Audiências 2005-2013 2086

2 de Agosto de 2006: Catequese especial aos participantes da Peregrinação Europeia de Acólitos

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Queridos irmãos e irmãs!

Obrigado pelo vosso acolhimento! A todos saúdo com grande afecto. Depois da pausa devida à permanência no Vale de Aosta, retomo hoje as Audiências gerais. E retomo com uma Audiência verdadeiramente especial, porque tenho a alegria de acolher a grande Peregrinação Europeia de Acólitos. Queridos jovens, sede bem-vindos! Dado que a maior parte dos acólitos hoje aqui reunidos nesta Praça são de língua alemã, dirijo-me em primeiro lugar a eles na minha língua materna.

Queridos acólitos. Estou feliz porque a minha primeira Audiência depois das férias nos Alpes é com os Acólitos e saúdo com afecto cada um de vós. Agradeço ao Bispo Auxiliar de Basileia, D. Martin Gächter, as palavras com que, como Presidente do Coetus Internationalis Ministrantium, introduziu a Audiência, e agradeço o foulard, graças ao qual voltei a ser acólito. Há mais de setenta anos, em 1935, comecei como acólito um longo percurso por este caminho. Saúdo cordialmente o Cardeal Christoph Schönborn, que ontem celebrou para vós a Santa Missa, e os numerosos Bispos e Sacerdotes provenientes da Alemanha, da Áustria, da Suiça e da Hungria. A vós, queridos acólitos, desejo oferecer, brevemente, dado que faz muito calor, uma mensagem que vos possa acompanhar na vida e no serviço à Igreja. Por isso, desejo retomar o assunto que estou a tratar nas Audiências destes meses.

Talvez alguns de vós saibam que nas Audiências gerais de quarta-feira estou a apresentar as figuras dos Apóstolos: o primeiro foi Simão, ao qual o Senhor deu o nome de Pedro; seu irmão André; depois outros dois irmãos, São Tiago chamado "o maior", primeiro mártir entre os Apóstolos, e João, teólogo e evangelista; e depois Tiago, chamado "o menor". Penso continuar a apresentar cada um dos Apóstolos nas próximas Audiências, nas quais, por assim dizer, a Igreja se torna pessoal. Contudo, hoje detemo-nos sobre um tema comum: que tipo de pessoas eram os Apóstolos. Em breve, poderíamos dizer que eram "amigos" de Jesus. Ele mesmo os chamou assim na Última Ceia, dizendo-lhes: "Já não vos chamo servos... mas amigos" (cf.
Jn 15,15). Eles foram, e puderam ser, apóstolos e testemunhas de Cristo porque eram seus amigos, porque o conheciam a partir da outra amizade, porque estavam próximos dele. Estavam unidos por um vinculo de amor vivificado pelo Espírito Santo.

Nesta perspectiva, podemos compreender o tema da vossa peregrinação: "Spiritus vivificat". É o Espírito, o Espírito Santo que vivifica. É ele que vivifica o vosso relacionamento com Jesus, de modo que não seja apenas exterior. "Sabemos que existiu e que está presente no Sacramento", e que faz com que se torne um relacionamento intimo, profundo, de amizade deveras pessoal, capaz de dar sentido à vida de cada um de vós. E dado que o conheceis, e que o conheceis na amizade, podeis testemunhá-lo e levá-lo às outras pessoas. Hoje, ao ver-vos aqui diante de mim na Praça de São Pedro, penso nos Apóstolos e sinto a voz de Jesus que diz: "Já não vos chamo servos... mas amigos. Permanecei no meu amor... e dareis muito fruto" (cf. Jn 15,9 Jn 15,16). Eu convido-vos: ouvi esta voz! Cristo não disse isto só há dois mil anos; ele está vivo e continua a dize-lo a vós agora.

Ouvi esta voz com grande disponibilidade; ele diz algo a cada um de vós. Talvez a alguns de vós diga: "desejo que me sirvas de modo especial como sacerdote, tornando-te assim minha testemunha, sendo meu amigo e introduzindo outros nesta amizade". Contudo, escutai com confiança a voz de Jesus. A vocação de cada um é diversa, mas Cristo deseja fazer amizade com todos, como fez com Simão, que chamou Pedro, com André, Tiago, João e com os outros Apóstolos. Ofereceu-vos a sua palavra e continua a oferece-la, para que conheçais a verdade, para que saibais qual é verdadeiramente a situação do homem, e por conseguinte, para que saibais como se deve viver de maneira justa, como se deve enfrentar a vida para que se torne verdadeira. Assim podereis ser, cada um a seu modo, seus discípulos e apóstolos.

Queridos Acólitos, na realidade vós já sois apóstolos de Jesus! Quando participais na Liturgia desempenhando o vosso serviço no altar, ofereceis a todos um testemunho. A vossa atitude recolhida, a vossa devoção que parte do coração e se exprime nos gestos, no canto, nas respostas: se o fizerdes do modo justo e sem distracções, de um modo qualquer, então o vosso é um testemunho que toca os homens. O vínculo de amizade com Jesus tem a sua fonte e o seu ápice na Eucaristia. Vós estais muito próximos de Jesus Eucaristia, e este é o maior sinal da sua amizade por cada um de nós. Não vos esqueçais disto; e por isso vos digo: não vos habitueis a este dom, para que não se torne uma espécie de hábito, sabendo como funciona e fazendo-o automaticamente, mas descobri todos os dias novamente que se realiza uma coisa grandiosa, que o Deus vivente está no meio de nós, e que podeis estar próximos dele e contribuir para que o seu mistério seja celebrado e alcance as pessoas.

Se não cederdes ao hábito e desempenhardes o vosso serviço a partir do vosso intimo, então sereis verdadeiramente seus apóstolos e dareis frutos de bondade e de serviço em todos os âmbitos da vossa vida: na família, na escola, no tempo livre. Levai aquele amor que recebeis na Liturgia a todas as pessoas, especialmente onde vos aperceberdes que falta o amor, que não recebem bondade, que sofrem e estão sós. Com a força do Espírito Santo, procurai levar Jesus precisamente àquelas pessoas que são marginalizadas, que não são muito amadas, que tem problemas. Precisamente ali, deveis levar Jesus com a força do Espírito Santo. Assim aquele Pão, que vedes repartir no altar, será ainda partilhado e multiplicado, e vós, como os doze Apóstolos, ajudareis Jesus a distribui-lo entre o povo de hoje, nas diversas situações da vida. Assim, queridos acólitos, são estas as minhas últimas palavras para vós: sede sempre amigos de Cristo!
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Saudações

Saúdo também os peregrinos do Brasil e de Portugal, mormente da paróquia de Santa Maria Maior de Vila Real, aqui presentes e os acólitos e coroinhas que participam desta Audiência. Que Deus vos abençoe!

Saúdo cordialmente os peregrinos Polacos e, de modo especial, os acólitos que participam na grande Peregrinação Europeia de Acólitos. Sei que na Polónia são numerosos os jovens que prestam o serviço no altar. Desejo-lhes, e especialmente a vós aqui presentes, que permaneçam sempre amigos e apóstolos de Cristo. A todos vós, aos acólitos e aos seus entes queridos, concedo de coração a minha bênção.

Dirijo uma saudação especial aos doentes e aos novos casais hoje presentes. O amor de Cristo seja sempre para vós, fonte de conforto e de paz; e ajude a vós, queridos novos casais, a tornar todos os dias mais firme e profunda a vossa união.
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Apelo pela paz no Médio Oriente

Por fim, convido todos a continuar a rezar pela querida e martirizada região do Médio Oriente. Os nossos olhos estão cheios das arrepiantes imagens dos corpos martirizados de tantas pessoas, sobretudo de crianças penso em particular em Caná, no Líbano. Desejo repetir que nada pode justificar o derramamento de sangue inocente, onde quer que aconteça! Com o coração repleto de aflição, renovo mais uma vez um premente apelo à imediata cessação de todas as hostilidades e de todas as violências, enquanto exorto a comunidade internacional e quantos estão envolvidos mais directamente nesta tragédia a estabelecer o mais depressa possível as condições para uma solução política definitiva da crise, capaz de garantir um futuro mais sereno e seguro às gerações que virão.




9 de Agosto de 2006: João, o teólogo

9086 Queridos irmãos e irmãs!

Antes das férias eu tinha começado a fazer pequenos retratos dos doze Apóstolos. Os Apóstolos eram companheiros de vida de Jesus, amigos de Jesus e este caminho deles com Jesus não era só um caminho exterior, da Galileia a Jerusalém, mas um caminho interior no qual aprenderam a fé em Jesus Cristo, não sem dificuldades porque eram homens como nós. Mas precisamente por isto, porque eram companheiros de vida de Jesus, amigos de Jesus que num caminho não fácil aprenderam a fé, são também guias para nós, que nos ajudam a conhecer Jesus Cristo, a amá-lo e a ter fé n'Ele. Eu já tinha falado sobre quatro dos doze Apóstolos: de Simão Pedro, do seu irmão André, de Tiago, o irmão de São João, e do outro Tiago, chamado "o Menor", que escreveu uma Carta que encontramos no Novo Testamento. E eu tinha começado a falar de João, o evangelista, mencionando na última audiência antes das férias os dados essenciais que traçam a fisionomia deste Apóstolo. Agora gostaria de concentrar a atenção sobre o conteúdo do seu ensinamento. Por conseguinte, os escritos dos quais hoje desejamos ocupar-nos são o Evangelho e as Cartas que têm o seu nome.

Se existe um assunto característico que mais sobressai nos escritos de João, é o amor. Não foi por acaso que quis iniciar a minha primeira Carta encíclica com as palavras deste Apóstolo: "Deus é amor (Deus caritas est); quem está no amor habita em Deus e Deus habita nele" (
1Jn 4,16). É muito difícil encontrar textos do género noutras religiões. Portanto, tais expressões põem-nos diante de um dado verdadeiramente peculiar do cristianismo. Certamente João não é o único autor das origens cristãs que fala do amor. Sendo este um elemento essencial do cristianismo, todos os escritores do Novo Testamento falam dele, mesmo se com acentuações diferentes. Se agora nos detemos a reflectir sobre este tema em João, é porque ele nos traçou com insistência e de modo incisivo as suas linhas principais. Portanto, confiemo-nos às suas palavras. Uma coisa é certa: ele não reflecte de modo abstracto, filosófico, ou até teológico, sobre o que é o amor. Não, ele não é um teórico. De facto, o verdadeiro amor, por sua natureza, nunca é meramente especulativo, mas faz referência directa, concreta e verificável a pessoas reais. Pois bem, João, como apóstolo e amigo de Jesus mostra-nos quais são os componentes ou melhor as fases do amor cristão, um movimento caracterizado por três momentos.

O primeiro refere-se à própria Fonte do amor, que o Apóstolo coloca em Deus, chegando, como ouvimos, a afirmar que "Deus é amor" (1Jn 4,8 1Jn 4,16). João é o único autor do Novo Testamento que nos dá uma espécie de definição de Deus. Ele diz, por exemplo, que "Deus é Espírito" (Jn 4,24) ou que "Deus é luz" (1Jn 1,5). Aqui proclama com intuição resplandecente que "Deus é amor". Observe-se bem: não é simplesmente afirmado que "Deus ama", nem sequer que "o amor é Deus"! Por outras palavras: João não se limita a descrever o agir divino, mas procede até às suas raízes. Além disso, não pretende atribuir uma qualidade a um amor genérico e talvez impessoal; não se eleva do amor a Deus, mas dirige-se directamente a Deus para definir a sua natureza com a dimensão infinita do amor. Com isto João deseja dizer que o constitutivo essencial de Deus é o amor e, portanto, toda a actividade de Deus nasce do amor e está orientada para o amor: tudo o que Deus faz é por amor, mesmo se nem sempre podemos compreender imediatamente que Ele é amor, o verdadeiro amor.

Mas, a este ponto é indispensável dar um passo em frente e esclarecer que Deus demonstrou concretamente o seu amor entrando na história humana mediante a pessoa de Jesus Cristo, que encarnou, morreu e ressuscitou por nós. Este é o segundo momento constitutivo do amor de Deus. Ele não se limitou às declarações verbais, mas, podemos dizer, empenhou-se verdadeiramente e "pagou" em primeira pessoa. Como escreve precisamente João, "Tanto amou Deus o mundo (isto é: todos nós) que lhe entregou o seu Filho Unigénito" (Jn 3,16). Agora, o amor de Deus pelos homens concretiza-se e manifesta-se no amor do próprio Jesus. João escreve ainda: Jesus "que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo" (Jn 13,1). Em virtude deste amor oblativo e total nós somos radicalmente resgatados do pecado, como escreve ainda São João: "Filhinhos meus... se alguém pecar, temos junto do Pai um advogado, Jesus Cristo, o Justo, pois Ele é a vítima que expia os nossos pecados, e não somente os nossos, mas também os de todo o mundo" (1Jn 2,1-2 cf. 1Jn 1,7). Eis até onde chegou o amor de Jesus por nós: até à efusão do próprio sangue para a nossa salvação! O cristão, detendo-se em contemplação diante deste "excesso" de amor, não pode deixar de reflectir sobre qual é a resposta obrigatória. E penso que sempre e de novo cada um de nós deve interrogar-se sobre isto.

Esta pergunta introduz-nos no terceiro momento da dinâmica do amor: de destinatários receptivos de um amor que nos precede e nos domina, somos chamados ao compromisso de uma resposta activa, que para ser adequada só pode ser uma resposta de amor. João fala de um "mandamento". De facto, ele refere estas palavras de Jesus: "Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei" (Jn 13,34). Onde está a novidade à qual Jesus se refere? Ela consiste no facto de que não se contenta de repetir o que já era exigido no Antigo Testamento e que lemos nos outros Evangelhos: "Ama o próximo como a ti mesmo" (Lv 19,18 cf. Mt 22,37-39 Mc 12,29-31 Lc 10,27). No antigo preceito o critério normativo era presumido a partir do homem ("como a ti mesmo"), enquanto que no preceito mencionado por João, Jesus apresenta como motivo e norma do nosso amor a sua própria pessoa: "Como Eu vos amei". É assim que o amor se torna verdadeiramente cristão, levando em si a novidade do cristianismo: quer no sentido de que ele deve destinar-se a todos sem distinções, quer porque deve sobretudo chegar até às últimas consequências, tendo unicamente como medida chegar ao extremo. Aquelas palavras de Jesus, "como Eu vos amei", convidam-nos e ao mesmo tempo preocupam-nos; são uma meta cristológica que pode parecer inalcançável, mas são, ao mesmo tempo, um estímulo que não nos permite acomodar-nos no que podemos realizar. Não permite que nos contentemos do que somos, mas estimula-nos a permanecer a caminho rumo a esta meta.

Aquele texto áureo de espiritualidade que é o pequeno livro do final da Idade Média intitulado Imitação de Cristo escreve a este propósito: "O nobre amor de Jesus estimula-nos a realizar coisas grandes e a desejar coisas sempre mais perfeitas. O amor quer estar no alto e não ser aprisionado por baixeza alguma. O amor quer ser livre e separado de qualquer afecto mundano... de facto, o amor nasceu de Deus, e só pode repousar em Deus acima de todas as coisas criadas. Quem ama voa, corre e rejubila, é livre, e nada o retém. Dá tudo a todos e tem tudo em todas as coisas, porque encontra repouso no Único grande que está acima de todas as coisas, do qual brota e provém qualquer bem" (livro III, cap. 5). Qual melhor comentário do que o "mandamento novo", enunciado por João? Pedimos ao Pai que o possamos viver, mesmo se sempre de modo imperfeito, tão intensamente que contagiemos a todos os que encontrarmos no nosso caminho.
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Saudações

Saúdo cordialmente os peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente os fiéis da paróquia de São Bernardo e restantes grupos de Portugal e do Brasil, com votos de que os vossos corações sejam inundados pelo amor de Deus, que se manifestou em Jesus Cristo. Ele levou até ao extremo o seu amor por nós e disse: "Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei". O nobre amor de Jesus impele-nos a realizar coisas grandes e faz-nos desejar coisas sempre mais perfeitas. Modelo excelso disto mesmo é a Virgem Maria assunta ao Céu em corpo e alma, cuja festa nos preparamos para celebrar, pedindo-lhe, para vós e vossas famílias, a abundância deste amor que nasce de Deus e não pode repousar senão em Deus.

Saúdo os peregrinos da Polónia. A visita aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo suscite nos vossos corações a consolidação da fé, da esperança e do amor. Desejo a todos boas e felizes férias. Deus abençoe a vós e aos vossos familiares. Louvado seja Jesus Cristo!

Dou agora as cordiais boas-vindas aos peregrinos de língua italiana. Em particular, saúdo a vós queridos seminaristas provenientes de diversas Dioceses italianas, reunidos em Sacrofano para o encontro estival dos seminaristas maiores, e desejo que valorizeis os ensinamentos e as experiências espirituais destes dias. Depois saúdo a vós, participantes no campo internacional promovido pela Obra Giorgio La Pira, de Florença, e garanto a minha oração para que o Senhor enriqueça de frutos a vossa actividade cultural e religiosa. O meu pensamento dirige-se ainda, a vós, jovens que participais no Encontro internacional promovido pelos Frades Menores Conventuais. Deus faça com que sejais cada vez mais testemunhas e construtores de paz, seguindo as pegadas do Pobrezinho de Assis.

Por fim, como de costume, dirijo a minha saudação a vós, queridos jovens, doentes e novos casais. Celebramos hoje a festa de Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein, co-Padroeira da Europa. Esta heróica testemunha do Evangelho ajude cada um a ter sempre confiança em Cristo e a encarnar na própria existência a sua mensagem de salvação.


16 de Agosto de 2006: Solenidade da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria

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Queridos irmãos e irmãs!

O nosso habitual encontro semanal da quarta-feira tem lugar hoje ainda no clima da solenidade da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria. Por conseguinte, gostaria de vos convidar a dirigir o olhar, mais uma vez, para a nossa Mãe celeste, que ontem a liturgia nos fez contemplar triunfante com Cristo no Céu. Esta festa foi sempre muito sentida pelo povo cristão, desde os primeiros séculos do cristianismo; como se sabe, ela celebra a glorificação também corporal daquela criatura que Deus escolheu como sua Mãe e que Jesus na Cruz deu como Mãe a toda a humanidade. A Assunção recorda um mistério que diz respeito a cada um de nós porque, como afirma o Concílio Vaticano II, Maria "brilha como sinal de esperança segura e de consolação aos olhos do Povo de Deus peregrino" (Lumen gentium
LG 68). Mas estamos de tal forma absorvidos pelas vicissitudes de todos os dias que nos esquecemos por vezes desta confortadora realidade espiritual, que constitui uma importante verdade de fé.

Então como fazer para que este sinal luminoso de esperança seja sentido cada vez mais por todos nós e pela hodierna sociedade? Hoje, há quem viva como se nunca tivesse que morrer ou como se tudo terminasse com a morte; alguns comportam-se considerando que o homem é o único artífice do próprio destino, como se Deus não existisse, chegando algumas vezes até a negar que há espaço para Ele no nosso mundo. Os grandes sucessos da técnica e da ciência, que melhoraram notavelmente a condição da humanidade, deixam contudo sem solução as perguntas mais profundas do coração humano. Só a abertura ao mistério de Deus, que é Amor, pode satisfazer a sede de verdade e de felicidade do nosso coração; só a perspectiva da eternidade pode dar autêntico valor aos acontecimentos históricos e sobretudo ao mistério da fragilidade humana, do sofrimento e da morte.

Ao contemplar Maria na glória celeste, compreendemos que também para nós a terra não é a pátria definitiva e que, se vivermos voltados para os bens eternos, um dia partilharemos a sua mesma glória e também a terra se tornará mais bela. Por isso, mesmo se entre numerosas dificuldades quotidianas não devemos perder a serenidade e a paz. O sinal luminoso da Assunta ao céu resplandece ainda mais quando parecem acumular-se no horizonte sombras tristes de sofrimento e de violência. Disto temos a certeza: do alto, Maria acompanha os nossos passos com doce trepidação, alenta-nos nos momentos incertos e de tempestade, tranquiliza-nos com a sua mão materna. Amparados por esta certeza, prossigamos confiantes o nosso caminho de compromisso cristão aonde a Providência nos guiar. Continuemos, sob a guia de Maria, a nossa vida.
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Saudações

Saúdo os grupos de língua portuguesa vindos do Brasil e de Portugal, e convido a dirigir o olhar à nossa Mãe celestial, dando graças a Deus porque ontem a liturgia nos ajudou a contemplá-la triunfante com Cristo no Céu. Com a minha Bênção Apostólica.

Saúdo os polacos aqui presentes. O nosso encontro de hoje realiza-se ainda no clima da Solenidade da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria. Este é um mistério que diz respeito a cada um de nós, porque indica que a glória do céu, na qual nos espera a Mãe cheia de amor, é o nosso destino último. As nossas preocupações quotidianas não obscureçam esta confortadora realidade espiritual. Esteja vivo em nós o desejo do encontro com a nossa Mãe e com o seu Filho na casa do Pai.

Por fim, gostaria de saudar de coração também todos os peregrinos reunidos na Praça de São Pedro em Roma. Dirijo a minha saudação a todos os jovens presentes, que são tantos, assim como aos doentes e aos novos casais. Caríssimos, a luz de Cristo, que contemplámos ontem reflectida em Maria Santíssima Assunta ao Céu, ilumine sempre a vossa vida e a torne fecunda de bem.

Gostaria de concluir este nosso encontro com uma recordação particular de Frei Roger Schutz, Fundador de Taizé, assassinado a 16 de Agosto do ano passado durante a oração da noite. O seu testemunho de fé e de diálogo ecuménico foi um precioso ensinamento para inteiras gerações de jovens. Pedimos ao Senhor que o sacrifício da sua vida contribua para consolidar o compromisso de paz e de solidariedade de quantos se preocupam pelo futuro da humanidade.

23 de Agosto de 2006:João, o vidente de Patmos

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Queridos irmãos e irmãs!

Na última catequese tínhamos chegado à meditação sobre a figura do Apóstolo João. Primeiro, tínhamos procurado ver quanto se pode saber da sua vida. Depois, numa segunda catequese, tínhamos meditado acerca do conteúdo central do seu Evangelho, das suas Cartas: a caridade, o amor. E hoje estamos ainda empenhados com a figura de João, desta vez para meditar sobre o Vidente do Apocalipse. E fazemos imediatamente uma observação: enquanto nem o Quarto Evangelho nem as Cartas atribuídas ao Apóstolo trazem o seu nome, o Apocalipse faz referência ao nome de João por quatro vezes (cf.
Ap 1,1 Ap 1,4 Ap 1,9 Ap 22,8). É evidente que o Autor, por um lado, não tinha motivo algum para não mencionar o próprio nome e, por outro, sabia que os seus primeiros leitores o podiam identificar com clareza. Sabemos também que, já no século III, os estudiosos discutiam sobre a verdadeira identidade anagráfica do João do Apocalipse. Contudo, poderíamos também chamá-lo "o Vidente de Patmos", porque a sua figura está ligada com o nome desta ilha do Mar Egeu, onde, segundo o seu próprio testemunho autobiográfico, ele se encontrava como deportado "por causa da palavra de Deus e do testemunho d Jesus" (Ap 1,9). Precisamente em Patmos, "no dia do Senhor, o espírito arrebatou-me" (Ap 1,10), João teve visões grandiosas e ouviu mensagens extraordinárias, que influenciarão bastante a história da Igreja e toda a cultura cristã. Por exemplo, do título do seu livro Apocalipse, Revelação foram introduzidas na nossa linguagem as palavras "apocalipse, apocalíptico", que recordam, embora de modo impróprio, a ideia de uma catástrofe iminente.

O livro deve ser compreendido no quadro da dramática experiência das sete Igrejas da Ásia (Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia, Laodicéia), que nos finais do século I tiveram que enfrentar grandes dificuldades perseguições e tensões também internas no seu testemunho a Cristo. João dirige-se a elas mostrando profunda sensibilidade pastoral em relação aos cristãos perseguidos, que ele exorta a permanecer firmes na fé e a não se identificarem com o mundo pagão, tão forte. O seu objecto é constituído em definitiva pela revelação, a partir da morte e ressurreição de Cristo, do sentido da história humana. De facto, a primeira e fundamental visão de João refere-se à figura do Cordeiro, que é imolado mas que está de pé (cf. Ap 5,6), colocado no meio do trono onde já está sentado o próprio Deus. Com isto, João quer dizer-nos antes de tudo duas coisas: a primeira é que Jesus, mesmo tendo sido morto com um acto de violência, em vez de cair no chão paradoxalmente está bem firme sobre os seus pés, porque com a ressurreição venceu definitivamente a morte; a outra é que o próprio Jesus, precisamente porque morto e ressuscitado, já é plenamente partícipe do poder real e salvífico do Pai. Esta é a visão fundamental. Jesus, o Filho de Deus, nesta terra é um Cordeiro indefeso, ferido, morto. E contudo está erguido, de pé, está diante do trono de Deus e é partícipe do poder divino. Ele tem nas suas mãos a história do mundo. E assim o Vidente quer dizer-nos: tende confiança em Jesus, não tenhais medo dos poderes contrastantes, da perseguição! O Cordeiro ferido e morto vence! Segui o Cordeiro Jesus, confiai-vos a Jesus, caminhai pelo seu caminho! Mesmo se neste mundo é só um Cordeiro que parece frágil, é Ele o vencedor!

Uma das principais visões do Apocalipse tem por objecto este Cordeiro no acto de abrir um livro, primeiro fechado com sete selos que ninguém tinha sido capaz de abrir. João é inclusivamente apresentado no gesto de abrir o livro e de o ler (cf. Ap 5,4). A história permanece indecifrável, incompreensível. Ninguém a pode ler. Talvez este pranto de João diante do mistério da história tão obscuro expresse a perturbação das Igrejas asiáticas pelo silêncio de Deus diante das perseguições a que estavam expostas naquele momento. É uma perturbação na qual se pode reflectir bem o nosso horror face às graves dificuldades, incompreensões e hostilidades que também hoje a Igreja sofre em várias partes do mundo. São sofrimentos que a Igreja sem dúvida não merece, assim como o próprio Jesus não mereceu o seu suplício. Contudo eles revelam quer a maldade do homem, quando se abandona às sugestões do mal, quer a orientação superior dos acontecimentos por parte de Deus. Pois bem, só o Cordeiro imolado é capaz de abrir o livro selado e de revelar o seu conteúdo, de dar sentido a esta história aparentemente com tanta frequência absurda. Só Ele pode tirar indicações e ensinamentos para a vida dos cristãos, aos quais a sua vitória sobre a morte traz o anúncio e a garantia da vitória que também eles sem dúvida obterão. Toda a linguagem intensamente imaginária da qual João se serve oferece este conforto.

No centro das visões que o Apocalipse expõe estão também aquelas muito significativas da Mulher que dá à luz um Filho varão, e a complementar do Dragão precipitado do céu, mas ainda é muito poderoso. Esta Mulher representa Maria, a Mãe do Redentor, mas representa ao mesmo tempo toda a Igreja, o Povo de Deus de todos os tempos, a Igreja que em todos os tempos, com grande sofrimento, dá à luz Cristo sempre de novo. E está sempre ameaçada pelo poder do Dragão. Parece indefesa, frágil. Mas enquanto está ameaçada, perseguida pelo Dragão está também protegida pela consolação de Deus. E esta Mulher no final vence. O Dragão não vence. Eis a grande profecia deste livro, que nos dá confiança! A Mulher que sofre na história, a Igreja que é perseguida no final torna-se a Esposa maravilhosa, figura da nova Jerusalém onde não há mais lágrimas nem pranto, imagem do mundo transformado, do novo mundo cuja luz é o próprio Deus, cuja lâmpada é o Cordeiro.

Por este motivo o Apocalipse de João, mesmo estando cheio de referências contínuas a sofrimentos, tribulações e pranto a face obscura da história está de igual modo repleto de frequentes cantos de louvor, que representam quase a face luminosa da história. Assim, por exemplo, lê-se nele que uma grande multidão, que canta quase gritando: "Aleluia! O Senhor nosso Deus, o Todo-Poderoso, começou o seu reinado! Alegremo-nos, rejubilemos, dêmos-lhe glória, porque chegou o momento das núpcias do Cordeiro, a sua esposa já está pronta" (Ap 19,6-7). Estamos diante do típico paradoxo cristão, segundo o qual o sofrimento nunca precipita como última palavra, mas é visto como ponto de passagem para a felicidade. Aliás, ele mesmo já está misteriosamente cheio da alegria que brota da esperança. Precisamente por isto João, o Vidente de Patmos, pode encerrar o seu livro com uma última aspiração, palpitante de expectativa trepidante. Ela invoca a vinda do Senhor: "Vinde, Senhor Jesus!" (Ap 22,20). É uma das orações centrais da cristandade nascente, traduzida também por São Paulo na forma aramaica: "Marana tha". E esta oração "Vinde, Senhor Jesus!" (1Co 16,22) tem diversas dimensões. Naturalmente é antes de tudo expectativa da vitória definitiva do Senhor, da nova Jerusalém, do Senhor que vem e transforma o mundo. Mas, ao mesmo tempo, é também oração eucarística: "Vinde Jesus, agora!". E Jesus vem, antecipa esta sua chegada definitiva. Assim com alegria dizemos ao mesmo tempo: "Vinde agora e de modo definitivo!". Esta oração tem também um terceiro significado: "Já viestes, Senhor! Temos a certeza da vossa presença entre nós. É uma experiência jubilosa. "Mas vinde de modo definitivo!". E assim, com São Paulo, com o Vidente de Patmos, com a cristandade nascente, também nós rezamos: "Vinde, Jesus! Vinde e transformai o mundo! Vinde já hoje e vença a paz!" Amém.
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Saudações

Envio uma particular saudação aos peregrinos de língua portuguesa aqui reunidos, mormente o numeroso grupo de Portugal e os visitantes do Brasil. Faço votos por que esta passagem por Roma "para ver a Pedro" reforce a própria fé na Igreja fundada por Cristo, e anime a um maior compromisso de oração e de ação pela difusão do seu reino neste mundo.

Saúdo cordialmente os peregrinos franceses aqui presentes esta manhã, em particular o grupo de jovens peregrinos ciclistas. Cristo, vencedor do mal e da morte, ampare a vossa fé e reavive a vossa esperança, para que sejais testemunhas alegres do Evangelho entre as dificuldades do mundo!

Saúdo cordialmente os visitantes de língua espanhola, de modo especial as Religiosas Servas Ministras do Enfermos, os fiéis de várias paróquias e associações da Espanha, assim como os demais peregrinos da América Latina. Que a vossa peregrinação aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo vos confirme na fé e na caridade, e vos ajude a superar com esperança as dificuldades e contrariedades suportadas para dar testemunho de Cristo. Deus vos abençoe!

Sinto-me feliz por saudar todos os peregrinos e visitantes de língua inglesa presentes nesta Audiência, incluindo os que provêm de Taiwan, Japão e Estados Unidos da América. Que a vossa visita a Roma renove a vossa fé na Igreja, esposa de Cristo, e possa a vitória definitiva do Senhor sobre todos os males tornar-vos repletos de esperança e de coragem. Invoco sobre vós as bênçãos divinas da alegria e da paz.

Por fim, como de costume, uma cordial saudação aos doentes, aos novos casais e aos jovens, especialmente aos da acção Católica da Diocese de Altamura-Gravina-Acquaviva delle Fonti, acompanhados pelo Bispo, D. Mario Paciello. Queridos amigos, ontem a liturgia convidou-nos a invocar a Santa Mãe de Deus como nossa Rainha. Convido-vos a colocar a vós mesmos e a cada um dos vossos projectos sob a protecção materna daquele que deu o Salvador ao mundo.

30 de Agosto de 2006: Mateus

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Queridos irmãos e irmãs!

Prosseguindo a série de retratos dos doze Apóstolos, que começámos há algumas semanas, hoje detemo-nos em Mateus. Na verdade, apresentar completamente a sua figura é quase impossível, porque as notícias que lhe dizem respeito são poucas e fragmentadas. Mas o que podemos fazer, não é tanto um esboço da sua biografia, mas ao contrário o perfil que o Evangelho transmite.

Entretanto, ele está sempre presente nos elencos dos Doze escolhidos por Jesus (cf.
Mt 10,3 Mc 3,18 Lc 6,15 Ac 1,13). O seu nome hebraico significa "dom de Deus". O primeiro Evangelho canónico, que tem o seu nome, apresenta-no-lo no elenco dos Doze com uma qualificação bem clara: "o publicano" (Mt 10,3). Desta forma ele é identificado com o homem sentado no banco dos impostos, que Jesus chama ao seu seguimento: "Partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: "Segue-me!". Ele levantou-se e seguiu-o" (Mt 9,9). Também Marcos (cf. Mc 2,13-17) e Lucas (cf. Lc 5,27-30) narram a chamada do homem sentado no posto de cobrança, mas chamam-no "Levi". Para imaginar o cenário descrito em Mt 9,9 é suficiente recordar a magnífica tela de Caravaggio, conservada aqui em Roma na Igreja de São Luís dos Franceses. Dos Evangelhos sobressai um ulterior pormenor biográfico: no trecho que precede imediatamente a narração da chamada é referido um milagre realizado por Jesus em Cafarnaum (cf. Mt 9,1-8 Mc 2,1-12) e é mencionada a proximidade do Mar da Galileia, isto é do Lago de Tiberíades (cf. Mc 2,13-14). Disto pode deduzir-se que Mateus desempenhasse a função de cobrador em Cafarnaúm, situada precisamente "à beira-mar" (Mt 4,13), onde Jesus era hóspede fixo na casa de Pedro.

Com base nestas simples constatações que resultam do Evangelho podemos fazer algumas reflexões. A primeira é que Jesus acolhe no grupo dos seus íntimos um homem que, segundo as concepções em vigor na Israel daquele tempo, era considerado um público pecador. De facto, Mateus não só administrava dinheiro considerado impuro devido à sua proveniência de pessoas estranhas ao povo de Deus, mas colaborava também com uma autoridade estrangeira odiosamente ávida, cujos tributos podiam ser determinados também de modo arbitrário. Por estes motivos, mais de uma vez os Evangelhos falam unitariamente de "publicanos e pecadores" (Mt 9,10 Lc 15,1), de "publicanos e prostitutas" (Mt 21,31). Além disso eles vêem nos publicanos um exemplo de mesquinhez (cf. Mt 5,46, amam os que os amam) e mencionam um deles, Zaqueu, como "chefe dos publicanos e rico" (Lc 19,2), enquanto a opinião popular os associava a "ladrões, injustos, adúlteros" (Lc 18,11). É ressaltado um primeiro dado com base nestes elementos: Jesus não exclui ninguém da própria amizade. Ao contrário, precisamente porque se encontra à mesa em casa de Mateus-Levi, em resposta a quem falava de escândalo pelo facto de ele frequentar companhias pouco recomendáveis, pronuncia a importante declaração: "Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores" (Mc 2,17).

O bom anúncio do Evangelho consiste precisamente nisto: na oferenda da graça de Deus ao pecador! Noutro texto, com a célebre parábola do fariseu e do publicano que foram ao Templo para rezar, Jesus indica inclusivamente um anónimo publicano como exemplo apreciável de confiança humilde na misericórdia divina: enquanto o fariseu se vangloria da própria perfeição moral, "o cobrador de impostos... nem sequer ousava levantar os olhos para o céu, mas batia no peito, dizendo: "Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador"". E Jesus comenta: "Digo-vos: Este voltou justificado para sua casa, e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado" (Lc 18,13-14). Na figura de Mateus, portanto, os Evangelhos propõem-nos um verdadeiro e próprio paradoxo: quem aparentemente está afastado da santidade pode até tornar-se um modelo de acolhimento da misericórdia de Deus e deixar entrever os seus maravilhosos efeitos na própria existência. Em relação a isto, São João Crisóstomo faz uma significativa anotação: ele observa que só na narração de algumas chamadas se menciona o trabalho que as pessoas em questão desempenhavam. Pedro, André, Tiago e João são chamados quando estão a pescar, Mateus precisamente quando cobra os impostos. Trata-se de trabalhos de pouca importância — comenta Crisóstomo — "porque não há nada mais detestável do que um cobrador de impostos e nada de mais comum do que a pesca" (In Matth. Hom.: PL 57, 363). A chamada de Jesus chega portanto também a pessoas de baixo nível social, enquanto desempenham o trabalho quotidiano.

Outra reflexão, que provém da narração evangélica, é que à chamada de Jesus, Mateus responde imediatamente: "ele levantou-se e seguiu-o". A condensação da frase ressalta claramente a prontidão de Mateus ao responder à chamada. Isto significava para ele o abandono de todas as coisas, sobretudo do que lhe garantia uma fonte de lucro seguro, mesmo se muitas vezes injusto e desonesto. Evidentemente Mateus compreendeu que a familiaridade com Jesus não lhe permitia perseverar em actividades desaprovadas por Deus. Intuiu-se facilmente a aplicação ao presente: também hoje não é admissível o apego a coisas incompatíveis com o seguimento de Jesus, como é o caso das riquezas desonestas. Certa vez Ele disse sem meios-termos: "Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me" (Mt 19,21). Foi precisamente isto que Mateus fez: levantou-se e seguiu-o! Neste "levantar-se" é legítimo ver o abandono de uma situação de pecado e ao mesmo tempo a adesão consciente a uma existência nova, recta, na comunhão com Jesus.

Por fim, recordamos que a tradição da Igreja antiga concorda na atribuição a Mateus da paternidade do primeiro Evangelho. Isto acontece já a partir de Papias, Bispo de Hierápoles na Frígia por volta do ano 130. Ele escreve: "Mateus reuniu as palavras (do Senhor) em língua hebraica, e cada um as interpretou como podia" (em Eusébio de Cesareia, Hist. eccl. III, 39, 16).

O historiador Eusébio acrescenta esta notícia: "Mateus, que primeiro tinha pregado aos hebreus, quando decidiu ir também a outros povos escreveu na sua língua materna o Evangelho por ele anunciado; assim, procurou substituir com a escrita, junto daqueles dos quais se separava, aquilo que eles perdiam com a sua partida" (ibid., III, 24, 6). Já não temos o Evangelho escrito por Mateus em hebraico ou em aramaico, mas no Evangelho grego que ainda continuamos a ouvir, de certa forma, a voz persuasiva do publicano Mateus que, tendo-se tornado Apóstolo, continua a anunciar-nos a misericórdia salvadora de Deus e ouvimos esta mensagem de São Mateus, meditámo-la sempre de novo para aprender também nós a levantar-nos e a seguir Jesus com determinação.
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Saudações

Saúdo com afeto os peregrinos de língua portuguesa, mormente os visitantes portugueses. Faço votos de uma feliz estadia na Cidade Eterna, e de que este encontro com o Sucessor de Pedro reforce os seus propósitos de unidade e de comunhão na única fé em Jesus Cristo. Que Deus vos abençoe e vos proteja!

Queridos polacos, saúdo cordialmente a vós e aos vossos familiares. São Mateus deixou no seu Evangelho um particular testemunho do amor de Jesus por todos os homens. A meditação da sua mensagem seja para todos nós fonte de esperança e de Paz. Que Deus vos abençoe.

Por fim, o meu pensamento dirige-se aos jovens, aos doentes e aos novos casais.

O exemplo heróico de São João Baptista, do qual celebrámos ontem o martírio, seja para vós, queridos jovens, um estímulo para projectar a vossa existência em plena fidelidade a Cristo, vos ajude, queridos doentes, a enfrentar o sofrimento com coragem, encontrando no Senhor serenidade e conforto; e conduza a vós, estimados novos casais, a testemunhar um amor sincero a Deus, entre vós e ao próximo.




Audiências 2005-2013 2086