Audiências 2005-2013 30129

30 de Dezembro de 2009: Pedro Lombardo

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Queridos irmãos e irmãs!

Nesta última audiência do ano gostaria de vos falar de Pedro Lombardo: um teólogo que viveu no século XII, que gozou de grande fama, porque uma sua obra, intitulada Sentenças, foi adoptada como manual de teologia por muitos séculos.

Quem era portanto Pedro Lombardo? Mesmo se as notícias sobre a vida são escassas, podemos contudo reconstruir as linhas essenciais da sua biografia. Nasceu entre os séculos XI e XII, nas redondezas de Novara, no Norte da Itália, num território outrora pertencente aos Longobardos: precisamente por isto foi-lhe dado o apelativo "Lombardo". Ele pertencia a uma família de condições modestas, como podemos deduzir da carta de apresentação que Bernardo de Claraval escreveu a Gilduíno, superior da abadia de São Vítor em Paris, para lhe pedir que hospedasse gratuitamente Pedro, que desejava ir àquela cidade por motivos de estudo. De facto, também na Idade Média não só os nobres ou os ricos podiam estudar e desempenhar papéis importantes na vida eclesial e social, mas também pessoas com origens humildes, como por exemplo Gregório VII, o Papa que enfrentou o Imperador Henrique IV, ou Maurício de Sully, o Arcebispo de Paris que mandou construir Notre-Dame e que era filho de um pobre agricultor.

Pedro Lombardo iniciou os seus estudos em Bolonha, depois foi a Reims, e por fim a Paris. A partir de 1140 ensinou na prestigiosa escola de Notre-Dame. Estimado e apreciado como teólogo, oito anos mais tarde foi encarregado pelo Papa Eugénio III de examinar as doutrinas de Gilberto Porretano, que suscitavam muitos debates, porque eram consideradas não totalmente ortodoxas. Tendo-se tornado sacerdote, foi nomeado Bispo de Paris em 1159, um ano antes da sua morte, em 1160.

Como todos os mestres de teologia do seu tempo, também Pedro escreveu discursos e textos de comentário à Sagrada Escritura. A sua obra-prima é constituída pelos quatro livros das Sentenças. Trata-se de um texto nascido e finalizado para o ensino. Segundo o método teológico em uso naqueles tempos, era necessário antes de tudo conhecer, estudar e comentar o pensamento dos Padres da Igreja e de outros escritores considerados influentes. Por isso, Pedro recolheu uma documentação muito ampla, constituída principalmente pelo ensinamento dos grandes Padres latinos, sobretudo de Santo Agostinho, e aberta à contribuição de teólogos seus contemporâneos. Entre outras, ele utilizou também uma obra enciclopédica de teologia grega, há pouco tempo conhecida no Ocidente: A fé ortodoxa, composta por São João Damasceno. O grande mérito de Pedro Lombardo é ter organizado todo o material, que reuniu e seleccionou com cuidado, num quadro sistemático e harmonioso. De facto, uma das características da teologia é organizar de modo unitário e ordenado o património da fé. Por conseguinte, ele distribuiu as sentenças, ou seja, as fontes patrísticas sobre os vários argumentos, em quatro livros. No primeiro trata-se de Deus e do mistério trinitário; no segundo, da obra da criação, do pecado e da Graça; no terceiro, do Mistério da Encarnação e da obra da Redenção, com uma ampla exposição sobre as virtudes. O quarto livro é dedicado aos sacramentos e às realidades últimas, as da vida eterna, ou Novíssimos. A visão de conjunto que se obtém disto inclui quase todas as verdades da fé católica. Este olhar sintético e a apresentação clara, ordenada, esquemática e sempre coerente, explicam o sucesso extraordinário das Sentenças de Pedro Lombardo. Elas permitiam uma aprendizagem certa por parte dos estudantes, e um amplo espaço de aprofundamento para os mestres, os professores que delas se serviam. Um teólogo franciscano, Alexandre de Hales, que viveu uma geração depois de Pedro, introduziu nas Sentenças uma subdivisão, que tornou mais fácil a sua consulta e estudo. Também os maiores teólogos do século XIII, Alberto Magno, Boaventura de Bagnoregio e Tomás de Aquino, iniciaram a sua actividade académica comentando os quatro livros das Sentenças de Pedro Lombardo, enriquecendo-as com as suas reflexões. O texto de Lombardo foi o livro usado por todas as escolas de teologia, até ao século XVI.

Desejo ressaltar como a apresentação orgânica da fé é uma exigência irrenunciável. De facto, cada uma das verdades da fé se iluminam reciprocamente e, numa sua visão total e unitária, sobressai a harmonia do plano de salvação de Deus e a centralidade do Mistério de Cristo. A exemplo de Pedro Lombardo, convido todos os teólogos e os sacerdotes a ter sempre presente a visão total da doutrina cristã contra os riscos actuais de fragmentação e da desvalorização de cada uma das verdades. O Catecismo da Igreja Católica, assim como o Compêndio do mesmo Catecismo, oferecem-nos precisamente este quadro completo da Revelação cristã, que se deve acolher com fé e gratidão. Gostaria de encorajar portanto também cada um dos fiéis e comunidades cristãs a aproveitar estes instrumentos para conhecer e aprofundar os conteúdos da nossa fé. Assim ela há-de parecer-nos uma maravilhosa sinfonia, que nos fala de Deus e do seu amor e que solicita a nossa adesão firme e resposta laboriosa.

Para ter uma ideia do interesse que ainda hoje a leitura das Sentenças de Pedro Lombardo pode suscitar, proponho dois exemplos. Inspirando-se no comentário de Santo Agostinho ao livro do Génesis, Pedro interroga-se acerca do motivo pelo qual a criação da mulher foi realizada a partir da costela de Adão e não da sua cabeça ou dos seus pés. E explica: "Era formada não uma dominadora nem sequer uma escrava do homem, mas uma sua companheira" (Sentenças 3, 18, 3). Depois, sempre com base no ensinamento patrístico, acrescenta: "Nesta acção está representado o mistério de Cristo e da Igreja. De facto, assim como a mulher foi formada da costela de Adão enquanto ele dormia, assim a Igreja nasceu dos sacramentos que iniciaram a brotar do lado de Cristo que dormia na Cruz, ou seja, do sangue e da água, com que somos remidos da pena e purificados da culpa" (Sentenças 3, 18, 4). São reflexões profundas e válidas ainda hoje, quando a teologia e a espiritualidade do matrimónio cristão aprofundaram muito a analogia com a relação esponsal entre Cristo e a sua Igreja.

Noutra passagem da sua obra principal, Pedro Lombardo, falando sobre os merecimentos de Cristo, interroga-se: "Por que razão, então [Cristo] quis padecer e morrer, se as suas virtudes já eram suficientes para lhe obter todos os méritos?". A sua resposta é incisiva e eficaz: "Para ti, não para si mesmo!". Depois prossegue com outra pergunta e outra resposta, que parecem reproduzir os debates que eram feitos durante as lições dos mestres de teologia da Idade Média: "E em que sentido ele sofreu e morreu por mim? Para que a sua paixão e a sua morte fossem para ti exemplo e causa. Exemplo de virtude e de humildade, causa de glória e de liberdade; exemplo dado por Deus obediente até à morte; causa da tua libertação e da tua bem-aventurança" (Sentenças 3, 18, 5).

Entre os contributos mais importantes oferecidos por Pedro Lombardo para a história da teologia, gostaria de recordar a sua análise sobre os sacramentos, dos quais deu uma descrição diria definitiva: "É chamado sacramento em sentido próprio aquilo que é sinal da graça de Deus e forma visível da graça invisível, de tal modo que traz a sua imagem e é a sua causa" (4, 1, 4). Com esta definição Pedro Lombardo colhe a essência dos sacramentos: eles são causa da graça, têm a capacidade de continuar realmente a vida divina. Os teólogos sucessivos não abandonarão esta visão e utilizarão também a distinção entre elemento material e elemento formal, introduzida pelo "Mestre das Sentenças", como foi chamado Pedro Lombardo. O elemento material é a realidade sensível e visível, o formal são as palavras pronunciadas pelo ministro. Ambos são essenciais para uma celebração completa e válida dos sacramentos: a matéria, a realidade com a qual o Senhor nos toca visivelmente e a palavra que dá o significado espiritual. No Baptismo, por exemplo, o elemento material é a água que se derrama sobre a cabeça da criança e o elemento formal são as palavras: "Eu te baptizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". Além disso, Lombardo esclareceu que só os sacramentos transmitem objectivamente a graça divina e que são sete: o Baptismo, a Confirmação, a Eucaristia, a Penitência, a Unção dos Enfermos, a Ordem e o Matrimónio (cf. Sentenças 4, 2, 1).

Queridos irmãos e irmãs, é importante reconhecer como é preciosa e indispensável para cada cristão a vida sacramental, na qual o Senhor através desta matéria, na comunidade da Igreja, nos toca e nos transforma. Como recita o Catecismo da Igreja Católica, os sacramentos são "forças que saem do Corpo de Cristo, sempre vivo e vivificante, acções do Espírito Santo" (n.
CEC 1116). Neste Ano sacerdotal, que estamos a celebrar, exorto os sacerdotes, sobretudo os ministros que curam as almas, a terem eles mesmos primeiro, uma intensa vida sacramental para servirem de ajuda aos fiéis. A celebração dos sacramentos distinga-se por dignidade e decoro, favoreça o recolhimento pessoal e a participação comunitária, o sentido da presença de Deus e o ardor missionário. Os sacramentos são o grande tesouro da Igreja e a cada um de nós compete a tarefa de os celebrar com fruto espiritual. Neles, um acontecimento sempre surpreendente toca a nossa vida: Cristo, através dos sinais visíveis, vem ao nosso encontro, purifica-nos, transforma-nos e torna-nos partícipes da sua amizade divina.

Queridos amigos, chegamos ao fim deste ano e estamos às portas do novo. Desejo-vos que a amizade de Nosso Senhor Jesus Cristo vos acompanhe todos os dias deste ano que está para iniciar. Possa esta amizade de Cristo ser nossa luz e guia, ajudando-nos a ser homens de paz, da sua paz. Bom ano a todos vós!

Queridos irmãos e irmãs!

Amados peregrinos de língua portuguesa, agradecido pelos votos, preces e sinais de amizade que tivestes para comigo nestes dias de festa em honra de Deus-Menino, de coração desejo a todos um Ano Novo feliz, colocando vossa vida e família sob a protecção da Virgem Maria, para serdes autênticos amigos do seu Filho Jesus e corajosos construtores do seu Reino no mundo. Assim Deus vos abençoe!





13 de Janeiro de 2010: As Ordens Mendicantes

13110 Caros irmãos e irmãs

No início do novo ano olhemos para a história do Cristianismo, para ver como se desenvolve uma história e como ela pode ser renovada. Nela podemos ver que os santos, guiados pela luz de Deus, são os autênticos reformadores da vida da Igreja e da sociedade. Mestres com a palavra e testemunhas com o exemplo, eles sabem promover uma renovação eclesial estável e profunda, porque eles mesmos são profundamente renovados, estão em contacto com a verdadeira novidade: a presença de Deus no mundo. Esta realidade consoladora, ou seja, que em cada geração nascem santos e trazem a criatividade da renovação, acompanha constantemente a história da Igreja no meio das tristezas e dos aspectos negativos do seu caminho. Com efeito, século após século vemos nascer também as forças da reforma e da renovação, porque a novidade de Deus é inexorável e dá sempre nova força para ir em frente. Assim aconteceu também no século XIII, com o nascimento e o desenvolvimento extraordinário das Ordens Mendicantes: um modelo de grande renovação numa nova época histórica. Elas foram chamadas assim, pela sua característica de "mendigar", ou seja, de recorrer humildemente ao sustento económico das pessoas para viver o voto da pobreza e desempenhar a sua missão evangelizadora. Das Ordens Mendicantes que surgiram naquele período, as mais famosas e as mais importantes são os Frades Menores e os Padres Pregadores, conhecidos como Franciscanos e Dominicanos. Eles foram chamados assim pelo nome dos seus Fundadores, respectivamente Francisco de Assis e Domingos de Guzman. Estes dois grandes Santos tiveram a capacidade de ler com inteligência "os sinais dos tempos", intuindo os desafios que a Igreja do seu tempo devia enfrentar.

Um primeiro desafio era representado pela expansão de vários grupos e movimentos de fiéis que, embora inspirados por um desejo legítimo de vida cristã autêntica, se punham com frequência fora da comunhão eclesial. Estavam em profunda oposição com a Igreja rica e bonita que se tinha desenvolvido precisamente com o florescimento do monaquismo. Nas recentes Catequeses reflecti sobre a comunidade monástica de Cluny, que atraía cada vez mais jovens e portanto forças vitais, assim como bens e riquezas. Logicamente, num primeiro momento desenvolveu-se assim uma Igreja rica de propriedades e inclusive de imóveis. A esta Igreja opôs-se a ideia de que Cristo veio à terra pobre e que a verdadeira Igreja deveria ser precisamente a Igreja dos pobres; assim, o desejo de uma verdadeira autenticidade cristã opôs-se à realidade da Igreja empírica. Trata-se dos chamados movimentos pauperistas da Idade Média. Eles contestavam asperamente o modo de viver dos sacerdotes e dos monges dessa época, acusados de ter traído o Evangelho e de não praticar a pobreza como os primeiros cristãos, e estes movimentos opuseram ao ministério dos Bispos uma sua "hierarquia paralela". Além disso, para justificar as próprias escolhas, difundiram doutrinas incompatíveis com a fé católica. Por exemplo, o movimento dos Cátaros ou Albigenses voltou a propor antigas heresias, como a desvalorização e o desprezo do mundo material – a oposição contra a riqueza torna-se rapidamente oposição contra a realidade material enquanto tal – a negação da vontade livre, e depois o dualismo, a existência de um segundo princípio do mal equiparado com Deus. Estes movimentos tiveram sucesso, especialmente na França e na Itália, não só pela sua organização sólida, mas também porque denunciavam uma desordem real na Igreja, causada pelo comportamento pouco exemplar de vários representantes do clero.

Na esteira dos seus Fundadores, os Franciscanos e os Dominicanos mostraram, ao contrário, a verdade do Evangelho como tal, sem se separar da Igreja; mostraram que a Igreja permanece o verdadeiro e autêntico lugar do Evangelho e da Escritura. Aliás, Domingos e Francisco hauriram a força do seu testemunho precisamente da sua comunhão com a Igreja e com o papado. Com uma escolha totalmente original na história da vida consagrada, os Membros destas Ordens não só renunciavam à posse de bens pessoais, como faziam os mongens desde a antiguidade, mas nem sequer queriam que terrenos e bens imóveis passassem para o nome da comunidade. Assim tencionavam dar testemunho de uma vida extremamente sóbria, para ser solidários com os pobres e confiar apenas na Providência, viver todos os dias da Providência, da confiança de se colocar nas mãos de Deus. Este estilo pessoal e comunitário das Ordens Mendicantes, unido à adesão total ao ensinamento da Igreja e à sua autoridade, foi muito apreciado pelos Pontífices dessa época, como Inocêncio III e Honório III, que ofereceram o seu pleno apoio a estas novas experiências eclesiais, reconhecendo nelas a voz do Espírito. E os frutos não faltaram: os grupos pauperistas que se tinham separado da Igreja voltaram a entrar na comunhão eclesial ou, lentamente, redimensionaram-se até desaparecer. Também hoje, embora vivamos numa sociedade em que muitas vezes prevalece o "ter" sobre o "ser", somos muito sensíveis aos exemplos de pobreza e de solidariedade, que os crentes oferecem com opções intrépidas. Também hoje não faltam iniciativas semelhantes: os movimentos, que começam realmente a partir da novidade do Evangelho e vivem-no com radicalidade no hoje, colocando-se nas mãos de Deus, para servir o próximo. O mundo, como recordava Paulo VI na Evangelii nuntiandi, ouve de bom grado os mestres, quando eles são também testemunhas. Trata-se de uma lição que nunca pode ser esquecida na obra de difusão do Evangelho: viver primeiro aquilo que se anuncia, ser espelho da caridade divina.

Franciscanos e Dominicanos foram testemunhas, mas inclusive mestres. Com efeito, outra exigência difundida na sua época era a da educação religiosa. Não poucos fiéis leigos, que habitavam nas cidades em vias de grande expansão, desejavam praticar uma vida cristã espiritualmente intensa. Portanto, procuravam aprofundar o conhecimento da fé e ser orientados no árduo mas entusiasmante caminho da santidade. Felizmente, as Ordens Mendicantes souberam ir ao encontro também desta necessidade: o anúncio do Evangelho na simplicidade e na sua profundidade e grandeza erra uma finalidade, talvez a finalidade principal deste movimento. Efectivamente, dedicaram-se à pregação com grande zelo. Os fiéis eram muito numerosos, com frequência verdadeiras multidões, que se congregavam para ouvir os pregadores nas igrejas e nos lugares ao ar livre, pensemos por exemplo em Santo Agostinho. Tratavam-se temas próximos da vida das pessoas, sobretudo a prática das virtudes teologais e morais, com exemplos concretos, facilmente compreensíveis. Além disso, ensinavam-se formas para alimentar a vida de oração e de piedade. Por exemplo, os Franciscanos difundiram muito a devoção à humanidade de Cristo, com o compromisso de imitar o Senhor. Então, não surpreende o facto de que os fiéis eram numerosos, homens e mulheres que escolhiam fazer-se acompanhar no caminho cristão por frades Franciscanos e Dominicanos, directores espirituais e confessores procurados e estimados. Assim nasceram associações de fiéis leigos que se inspiravam na espiritualidade de São Francisco e de São Domingos, adaptada à sua condição de vida. Trata-se da Terceira Ordem, tanto franciscana como dominicana. Por outros termos, a proposta de uma "santidade laica" conquistou muitas pessoas. Como recordou o Concílio Ecuménico Vaticano II, o chamamento à santidade não está reservado a alguns, mas é universal (cf. Lumen gentium
LG 40). Em todas as condições de vida, segundo as exigências de cada uma delas, encontra-se a possibilidade de viver o Evangelho. Também hoje cada cristão deve tender para a "medida alta da vida cristã", seja qual for a condição de vida a que pertence!

A importância das Ordens Mendicantes aumentou tanto na Idade Média, que Instituições laicas, com as organizações do trabalho, as antigas corporações e as próprias autoridades civis recorriam com frequência aos conselhos espirituais dos Membros de tais Ordens para a redacção dos seus regulamentos e, às vezes, para a solução de contrastes internos ou externos. Os Franciscanos e os Dominicanos tornaram-se os animadores espirituais da cidade medieval. Com grande intuição, eles puseram em acção uma estratégia pastoral adequada às transformações da sociedade. Dado que muitas pessoas se transferiam dos campos para as cidades, eles construíram os seus conventos já não em áreas rurais, mas urbanas. Além disso, para desempenhar a sua actividade em benefício das almas, era necessário deslocar-se em conformidade com as exigências pastorais. Com outra escolha totalmente inovativa, as Ordens Mendicantes abandonaram o princípio de estabilidade, clássico do monaquismo antigo, para escolher outro modo. Menores e Pregadores viajavam de um lugar para outro, com fervor missionário. Por conseguinte, organizaram-se de modo diverso em relação à maior parte das Ordens monásticas. No lugar da autonomia tradicional de que gozava cada mosteiro, eles deram mais importância à Ordem enquanto tal e ao Superior-Geral, bem como à estrutura das províncias. Assim os Mendicantes estavam mais dispostos às exigências da Igreja Universal. Esta flexibilidade tornou possível o envio dos frades mais preparados para o cumprimento de missões específicas e as Ordens Mendicantes chegaram à África setentrional, ao Médio Oriente e ao Norte da Europa. Com esta flexibilidade, o dinamismo missionário foi renovado.

Outro grande desafio era representado pelas transformações culturais em curso naquele período. Novas questões estimularam o debate nas universidades, que nasceram no final do século XII. Menores e Pregadores não hesitaram em assumir também este compromisso e, como estudantes e professores, entraram nas universidades mais famosas dessa época, erigiram centros de estudos, produziram textos de grande valor, deram vida a verdadeiras escolas de pensamento, foram protagonistas da teologia escolástica no seu período melhor e incidiram significativamente no desenvolvimento do pensamento. Os maiores pensadores, S. Tomás de Aquino e São Boaventura, eram mendicantes e trabalharam precisamente com este dinamismo na nova evangelização, que renovou também a coragem do pensamento, do diálogo entre razão e fé. Também hoje existe uma "caridade da e na verdade", uma "caridade intelectual" a exercer, para iluminar as inteligências e conjugar a fé com a cultura. Caros fiéis, o compromisso assumido pelos Franciscanos e pelos Dominicanos nas universidades medievais é um convite a tornar-se presente nos lugares de elaboração do saber, para propor, com respeito e convicção, a luz do Evangelho sobre as questões fundamentais que se referem ao homem, à sua dignidade e ao seu destino eterno. Pensando no papel dos Franciscanos e Dominicanos na Idade Média, na renovação espiritual que suscitaram, no sopro de vida nova que comunicaram no mundo, um monge disse: "Naquela época o mundo envelhecia. Surgiram duas Ordens na Igreja, cuja juventude renovaram, como a de uma águia" (Burchard d'Ursperg, Chronicon).

Estimados irmãos e irmãs, invoquemos precisamente no início deste ano o Espírito Santo, eterna juventude da Igreja: ele faça com que todos sintam a urgência de oferecer um testemunho coerente e corajoso do Evangelho, a fim de que nunca faltem santos, que façam resplandecer a Igreja como esposa sempre pura e bela, sem manchas nem rugas, capaz de atrair irresistivelmente o mundo para Cristo, para a sua salvação.

Saudação

Queridos peregrinos de língua portuguesa, possa o Espírito Santo suscitar no coração de cada um a urgência de oferecer ao mundo um testemunho coerente e corajoso do Evangelho. Que Deus abençoe cada um de vós e vossas famílias. Ide em Paz!





20 de Janeiro de 2010: Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos

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Queridos irmãos e irmãs!

Estamos no meio da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, uma iniciativa ecuménica que se vai estruturando já há mais de um século, e que todos os anos chama a atenção sobre o tema da unidade visível entre os cristãos, que empenha a consciência e estimula quantos crêem em Cristo. E fá-lo antes de tudo com o convite à oração, à imitação do próprio Jesus, que pede ao Pai pelos seus discípulos: "Para que sejam um só, a fim de que o mundo creia" (
Jn 17,21). A chamada perseverante à oração pela plena comunhão entre os seguidores do Senhor manifesta a orientação mais autêntica e mais profunda de toda a busca ecuménica, porque a unidade é em primeiro lugar dom de Deus. Com efeito, como afirma o Concílio Vaticano II: "O santo propósito de reconciliar todos os cristãos na unidade da Igreja de Cristo, una e única, excede todas as forças e dotes humanos" (Unitatis redintegratio UR 24). Por conseguinte, além do nosso esforço de desenvolver relações fraternas e promover o diálogo para esclarecer e resolver as divergências que separam as Igrejas e as Comunidades eclesiais, é necessária a invocação confiante e concorde ao Senhor.

O tema deste ano é tirado do Evangelho de São Lucas, das últimas palavras do Ressuscitado aos seus discípulos: "Vós sois testemunhas de tudo isto" (Lc 24,48). A proposta do tema foi pedida pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, de acordo com a Comissão Fé e Constituição, do Conselho Ecuménico das Igrejas, a um grupo ecuménico da Escócia. Há um século, a Conferência mundial para a consideração dos problemas relativos ao mundo não cristão teve lugar precisamente em Edimburgo, na Escócia, de 13 a 24 de Junho de 1910. Entre os problemas então debatidos havia o da dificuldade objectiva de propor com credibilidade o anúncio evangélico ao mundo não cristão por parte dos cristãos divididos entre si. Se a um mundo que não conhece Cristo, que se afastou dele ou que se demonstra indiferente ao Evangelho, os cristãos se apresentarem não unidos, aliás muitas vezes opostos entre si, será porventura crível o anúncio de Cristo como único Salvador do mundo e nossa paz? A partir daquele momento, a relação entre unidade e missão representou uma dimensão essencial de toda a obra ecuménica e o seu ponto de partida. E é por esta contribuição específica que aquela Conferência de Edimburgo permanece como um dos pontos de referência do ecumenismo moderno. No Concílio Vaticano II, a Igreja católica retomou e reiterou com vigor esta perspectiva, afirmando que a divisão entre os discípulos de Jesus "não só contradiz abertamente a vontade de Cristo, mas escandaliza o mundo e prejudica a santíssima causa da pregação do Evangelho a todas as criaturas" (Unitatis redintegratio UR 1).

É neste contexto teológico e espiritual que está inserido o tema proposto nesta Semana para a meditação e a oração: a exigência de um testemunho comum de Cristo. O breve texto proposto como tema: "Vós sois testemunhas de tudo isto" deve ser lido no âmbito de todo o capítulo 24 do Evangelho segundo Lucas. Recordemos brevemente o conteúdo deste capítulo. Primeiro as mulheres vão até ao sepulcro, vêem os sinais da Ressurreição de Jesus e anunciam quanto viram aos Apóstolos e aos outros discípulos (cf. Lc 24,8); depois, o próprio Ressuscitado aparece aos discípulos ao longo do caminho de Emaús, aparece a Simão Pedro e, sucessivamente aos "Onze e aos seus companheiros" (Lc 24,33). Ele abre a mente à compreensão das Escrituras acerca da sua Morte redentora e da sua Ressurreição, afirmando que "em seu nome havia de ser pregado o arrependimento e o perdão dos pecados a todas as nações" (Lc 24,47). Aos discípulos que se encontram "reunidos" e que foram testemunhas da sua missão, o Senhor ressuscitado promete o dom do Espírito Santo (cf. Lc 24,49), a fim de que dêem testemunho conjunto dele a todos os povos. De tal imperativo – "de tudo isto", disto vós sois testemunhas (cf. Lc 24,48) – que é o tema desta Semana de oração pela unidade dos cristãos, nascem para nós duas perguntas. A primeira: o que significa "tudo isto"? A segunda: como podemos ser testemunhas de"tudo isto"?

Se vemos o contexto do capítulo, "tudo isto" quer dizer antes de tudo a Cruz e a Ressurreição: os discípulos viram a crucifixão do Senhor, vêem o Ressuscitado e assim começam a compreender todas as Escrituras que falam do mistério da Paixão e do dom da Ressurreição. Portanto, "tudo isto" é o mistério de Cristo, do Filho de Deus que se fez homem, morreu por nós e ressuscitou, está vivo para sempre e assim é garantia da nossa vida eterna.

Contudo, conhecendo Cristo – este é o ponto essencial – conhecemos o rosto de Deus. Cristo é sobretudo a revelação de Deus. Em todos os tempos, os homens sentem a existência de Deus, um Deus único, mas que está distante e não se manifesta. Em Cristo este Deus mostra-se, o Deus distante torna-se próximo. Por conseguinte "tudo isto" é, principalmente com o mistério de Cristo, Deus que se fez próximo de nós. Isto implica uma outra dimensão: Cristo nunca está sozinho; Ele veio ao meio de nós, morreu sozinho, mas ressuscitou para atrair todos a si. Como diz a Escritura, Cristo cria um corpo para si mesmo, reúne toda a humanidade na sua realidade da vida imortal. E assim, em Cristo que congrega a humanidade, conhecemos o futuro da humanidade: a vida eterna. Portanto, em síntese, tudo isto é muito simples: conhecemos Deus, conhecendo Cristo, o seu corpo, o mistério da Igreja e a promessa da vida eterna.

Vejamos agora a segunda pergunta. Como podemos ser testemunhas de "tudo isto"? Só podemos ser testemunhas se conhecermos Cristo e, conhecendo Cristo, também conhecemos Deus. Mas conhecer Cristo implica sem dúvida uma dimensão intelectual – aprender aquilo que conhecemos de Cristo – mas é sempre muito mais que um processo intelectual: é um processo existencial, é um processo de abertura do meu eu, da minha transformação pela presença e a força de Cristo, e assim é inclusive um processo de abertura a todos os outros que devem ser o corpo de Cristo. Deste modo, é evidente que conhecer Cristo, como processo intelectual e sobretudo existencial, é um processo que nos faz testemunhas. Em síntese, só podemos ser testemunhas se conhecermos Cristo directamente e não através dos outros, da nossa própria vida, do nosso encontro pessoal com Cristo. Encontrando-o realmente na nossa vida de fé, tornamo-nos testemunhas e deste modo podemos contribuir para a novidade do mundo, para a vida eterna. O Catecismo da Igreja Católica oferece-nos uma indicação também para o conteúdo deste "tudo isto". A Igreja reuniu e resumiu o essencial daquilo que o Senhor nos concedeu na Revelação, no "Símbolo chamado niceno-constantinopolitano, que deve a sua grande autoridade ao facto de ser fruto dos primeiros dois Concílios Ecuménicos (325 e 381)" (CEC 195). O Catecismo esclarece que este Símbolo "ainda hoje continua a ser comum a todas as grandes Igrejas do Oriente e do Ocidente" (Ibidem CEC 195). Portanto, neste Símbolo encontram-se as verdades de fé que os cristãos podem professar e testemunhar em conjunto a fim de que o mundo creia, manifestando com o desejo e o compromisso de superar as divergências existentes, a vontade de caminhar rumo à plena comunhão, a unidade do Corpo de Cristo.

A celebração da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos leva-nos a considerar outros aspectos importantes para o ecumenismo. Antes de tudo, o grande progresso alcançado nas relações entre Igrejas e Comunidades eclesiais depois da Conferência de Edimburgo de há um século. O movimento ecuménico moderno desenvolveu-se de modo tão significativo quechegou a tornar-se, no último século, um elemento importante na vida da Igreja, recordando o problema da unidade entre todos os cristãos e apoiando também o crescimento da comunhão entre eles. Isto não só favorece os relacionamentos fraternos entre as Igrejas e as Comunidades eclesiais, em resposta ao mandamento do amor, mas estimula também a busca teológica. Além disso, ele empenha a vida concreta das Igrejas e das Comunidades eclesiais com temáticas que dizem respeito à pastoral e à vida sacramental, como por exemplo o reconhecimento mútuo do Baptismo, as questões relativas aos matrimónios mistos, os casos parciais de comunicatio in sacris em situações particulares bem definidas. No sulco de tal espírito ecuménico, os contactos foram-se ampliando também a movimentos pentecostais, evangélicos e carismáticos, para um maior conhecimento recíproco, embora não faltem problemas graves neste sector.

A partir do Concílio Vaticano ii, a Igreja católica entrou em relações fraternas com todas as Igrejas do Oriente e com as Comunidades eclesiais do Ocidente, organizando de modo particular, com a maior parte delas, diálogos teológicos bilaterais, que levaram a encontrar convergências ou mesmo consensos em vários pontos, aprofundando assim os vínculos de comunhão. No ano que acaba de transcorrer, os vários diálogos deram passos positivos. Com as Igrejas ortodoxas, a Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico começou, na XI sessão plenária realizada em Paphos de Chipre em Outubro de 2009, o estudo de um tema crucial no diálogo entre católicos e ortodoxos: O papel do bispo de Roma na comunhão da Igreja no primeiro milénio, ou seja, no tempo em que os cristãos do Oriente e do Ocidente viviam em plena comunhão. Em seguida, este estudo estender-se-á ao segundo milénio. Já pedi várias vezes a oração dos católicos para este diálogo delicado e essencial para todo o movimento ecuménico. Também com as antigas Igrejas ortodoxas do Oriente (copta, etiópica, síria e arménia), a análoga Comissão Mista encontrou-se de 26 a 30 de Janeiro do ano passado. Estas importantes iniciativas confirmam que está em curso um diálogo profundo e rico de esperanças com todas as Igrejas do Oriente não em plena comunhão com Roma, na sua própria especificidade.

Durante o ano passado, com as Comunidades eclesiais do Ocidente foram examinados os resultados alcançados nos vários diálogos ao longo destes quarenta anos, detendo-se de modo particular nos diálogos com a Comunhão Anglicana, com a Federação Luterana Mundial, com a Aliança Reformada Mundial e com o Conselho Metodista Mundial. A este propósito, o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos realizou um estudo para evidenciar os pontos de convergência que foram alcançados nos relativos diálogos bilaterais e, ao mesmo tempo, indicar os problemas abertos sobre os quais será preciso começar uma nova fase de confronto.

Entre os recentes acontecimentos, gostaria de mencionar a comemoração do décimo aniversário da Declaração conjunta sobre a doutrina da justificação, celebrado em conjunto por católicos e luteranos no dia 31 de Outubro de 2009, para estimular a continuação do diálogo, como também a visita a Roma do Arcebispo de Canterbury, Doutor Rowan Williams, que manteve diálogos também sobre a particular situação em que se encontra a Comunhão Anglicana. O compromisso comum de continuar as relações e o diálogo são um sinal positivo, que manifesta como é intenso o desejo da unidade, não obstante todos os problemas que se apresentam. Assim, vemos que há uma dimensão da nossa responsabilidade de fazer tudo o que é possível para chegar realmente à unidade, mas existe a outra dimensão, a da acção divina, porque só Deus pode conceder a unidade à Igreja. Uma unidade "feita sozinha" seria humana, mas nós desejamos a Igreja de Deus, feita por Deus que, quando quiser e quando nós estivermos prontos, criará a unidade. Temos que ter presente também quantos progressos reais foram alcançados na colaboração e na fraternidade em todos estes anos, nestes últimos cinquenta anos. Ao mesmo tempo, temos que saber que o trabalho ecuménico não é um processo linear. Com efeito, problemas antigos, nascidos no contexto de uma outra época, perdem a sua importância, enquanto no contexto hodierno nascem novos problemas e novas dificuldades. Portanto, temos que estar sempre disponíveis para um processo de purificação, em que o Senhor nos há-de tornar capazes de permanecer unidos.

Caros irmãos e irmãs, pela complexa realidade ecuménica, pela promoção do diálogo e também a fim de que os cristãos na nossa época possam dar um novo testemunho comum de fidelidade a Cristo diante deste nosso mundo, peço a oração de todos. O Senhor ouça a invocação, nossa e de todos os cristãos, que nesta Semana se eleva a Ele com intensidade particular.



Saudação

Amados peregrinos que, em português, professais a fé no único Senhor de todos os povos e línguas, as minhas cordiais saudações, com votos de serdes obreiros de paz, cooperação e unidade no meio dos vossos familiares e conterrâneos, colaborando com todos os cristãos por amor de Cristo. O seu Nome vos una! Em seu Nome, o Papa vos abençoa!





Audiências 2005-2013 30129