Audiências 2005-2013 7095

7 de Setembro de 2005: Carta de São Paulo aos Colossenses 1, 3.12-20: Cristo foi gerado antes de todas as criaturas

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1. Já nos detemos anteriormente sobre o grandioso afresco de Cristo, Senhor do universo e da história, que domina o hino colocado no início da Carta de São Paulo aos Colossenses. Este cântico, de facto, marca as quatro semanas nas quais se desenvolve a Liturgia das Vésperas.

O centro do hino é constituído pelos versículos 15-20, nos quais entra em cena de maneira directa e solene Cristo, definido "imagem" do "Deus invisível" (
Col 1,15). A palavra grega eikon, "ícone", é querida ao Apóstolo: nas suas Cartas usa-a nove vezes aplicando-a quer a Cristo, ícone perfeito de Deus (cf. 2Co 4,4), quer ao homem, imagem e glória de Deus (cf. 1Co 11,7). Mas, com o pecado, os homens "trocaram a glória do Deus incorruptível por figuras representativas do homem corruptível" (Rm 1,23), escolhendo adorar os ídolos, tornando-se semelhantes a eles.

Por isso, devemos modelar continuamente o nosso ser e a nossa vida na imagem do Filho de Deus (cf. 2Co 3,18), porque fomos "libertados do poder das trevas", "transferidos para o reino do seu Filho dilecto" (Col 1,13).Este é o primeiro imperativo deste hino: modelar a nossa vida na imagem do Filho de Deus, entrando nos seus sentimentos e na sua bondade, no seu pensamento.

2. Depois, Cristo é proclamado "primogénito (gerado antes) de todas as criaturas" (Col 1,15). Cristo precede toda a criação (cf. Col 1,17), sendo gerado desde a eternidade: por isso "foi nele que todas as coisas foram criadas, nos céus e na terra" (Col 1,16). Também na antiga tradição hebraica se afirma que "todo o mundo foi criado em vista do Messias" (Sanhedrin 98b).

Para o Apóstolo, Cristo é o princípio de união ("todas as coisas n'Ele subsistem"), o mediador ("por meio d'Ele"), e o destino final para o qual converge toda a criação. Ele é "o primogénito de muitos irmãos" (Rm 8,29), ou seja é o Filho por excelência na grande família dos filhos de Deus, na qual nos insere o Baptismo.

3. A este ponto o olhar passa do mundo da criação para a história: Cristo é "a cabeça do corpo, isto é a Igreja" (Col 1,18) e já o é através da sua Encarnação. De facto, Ele entrou na comunidade humana, para a reger e a unificar num "corpo", isto é, numa unidade harmoniosa e fecunda. A consistência e o crescimento da humanidade têm em Cristo a raiz, o fulcro vital, "o princípio".

Precisamente com esta primazia Cristo pode tornar-se o princípio da ressurreição de todos, o "primogénito entre os mortos", porque "em Cristo todos voltarão a receber a vida... primeiro, Cristo, depois, aqueles que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda" (1Co 15,22-23).

4. O hino encaminha-se para a conclusão celebrando a "plenitude", em grego pleroma, que Cristo tem em si como dom do amor do Pai. É a plenitude da divindade que se irradia tanto no universo como na humanidade, tornando-se fonte de paz, de unidade, de harmonia perfeita (Col 1,19-20).

Esta "reconciliação" e "pacificação" é realizada através "do sangue da cruz", pelo qual somos justificados e santificados. Derramando o seu sangue e oferecendo-se a si mesmo, Cristo efundiu a paz que, na linguagem bíblica é síntese dos bens messiânicos e plenitude salvífica que se difunde em toda a realidade criada.

Por isso, o hino termina com um horizonte luminoso de reconciliação, unidade, harmonia e paz, sobre o qual se eleva solene a figura do seu artífice, Cristo, "Filho predilecto" do Pai.

5. Os escritores da antiga tradição cristã reflectiram sobre esta densa perícope. São Cirillo de Jerusalém, num dos seus diálogos, cita o cântico da Carta aos Colossenses para responder a um interlocutor anónimo que lhe tinha perguntado: "Dizemos portanto que o Verbo gerado por Deus Pai sofreu depois por nós na sua carne?". A resposta, em continuidade com o cântico, é afirmativa.

De facto, afirma Cirilo, "a imagem do Deus invisível, o primogénito de todas as criaturas, visível e invisível pelo qual e no qual tudo existe, foi dada diz Paulo como cabeça à Igreja: além disso, ele é o primogénito de muitos mortos", isto é, o primeiro na série dos mortos que ressuscitam. Ele, prossegue Cirilo, "renunciando à alegria que lhe fora proposta, sofreu a cruz, desprezando a ignomínia" (He 12,2). Nós dizemos que não foi um simples homem, cheio de honras, não sei como, pela sua união com ele sacrificado por nós, mas o próprio Senhor da glória foi crucificado" (Porque Cristo é um: Colecção de Textos Patrísticos, XXXVII, Roma 1983, pág. 101).

Diante deste Senhor da glória, sinal do amor supremo do Pai, também nós elevamos o nosso canto de louvor e nos prostramos em adoração e agradecimento.



Saudações

Amados peregrinos de língua portuguesa, queridos alunos e directores das Academias Militares Brasileiras e do Seminário do Patriarcado de Lisboa: a todos dou as boas-vindas, feliz e agradecido pela vossa visita amiga. Esta testemunha o afecto que sentis pelo Sucessor de Pedro e estou certo se respira nas gloriosas Instituições de formação onde vos preparais para as exigentes mansões que vos esperam. Enquanto confio vossas vidas à protecção e exemplo da Virgem Maria para um serviço corajoso e humilde, consciencioso e perseverante, com simpatia e humanidade, de coração vos abençoo a vós, vossas famílias e comunidades.

Dirijo agora a minha saudação aos peregrinos de língua italiana. Com afecto saúdo os representantes da Ordem cisterciense, reunidos em Capítulo geral. Caríssimos, possa este acontecimento de graça ajudar-vos a viver sempre mais fielmente o vosso carisma, para continuar a caminhar com renovado fervor e zelo pela via-mestra, experimentado por séculos de fecundidade espiritual. Nunca deixeis que as dificuldades enfraqueçam o entusiasmo da vossa adesão ao Evangelho!

Saúdo depois as Irmãs dos Pobres, também elas reunidas em Capítulo, as Filhas da Igreja e a Comunidade do Seminário de Andria. Saúdo também os dirigentes e os dependentes das empresas "Grünenthal" e "Formento", que vieram em tao grande número, e os representantes da Guarda de Finanças de Catanzaro. Desejo a todos que vos deixeis iluminar sempre por Cristo, para dar testemunho da sua presença salvífica em todos os ambientes.

Por fim saúdo a vós, jovens, doentes e novos casais. Amanha celebraremos a festa da Natividade da Virgem. A celeste Mae de Deus vos guie e ampare no caminho de uma adesao a Cristo e ao seu evangelho cada vez mais perfeita.

Concluamos este nosso encontro com o cântico do Pater noster.


14 de Setembro de 2005: Salmo 131, 1-10 (vulg.): As promessas divinas feitas a David

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1. Ouvimos a primeira parte do Salmo 131, um hino que a Liturgia das Vésperas nos oferece em dois momentos distintos. Não poucos estudiosos pensam que este cântico tenha ressoado na celebração solene do transporte da arca do Senhor, sinal da presença divina no meio do povo de Israel, em Jerusalém, a nova capital escolhida por David. Na narração deste acontecimento, do modo como nos é narrado pela Bíblia, lê-se que o rei David "cingindo a insígnia votiva de linho, dançava com todas as suas forças diante do Senhor. O rei e todos os israelitas conduziram a Arca do Senhor, com gritos de alegria e tocando trombetas" (
2S 6,14-15).

Outros estudiosos, ao contrário, reconduzem o Salmo 131 a uma celebração comemorativa daquele acontecimento antigo, depois da instituição do culto no santuário de Sião por obra precisamente de David.

2. O nosso hino parece supor uma dimensão litúrgica: provavelmente era usado durante o desenvolvimento de uma procissão, com a presença de sacerdotes e fiéis e a participação de um coro.

Seguindo a Liturgia das Vésperas, deter-nos-emos sobre os primeiros dez versículos do Salmo, que agora proclamamos. No centro desta parte está colocado o juramento solene pronunciado por David. De facto, diz-se que ele deixando para trás o áspero contraste com o predecessor, o rei Saul "fez juramento ao Senhor e um voto ao Deus de Jacob" (cf. Ps 132,2). O conteúdo deste compromisso solene, expresso nos vv. Ps 132,3-5, é claro: o soberano não entrará no palácio real de Jerusalém, não irá repousar tranquilo, se primeiro não tiver encontrado uma morada para a arca do Senhor.

Por conseguinte, deve haver no próprio centro da vida social uma presença que evoca o mistério de Deus transcendente. Deus e homem caminham juntos na história, e o templo tem a tarefa de assinalar de modo visível esta comunhão.

3. Neste ponto, depois das palavras de David, apresenta-se, talvez através das palavras de um coro litúrgico, a memória do passado. De facto, é reevocado o encontro da arca nos campos de Jaar, na região de Efrata (cf. Ps 132,6): permenecera ali durante muito tempo, depois de ter sido restituída pelos Filisteus a Israel, que a tinha perdido durante uma batalha (cf. 1S 7,1 2S 6,2 2S 6,11). Por isso, da província é conduzida à futura cidade santa e o nosso trecho termina com uma celebração de festa que vê, por um lado, o povo adorante (cf. Ps 131,7 Ps 131,9), isto é, a assembleia litúrgica e, por outro, o Senhor que volta a fazer-se presente e operante no sinal da arca colocada em Sião (cf. Ps 132,8), no centro do seu povo.

A alma da liturgia encontra-se neste cruzamento entre sacerdotes e fiéis, por um lado, e por outro, o Senhor com o seu poder.

4. Como selo da primeira parte do Salmo 131 ressoa uma aclamação orante a favor dos reis sucessores de David: "Por amor de David, teu servo, não desvies o teu rosto do teu ungido" (Ps 132,10).

Vê-se, portanto, o futuro sucessor de David, o "teu ungido". É fácil intuir uma dimensão messiânica nesta súplica, inicialmente destinada a impetrar amparo para o soberano hebraico nas provas da vida. A palavra "ungido" traduz de facto a palavra hebraica "Messias": o olhar do orante vai assim para além das vicissitudes do reino de Judas e projecta-se para a grande expectativa do "Consagrado" perfeito, o Messias que será sempre agradável a Deus, por ele amado e abençoado, e será não só de Israel, mas o "ungido", o rei para todo o mundo. Ele, Deus, está connosco e espera este "ungido", que depois veio na pessoa de Jesus Cristo.

5. Esta interpretação messiânica para o futuro "ungido" dominará a releitura cristã e alargar-se-á a todo o Salmo.

É significativa, por exemplo, a aplicação que Hesíquio de Jerusalém, um presbítero da primeira metade do século V, fará do v. 8 à encarnação de Cristo. Na sua Segunda Homilia sobre a Mãe de Deus ele dirige-se a Maria do seguinte modo: "Sobre ti e sobre Aquele que de ti nasceu, David não cessa de cantar sobre a cítara: "Levanta-te, Senhor, e entra no teu repouso, tu e a Arca do teu poder" (Ps 132,8)". Quem é a "Arca do teu poder?" Hesíquio responde: "Evidentemente a Virgem, a Mãe de Deus. Porque, se tu és a pérola, ela é de direito a arca; se tu és o sol, necessariamente a Virgem será chamada céu; e se tu és a Flor incontaminada, a Virgem será a planta incorruptível, paraíso de imortalidade" (Textos marianos do primeiro milénio, I, Roma 1988, pp. 532-533).

Parece-me muito importante esta dupla interpretação. Cristo é o "Ungido", o Filho do próprio Deus encarnou-se. E a Arca da Aliança, a verdadeira morada de Deus no mundo, não feita de madeira mas de carne e sangue, é Nossa Senhora, que se oferece a si mesma ao Senhor como Arca da Aliança e nos convida a sermos, nós também, morada viva para Deus no mundo.

Saudações

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua francesa aqui presentes esta manhã. Possa a Cruz de Cristo, sinal do amor do Senhor vitorioso do mal e da morte, estimular-vos para que sejais cada vez mais servos do Evangelho e artífices generosos de paz e de fraternidade!

É com prazer que saúdo os peregrinos e visitantes de língua inglesa presentes nesta Audiência, incluindo os numerosos peregrinos provenientes da Inglaterra, Irlanda, Escócia, Índia, Indonésia, Japão, Porto Rico e dos Estados Unidos. Sobre vós e sobre as vossas famílias invoco cordialmente do Senhor as bênçãos de alegria e paz.

Saúdo de coração os peregrinos e visitantes de língua alemã. Dou as boas-vindas também aos Diáconos da Arquidiocese de Hamburgo e da Diocese de Limburgo, assim como aos jovens hóspedes da Pontifícia Guarda Suíça. Levai Cristo a todos os ambientes da vossa vida. O seu Espírito vos predisponha a praticar o bem.

Dirijo cordiais boas-vindas aos peregrinos de língua italiana. Saúdo em particular os Missionários do Sagrado Coração, que estão a celebrar o Capítulo Geral, e desejo que possam viver e anunciar sempre com alegria o amor misericordioso de Deus por todos os homens.

Saúdo também os participantes no congresso nacional dos Exorcistas italianos, e encorajo-os a prosseguir no seu importante ministério ao serviço da Igreja, amparados pela vigilante atenção dos seus Bispos e da oração incessante da Comunidade crista.

Por fim, o meu pensamento dirige-se aos jovens, aos doentes e aos novos casais. Celebramos hoje a festa da Exaltação da Santa Cruz. Os meus votos são por que possais encontrar sempre neste sinal de salvação conforto e amparo, para superar qualquer obstáculo da existência quotidiana.

Concluamos o nosso encontro com o cântico do Pater Noster.


21 de Setembro de 2005: Salmo 131, 11-18 (vulg.): Eleição de David e de Sião

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1. Ressoou agora a segunda parte do Salmo 131, um cântico que evoca um acontecimento capital na história de Israel: a transladação da arca do Senhor para a cidade de Jerusalém.

David tinha sido o artífice desta transferência, testemunhado na primeira parte do Salmo, por nós já considerada. De facto, o rei tinha feito o juramento de não se estabelecer no palácio real se não tivesse encontrado primeiro uma moradia para a arca de Deus, sinal da presença do Senhor junto ao seu povo (cf.
Ps 132,3-5).

Àquele juramento do soberano corresponde agora o juramento do próprio Deus: "O Senhor fez um juramento a David, uma promessa a que não faltará" (Ps 132,11). Substancialmente esta promessa solene é a mesma que o profeta Natan fizera, em nome de Deus, ao próprio David; ela refere-se à descendência davídica futura, destinada a reinar estavelmente (cf. 2S 7,8-16).

2. Mas o juramento divino requer o compromisso humano, a ponto de estar condicionado por um "se": "Se os teus filhos guardarem a minha Aliança" (Ps 132,12). À promessa e ao dom de Deus, que nada tem de mágico, deve corresponder a adesão fiel e laboriosa do homem num diálogo que relaciona duas liberdades, a divina e a humana.

A este ponto o Salmo transforma-se num cântico que exalta os maravilhosos efeitos quer do dom do Senhor, quer da fidelidade de Israel. De facto, experimentar-se-á a presença de Deus no meio do povo (cf. Ps 132,13-14): ele será como um habitante entre os habitantes de Jerusalém, como um cidadão que vive com os outros cidadãos as vicissitudes da história, oferecendo contudo a força da sua bênção.

3. Deus abençoará as colheitas, preocupando-se que os pobres sejam saciados (cf. Ps 132,15); revestirá com o seu manto protectivo os seus sacerdotes oferecendo-lhes a salvação; fará com que todos os fiéis vivam na alegria e na confiança (cf. Ps 132,16).

A bênção mais intensa é reservada mais uma vez a David e à sua descendência: "Ali farei surgir descendência para David e farei brilhar a luz do meu ungido. Cobrirei de vergonha os seus inimigos, mas sobre ele farei brilhar o seu diadema" (Ps 132,17-18).

Mais uma vez, como tinha acontecido na primeira parte do Salmo (cf. Ps 132,10), entra em cena a figura do "Consagrado", em hebraico "Messias", relacionando assim a descendência davídica com o messianismo que, na releitura cristã, encontra plena actuação na figura de Cristo. As imagens usadas são vivazes: David é representado como um rebento que cresce vigoroso. Deus ilumina o descendente davídico com uma lâmpada cintilante, símbolo de vitalidade e de glória; uma coroa esplendorosa marcará o seu triunfo sobre os inimigos e, por conseguinte, a vitória sobre o mal.

4. Em Jerusalém, no templo que conserva a arca e na dinastia davídica, realiza-se a dupla presença do Senhor, a presença no espaço e na história. O Salmo 131 torna-se, então, uma celebração do Deus-Emanuel que está com as suas criaturas, vive ao lado delas e beneficia-as, sob condição de que permaneçam unidas a ele na verdade e na justiça. O centro espiritual deste hino já é prelúdio à proclamação joanina: "E o Verbo fez-se carne e veio habitar connosco" (Jn 1,14).

5. Concluímos recordando que o início desta segunda parte do Salmo 131 foi usado habitualmente pelos Padres da Igreja para descrever a encarnação do Verbo no seio da Virgem Maria.

Já Santo Ireneu, referindo-se à profecia de Isaías sobre a Virgem que está para dar à luz, explicava: "As palavras: "Ouve, pois, casa de David" (Is 7,13) indicam que o rei eterno, que Deus tinha prometido a David de suscitar do "fruto do seu seio" (Ps 132,11), é o mesmo que nasceu da Virgem, proveniente de David. Por isso, ele tinha prometido um rei que teria nascido do "fruto do seu seio", expressão que indica uma virgem grávida. Portanto a Escritura... situa e afirma o fruto do seio para proclamar que a geração daquele que deveria vir, teria vindo na Virgem. Precisamente como Isabel, cheia de Espírito Santo, confirmou dizendo a Maria: "Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu seio" (Lc 1,42). Assim o Espírito Santo indica àqueles que o querem ouvir que, com o parto da Virgem, isto é de Maria, se cumpriu a promessa, feita por Deus a David, de suscitar um rei do fruto do seu seio" (Contra as heresias, 3, 21, 5: Já e Ainda Não, CCCXX, Milão 1997, p. 285).

E assim vemos no grande arco, que vai do Salmo antigo até à Encarnação do Senhor, a fidelidade de Deus. No Salmo já aparece e transparece o mistério de um Deus que habita connosco, que se torna um connosco na Encarnação. E esta fidelidade de Deus é a nossa confiança nas mudanças da história, é a nossa alegria.

Saudações

Saúdo, com fraterna amizade, os peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente os brasileiros de Campinas da paróquia Nossa Senhora de Fátima com votos de que esta romagem até à cidade dos Apóstolos Pedro e Paulo viva, em todos vós, o fervor espiritual e o zelo apostólico para fazerdes amar Jesus Cristo na própria casa e na sociedade. O Pai do Céu derrame os seus dons sobre vós e vossas famílias, que de coração abençoo.

É com alegria que dou as boas-vindas aos peregrinos e visitantes de língua alemã. Saúdo de modo particular a União das Associações Históricas Alemãs dos Atiradores ao Alvo, as Irmãs de Santa Isabel e os numerosos jovens presentes na Praça de São Pedro. Pensai nisto: Deus deseja habitar entre nós. A sua bênção é uma certeza para nós se procurarmos a sua presença. Que a sua proximidade nos salve. Desejo a todos uma feliz permanência em Roma.

Dirijo uma saudação cordial aos peregrinos de língua italiana. Em particular, saúdo os participantes no Congresso mundial dos Oblatos Beneditinos e, ao expressar o meu apreço por esta iniciativa espiritual, desejo que a vossa estadia em Roma, centro da cristandade, seja para cada um estímulo para um testemunho evangélico mais corajoso e convicto.

Por fim, dirijo-me aos jovens, aos doentes e aos novos casais. Hoje celebramos a festa de São Mateus apóstolo. O seu exemplo encoraje vós, queridos jovens, a viver com coerência a vossa vocação cristã; ajude vós, queridos doentes, a oferecer os vossos sofrimentos em união com os de Cristo pela salvação da humanidade; ampare vós, novos casais, no compromisso constante de fidelidade no amor e de abertura ao dom da vida.


28 de Setembro de 2005: Salmo 134, 1-12 (vulg.): Louvai o Senhor que faz maravilhas

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1. Apresenta-se agora diante de nós a primeira parte do Salmo 134, um hino de índole litúrgica, composto de alusões, reminiscências e referências de outros textos bíblicos. A liturgia, de facto, elabora com frequência os seus textos bíblicos haurindo do grande património da Bíblia um rico repertório de temas e orações, que sustentam o caminho dos fiéis.

Sigamos a elaboração orante desta primeira parte (cf.
Ps 135,1-12), que se abre com um amplo e apaixonado convite a louvar o Senhor (cf. Ps 135,1-3). O apelo dirige-se aos "servos do Senhor, que estão no templo do Senhor, nos átrios da casa do nosso Deus" (cf. Ps 135,1-2).

Portanto, estamos perante uma atmosfera viva do culto que se faz no templo, o lugar privilegiado e comunitário da oração. Ali experimenta-se de maneira eficaz a presença do "nosso Deus", um Deus "bom" e "amável", o Deus da eleição e da aliança (cf. Ps 135,3-4).

Depois do convite ao louvor, eis que uma voz solista proclama a profissão de fé, que tem início com uma fórmula "Eu sei" (Ps 135,5). Este Creio constituirá a substância de todo o hino, que se revela uma proclamação da grandeza do Senhor (ibidem Ps 135,5), manifestada nas suas obras maravilhosas.

2. A omnipotência divina manifesta-se continuamente no mundo inteiro "no céu e na terra, nos mares e nos abismos". É Ele que faz as nuvens, os relâmpagos, a chuva e os ventos, imaginados como que se estivessem encerrados em "reservatórios" ou contentores (cf. Ps 135,6-7).

Mas é sobretudo outro aspecto da actividade divina que é celebrado nesta profissão de fé. Trata-se da admirável intervenção na história, onde o Criador mostra o rosto de redentor do seu povo e de soberano do mundo. Passam diante dos olhos de Israel recolhido em oração os grandes acontecimentos do Êxodo.

Antes de tudo, eis a comemoração sintética e essencial das "chagas" do Egipto, os flagelos suscitados pelo Senhor para dominar o opressor (cf. Ps 135,8-9). Segue-se depois a evocação das vitórias alcançadas por Israel depois da longa caminhada no deserto. São atribuídas à intervenção poderosa de Deus, que "derrotou as grandes nações e matou os reis poderosos" (Ps 135,10). Por fim, eis a meta tão desejada e esperada, a da terra prometida: "entregou a terra deles como herança, como herança a Israel, seu povo" (Ps 135,12).

O amor divino tornou-se concreto e quase experimentável na história com todas as suas vicissitudes ásperas e gloriosas. A liturgia tem a tarefa de fazer com que os dons divinos estejam sempre presentes, sobretudo na grande celebração pascal que é a raiz de todas as outras solenidades e constitui o emblema supremo da liberdade e da salvação.

3. Acolhamos o espírito do Salmo e o seu louvor a Deus repropondo-o através da voz de São Clemente Romano, do modo como ressoa na longa oração conclusiva da sua Carta aos Coríntios. Ele faz notar que, como no Salmo 134 sucede o rosto de Deus redentor, também a sua protecção, já concedida aos antigos padres, chega agora até nós em Cristo: "Ó Senhor, faz resplandecer o teu rosto sobre nós, para o bem da paz, para nos proteger com a tua mão poderosa e livrar-nos de todos os pecados com o teu braço altíssimo e salvar-nos de quantos nos odeiam injustamente. Concede a concórdia e a paz a nós e a todos os habitantes da terra, como a concedeste aos nossos pais quando te invocavam santamente na fé e na verdade... A ti, o único capaz de realizar estes bens e outros maiores para nós, agradecemos por meio do grande Sacerdote e protector das nossas almas, Jesus Cristo, pelo qual sejam dadas agora glória e magnificência a Ti, de geração em geração em todos os séculos". (60, 3-4; 61, 3: Colecção de Textos Patrísticos, V, Roma 1984, pp. 90-91).

Sim, também nós podemos recitar esta oração de um Papa do primeiro século, como nossa oração para o tempo presente. "Ó Senhor, faz resplandecer o teu rosto sobre nós hoje, para o bem da paz. Concede a estes tempos concórdia e paz a nós e a todos os habitantes da terra, por Jesus Cristo que reina de geração em geração e pelos séculos dos séculos. Amém".

Saudações

Saúdo cordialmente, com votos de bem, a quantos me escutam nesta Audiência de língua portuguesa; em particular, de Portugal: uma Delegação do Clube de Golf do Estoril, um grupo da Paróquia de Vilar do Andorinho e outro de visitantes de Viseu. Do Brasil, saúdo também um grupo de visitantes. Sejam bem-vindos! E que, da visita a Roma, leveis avivada a própria fé e consciência de serdes Igreja missionária e colaboradores da unidade da fé, na verdade e no amor. Com a minha Bênção, extensiva aos que vos são queridos.

Dou calorosas boas-vindas aos peregrinos de língua inglesa presentes nesta Audiência, incluindo os grupos do Canadá, da Inglaterra, da Indonésia, da Irlanda, da Escandinávia, da África do Sul e dos Estados Unidos da América. Dirijo uma saudação particular aos Israelitas e palestinos que vieram a Roma para participar no seminário "Educação para a Paz". Sobre todos vós invoco a abundância das bênçãos da paz e da alegria de Deus.

Acolho com alegria os peregrinos de língua francesa presentes nesta Audiência, em particular o grupo vindo da Ilha da Reunião. Que a festa dos Santos Arcanjos, que celebraremos amanhã, vos estimule a serdes mensageiros do amor de Deus aos vossos irmãos. Boa peregrinação a todos!

Saúdo de coração os peregrinos e visitantes de língua alemã. A Igreja convida-vos, queridos amigos, a louvar o Senhor na Sagrada Liturgia e a agradecer-lhe pelos seus benefícios, e também pelas fadigas, porque também elas são um benefício com o qual o Senhor nos guia. Peço-vos que rezeis pelo Sínodo dos Bispos que terá início daqui a poucos dias no Vaticano. Desejo a todos vós uma agradável estadia em Roma. Deus vos abençoe!

Saúdo cordialmente os peregrinos provenientes da Polónia. Saúdo os empregados e os ouvintes da Rádio Polaca no 80º aniversário de fundação. Agradeço a todos vós pela bondade e pelas orações. A visita aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo frutifique em vós o aprofundamento da fé. Deus vos abençoe a vós e aos vossos queridos. Louvado seja Jesus Cristo!

Como de costume, o meu pensamento dirige-se por fim aos doentes, aos novos casais e aos jovens, entre os quais gostaria de saudar de modo especial os estudantes do Instituto de São Paulo das Irmãs Angélicas, em Roma. Dirijo a todos o convite a ser fiéis ao ideal evangélico para o realizar na vida de todos os dias, experimentando assim a alegria da presença de Cristo.


5 de Outubro de 2005: Salmo 134, 13-21 (vulg.): Só Deus é grande e eterno

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1. O Salmo 134, um cântico com tons pascais, é-nos oferecido pela liturgia das Vésperas em dois trechos distintos. O que agora ouvimos trata a segunda parte (cf.
Ps 135,13 Ps 135,21), que termina com o aleluia, a exclamação de louvor ao Senhor que tinha iniciado o Salmo.

Depois de ter comemorado na primeira parte do hino o acontecimento do Êxodo, centro da celebração pascal de Israel, agora o Salmista confronta de maneira incisiva duas visões religiosas diferentes. Por um lado, eleva-se a figura do Deus vivo e pessoal que está no centro da fé autêntica (cf. Ps 135,13-14). A sua é uma presença eficaz e salvífica; o Senhor não é uma realidade imóvel e ausente, mas uma pessoa viva que "guia" os seus fiéis, "movido por piedade" deles, apoiando-os com o seu poder e o seu amor.

2. Por outro lado, emerge a idolatria (cf. Ps 135,15-18), expressão de uma religiosidade desviada e enganadora. De facto, o ídolo mais não é do que uma "obra das mãos do homem", um produto dos desejos humanos; por conseguinte, é importante superar as limitações criaturais. Ele possui uma forma humana com boca, olhos, ouvidos, garganta, mas é inerte, sem vida, como acontece precisamente com uma estátua inanimada (cf. Ps 113,4-8).

O destino de quem adora estas realidades mortas é tornar-se semelhante a elas, impotente, inerte. Nesta descrição da idolatria como falsa religião está representada a eterna tentação do homem de procurar a salvação na "obra das nossas mãos", pondo a sua esperança na riqueza, no poder, no sucesso, na matéria. Infelizmente a quem se move nesta direcção, que adora a riqueza, a matéria, acontece o que já tinha descrito de maneira eficaz o profeta Isaías: "Esta gente alimenta-se de cinzas, e o seu coração, extraviado, desencaminha-os. Não consegue salvar-se, dizendo: "Não será um puro engano o que tenho na mão direita?"" (Is 44,20).

3. O Salmo 134, depois desta meditação sobre a verdadeira ou a falsa religião, sobre a fé genuína no Senhor do universo e da história e a idolatria, conclui-se com uma bênção litúrgica (cf. Ps 135,19-21), que coloca em cena uma série de figuras presentes no culto praticado no templo de Sião (cf. Ps 113,9-13).

De toda a comunidade reunida no templo eleva-se ao Deus criador do universo e salvador do seu povo na história uma bênção coral, expressa na diversidade das vozes e na humildade da fé.

A liturgia é o lugar privilegiado para a escuta da Palavra divina, que torna presentes os actos salvíficos do Senhor, mas é também o âmbito no qual se eleva a oração comunitária que celebra o amor divino. Deus e homem encontram-se num abraço de salvação, que encontra o seu cumprimento próprio na celebração litúrgica. Poderíamos dizer que esta é quase uma definição da liturgia: ela realiza um abraço de salvação entre Deus e o homem.

4. Ao comentar os versículos deste Salmo relativos aos ídolos e à semelhança que assumem com quantos neles confiam (cf. Ps 135,15-18), Santo Agostinho faz notar: "De facto acreditai, irmãos incide-se neles uma certa semelhança com os seus ídolos: certamente não no seu corpo, mas no seu homem interior. Eles têm ouvidos, mas não ouvem o que Deus lhes grita: "Quem tem ouvidos para ouvir, ouça". Têm olhos mas não vêem: isto é, têm os olhos do corpo, mas não os olhos da fé".

Eles não sentem a presença de Deus, Têm olhos mas não vêem. E do mesmo modo, "têm narinas mas não sentem odores. Somos o bom odor de Cristo em todos os lugares (cf. 2Co 2,15). Que vantagem têm eles em possuir as narinas, se não conseguem perceber o perfume suave de Cristo?".

É verdade, reconhece Agostinho, existem ainda pessoas ligadas à idolatria; isto é válido também para o nosso tempo, com o seu materialismo que é uma idolatria. Agostinho acrescenta: mesmo se estas pessoas permanecem, continua esta idolatria; "mas há contudo, todos os dias, pessoas que, convencidas dos milagres de Cristo Senhor, abraçam a fé e graças a Deus também hoje acontece!

Todos os dias se abrem olhos aos cegos e ouvidos aos surdos, começam a respirar narinas que antes estavam fechadas, dissolvem-se as línguas do mudos, consolidam-se os membros dos paralíticos, endireitam-se os pés tortos. De todas estas pedras saem filhos de Abraão (cf. Mt 3,8). Por conseguinte, diga-se também a todos eles: "Casa de Israel, bendiz ao Senhor"... Bendizei o Senhor vós, todos os povos! Isto significa: "Casa de Israel". Bendizei-o vós, prelados da Igreja!

Isto significa "Casa de Aarão". Bendizei-o, vós, ministros! Isto significa "Casa de Levi". E que dizer das outras nações? "Vós que temeis o Senhor, bendizei-o"" (Exposição sobre o PS 134,24-25, Nova Biblioteca Agostiniana, XXVIII, Roma 1977, pp. 375 377).

Apropriemo-nos deste convite e bendigamos, louvemos e adoremos o Senhor, o Deus vivo e verdadeiro.

Saudações

A minha saudação deferente e agradecida aos membros da Delegação da Casa Real de Portugal guiada pelo Infante Dom Henrique de Bragança, e também ao comandante do Navio-Escola "Brasil" com seus oficiais, cadetes e tripulação, em visita hoje à barca de Pedro. Cruzai os mares da vida guiados pela mão de Deus, sulcai os dias com a eternidade no horizonte: tais são os votos que formulo para vós e demais peregrinos presentes, nomeadamente os grupos vindos de Bento Gonçalves e Botucatu. Todos vós que temeis o Senhor, bendizei o Senhor!

É com prazer que recebo os peregrinos de língua francesa. Saúdo de modo particular as crianças do coro da diocese de Bâle, na Suíça. Quando acaba de começar a Assembleia do Sínodo dos Bispos, convido-vos a encontrar na Eucaristia o verdadeiro alimento da vossa vida e a fonte do vosso testemunho entre os irmãos.

Dou calorosas boas-vindas aos peregrinos de língua inglesa presentes hoje aqui, incluindo os grupos da Inglaterra, País de Gales, Escócia, Irlanda, Uganda, Austrália e dos Estados Unidos da América. Em particular saúdo os seminaristas do Pontifício Colégio Norte-Americano que amanhã serão ordenados Diáconos. Invoco sobre todos vós a paz e a alegria de Jesus Cristo nosso Senhor!

Saúdo cordialmente os peregrinos polacos. Transcorreram seis meses depois da partida do meu querido predecessor, o Papa João Paulo II. Todo o seu magistério e o testemunho da sua vida permaneçam para nós importantes e actuais. Confio a vossa recitação do Rosário à causa da sua beatificação. Louvado seja Jesus Cristo.

Por fim, o meu pensamento dirige-se aos doentes, aos novos casais e aos jovens, sobretudo aos representantes dos grupos juvenis de Adoração Eucarística, que vieram a Roma de várias Nações para um congresso sobre a Eucaristia. O luminoso exemplo de São Francisco de Assis, do qual celebrámos ontem a memória, vos anime, queridos jovens, a pura Eucaristia no centro da vossa vida pessoal e comunitária, aprendendo a viver da força espiritual que dela brota. Vos ajude a vós, queridos doentes, a enfrentar o sofrimento com coragem, encontrando em Cristo crucificado serenidade e conforto. Vos conduza a vós, queridos novos casais, a um amor profundo a Deus e entre vós, na experiência quotidiana da alegria que brota da doação recíproca aberta à vida.




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