Audiências 2005-2013 4068

4 de Junho de 2008: São Gregório Magno

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Caros irmãos e irmãs

Hoje, neste nosso encontro de quarta-feira, voltarei a falar sobre a extraordinária figura do Papa Gregório Magno, para receber mais luz do seu rico ensinamento. Não obstante os múltiplos compromissos ligados à sua função de Bispo de Roma, ele deixou-nos numerosas obras, nas quais nos séculos sucessivos a Igreja se inspirou abundantemente. Além do conspícuo epistolário o Registro, ao qual me referi na última catequese, contém mais de 800 missivas ele deixou-nos antes de tudo escritos de carácter exegético, entre os quais se distinguem o Comentário moral de Job conhecido sob o título latino de Moralia in Iob as Homilias sobre Ezequiel e as Homilias sobre os Evangelhos. Depois há uma importante obra de cariz hagiográfico, os Diálogos, escrita por Gregório para a edificação da rainha longobarda Teodolinda. Sem dúvida, a obra principal e mais conhecida é a Regra pastoral, que o Papa redigiu no início do Pontificado, com finalidades claramente programáticas.

Desejando passar estas obras em rápida resenha, temos de observar em primeiro lugar que, nos seus escritos, Gregório nunca se mostra preocupado em delinear uma "sua" doutrina, uma sua originalidade. Pelo contrário, ele tenciona fazer-se eco do ensinamento tradicional da Igreja, quer ser simplesmente a boca de Cristo e da sua Igreja ao longo do caminho que se deve percorrer para chegar a Deus. A este propósito, os seus comentários exegéticos são exemplares. Ele foi um leitor apaixonado da Bíblia, da qual se aproximou com compreensões não simplesmente especulativas: na sua opinião, da Sagrada Escritura o cristão deve tirar não tanto conhecimentos teóricos, como sobretudo o alimento quotidiano para a sua alma, para a sua vida de homem neste mundo. Por exemplo, nas Homilias sobre Ezequiel ele insiste fortemente acerca desta função do texto sagrado: aproximar-se da Escritura simplesmente para satisfazer o próprio desejo de conhecimento significa ceder à tentação do orgulho e, assim, expor-se ao risco de cair na heresia. A humildade intelectual é a regra primária para quem procura penetrar as realidades sobrenaturais, começando pelo do Livro sagrado. Obviamente, a humildade não exclui o estudo sério; mas para fazer com que ele seja espiritualmente profícuo, permitindo entrar de modo real na profundidade do texto, a humildade permanece indispensável. Somente com esta atitude interior é possível ouvir real e finalmente a voz de Deus. Por outro lado, quando se trata da Palavra de Deus, compreender nada significa, se a compreensão não levar à acção. Nestas Homilias sobre Ezequiel encontra-se também a bonita expressão segundo a qual "o pregador deve banhar a sua pena no sangue do seu coração; assim, poderá chegar também ao ouvido do próximo". Lendo estas homilias, vê-se que Gregório realmente escreveu com o sangue do seu coração e, por isso, ainda hoje nos fala.

Gregório desenvolve este discurso inclusive no Comentário moral de Job. Seguindo a tradição patrística, ele examina o texto sagrado nas três dimensões do seu sentido: literal, alegórica e moral, que são dimensões do único sentido da Sagrada Escritura. Todavia, Gregório atribui uma clara prioridade ao sentido moral. Nesta perspectiva, ele propõe o seu pensamento através de alguns binómios significativos saber-fazer, falar-viver, conhecer-agir em que evoca os dois aspectos da vida humana, que deveriam ser complementares, mas que muitas vezes terminam por ser antitéticos. Ele comenta que o ideal moral consiste sempre em realizar uma harmoniosa integração entre palavra e acção, pensamento e compromisso, oração e dedicação aos deveres do próprio estado: este é o caminho para realizar aquela síntese, graças à qual o divino desce ao homem e o homem se eleva até à identificação com Deus. O grande Papa traça assim, para o verdadeiro fiel, um projecto de vida completo; por isso, este Comentário moral de Job constituirá, durante a idade média, uma espécie de Suma da moral cristã.

De notável relevo e beleza são também as Homilias sobre os Evangelhos. A primeira delas foi proferida na Basílica de São Pedro, durante o tempo de Advento de 590, e portanto poucos meses depois da eleição ao Pontificado; a última foi pronunciada na Basílica de São Lourenço, no segundo domingo depois do Pentecostes de 593. O Papa pregava ao povo nas igrejas em que se celebravam as "estações" particulares cerimónias de oração nos principais tempos do ano litúrgico ou as festas dos mártires titulares. O princípio inspirador, que une entre si as várias intervenções, resume-se na palavra "praedicator": não somente o ministro de Deus, mas também cada cristão, tem a tarefa de se fazer "pregador" daquilo que experimentou no seu próprio íntimo, segundo o exemplo de Cristo, que se fez homem para levar a todos o anúncio da salvação. O horizonte deste compromisso é escatológico: a espera do cumprimento de todas as coisas em Cristo é um pensamento constante do grande Pontífice, e acaba por se tornar o motivo inspirador de todos os seus pensamentos e de todas as suas actividades. Daqui nascem as suas incessantes exortações à vigilância e ao compromisso nas boas obras.

Talvez o texto mais orgânico de Gregório Magno seja a Regra pastoral, escrita nos primeiros anos de Pontificado. Nela, Gregório propõe-se traçar a figura do Bispo ideal, mestre e guia da sua grei. Com esta finalidade, ele explica a gravidade do ofício de Pastor da Igreja e os deveres que ele comporta: portanto, aqueles que não foram chamados para esta tarefa, não a busquem com superficialidade; por outro lado, aqueles que porventura a assumiram sem a devida reflexão, sintam nascer na sua alma uma necessária trepidação. Retomando um tema preferido, ele afirma que o Bispo é em primeiro lugar o "pregador" por excelência; como tal, antes de tudo ele deve servir de exemplo para os outros, de tal forma que o seu comportamento possa constituir um ponto de referência para todos. Além disso, uma acção pastoral eficaz requer que ele conheça os destinatários e adapte as suas intervenções à situação de cada um: Gregório passa a explicar as várias categorias de fiéis, com anotações intensas e pontuais, que podem justificar a avaliação de quem viu nesta obra também um tratado de psicologia. Daqui, compreende-se que ele conhecia realmente o seu rebanho e falava de tudo com as pessoas da sua época e da sua cidade.

Todavia, o grande Pontífice insiste sobre o dever que o Pastor tem de reconhecer todos os dias a sua própria miséria de maneira que o orgulho não torne vão, diante dos olhos do Juiz supremo, o bem levado a cabo. Por isso, o capítulo final da Regra é dedicado à humildade: "Quando nos regozijamos por termos alcançado muitas virtudes, é bom reflectirmos sobre as nossas insuficiências e humilhar-nos: em vez de considerarmos o bem realizado, temos que pensar naquilo que deixamos de fazer". Todas estas preciosas indicações demonstram o altíssimo conceito que São Gregório tem acerca do cuidado das almas, por ele definido como "ars artium", a arte das artes. A Regra teve tanto êxito que, algo bastante raro, foi depressa traduzida em grego e anglo-saxão.

É também significativa a outra obra, os Diálogos, em que ao amigo e diácono Pedro, convicto de que os costumes já tivessem sido corrompidos a tal ponto que já não permitissem o nascimento de santos como nas épocas passadas, Gregório demonstra o contrário: a santidade é sempre possível, mesmo nos tempos difíceis. E prova-o, narrando a vida de pessoas contemporâneas ou mortas havia pouco, que bem podiam ser qualificadas santas, embora não canonizadas. A narração é acompanhada por reflexões teológicas e místicas que fazem do livro um singular texto hagiográfico, capaz de fascinar inteiras gerações de leitores. A matéria é tirada das tradições vivas do povo e tem como finalidade edificar e formar, chamando a atenção de quem lê numa série de questões, como o sentido do milagre, a interpretação da Escritura, a imortalidade da alma, a existência do inferno e a representação do além, termos todos que precisavam de oportunos esclarecimentos. O livro II é inteiramente dedicado à figura de Bento de Núrsia, e é o único testemunho antigo sobre a vida do santo monge, cuja beleza espiritual aparece no texto de modo totalmente evidente.

No desígnio teológico que Gregório desenvolve através das suas obras, o passado, o presente e o futuro tornam-se relativos. Aquilo que, para ele, mais conta é todo o lapso da história salvífica, que continua a esclarecer-se entre os obscuros meandros do tempo. Nesta perspectiva, é significativo que ele insira o anúncio da conversão dos Anglos no contexto do Comentário moral de Job: aos seus olhos, este acontecimento constituía um progresso do Reino de Deus, de que fala a Escritura; portanto podia, justamente, ser mencionado no comentário de um livro sagrado. Na sua opinião, os guias das comunidades cristãs devem comprometer-se a reler os acontecimentos à luz da Palavra de Deus: neste sentido, o grande Pontífice sente o dever de orientar pastores e fiéis no itinerário espiritual de uma lectio divina iluminada e concreta, inserida no contexto da própria vida.

Antes de concluir, é necessário dedicar uma palavra às relações que o Papa Gregório cultivou com os Patriarcas de Antioquia, de Alexandria e de Constantinopla. Preocupou-se sempre por reconhecer e respeitar os direitos deles, evitando qualquer interferência que limitasse a sua legítima autonomia. Se todavia São Gregório, no contexto da sua situação histórica, se opôs ao título de "ecuménico" por parte do Patriarca de Constantinopla, não o fez para limitar ou negar esta legítima autoridade, mas porque estava preocupado com a unidade fraterna da Igreja universal. Fê-lo sobretudo pela sua profunda convicção de que a humildade deveria ser a virtude fundamental de cada Bispo, ainda mais de um Patriarca. No seu coração Gregório permaneceu um simples monge e por isso era decididamente contrário aos grandes títulos. Ele queria ser esta é a sua expressão servus servorum Dei. Esta palavra por ele cunhada não era uma fórmula piedosa, mas a verdadeira manifestação do seu modo de viver e de agir. Sensibilizava-o intimamente a humildade de Deus, que em Cristo se fez nosso servo, nos lavou e lava os pés sujos. Portanto, ele estava persuadido de que, sobretudo um Bispo, deveria imitar esta humildade de Deus e assim seguir Cristo. Verdadeiramente, o seu desejo era de viver como monge, em diálogo permanente com a Palavra de Deus, mas por amor de Deus soube fazer-se servo de todos numa época repleta de tribulações e de sofrimentos, soube fazer-se "servo dos servos". Precisamente porque foi assim, ele é grande e mostra-nos também a nós a medida da verdadeira grandeza.

Saudação

Saúdo, com fraterna amizade, os grupos do Brasil e demais peregrinos de língua portuguesa, cuja romagem se detém hoje junto do túmulo de São Pedro e nesta Audiência com o seu Sucessor: Obrigado pela vossa presença e oração! Peço a Cristo Senhor que guarde no seu Coração Sagrado as vossas famílias e comunidades cristãs, abençoando a todos com a sua paz e o seu amor.



11 de Junho de 2008: São Columbano

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Queridos irmãos e irmãs!

Hoje gostaria de falar do santo abade Columbano, o irlandês mais conhecido do início da Idade Média: com razão ele pode ser chamado um santo "europeu", porque como monge, missionário e escritor trabalhou em vários países da Europa ocidental. Juntamente com os irlandeses do seu tempo, ele estava consciente da unidade cultural da Europa. Numa sua carta, escrita por volta do ano 600 e dirigida ao Papa Gregório Magno, encontra-se pela primeira vez a espressão "totius Europae de toda a Europa", referindo-se à presença da Igreja no Continente (cf. Epistula I, 1).

Columbano nasceu por volta do ano 543 na província de Leinster, no sudeste da Irlanda. Educado na própria casa por óptimos mestres que o iniciaram no estudo das artes liberais, confiou-se depois à guia do abade Sinell da comunidade de Cluain-Inis, na Irlanda setentrional, onde pôde aprofundar o estudo das Sagradas Escrituras. Com cerca de trinta anos entrou no mosteiro de Bangor no nordeste da ilha, onde era abade Comgall, um monge muito conhecido pela sua virtude e pelo seu rigor ascético. Em total sintonia com o seu abade, Columbano praticou com zelo a severa disciplina do mosteiro, conduzindo uma vida de oração, de ascese e de estudo. Ali foi também ordenado sacerdote. A vida em Bangor e o exemplo do abade influenciaram a concepção do monaquismo que Columbano maturou com o tempo e difundiu depois ao longo da sua vida.

Aos cinquenta anos, seguindo o ideal ascético tipicamente irlandês da "peregrinatio pro Christo", isto é, do fazer-se peregrino por Cristo, Columbano deixou a ilha para empreender com doze companheiros uma obra missionária no continente europeu. De facto, devemos ter presente que a migração de povos do norte e do leste fizera voltar ao paganismo inteiras Regiões já cristianizadas. Por volta do ano 590 este pequeno grupo de missionários chegou à costa da Bretanha. Acolhidos com benevolência pelo rei dos Francos da Austrásia (actual França), pediram apenas um pouco de terra inculta. Obtiveram a antiga fortaleza romana de Annegray, totalmente em ruínas e abandonada, já coberta pela floresta. Habituados a uma vida de extrema renúncia, os monges conseguiram em poucos meses construir sobre as ruínas o primeiro ermitério. Assim, a sua reevangelização começou a desenvolver-se antes de tudo mediante o testemunho da vida. Com a nova cultivação da terra começaram também uma nova cultivação das almas. A fama daqueles religiosos estrangeiros que, vivendo de oração e em grande austeridade, construíam casas e arroteavam a terra, difundiu-se rapidamente atraindo peregrinos e penitentes. Sobretudo muitos jovens pediam para ser acolhidos na comunidade monástica para viver, como eles, esta vida exemplar que renovava a cultura da terra e das almas. Depressa se tornou necessária a fundação de um segundo mosteiro. Foi edificado a poucos quilómetros de distância, sobre as ruínas de uma antiga cidade termal, Luxeuil. O mosteiro tornar-se-ia depois o centro da irradiação monástica e missionária de tradição irlandesa no continente europeu. Um terceiro mosteiro foi erigido em Fontaine, a uma hora de caminho mais a norte.

Em Luxeuil Columbano viveu quase vinte anos. Ali, o santo escreveu para os seus seguidores a Regula monachorum durante um certo período mais difundida na Europa do que a de São Bento designando a imagem ideal do monge. É a única antiga regra monástica irlandesa que hoje possuímos. Como integração ele elaborou a Regula coenobialis, uma espécie de código penal para as faltas dos monges, com punições bastante surpreendentes para a sensibilidade moderna, explicáveis apenas com a mentalidade do tempo e do ambiente. Com outra obra famosa intitulada De poenitentiarum misura taxanda, escrita também em Luxeuil, Columbano introduziu no continente a confissão e a penitência privadas e reiteradas; foi chamada penitência "tarifada" devido à proporção estabelecida entre gravidade do pecado e tipo de penitência imposta pelo confessor. Estas novidades despertaram a suspeita dos Bispos da região, uma suspeita que se transformou em hostilidade quando Columbano teve a coragem de os reprovar abertamente pelos costumes de alguns deles. A ocasião em que se manifestou o contraste foi a contenda sobre a data da Páscoa: de facto, a Irlanda seguia a tradição oriental, em contraste com a tradição romana. O monge irlandês foi convocado em 603 a Châlon-sur-Saôn para prestar contas diante de um sínodo dos seus costumes relativos à penitência e à Páscoa. Em vez de se apresentar ao sínodo, ele enviou uma carta com a qual minimizava a questão convidando os Padres sinodais a discutir não só sobre o problema da data da Páscoa, segundo ele um pequeno problema, "mas também de todas as necessárias normas canónicas desatendidas por muitos o que é mais grave" (cf. Epistula II, 1). Contemporaneamente escreveu ao Papa Bonifácio IV como alguns anos antes já se tinha dirigido ao Papa Gregório Magno (cf. Epistula I) para defender a tradição irlandesa (cf. Epistula III).

Sendo muito intransigente em todas as questões morais, Columbano entrou depois em conflito também com a casa real, porque tinha reprovado asperamente o rei Teodorico pelas suas relações adulterinas. Isso originou uma rede de intrigas e manobras a nível pessoal, religioso e político que, no ano 610, se transformou num decreto de expulsão de Luxeuil para Columbano e para todos os monges de origem irlandesa, que foram condenados ao exílio definitivo. Foram escoltados até ao mar e embarcados para a Irlanda com o patrocínio da corte. Mas o navio encalhou a pouca distância da praia e o capitão, vendo nisto um sinal do céu, renunciou a prosseguir e, com receio de ser amaldiçoado por Deus, reconduziu os monges para a terra firme. Eles, em vez de voltarem para Luxeuil, decidiram começar uma nova obra de evangelização. Embarcaram no Reno e subiram o rio. Depois de uma primeira etapa em Tuggen junto do lago de Zurique, foram para a região de Bregenz perto do lago de Constância para evangelizar os Alamanos.

Mas pouco depois Columbano, devido a vicissitudes políticas pouco favoráveis à sua obra, decidiu atravessar os Alpes com a maior parte dos seus discípulos. Permaneceu só um monge de nome Galo; da sua ermida ter-se-ia depois desenvolvido a famosa abadia de Sankt Gallen, na Suíça. Tendo chegado à Itália, Columbano encontrou um acolhimento favorável junto da corte real longobarda, mas teve que enfrentar imediatamente grandes dificuldades: a vida da Igreja estava dilacerada pela heresia ariana que ainda prevalecia entre os longobardos e por um cisma que tinha separado a maior parte das Igrejas da Itália setentrional da comunhão com o Bispo de Roma. Columbano inseriu-se com autoridade neste contexto, escrevendo um libelo contra o arianismo e uma carta a Bonifácio IV para o convencer a dar alguns passos decididos em vista de um restabelecimento da unidade (cf. Epistula V). Quando o rei dos longobardos, em 612 ou 613, lhe confiou um terreno em Bobbio, no vale da Trebbia, Columbano fundou um novo mosteiro que depois se tornaria um centro de cultura comparável com o famoso de Montecassino. Nele viu o fim dos seus dias: faleceu a 23 de Novembro de 615 e nesta data é comemorado no rito romano até hoje.

A mensagem de São Columbano concentra-se numa firme chamada à conversão e ao desapego dos bens terrenos em vista da herança eterna. Com a sua vida ascética e com o seu comportamento sem cedimentos face à corrupção dos poderosos, ele evocava a figura severa de São João Baptista. A sua austeridade, contudo, nunca é fim em si mesma, mas unicamente o meio para se abrir livremente ao amor de Deus e corresponder com todo o ser aos dons por Ele recebidos, reconstruindo assim em si a imagem de Deus e ao mesmo tempo arroteando a terra e renovando a sociedade humana. Cito das suas Instructiones: "Se o homem usar rectamente as faculdades que Deus concedeu à sua alma, então será semelhante a Deus. Recordemo-nos que lhe devemos restituir todos aqueles dons que ele depositou em nós quando estávamos na condição originária. Ensinou-nos o seu modo com os seus mandamentos. O primeiro deles é o de amar o Senhor com todo o coração, porque Ele nos amou primeiro, desde o início dos tempos, ainda antes que nós viéssemos à luz deste mundo" (cf. Inst., XI). O Santo irlandês encarnou realmente estas palavras na própria vida. Homem de grande cultura escreveu também poesias em latim e um livro de gramática revelou-se rico de dons de graça. Foi incansável construtor de mosteiros, assim como intransigente pregador penitencial, empregando todas as suas energias para alimentar as raízes cristãs da Europa que estava a nascer. Com a sua energia espiritual, com a sua fé, com o seu amor a Deus e ao próximo tornou-se realmente um dos Padres da Europa: ele mostra-nos também hoje onde estão as raízes das quais pode renascer esta nossa Europa.

Saudações

Uma saudação afectuosa para todos os peregrinos de língua portuguesa, em particular os grupos vindos do Brasil e o Coro de Santa Maria de Belém, em Lisboa: Procurai imitar a Virgem Maria, cujo coração exultava no Senhor, não se cansando de meditar e celebrar as maravilhas do Omnipotente! No meio das amarguras da vida, sede os cantores daquela alegria com que Deus olha e abraça todas as suas criaturas. Implorando abundantes graças e as melhores prosperidades cristãs para vós e vossas famílias, dou-vos a minha Bênção.


18 de Junho de 2008: Santo Isidoro de Sevilha

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Amados irmãos e irmãs

Hoje gostaria de falar de Santo Isidoro de Sevilha: era o irmão mais jovem de Leandro, Bispo de Sevilha, e grande amigo do Papa Gregório Magno. O relevo é importante, porque permite ter presente uma aproximação cultural e espiritual indispensável para a compreensão da personalidade de Isidoro. Com efeito, ele deve muito a Leandro, pessoa muito exigente, estudiosa e austera, que tinha criado à volta do irmão mais jovem um contexto familiar caracterizado pelas exigências ascéticas próprias de um monge e pelos ritmos de trabalho exigidos por uma séria dedicação ao estudo. Além disso, Leandro preocupou-se em predispor o necessário para fazer face à situação político-social do momento: de facto, nestas décadas os Visigodos, bárbaros e arianos, tinham invadido a península ibérica e dominado os territórios que pertenciam ao império romano. Era necessário conquistá-los para a romanidade e para o catolicismo. A casa de Leandro e de Isidoro dispunha de uma biblioteca muito rica de obras clássicas, pagãs e cristãs. Isidoro, que se sentia atraído simultaneamente por umas e outras, foi por isso educado a desenvolver, sob a responsabilidade do irmão maior, uma disciplina mais forte dedicando-se ao seu estudo com discrição e discernimento.

Por isso, no paço episcopal de Sevilha vivia-se num clima sereno e aberto. Podemos deduzi-lo dos interesses culturais e espirituais de Isidoro, assim como sobressaem das suas próprias obras, que incluem um conhecimento enciclopédico da cultura clássica pagã e um aprofundado conhecimento da cultura cristã. Explica-se assim o eclectismo que caracteriza a produção literária de Isidoro, que passa com extrema facilidade de Marcial a Agostinho, de Cícero a Gregório Magno. A luta interior que teve de empreender o jovem Isidoro, tornando-se sucessor do irmão Leandro na cátedra episcopal de Sevilha em 599, não foi de modo algum ligeira. Talvez se deva precisamente a esta luta constante consigo mesmo a impressão de um excesso de voluntarismo que se sente ao ler as obras deste grande autor, considerado o último dos Padres cristãos da antiguidade. Poucos anos depois da sua morte, em 636, o Concílio de Toledo de 653 definiu-o: "Ilustre mestre da nossa época e glória da Igreja católica".

Sem dúvida, Isidoro foi um homem de acentuadas oposições dialécticas. E, mesmo na sua vida pessoal, experimentou um conflito interior permanente, muito semelhante ao que já São Gregório Magno e Santo Agostinho tinham sentido, entre desejo de solidão, para se dedicar unicamente à meditação da Palavra de Deus, e exigências da caridade para com os irmãos de cuja salvação, como Bispo, se sentia responsável. Por exemplo, a propósito dos responsáveis das Igrejas ele escreve: "O responsável de uma Igreja (vir ecclesiasticus) deve por um lado deixar-se crucificar no mundo com a mortificação da carne e, por outro, aceitar a decisão da ordem eclesiástica, quando ela provém da vontade de Deus, de se dedicar ao governo com humildade, mesmo que não o queira fazer" (Sententiarum liber III, 33, 1: PL 83,
Col 705 B). Então, somente um parágrafo depois, ele acrescenta: "Os homens de Deus (sancti viri) não desejam de modo algum dedicar-se às realidades seculares e gemem quando, por um misterioso desígnio de Deus, são carregados com certas responsabilidades... Eles fazem de tudo para as evitar, mas aceitam aquilo que gostariam de eludir e levam a cabo o que quereriam evitar. Com efeito, entram no segredo do coração e, ali dentro, procuram compreender o que exige a misteriosa vontade de Deus. E quando se dão conta que se devem submeter aos desígnios de Deus, humilham o pescoço do coração sob o jugo da decisão divina" (Sententiarum liber III, 33, 3: PL 83, coll. 705-706).

Para entender melhor Isidoro é necessário recordar, em primeiro lugar, a complexidade das situações políticas do seu tempo, à qual já me referi: durante os anos da infância, experimentou a amargura do exílio. Não obstante, vivia imbuído de entusiasmo apostólico: experimentava o entusiasmo de contribuir para a formação de um povo que finalmente encontrava a sua unidade nos planos político e religioso, com a providencial conversão do herdeiro ao trono visigodo Hermenegildo, do arianismo à fé católica. Todavia, não se deve subestimar a enorme dificuldade de enfrentar de modo adequado problemas muito graves, como aqueles com os hereges e com os judeus. Toda uma série de problemas que parecem muito concretos hoje, sobretudo se se considera o que acontece em certas regiões onde parece que assistimos ao repropor-se de situações muito semelhantes, presentes na península ibérica naquele século VI. A riqueza dos conhecimentos culturais de que Isidoro dispunha permitia confrontar continuamente a novidade cristã com a herança clássica greco-romana, embora mais que o dom precioso da síntese, parece que ele tivesse o da collatio, ou seja, do recolhimento, que se manifestava numa extraordinária erudição pessoal, nem sempre ordenada como se poderia desejar.

De qualquer maneira, é motivo de admiração a sua preocupação de nada descuidar daquilo que a experiência humana tinha produzido na história da sua pátria e do mundo inteiro. Isidoro nada queria perder daquilo que fora adquirido pelo homem nas épocas antigas, quer fossem pagãs, judaicas ou cristãs. Portanto, não nos devemos admirar se, em vista desta finalidade, acontecia que às vezes ele não conseguia transmitir adequadamente, como desejaria, os conhecimentos que possuía através das águas purificadoras da fé cristã. De facto, todavia, nas intenções de Isidoro, as propostas que ele apresenta permanecem sempre em sintonia com a fé católica, por ele sustentada com determinação. No debate dos vários problemas teológicos, ele demonstra que compreende a sua complexidade e propõe muitas vezes com perspicácia soluções que resumem e exprimem a verdade cristã completa. Isto permitiu que os fiéis, ao longo dos séculos, fruíssem com gratidão das suas definições até aos nossos tempos. Um exemplo significativo, a este respeito, é-nos oferecido pelo ensinamento de Isidoro sobre as relações entre vida activa e vida contemplativa. Ele escreve: "Aqueles que procuram alcançar o descanso da contemplação devem preparar-se primeiro no estádio da vida activa; e assim, livres dos resíduos do pecado, serão capazes de exibir aquele coração puro, o único que permite ver Deus" (Differentiarum Lib II, 34, 133: PL 83, Col 91 A). Porém, o realismo de um verdadeiro pastor convence-o do risco que os fiéis correm de reduzir-se a ser homens unidimensionais. Por isso, acrescenta: "O caminho do meio, composto por uma e outra forma de vida, é normalmente mais útil para resolver aquelas tensões que muitas vezes são aumentadas pela escolha de um só género de vida e por vezes são melhor temperadas por uma alternância das duas formas" (o.c., 134: ibid ., col. Col 91 B).

Isidoro procura a confirmação definitiva de uma justa orientação de vida no exemplo de Cristo, e diz: "O Salvador Jesus ofereceu-nos o exemplo da vida activa quando, durante o dia, se dedicava a oferecer sinais e milagres na cidade, mas mostrou a vida contemplativa quando se retirava no monte e ali pernoitava dedicando-se à oração" (o.c., 134: ibid.). À luz deste exemplo do Mestre divino, Isidoro pode concluir com este ensinamento moral específico: "Por isso o servo de Deus, imitando Cristo, dedique-se à contemplação sem se negar à vida activa. Não seria justo comportar-se de outra forma. Com efeito, assim como se deve amar a Deus com a contemplação, também se deve amar o próximo com a acção. Por conseguinte, é impossível viver sem a presença simultânea de uma e de outra forma de vida, nem é possível amar, se não se vive a experiência de uma e de outra" (o.c., 135: ibid ., col. Col 91 C). Na minha opinião, esta é a síntese de uma vida que busca a contemplação de Deus, o diálogo com Deus na oração e na leitura da Sagrada Escritura, assim como a acção ao serviço da comunidade humana e do próximo. Este resumo é a lição que o grande Bispo de Sevilha deixa a nós, cristãos de hoje, chamados a dar testemunho de Cristo no início de um novo milénio.

Saudações

A todos os amados ouvintes de língua portuguesa, com cordiais saudações desejo felicidades, graça e paz no Senhor Jesus Cristo. Saúdo em particular os peregrinos portugueses da Diocese de Viana do Castelo: que a Virgem de Fátima vos acompanhe e ampare sempre na caminhada da fé e no crescimento do amor pelo próximo, e obtenha todo o bem para os que vos são queridos. Com a minha Bênção Apostólica.

Agora dirijo o meu pensamento aos participantes no Congresso Eucarístico Internacional, que está a realizar-se nestes dias na cidade de Quebeque, no Canadá, sobre o tema. "A Eucaristia, dom de Deus para a vida do mundo". Torno-me espiritualmente presente em tão solene encontro eclesiástico, e faço votos a fim de que seja para as comunidades cristãs do Canadá e para a Igreja universal um tempo forte de oração, de reflexão e de contemplação do mistério da Sagrada Eucaristia. Seja também uma ocasião propícia para confirmar a fé da Igreja na presença real de Cristo no Santíssimo Sacramento do Altar. Além disso, oremos para que este Congresso Eucarístico Internacional, reavive nos fiéis, não apenas do Canadá, mas de muitas outras nações no mundo, a consciência daqueles valores evangélicos e espirituais que forjaram a sua identidade ao longo da história.



25 de Junho de 2008: São Máximo, o Confessor

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Prezados irmãos e irmãs

Hoje gostaria de apresentar a figura de um dos grandes Padres da Igreja do Oriente do tempo tardio. Trata-se de um monge, São Máximo, que da tradição cristã mereceu o título de Confessor, pela intrépida coragem com que soube testemunhar "confessar" também com o sofrimento, a integridade da sua fé em Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Salvador do mundo. Máximo nasceu na Palestina, a terra do Senhor, por volta de 580. Desde jovem foi iniciado na vida monástica e no estudo das Escrituras, também através das obras de Orígenes, o grande mestre que já no século III conseguira "fixar" a tradição exegética alexandrina.

De Jerusalém, Máximo transferiu-se para Constantinopla, e dali, por causa das invasões bárbaras, refugiou-se na África. Aí, distinguiu-se com extrema coragem na defesa da ortodoxia. Máximo não aceitava qualquer diminuição da humanidade de Cristo. Nascera a teoria segundo a qual em Cristo haveria somente uma vontade, a divina. Para defender a unicidade da sua pessoa, negavam que nele existisse uma verdadeira vontade humana. E, à primeira vista, poderia até parecer uma coisa positiva, que em Cristo houvesse uma única vontade. Mas São Máximo compreendeu imediatamente que isto destruiria o mistério da salvação, porque uma humanidade sem vontade, um homem sem vontade não é um homem verdadeiro, é um homem incompleto. Portanto, o homem Jesus Cristo não seria um verdadeiro homem, não teria vivido o drama do ser humano, que consiste precisamente na dificuldade de conformar a nossa vontade com a verdade do ser. E assim São Máximo afirma com grande decisão: a Sagrada Escritura não nos mostra um homem incompleto, sem vontade, mas um homem verdadeiramente completo: em Jesus Cristo, Deus assumiu realmente a totalidade do ser humano obviamente, excepto o pecado e portanto também uma vontade humana. E isto, dito assim, parece claro: Cristo ou é, ou não é homem. Se é homem, tem também uma vontade. Mas surge o problema: não leva isto a uma espécie de dualismo? Não se chega a afirmar duas personalidades completas: razão, vontade e sentimento? Como ultrapassar o dualismo, conservar a integridade do ser humano e todavia tutelar a unidade da pessoa de Cristo, que não era esquizofrénico. E São Máximo demonstra que o homem encontra a sua unidade, a integração de si próprio, a sua totalidade não em si mesmo, mas superando-se a si próprio saindo de si mesmo. Assim, também em Cristo, saindo de si próprio, o homem encontra em Deus, no Filho de Deus a si mesmo. Não se deve limitar o homem para explicar a Encarnação; só é necessário compreender o dinamismo do ser humano, que só se realiza se sair de si mesmo; só em Deus encontramo-nos a nós mesmos, a nossa totalidade e integridade. Assim, vê-se que o homem completo não é aquele que se fecha em si mesmo, mas o homem que se abre, que sai de si próprio, que se torna completo e se encontra a si mesmo e à sua verdadeira humanidade precisamente no Filho de Deus.

Para São Máximo, esta visão não permanece uma especulação filosófica; ele vê-a realizada na vida concreta de Jesus, sobretudo no drama do Getsémani. Neste drama da agonia de Jesus, da angústia da morte, da oposição entre a vontade humana de não morrer e a vontade divina que se oferece à morte, neste drama do Getsémani realiza-se todo o drama humano, o drama da nossa redenção. São Máximo diz-nos, e nós sabemos que esta é a verdade. Adão (e nós mesmos somos Adão) pensava que o "não" fosse o ápice da liberdade. Só quem pode dizer "não" seria realmente livre; para realizar realmente a sua liberdade, o homem deve dizer "não" a Deus; só assim pensa que é finalmente ele mesmo, que alcançou o ápice da liberdade. Também a natureza humana de Cristo tinha esta tendência em si mesma, mas superou-a porque Jesus viu que o "não" não é o máximo da liberdade. O máximo da liberdade é o "sim", a conformidade com a vontade de Deus. Só no "sim" o homem se torna realmente ele mesmo; só na grande abertura do "sim", na unificação da sua vontade com a vontade divina, o homem se torna imensamente aberto, "divino". O desejo de Adão era ser como Deus, isto é, ser completamente livre. Mas não é divino, não é inteiramente livre o homem que se fecha em si mesmo; é-o quando sai de si próprio, é no "sim" que ele se torna livre; e este é o drama do Getsémani: não a minha vontade, mas a tua. Transferindo a vontade humana para a vontade divina, nasce o verdadeiro homem, é assim que somos redimidos. Em síntese, este é o ponto fundamental daquilo que São Máximo queria dizer, e vemos que aqui todo o ser humano está verdadeiramente em questão; encontra-se aqui toda a questão da nossa vida. São Máximo já tinha problemas na África, ao defender esta visão do homem e de Deus; depois, foi chamado para Roma. Em 649 participou activamente no Concílio Lateranense, proclamado pelo Papa Martinho I em defesa das duas vontades de Cristo, contra o edito do imperador, que - pro bono pacis - proibia discutir sobre esta questão. O Papa Martinho teve que pagar cara a sua coragem: apesar da precariedade da sua saúde, foi aprisionado e transferido para Constantinopla. Processado e condenado à morte, obteve a comutação da pena no exílio definitivo na Crimeia, onde faleceu no dia 16 de Setembro de 655, depois de dois longos anos de humilhações e tormentos.

Pouco tempo mais tarde, em 662 foi a vez de Máximo que opondo-se também ele ao imperador continuava a repetir: "É impossível afirmar em Cristo uma só vontade!" (cf. PG 91, cc. 268-269). Assim, juntamente com dois dos seus discípulos, ambos chamados Anastácio, Máximo foi submetido a um processo extenuante, embora já tivesse mais de oitenta anos de idade. O tribunal do imperador condenou-o, com a acusação de heresia, à cruel mutilação da língua e da mão direita os dois órgãos mediante os quais, através das palavras e dos escritos, Máximo combatera a doutrina errónea da única vontade de Cristo. Enfim o santo monge, assim mutilado, foi exilado na Colchide, no Mar Negro, onde faleceu prostrado pelos sofrimentos padecidos, com 82 anos de idade, no dia 13 de Agosto desse mesmo ano de 662.

Falando da vida de Máximo, mencionamos a sua obra literária em defesa da ortodoxia. Referimo-nos de modo particular à Disputa com Pirro, ex-Patriarca de Constantinopla: nela, ele conseguiu persuadir o adversário dos seus erros. Efectivamente, com grande honestidade Pirro assim concluía a Disputa: "Peço perdão para mim e para aqueles que me precederam: por ignorância, chegamos a estes absurdos pensamentos e argumentações; e peço que se encontre o modo de cancelar estes absurdos, salvando a memória daqueles que erraram" (PG 91, c. 352). Além disso, chegaram até nós algumas dezenas de obras importantes, entre as quais sobressai a Mistagoghía, um dos escritos mais significativos de São Máximo, que reúne o seu pensamento teológico numa síntese bem estruturada.

O pensamento de São Máximo nunca é só teológico, especulativo, fechado em si mesmo, porque tem sempre como ponto de chegada a realidade concreta do mundo e da sua salvação. Neste contexto, no qual sofreu, não podia evadir-se em afirmações filosóficas apenas teóricas; tinha que procurar o sentido de viver, interrogando-se: quem sou eu, o que é o mundo? Ao homem, criado à sua imagem e semelhança, Deus confiou a missão de unificar o cosmos. E como Cristo unificou em si mesmo o ser humano, no homem o Criador unificou o cosmos. Ele mostrou-nos como unificar o cosmos na comunhão de Cristo, e assim alcançar realmente um mundo redimido. A esta poderosa visão salvífica refere-se um dos grandes teólogos do século XX, Hans Urs von Balthasar, que "relançando" a figura de Máximo define o seu pensamento com a icástica expressão de Kosmische Liturgie, "liturgia cósmica". Jesus Cristo, único Salvador do mundo, permanece sempre no centro desta solene "liturgia". A eficácia da sua acção salvífica, que unificou definitivamente o cosmos, é garantida pelo facto de que ele, embora seja Deus em tudo, é também integralmente homem incluindo até a "energia" e a vontade do homem.

A vida e o pensamento de Máximo são poderosamente iluminados por uma coragem imensa ao testemunharem a realidade integral de Cristo, sem qualquer redução ou compromisso. E assim manifesta-se quem é verdadeiramente o homem, como devemos viver para responder à nossa vocação. Temos que viver unidos a Deus, para permanecermos assim unidos a nós mesmos e ao cosmos, dando ao próprio cosmos e à humanidade a justa forma. O "sim" universal de Cristo mostra-nos também com clareza como dar a justa colocação a todos os outros valores. Pensamos em valores hoje justamente defendidos, como a tolerância, a liberdade e a o diálogo. Mas uma tolerância que já não soubesse distinguir entre o bem e o mal tornar-se-ia caótica e autodestruidora. Assim também uma liberdade que não respeitasse a liberdade do próximo e não encontrasse a medida comum das nossas respectivas liberdades, tornar-se-ia anarquia e destruiria a autoridade. O diálogo que já não sabe sobre o que dialogar torna-se palavra vazia. Todos estes valores são grandes e fundamentais, mas só podem permanecer verdadeiros valores se tiverem o ponto de referência que os une e lhes confere a verdadeira autencidade. Este ponto de referência é a síntese entre Deus e o cosmos, é a figura de Cristo na qual aprendemos a verdade acerca de nós mesmos e onde inserir todos os outros valores, porque descobrimos o seu significado autêntico. Jesus Cristo é o ponto de referência que dá luz a todos os demais valores. Ela constitui o ponto de chegada do testemunho deste grande Confessor. E assim, no final, Cristo indica-nos que o cosmos deve tornar-se liturgia, glória de Deus, e que a adoração é o início da verdadeira transformação, da genuína renovação do mundo.

Por isso, gostaria de concluir com um trecho fundamental das obras de São Máximo: "Nós adoramos um só Filho, juntamente com o Pai e com o Espírito Santo, como antes dos tempos, assim também agora, e por todos os tempos, e pelos tempos depois dos tempos. Amém!" (PG 91, c. 269).

Saudações

Saúdo agora os fiéis de língua portuguesa da missão católica de Sion (Suíça) e da comunidade que vive à sombra do benemérito Convento franciscano do Varatojo (Patriarcado de Lisboa) e todos os peregrinos vindos do Brasil e demais países lusófonos. Viestes a Roma, junto do túmulo dos Apóstolos, revigorar a vossa fé cristã e os vínculos de amor e de obediência à Igreja, que Jesus quis fundar sobre Pedro. Que os vossos corações, fortes na fé, possam estar sempre ao serviço do amor de Deus, e que as suas bênçãos desçam abundantes sobre vós e as vossas famílias!





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