se tens inteligência, escuta isto, dá ouvidos ao som de minhas palavras:
17
um inimigo do direito poderia governar? Pode o Justo, o Poderoso cometer a iniqüidade?
18
Ele que disse a um rei: Malvado! A príncipes: Celerados!
19
Ele não tem preferência pelos grandes, e não tem mais consideração pelos ricos do que pelos pobres, porque são todos obras de suas mãos.
20
Subitamente, perecem no meio da noite; os povos vacilam e passam, o poderoso desaparece, sem o socorro de mão alguma.
21
Pois Deus olha para o proceder do homem, vê todos os seus passos.
22
Não há obscuridade, nem trevas onde o iníquo possa esconder-se.
23
Não precisa olhar duas vezes para um homem para citá-lo em justiça consigo.
24
Abate os poderosos sem inquérito, e põe outros em lugar deles,
25
pois conhece suas ações; derruba-os à noite, são esmagados.
26
Fere-os como ímpios, num lugar onde são vistos,
27
porque se afastaram dele e não quiseram conhecer os seus caminhos,
28
fazendo chegar até ele o clamor do pobre e tornando-o atento ao grito do infeliz.
29
Se ele dá a paz, quem o censurará? Se oculta sua face, quem poderá contemplá-lo?
30
Assim trata ele o povo e o indivíduo de maneira que o ímpio não venha a reinar, e já não seja uma armadilha para o povo.
31
Tinha dito a Deus: Fui seduzido, não mais pecarei,
32
ensina-me o que ignoro; se fiz o mal, não recomeçarei mais.
33
Julgas, então, que ele deve punir, já que rejeitaste suas ordens? És tu quem deves escolher, não eu; dize, pois, o que sabes.
34
As pessoas sensatas me responderão, como qualquer homem sábio que me tiver ouvido:
35
Jó não falou conforme a razão, falta-lhe bom senso às palavras.
36
Pois bem! Que Jó seja provado até o fim, já que suas respostas são as de um ímpio.
37
Leva ao máximo o seu pecado (bate as mãos no meio de nós), multiplicando seus discursos contra Deus.

Terceiro discurso de Eliú

35 1 Eliú retomou ainda a palavra nestes termos:
2
Imaginas ter razão em pretender justificar-te contra Deus?
3
Quando dizes: Para que me serve isto, qual é minha vantagem em não pecar?
4
Pois vou responder-te, a ti e a teus amigos.
5
Considera os céus e olha: vê como são mais altas do que tu as nuvens!
6
Se pecas, que danos lhe causas? Se multiplicas tuas faltas, que mal lhe fazes?
7
Se és justo, que vantagem lhe dás, ou que recebe ele de tua mão?
8
Tua maldade só prejudica o homem, teu semelhante; tua justiça só diz respeito a um humano.
9
Sob o peso da opressão, geme-se, clama-se sob a mão dos poderosos.
10
Mas ninguém diz: Onde está Deus, meu criador, que inspira cantos de louvor em plena noite,
11
que nos instrui mais do que os animais selvagens e nos torna mais sábios do que as aves do céu?
12
Clamam, mas não são ouvidos, por causa do orgulho dos maus.
13
Deus não ouve as palavras frívolas, o Todo-poderoso não lhes presta atenção.
14
Quando dizes que ele não se ocupa de ti, que tua causa está diante dele, que esperas sua decisão,
15
que sua cólera não castiga e que ele ignora o pecado,
16
Jó abre a boca para palavras ociosas e derrama-se em discursos impertinentes.

Quarto discurso de Eliú

36 1 Depois Eliú prosseguiu nestes termos:
2
Espera um pouco e te instruirei, tenho ainda palavras em defesa de Deus;
3
irei buscar longe a minha ciência, e justificarei meu Criador.
4
Minhas palavras não são certamente mentirosas, estás tratando com um homem de ciência sólida.
5
Deus é poderoso, mas não é arrogante, é poderoso por sua ciência:
6
não deixa viver o mau, faz justiça aos aflitos,
7
não afasta os olhos dos justos; e os faz assentar com os reis no trono, numa glória eterna.
8
Se vierem a cair presos, ou se forem atados com os laços da infelicidade,
9
ele lhes faz reconhecer as suas obras, e as faltas que cometeram por orgulho;
10
e abre-lhes os ouvidos para corrigi-los, e diz-lhes que renunciem à iniqüidade.
11
Se escutam e obedecem, terminam seus dias na felicidade, e seus anos na delícia;
12
se não, morrem de um golpe, expiram por falta de sabedoria.
13
Os corações ímpios são entregues à cólera; não clamam a Deus quando ele os aprisiona,
14
morrem em plena mocidade, a vida deles passa como a dos efeminados.
15
Mas Deus salvará o pobre pela sua miséria, e o instrui pelo sofrimento.
16
A ti também retirará das fauces da angústia, numa larga liberdade, e no repouso de uma mesa bem guarnecida.
17
E tu te comportas como um malvado, com o risco de incorrer em sentença e penalidade.
18
Toma cuidado para que a cólera não te inflija um castigo, e que o tamanho do resgate não te perca.
19
Levará ele em conta teu grito na aflição, e todos os esforços do vigor?
20
Não suspires pela noite, para que os povos voltem para seus lugares.
21
Guarda-te de declinar para a iniqüidade, e de preferir a injustiça ao sofrimento.
22
Vê, Deus é sublime em seu poder. Que senhor lhe é comparável?
23
Quem lhe fixou seu caminho? Quem pode dizer-lhe: Fizeste mal?
24
Antes pensa em glorificar sua obra, que os humanos celebram em seus cantos.
25
Todos os homens a contemplam; o mortal a considera de longe.
26
Deus é grande demais para que o possamos conhecer; o número de seus anos é incalculável.
27
Atrai as gotinhas de água para transformá-las em chuva no nevoeiro,
28
as nuvens as espalham, e as destilam sobre a multidão dos homens.
29
Quem pode compreender como se estendem as nuvens, e o estrépito de sua tenda?
30
Espalha em volta dele a sua luz, e cobre os cimos das montanhas.
31
É por esse meio que nutre os povos, e fornece-lhes abundância de alimentos.
32
Nas suas mãos estende o raio, fixa-lhe o alvo a atingir;
33
seu estrondo o anuncia, o rebanho também anuncia aquele que se aproxima.


37 1 Por isto se espantou o meu coração, e pulou fora de seu lugar.
2
Escutai, escutai o brado de sua voz, o estrondo que lhe sai da boca!
3
Enche dele toda a extensão dos céus, e seus relâmpagos vão atingir os confins da terra.
4
Logo depois ruge uma voz, troveja com sua voz majestosa. Não retém mais seus raios quando se faz ouvir.
5
Deus troveja com uma voz maravilhosa, faz prodígios que nos são incompreensíveis.
6
Diz à neve: Cai sobre a terra, às pancadas de chuva: Sede fortes.
7
Ele põe selos sobre as mãos dos homens, a fim de que todos os mortais reconheçam seu criador.
8
A fera também entra em seu covil, e encolhe-se em sua toca.
9
O furacão sai da câmara do sul, e do norte chega o frio.
10
Ao sopro de Deus forma-se a neve, e a superfície das águas se endurece.
11
Carrega as nuvens de vapor, as nuvens lançam por toda parte seus relâmpagos
12
que vão em todos os sentidos sob sua direção, para realizar tudo quanto ele ordena na face da terra.
13
Ora é o castigo que eles trazem, ora seus benefícios.
14
Escuta isto, Jó, pára e considera as maravilhas de Deus.
15
Sabes como ele as opera, e faz brilhar o relâmpago de sua nuvem?
16
Sabes a lei do equilíbrio das nuvens, e o milagre daquele cuja ciência é infinita?
17
Por que são quentes as tuas vestes, quando repousa a terra ao sopro do meio-dia?
18
Saberás, como ele, estender as nuvens, e torná-las sólidas como um espelho de metal fundido?
19
Dá-me a conhecer o que lhe diremos. Mergulhados em nossas trevas, só sabemos objetar.
20
Quem lhe repetirá o que digo? Acaso pedirá um homem a sua própria perdição?
21
Agora já não se vê a luz, o sol brilha através das nuvens; passe um golpe de vento, e ele as varrerá;
22
a luz vem do norte. Deus está envolto numa majestade temível;
23
não podemos atingir o Todo-poderoso: eminente em força, em eqüidade, em justiça, não tem a dar contas a ninguém.
24
Que os homens, pois, o reverenciem! Ele não olha aqueles que se julgam sábios.

Primeiro discurso de Deus

38 1 Então, do seio da tempestade, o Senhor deu a Jó esta resposta:
2
Quem é aquele que obscurece assim a Providência com discursos sem inteligência?
3
Cinge os teus rins como um homem; vou interrogar-te e tu me responderás.
4
Onde estavas quando lancei os fundamentos da terra? Fala, se estiveres informado disso.
5
Quem lhe tomou as medidas, já que o sabes? Quem sobre ela estendeu o cordel?
6
Sobre que repousam suas bases? Quem colocou nela a pedra de ângulo,
7
sob os alegres concertos dos astros da manhã, sob as aclamações de todos os filhos de Deus?
8
Quem fechou com portas o mar, quando brotou do seio maternal,
9
quando lhe dei as nuvens por vestimenta, e o enfaixava com névoas tenebrosas;
10
quando lhe tracei limites, e lhe pus portas e ferrolhos,
11
dizendo: Chegarás até aqui, não irás mais longe; aqui se deterá o orgulho de tuas ondas?
12
Algum dia na vida deste ordens à manhã? Indicaste à aurora o seu lugar,
13
para que ela alcançasse as extremidades da terra, e dela sacudisse os maus,
14
para que ela tome forma como a argila de sinete e tome cor como um vestido,
15
para que seja recusada aos maus a sua luz, e sejam quebrados seus braços já erguidos?
16
Foste até as fontes do mar? Passaste até o fundo do abismo?
17
Apareceram-te, porventura, as portas da morte? Viste, por acaso, as portas da tenebrosa morada?
18
Abraçaste com o olhar a extensão da terra? Fala, se sabes tudo isso!
19
Qual é o caminho da morada luminosa? Onde é a residência das trevas?
20
Poderias alcançá-la em seu domínio, e reconhecer as veredas de sua morada?
21
Deverias sabê-lo, pois já tinhas nascido: são tão numerosos os teus dias!
22
Penetraste nos depósitos da neve? Visitaste os armazéns dos granizos,
23
que reservo para os tempos de tormento, para os dias de luta e de batalha?
24
Por que caminho se espalha o nevoeiro, e o vento do oriente se expande pela terra?
25
Quem abre um canal para os aguaceiros, e uma rota para o relâmpago,
26
para fazer chover sobre uma terra desabitada, sobre um deserto sem seres humanos,
27
para regar regiões vastas e desoladas, para nelas fazer germinar a erva verdejante?
28
Terá a chuva um pai? Quem gera as gotas do orvalho?
29
De que seio sai o gelo, quem engendra a geada do céu,
30
quando endurecem as águas como a pedra, e se torna sólida a superfície do abismo?
31
És tu que atas os laços das Plêiades, ou que desatas as correntes do Órion?
32
És tu que fazes sair a seu tempo as constelações, e conduzes a grande Ursa com seus filhinhos?
33
Conheces as leis do céu, regulas sua influência sobre a terra?
34
Levantarás a tua voz até as nuvens, e o dilúvio te obedecerá?
35
Tua ordem fará os relâmpagos surgirem, e dir-te-ão eles: Eis-nos aqui?
36
Quem pôs a sabedoria nas nuvens, e a inteligência no meteoro?
37
Quem pode enumerar as nuvens, e inclinar as urnas do céu,
38
para que a poeira se mova em massa compacta, e os seus torrões se aglomerem?
39
És tu que caças a presa para a leoa, e que satisfazes a fome dos leõezinhos
40
quando estão deitados em seus covis, ou quando se emboscam nas covas?
41
Quem prepara ao corvo o seu sustento, quando seus filhinhos gritam para Deus, quando andam de um lado para outro sem comida?


39 1 Conheces o tempo em que as cabras monteses dão à luz nos rochedos? Observaste o parto das corças?
2
Contaste os meses de sua gravidez, e sabes o tempo de seu parto?
3
Elas se abaixam e dão cria, e se livram de suas dores.
4
Seus filhos tornam-se fortes e crescem nos campos, apartam-se delas e não voltam mais.
5
Quem pôs o asno em liberdade, quem rompeu os laços do burro selvagem?
6
Dei-lhe o deserto por morada, a planície salgada como lugar de habitação;
7
ele ri-se do tumulto da cidade, não escuta os gritos do cocheiro,
8
explora as montanhas, sua pastagem, e nela anda buscando tudo o que está verde.
9
Quererá servir-te o boi selvagem, ou quererá passar a noite em teu estábulo?
10
Porás uma corda em seu pescoço, ou fenderá ele atrás de ti os teus sulcos?
11
Fiarás nele porque sua força é grande, e lhe deixarás o cuidado de teu trabalho?
12
Contarás com ele para que te traga para a casa o que semeaste, e que te encha a tua eira?
13
A asa da avestruz bate alegremente, não tem asas nem penas bondosas...
14
Ela abandona os seus ovos na terra, e os deixa aquecer no solo,
15
não pensando que um pé poderá pisá-los e que animais selvagens poderão quebrá-los.
16
É cruel com seus filhinhos, como se não fossem seus; não se incomoda de ter sofrido em vão,
17
pois Deus lhe negou a sabedoria e não lhe abriu a inteligência.
18
Mas quando alça o vôo, ri-se do cavalo e de seu cavaleiro.
19
És tu que dás o vigor ao cavalo, e foste tu que enfeitaste seu pescoço com uma crina ondulante?
20
Que o fazes saltar como um gafanhoto, relinchando terrivelmente?
21
Orgulhoso de sua força, escava a terra com a pata, atira-se à frente das armas.
22
Ri-se do medo, nada o assusta, não recua diante da espada.
23
Sobre ele ressoa a aljava, o ferro brilhante da lança e o dardo;
24
tremendo de impaciência, devora o espaço, o som da trombeta não o deixa no lugar.
25
Ao sinal do clarim, diz: Vamos! De longe fareja a batalha, a voz troante dos chefes e o alarido dos guerreiros.
26
É graças à tua sabedoria que o falcão alça o vôo, e desdobra as suas asas em direção ao meio-dia?
27
É por tua ordem que a águia levanta o vôo, e faz seu ninho nas alturas?
28
Ela habita o rochedo, e nele passa a noite, sobre a ponta rochosa e o cimo escarpado.
29
De lá espia sua presa, seus olhos penetram as distâncias.
30
Seus filhinhos se alimentam de sangue; onde quer que haja cadáveres, ali está ela.
31
O Senhor, dirigindo-se a Jó, lhe disse:
32
Aquele que disputa com o Todo-poderoso apresente suas críticas! Aquele que discute com Deus responda!

Primeira resposta de Jó

33 Jó respondeu ao Senhor nestes termos:
34
Leviano como sou, que posso responder-te? Ponho minha mão na boca;
35
falei uma vez, não repetirei, duas vezes... nada acrescentarei.

Segundo discurso de Deus

40 1 Então, do seio da tempestade, o Senhor deu a Jó esta resposta:
2
Cinge os teus rins como um homem; vou interrogar-te, tu me responderás.
3
Queres reduzir a nada a minha justiça, e condenar-me antes de ter razão?
4
Tens um braço semelhante ao de Deus, e uma voz troante como a dele?
5
Orna-te então de grandeza e majestade, reveste-te de esplendor e glória!
6
Espalha as ondas de tua cólera. Com um olhar, abaixa todo o orgulho;
7
com um olhar, humilha o soberbo, esmaga os maus no mesmo lugar em que eles estão.
8
Mete-os todos juntos debaixo da terra, amarra-lhes os rostos num lugar escondido.
9
Então eu também te louvarei por triunfares pela força de tua mão.
10
Vê Beemot, que criei contigo, nutre-se de erva como o boi.
11
Sua força reside nos rins, e seu vigor nos músculos do ventre.
12
Levanta sua cauda como (um ramo) de cedro, os nervos de suas coxas são entrelaçados.
13
Seus ossos são tubos de bronze, sua estrutura é feita de barras de ferro.
14
É obra-prima de Deus, foi criado como o soberano de seus companheiros.
15
As montanhas fornecem-lhe a pastagem, os animais dos campos divertem-se em volta dele.
16
Deita-se sob os lótus, no segredo dos caniços e dos brejos;
17
os lótus cobrem-no com sua sombra, os salgueiros da margem o cercam.
18
Quando o rio transborda, ele não se assusta; mesmo que o Jordão levantasse até a sua boca, ele ficaria tranqüilo.
19
Quem o seguraria pela frente, e lhe furaria as ventas para nelas passar cordas?
20
Poderás tu fisgar Leviatã com um anzol, e amarrar-lhe a língua com uma corda?
21
Serás capaz de passar um junco em suas ventas, ou de furar-lhe a mandíbula com um gancho?
22
Ele te fará muitos rogos, e te dirigirá palavras ternas?
23
Concluirá ele um pacto contigo, a fim de que faças dele sempre teu escravo?
24
Brincarás com ele como com um pássaro, ou atá-lo-ás para divertir teus filhos?
25
Será ele vendido por uma sociedade de pescadores, e dividido entre os negociantes?
26
Crivar-lhe-ás a pele de dardos, fincar-lhe-ás um arpão na cabeça?
27
Tenta pôr a mão nele, sempre te lembrarás disso, e não recomeçarás.
28
Tua esperança será lograda, bastaria seu aspecto para te arrasar.


41 1 Ninguém é bastante ousado para provocá-lo; quem lhe resistiria face a face?
2
Quem pôde afrontá-lo e sair com vida, debaixo de toda a extensão do céu?
3
Não quero calar (a glória) de seus membros, direi seu vigor incomparável.
4
Quem levantou a dianteira de sua couraça? Quem penetrou na dupla linha de sua dentadura?
5
Quem lhe abriu os dois batentes da goela, em que seus dentes fazem reinar o terror?
6
Sua costa é um aglomerado de escudos, cujas juntas são estreitamente ligadas;
7
uma toca a outra, o ar não passa por entre elas;
8
uma adere tão bem à outra, que são encaixadas sem se poderem desunir.
9
Seu espirro faz jorrar a luz, seus olhos são como as pálpebras da aurora.
10
De sua goela saem chamas, escapam centelhas ardentes.
11
De suas ventas sai uma fumaça, como de uma marmita que ferve entre chamas.
12
Seu hálito queima como brasa, a chama jorra de sua goela.
13
Em seu pescoço reside a força, diante dele salta o espanto.
14
As barbelas de sua carne são aderentes, esticadas sobre ele, inabaláveis.
15
Duro como a pedra é seu coração, sólido como a mó fixa de um moinho.
16
Quando se levanta, tremem as ondas, as vagas do mar se afastam.
17
Se uma espada o toca, ela não resiste, nem a lança, nem a azagaia, nem o dardo.
18
O ferro para ele é palha; o bronze, pau podre.
19
A flecha não o faz fugir, as pedras da funda são palhinhas para ele.
20
O martelo lhe parece um fiapo de palha; ri-se do assobio da azagaia.
21
Seu ventre é coberto de cacos de vidro pontudos, é uma grade de ferro que se estende sobre a lama.
22
Faz ferver o abismo como uma panela, faz do mar um queimador de perfumes.
23
Deixa atrás de si um sulco brilhante, como se o abismo tivesse cabelos brancos.
24
Não há nada igual a ele na terra, pois foi feito para não ter medo de nada;
25
afronta tudo o que é elevado, é o rei dos mais orgulhosos animais.

Segunda resposta de Jó

42 1 Jó respondeu ao Senhor nestes termos:
2
Sei que podes tudo, que nada te é muito difícil.
3
Quem é que obscurece assim a Providência com discursos ininteligíveis? É por isso que falei, sem compreendê-las, maravilhas que me superam e que não conheço.
4
Escuta-me, deixa-me falar: vou interrogar-te, tu me responderás.
5
Meus ouvidos tinham escutado falar de ti, mas agora meus olhos te viram.
6
É por isso que me retrato, e arrependo-me no pó e na cinza.

Epílogo

7 Depois que o Senhor acabou de dirigir essas palavras a Jó, disse a Elifaz de Temã: Estou irritado contra ti e contra teus amigos, porque não falastes corretamente de mim, como Jó, meu servo.
8
Procurai, pois, sete touros e sete carneiros, e vinde ter com meu servo Jó. Oferecei por vós este holocausto, e meu servo Jó intercederá por vós. É em consideração a ele que não vos infligirei ignomínias por não terdes falado bem de mim, como Jó, meu servo.
9
Elifaz de Temã, Baldad de Sué e Sofar de Naamã foram-se então para fazer como o Senhor lhes tinha ordenado, e o Senhor tomou em consideração as orações de Jó.
10
Enquanto Jó rezava por seus amigos, o Senhor o restabeleceu de novo em seu primeiro estado e lhe tornou em dobro tudo quanto tinha possuído.
11
Todos os seus irmãos, todas as suas irmãs, todos os seus amigos de antigamente vieram visitá-lo e sentaram-se com ele à mesa em sua casa. Tiveram muito dó dele e deram-lhe condolências a respeito de todas as infelicidades que o Senhor lhe enviara; e cada um deles ofereceu-lhe uma peça de prata e um anel de ouro.
12
O Senhor abençoou os últimos tempos de Jó mais do que os primeiros, e teve Jó quatorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de bois e mil jumentas.
13
Teve também sete filhos e três filhas:
14
chamou a primeira Jêmina, a segunda Quetsia e a terceira Queren-Hapuc.
15
Em toda a terra não poderiam ser encontradas mulheres mais belas do que as filhas de Jó. E seu pai lhes destinou uma parte da herança entre seus irmãos.
16
Depois disso, Jó viveu ainda cento e quarenta anos, e conheceu até a quarta geração dos filhos de seus filhos.
17
Depois, velho e cheio de dias, morreu.



Giobbe (SAV) 32