Audiências 2005-2013 2078

2 de Julho de 2008: Apóstolo São Paulo (1) - O ambiente religioso-cultural

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Caros irmãos e irmãs

Hoje gostaria de começar um novo ciclo de Catequeses, dedicado ao grande Apóstolo São Paulo. A ele, como sabeis, é consagrado este ano, que iniciou na festa litúrgica dos Santos Pedro e Paulo de 29 de Junho de 2008 e terminará com a mesma festa em 2009. O Apóstolo Paulo, figura excelsa e quase inimitável, mas de qualquer maneira estimulante, está diante de nós como exemplo de total dedicação ao Senhor e à sua Igreja, bem como de grande abertura à humanidade e às suas culturas. Portanto, é justo que lhe reservemos um lugar especial, não só na nossa veneração, mas também no esforço de compreender aquilo que ele tem para nos dizer, a nós cristãos de hoje. Neste nosso primeiro encontro, queremos deter-nos para considerar o ambiente em que se encontrou a viver e a agir. Um tema deste género pareceria levar-nos para longe do nosso tempo, visto que devemos inserir-nos no mundo de há dois mil anos. E todavia isto só é verdade aparentemente e, de qualquer forma apenas de modo parcial, porque poderemos constatar que, sob vários aspectos, o contexto sociocultural de hoje não se diferencia muito do de então.

Um factor primário e fundamental que se deve ter presente é constituído pela relação entre o ambiente em que Paulo nasce e se desenvolve, e o contexto global em que sucessivamente se insere. Ele vem de uma cultura bem específica a circunscrita, certamente minoritária, que é a do povo de Israel e da sua tradição. No mundo antigo e nomeadamente no âmbito do Império Romano, como nos ensinam os estudiosos da matéria, os judeus deviam representar cerca de 10% da população total; depois em Roma, por volta dos meados do século I o seu número era ainda menor, alcançando ao máximo 3% dos habitantes da cidade. Os seus credos e o seu estilo de vida, como acontece também hoje, distinguiam-nos claramente do ambiente circunstante; e isto podia ter dois resultados: ou a ridicularização, que podia levar à intolerância, ou então a admiração, que se exprimia de várias formas de simpatia, como no caso dos "tementes a Deus" ou dos "prosélitos", pagãos que se associavam à sinagoga e partilhavam a fé no Deus de Israel. Como exemplos concretos desta dupla atitude podemos citar, por um lado, o juízo pungente de um orador como Cícero, que desprezava a sua religião e até a cidade de Jerusalém (cf. Pro Flacco, 66-69) e, por outro, a atitude da esposa de Nero, Popeia, que é recordada por Flávio Josefo como "simpatizante" dos judeus (cf. Antiguidades judaicas 20, 195.252; Vita 16), sem mencionar que já Júlio César lhes tinha oficialmente reconhecido alguns direitos particulares que nos foram legados pelo mencionado historiador judeu Flávio Josefo (cf. ibid., 14, 200-216). Sem dúvida, o número de judeus, como de resto acontece ainda hoje, era muito maior fora da terra de Israel, ou seja na diáspora, do que no território que os outros chamavam Palestina.

Portanto, não admira que o próprio Paulo tenha sido objecto da dupla e contrastante avaliação de que falei. Uma coisa é segura: o particularismo da cultura e da religião judaica encontra tranquilamente lugar no interior de uma instituição tão omnipresente como era o império romano. Mais difícil e sofrida foi a posição do grupo daqueles, judeus ou gentios, que aderiram com fé à pessoa de Jesus de Nazaré, na medida em que se distinguiram quer do judaísmo quer do paganismo imperante. De qualquer forma, dois factores favoreceram o compromisso de Paulo. O primeiro foi a cultura grega, ou melhor helenista, que depois de Alexandre Magno se tinha tornado património comum pelo menos do Mediterrâneo oriental e do Médio Oriente, mesmo que tenha integrado em si muitos elementos das culturas de povos tradicionalmente considerados bárbaros. Um escritor dessa época afirma, a este propósito, que Alexandre "ordenou que todos considerassem como pátria toda a ecumene... e que o Grego e o Bárbaro já não se distinguissem" (Plutarco, De Alexandri Magni fortuna aut virtute 6.8). O segundo factor foi a estrutura político-administrativa do império romano, que garantia paz e estabilidade desde a Britânia até ao Egipto meridional, unificando um território de dimensões nunca vistas. Neste espaço podia-se mover com suficiente liberdade e segurança, usufruindo entre outras coisas de um sistema rodoviário extraordinário, e encontrando em cada ponto de chegada características culturais de base que, sem prejudicar os valores locais, representavam contudo um tecido comum de unificação super partes, a tal ponto que o filósofo judeu Filone Alexandrino, contemporâneo do próprio Paulo, elogia o imperador Augusto, porque "compôs em harmonia todos os povos selvagens... tornando-se guardião da paz" (Legatio ad Caium 146-147).

A visão universalista típica da personalidade de São Paulo, pelo menos do Paulo cristão sucessivo ao acontecimento do caminho de Damasco, deve certamente o seu impulso básico à fé em Jesus Cristo, enquanto a figura do Ressuscitado se situa além de qualquer limite particularista; com efeito, para o Apóstolo "já não há judeu nem grego; não há servo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo" (
Ga 3,28). Todavia, também a situação histórico-cultural do seu tempo e do seu ambiente não deixou de influenciar as escolhas e o seu compromisso. Alguém definiu Paulo "homem de três culturas", tendo em consideração a sua matriz judaica, a sua língua grega e a sua prerrogativa de "civis romanus", como atesta também o nome de origem latina. Há que recordar de modo especial a filosofia estóica, que na época de Paulo era predominante e que influiu, embora em medida marginal, também sobre o cristianismo. A este propósito, não podemos deixar de mencionar alguns nomes de filósofos estóicos, como os iniciadores Zenão e Cleante, e depois os que cronologicamente estão mais próximos de Paulo, como Séneca, Musónio e Epicteto: neles encontram-se elevadíssimos valores de humanidade e de sabedoria, que naturalmente serão recebidos no cristianismo. Como escreve de modo excelente um estudioso da matéria, "a Stoa... anunciou um novo ideal, que impunha ao homem deveres em relação ao seu próximo, mas ao mesmo tempo libertava-o de todos os vínculos físicos e nacionais, e dele fazia um ser puramente espiritual" (M. Pohlenz, La Stoa, I, Florença 2 1978, págs. 565 s.). Pensemos, por exemplo, na doutrina do universo entendido como um único grande corpo harmonioso e, consequentemente, na doutrina da igualdade entre todos os homens sem distinções sociais, na equiparação pelo menos de princípio entre o homem e a mulher, e depois no ideal da frugalidade, da justa medida e do domínio de si para evitar qualquer excesso. Quando Paulo escreve aos Filipenses: "Tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso ou que de algum modo mereça louvor, é o que deveis ter em mente" (Ph 4,8), não faz senão retomar uma concepção claramente humanista própria daquela sabedoria filosófica.

Na época de São Paulo havia também uma crise da religião tradicional, pelo menos nos seus aspectos mitológicos e também cívicos. Depois que Lucrécio já um século antes, tinha polemicamente asseverado que "a religião conduziu a muitas injustiças" (De rerum natura, 1, 101), um filósofo como Séneca, indo muito além de todo o ritualismo exteriorista, ensinava que "Deus está próximo de ti, está contigo, está dentro de ti" (Cartas a Lucílio, 41, 1). Analogamente, quando Paulo se dirige a um auditório de filósofos epicureus e estóicos no Areópago de Atenas, diz textualmente que "Deus não habita em santuários feitos por mãos humanas... mas nele vivemos, nos movemos e existimos" (Ac 17,24 Ac 17,28). Com isto, ele certamente faz ressoar a fé judaica num Deus não representável em termos antropomórficos, mas põe-se também numa sintonia religiosa que os seus ouvintes conheciam bem. Além disso, temos que ter em conta o facto de que muitos cultos pagãos prescindiam dos templos oficiais da cidade e se realizavam em lugares particulares que favoreciam a iniciação dos adeptos. Por isso, não constituía motivo de admiração, o facto de que também as reuniões cristãs (as Ekklesíai), como nos atestam sobretudo as Cartas paulinas, se realizassem em casas particulares. De resto, nessa época ainda não existia qualquer edifício público. Portanto, as reuniões dos cristãos deviam parecer aos contemporâneos como uma simples variante desta sua prática religiosa mais íntima. De qualquer forma, as diferenças entre os cultos pagãos e o culto cristão não são de pouca monta e dizem respeito tanto à consciência identitária dos participantes como a participação comum de homens e mulheres, a celebração da "ceia do Senhor" e a leitura das Escrituras.

Em conclusão, desta rápida série sobre o ambiente cultural do século I da era cristã parece claro que não é possível compreender adequadamente São Paulo sem o inserir no contexto, tanto judaico como pagão, do seu tempo. Deste modo, a sua figura adquire valor histórico e ideal, revelando partilha e ao mesmo tempo originalidade em relação ao ambiente. Mas isto vale analogamente também para o cristianismo em geral, do qual precisamente o Apóstolo Paulo constitui um paradigma de primeira ordem, do qual todos nós temos sempre muito a aprender. Esta é a finalidade do Ano Paulino: aprender de São Paulo, aprender a fé, aprender Cristo e, enfim, aprender o caminho da vida recta.

Saudação

Amados peregrinos vindos do Brasil e todos os presentes de língua portuguesa, de coração vos saúdo com votos de que esta vossa paragem junto do túmulo dos Príncipes dos Apóstolos, Pedro e Paulo, revigore os laços cristãos que fazem de todos nós a mesma e única Igreja espalhada até aos confins do mundo. Que o amor de Deus reine nos vossos corações… e a terra será nova. As maiores felicidades para cada um de vós e vossos queridos, com a Bênção que vos dou em nome do Senhor.




13 de Agosto de 2008:Edith Stein e Maximiliano Kolbe

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Caros irmãos e irmãs

Tendo voltado de Bressanone, onde pude transcorrer um período de descanso, estou feliz por me encontrar convosco e por vos saudar, queridos habitantes de Castel Gandolfo, bem como a vós, peregrinos que hoje viestes visitar-me. Gostaria de agradecer mais uma vez a quantos me receberam e vigiaram sobre a minha estadia nas montanhas. Foram dias de tranquila distensão, durante os quais não cessei de recordar ao Senhor aqueles que se confiam às minhas orações. E são verdadeiramente numerosos os que me escrevem, pedindo para rezar por eles. Manifestam-me as suas alegrias, mas também as suas preocupações, os seus projectos de vida, mas inclusive os problemas na família e no trabalho, as expectativas e as esperanças que nutrem no seu coração, juntamente com as angústias ligadas às incertezas que a humanidade está a viver neste momento. Posso assegurar que me recordo de todos e de cada um, especialmente na celebração diária da Santa Missa e na recitação do Santo Rosário. Bem sei que o primeiro serviço que posso prestar à Igreja e à humanidade é precisamente a oração, porque rezando deposito nas mãos do Senhor com confiança o ministério que Ele mesmo me confiou, juntamente com a sorte de toda a comunidade eclesial e civil.

Quem reza nunca perde a esperança, mesmo quando se encontra em situações difíceis e até humanamente desesperadas. É isto que nos ensina a Sagrada Escritura e que testemunha a história da Igreja. Com efeito, quantos exemplos poderíamos oferecer, de situações em que foi precisamente a oração que sustentou o caminho dos santos e do povo cristão! Entre os testemunhos da nossa época, gostaria de citar o de dois santos, cuja memória festejamos nestes dias: Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein, cuja festa pudemos celebrar no dia 9 de Agosto, e Maximiliano Kolbe, que recordaremos amanhã, 14 de Agosto, vigília da solenidade da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria. Ambos concluíram com o martírio a sua vicissitude terrestre, no lager de Auschwitz. Aparentemente, a sua existência poderia considerar-se uma derrota, mas precisamente no seu martírio resplandece o fulgor do Amor, que vence as trevas do egoísmo e do ódio. A São Maximiliano Kolbe são atribuídas as seguintes palavras, que ele teria pronunciado em pleno furor da perseguição nazista: "O ódio não é uma força criativa: é-o somente o amor". E do amor foi uma prova heróica a generosa oferta que ele fez de si mesmo em troca de um dos seus companheiros de prisão, oferta esta que culminou com a sua morte no bunker da fome, a 14 de Agosto de 1941.

Edith Stein, no dia 6 de Agosto do ano seguinte, três dias antes da morte dramática, aproximando-se de algumas religiosas do mosteiro de Echt, na Holanda, disse-lhes: "Estou pronta para tudo. Jesus está também aqui no meio de nós. Até agora pude rezar muito bem, dizendo de todo o coração: "Ave, Crux, spes unica"". Testemunhas que conseguiram fugir deste horrível massacre narraram que Teresa Benedita da Cruz, ao vestir o hábito carmelita, caminhava conscientemente rumo à morte, distinguindo-se pelo seu comportamento repleto de paz e pela sua atitude tranquila e pelo seu comportamento calmo e atento às necessidades de todos. A oração foi o segredo desta Santa, co-Padroeira da Europa, que "mesmo depois de ter alcançado a verdade na paz da vida contemplativa, teve que viver até ao fim o mistério da Cruz" (Carta Apostólica Spes aedificandi, em Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XX, 2 [1999], pág. 511).

"Ave-Maria!": esta foi a última invocação que brotou dos lábios de São Maximiliano Kolbe, estendendo o braço àquele que o matava com uma injecção de ácido fénico. É comovedor constatar que o recurso humilde e confiante a Nossa Senhora é sempre manancial de coragem e de serenidade. Enquanto nos preparamos para celebrar a solenidade da Assunção, que é uma das festas marianas mais queridas à tradição cristã, renovamos a nossa confiança naquela que, do Céu, vigia com amor maternal sobre nós em todos os momentos. Com efeito, é assim que rezamos na familiar prece da Ave-Maria, pedindo-lhe que interceda por nós "agora e na hora da nossa morte"

Saudação

Desejo saudar, cordialmente o grupo da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa, e a tripulação do Navio-Escola «Brasil» da Marinha brasileira, aos quais faço votos de que levem deste encontro a lembrança que a vossa vida tem como objetivo servir, com caridade cristã, os cidadãos da vossa Pátria, pelas rotas da paz, da solidariedade e da fraternidade! Com estes votos, de todo coração abençoo a vós e às vossas famílias, bem como a todos os peregrinos de língua portuguesa aqui presentes.



20 de Agosto de 2008: A santidade

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Prezados irmãos e irmãs

Cada dia a Igreja oferece à nossa consideração um ou mais santos e beatos para invocar e imitar. Nesta semana, por exemplo, recordamos alguns que são muito queridos à devoção popular. Ontem, São João Eudes, que diante do rigorismo dos jansenistas estamos no século XVII promoveu uma devoção terna, cujas fontes inesgotáveis ele indicou nos Sagrados Corações de Jesus e de Maria. No dia de hoje recordamos São Bernardo de Claraval que o Papa Pio VIII denominou "doutor melífluo", porque sobressaía "fazendo destilar dos textos bíblicos o sentido que neles se encontra escondido". Este místico, desejoso de viver mergulhado no "vale luminoso" da contemplação, foi levado pelos acontecimentos a viajar pela Europa para servir a Igreja, nas necessidades do tempo e para defender a fé cristã. Foi definido também "doutor mariano", não porque tenha escrito muitíssimo sobre Nossa Senhora, mas porque soube compreender o seu papel essencial na Igreja, apresentando-a como o modelo perfeito da vida monástica e de todas as outras formas de vida cristã.

Amanhã recordaremos São Pio X, que viveu num período histórico difícil. Em 1985, quando visitou a terra natal deste Santo, João Paulo II pôde dizer: "Lutou e sofreu pela liberdade da Igreja, e por esta liberdade revelou-se pronto a sacrificar privilégios e honras, a enfrentar a incompreensão e o desprezo, enquanto avaliava esta liberdade como garantia última para a integridade e a coerência da fé" (Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VIII, 1, 1985, pág. 1818).

A próxima sexta-feira será dedicada à Bem-Aventurada Virgem Rainha, memória instituída pelo Servo de Deus Pio XII em 1954, e que a renovação litúrgica desejada pelo Concílio Vaticano II decidiu como complemento da solenidade de Nossa Senhora da Assunção, porque os dois privilégios formam um único mistério. Enfim, sábado rezaremos a Santa Rosa de Lima, primeira santa canonizada do continente latino-americano, do qual é Padroeira principal. Santa Rosa gostava de repetir: "Se os homens soubessem o que significa viver na graça, não se assustariam diante de qualquer sofrimento e padeceriam de bom grado qualquer pena, porque a graça é fruto da paciência". Faleceu com 31 anos, em 1617, depois de uma breve existência repleta de privações e de sofrimentos, na festa do Apóstolo São Bartolomeu, de quem era muito devota, porque tinha sofrido um martírio particularmente doloroso.

Caros irmãos e irmãs, dia após dia a Igreja oferece-nos portanto a possibilidade de caminhar em companhia dos santos. Hans Urs von Balthasar escrevia que os santos constituem o comentário mais importante ao Evangelho, uma sua actualização na vida quotidiana e, por conseguinte, representam para nós um verdadeiro caminho de acesso a Jesus. O escritor francês Jean Guitton descrevia-os "como as cores do espectro em relação à luz", porque com as suas próprias tonalidades e matizes cada um deles reflecte a luz da santidade de Deus. Portanto, como é profícuo e importante o compromisso de cultivar o conhecimento e a devoção dos santos, juntamente com a meditação diária da Palavra de Deus e com um amor filial a Nossa Senhora!

Sem dúvida, o período de férias constitui um tempo útil para pegar nas mãos a biografia e os escritos de algum santo ou santa em particular, mas todos os dias do ano oferece-nos a oportunidade de nos familiarizarmos com os nossos padroeiros celestes. A sua experiência humana e espiritual demonstra que a santidade não é um luxo, não é um privilégio para poucos, uma meta impossível para um homem normal; na realidade, ela é o destino comum de todos os homens chamados a ser filhos de Deus, a vocação universal de todos os baptizados. A santidade é oferecida a todos; naturalmente, nem todos os santos são iguais: com efeito, como eu disse, constituem o espectro da luz divina. E não necessariamente é um grande santo aquele que possui carismas extraordinários. Efectivamente, existem numerosos deles cujos nomes só são conhecidos por Deus, porque na terra levaram uma existência aparentemente normalíssima. E em geral são queridos por Deus precisamente estes santos "normais". O seu exemplo testemunha que, somente quando estamos em contacto com o Senhor é que nos tornamos repletos da sua paz e da sua alegria, e que somos capazes de difundir por toda a parte a serenidade, a esperança e o optimismo. Considerando precisamente a variedade dos seus carismas, Bernanos, grande escritor francês que se sentiu sempre fascinado pela ideia dos santos cita muitos deles nos seus romances observa que "cada vida de santo é como um novo florescimento de primavera". Que isto aconteça também connosco! Por isso, deixemo-nos atrair pela fascinação sobrenatural da santidade! Obtenha para nós esta graça Maria, Rainha de todos os Santos, Mãe e Refúgio dos pecadores!



Sala Paulo VI

27 de Agosto de 2008: São Paulo (2) : A vida de São Paulo antes e depois de Damasco

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Caros irmãos e irmãs

Na última catequese antes das férias há dois meses, no início de Julho comecei uma nova série de temáticas por ocasião do ano paulino, considerando o mundo em que São Paulo viveu. Hoje gostaria de retomar e continuar a reflexão sobre o Apóstolo dos gentios, propondo uma sua breve biografia. Dado que dedicaremos a próxima quarta-feira ao acontecimento extraordinário que se verificou no caminho de Damasco, a conversão de Paulo, mudança fundamental da sua existência a seguir ao encontro com Cristo, hoje reflictamos brevemente sobre o conjunto da sua vida. Encontramos os dados biográficos de Paulo, respectivamente, na Carta a Filémon, onde ele se declara "velho" (
Phm 1,9: presbýtes)e nos Actos dos Apóstolos que, no momento da lapidação de Estêvão, o qualificam "jovem" (Ac 7,58: neanías). As duas designações são evidentemente genéricas mas, em conformidade com as medidas antigas, "jovem" era qualificado o homem com cerca de trinta anos, e dizia-se "velho" quando tinha por volta de sessenta anos. Em termos absolutos, a data do nascimento de Paulo depende em grande parte da data da Carta a Filémon. Tradicionalmente, a sua redacção é posta durante o aprisionamento romano, nos meados dos anos 60. Paulo teria nascido no ano 8, portanto contaria mais ou menos sessenta anos, enquanto no momento da lapidação de Estêvão tinha trinta. Esta deveria ser a cronologia correcta. E a celebração do ano paulino que nós fazemos segue precisamente esta cronologia. Foi escolhido o ano de 2008, pensando num nascimento mais ou menos no ano 8.

De qualquer maneira, ele nasceu em Tarso na Cilícia (cf. Ac 22,3). A cidade era capital administrativa da região e em 51 a.C. teve como Procônsul nada menos que Marco Túlio Cícero, enquanto dez anos mais tarde, em 41, Tarso fora o lugar do primeiro encontro entre Marco António e Cleópatra. Judeu da diáspora, ele falava grego, embora tivesse um nome de origem latina, de resto derivado por assonância do originário hebraico Saul/Saulos, que tinha a cidadania romana (cf. Ac 22,25-28). Portanto, Paulo aparece inserido na fronteira de três culturas romana, grega e judaica e talvez também por isso era disponível a fecundas aberturas universalistas, a uma mediação entre as culturas, a uma verdadeira universalidade. Ele aprendeu também um trabalho manual, talvez herdado do pai, que consistia na profissão de "tendeiro" (cf. Ac 18,3, skenopoiós), que provavelmente deve ser entendido como alguém que trabalha a lã tosca de cabra ou as fibras de linho para fazer esteiras ou tendas (cf. Ac 20,33-35). Por volta dos 12-13 anos, a idade em que o adolescente judeu se torna bar mitzvá ("filho do preceito"), Paulo deixou Tarso e transferiu-se para Jerusalém, para ser educado aos pés do rabino Gamaliel, o Ancião, neto do grande Rabino Hillel, segundo as mais rígidas normas do farisaísmo, e adquirindo um grande zelo pela Torá mosaica (cf. Ga 1,14 Ph 3,5-6 Ac 22,3 Ac 23,6 Ac 26,5).

Com base nesta profunda ortodoxia, que tinha aprendido na escola de Hilel em Jerusalém, entreviu no novo movimento que se inspirava em Jesus de Nazaré um risco, uma ameaça para a identidade judaica, para a verdadeira ortodoxia dos pais. Isto explica o facto de que ele, ferozmente, "perseguiu a Igreja de Deus", como três vezes admitirá nas suas Cartas (cf. 1Co 15,9 Ga 1,13 Ph 3,6). Embora não seja fácil imaginar concretamente em que consistia esta perseguição, de qualquer maneira a sua atitude era de intolerância. É aqui que se insere o acontecimento de Damasco, a respeito do qual voltaremos a falar na próxima catequese. É certo que, daquele momento em diante, a sua vida mudou e ele tornou-se um incansável apóstolo do Evangelho. Com efeito, Paulo passou para a história mais por aquilo que fez como cristão, aliás como apóstolo, do que como fariseu. Tradicionalmente, subdivide-se a sua actividade apostólica com base nas três viagens missionárias, à qual se acrescenta a quarta, a ida a Roma como prisioneiro. Todas elas são narradas por Lucas nos Actos. Porém, a propósito das três viagens missionárias, é necessário distinguir a primeira das outras duas.

Com efeito, da primeira (cf. Ac 13-14) Paulo não teve a responsabilidade directa, que foi ao contrário confiada ao cipriota Barnabé. Juntamente com eles, partiram de Antioquia sobre o Oronte, enviados por aquela Igreja (cf. Ac 13,1-3) e, depois de terem sarpado do porto de Selêucia na costa síria, atravessaram a ilha de Chipre de Salamina a Pafos; dali chegaram à costa meridional da Anatólia, hoje Turquia, e passaram pelas cidades de Atália, Perga da Panfília, Antioquia da Pisídia, Icónio, Listra e Derbe, de onde regressaram ao ponto de partida. Assim nasceu a Igreja dos povos, a Igreja dos pagãos. Entretanto, sobretudo em Jerusalém, nasceu um debate árduo, até que ponto estes cristãos provenientes do paganismo eram obrigados a entrar também na vida e na lei de Israel (várias observações e prescrições que separavam Israel do resto do mundo), para ser realmente partícipes das promessas dos profetas e para entrar efectivamente na herança de Israel. A fim de resolver este problema fundamental para o nascimento da Igreja futura, reuniu-se em Jerusalém o chamado Concílio dos Apóstolos, para decidir a respeito deste problema, do qual dependia o nascimento efectivo de uma Igreja universal. E foi decidido não impor aos pagãos convertidos a observância da lei mosaica (cf. Ac 15,6-30): ou seja, não eram obrigados às normas do judaísmo; a única necessidade era pertencer a Cristo, viver com Cristo e segundo as suas palavras. Assim, sendo de Cristo, eram também de Abraão, de Deus e partícipes de todas as promessas. Depois deste acontecimento decisivo, Paulo separou-se de Barnabé, escolheu Sila e começou a segunda viagem missionária (cf. Ac 15,36-18 Ac 15,22). Tendo ultrapassado a Síria e a Cilícia, reviu a cidade de Listra, onde tomou consigo Timóteo (figura muito importante da Igreja nascente, filho de uma judia e de um pagão) e fê-lo circuncidar, atravessou a Anatólia central e chegou à cidade de Tróade, na costa setentrional do Mar Egeu. E aqui novamente teve lugar um acontecimento importante: viu em sonhos um macedónio da outra parte do mar, ou seja, na Europa, que dizia: "Vem e ajuda-me!". Era a Europa futura que pedia a ajuda e a luz do Evangelho. Impelido por esta visão, entrou na Europa. Daqui, sarpou para a Macedónia, entrando assim na Europa. Tendo desembarcado em Nápoles, chegou a Filipos, onde fundou uma bonita comunidade, depois passou por Tessalonica e, partindo daí devido às dificuldades que lhe causaram os judeus, passou por Bereia e chegou a Atenas.

Nesta capital da antiga cultura grega pregou, primeiro no Ágora e depois no Areópago, aos pagãos e aos gregos. E o discurso do Areópago, mencionado nos Actos dos Apóstolos, é modelo do modo como traduzir o Evangelho em cultura grega, de como fazer com que os gregos compreendam que este Deus dos cristãos, dos judeus, não é um Deus alheio à sua cultura, mas o Deus desconhecido por eles esperado, a verdadeira resposta às mais profundas interrogações da sua cultura. Depois, de Atenas chegou a Corinto, onde se deteve por um ano e meio. E ali temos um acontecimento cronologicamente muito seguro, o mais seguro de toda a sua biografia, porque durante esta primeira estadia em Corinto ele teve que comparecer diante do Governador da província senatorial de Acaia, o Procônsul Galião, acusado de um culto ilegítimo. Sobre este Galião e sobre o seu período em Corinto existe uma antiga inscrição encontrada em Delfos, onde se diz que era Procônsul em Corinto, entre os anos 51 e 53. Por conseguinte, aqui temos uma data absolutamente certa. A estadia de Paulo em Corinto teve lugar naqueles anos. Portanto, podemos supor que chegou mais ou menos no ano 50 e permaneceu ali até 52. Depois, de Corinto, passando por Cêncreas, porto oriental da cidade, dirigiu-se para a Palestina, chegando a Cesareia Marítima, de onde subiu a Jerusalém e então voltou para Antioquia sobre o Oronte.

A terceira viagem missionária (cf. Ac 18,23-21,6) teve início como sempre em Antioquia, que se tinha tornado o ponto de origem da Igreja dos pagãos, da missão aos pagãos, e era também o lugar onde nasceu o termo "cristãos". Aqui, pela primeira vez, diz-nos São Lucas, os seguidores de Jesus foram chamados "cristãos". Dali Paulo partiu directamente para Éfeso, capital da província da Ásia, onde permaneceu durante dois anos, desempenhando um ministério que teve fecundas influências na região. De Éfeso, Paulo escreveu as cartas aos Tessalonicenses e aos Coríntios. Porém, a população da cidade foi instigada contra ele pelos cambistas locais, que viam diminuir as suas receitas pela redução do culto a Artemides (o templo a ela dedicado em Éfeso, o Artemysion, era uma das sete maravilhas do mundo antigo); por isso, ele teve que fugir para o norte. Tendo atravessado novamente a Macedónia, voltou à Grécia, provavelmente a Corinto, aí permanecendo três meses e escrevendo a célebre Carta aos Romanos.

Daí voltou a percorrer os seus passos: passou de novo pela Macedónia, de navio chegou a Tróade e depois, passando somente pelas ilhas de Mitilene, Chio e Samo, chegou a Mileto, onde pronunciou um importante discurso aos Anciãos da Igreja de Éfeso, dando um retrato do verdadeiro pastor da Igreja (cf. Ac 20). Daí partiu novamente, içando as velas rumo a Tiro, de onde depois chegou a Cesareia Marítima para subir mais uma vez a Jerusalém. Ali foi preso por causa de um mal-entendido: alguns judeus julgaram que fossem pagãos outros judeus de origem grega, introduzidos por Paulo na área do templo reservada exclusivamente aos israelitas. A prevista condenação à morte foi-lhe poupada graças à intervenção do tribuno romano de guarda na área do Templo (cf. Ac 21,27-36); isto verificou-se quando o Procônsul na Judeia era António Felice. depois de ter passado um período de prisão (cuja duração é discutível), e tendo Paulo, como cidadão romano, feito apelo a César (que então era Nero), o sucessivo Procurador Pórcio Festo convidou-o para ir a Roma sob a guarda militar.

Na viagem para Roma passou pelas ilhas mediterrâneas de Creta e Malta, e depois pelas cidades de Siracusa, Régio da Calábria e Pozuóli. Os crisãos de Roma foram ao seu encontro na Via Ápia, até ao Foro de Ápio (aprox. 70 km a sul da capital) e outros até às Três Tavernas (aprox. 40 km). Em Roma encontrou-se com os delegados da comunidade judaica, à qual confiou que era "a esperança de Israel" que trazia as suas cadeias (cf. Ac 28,20). No entanto, a narração de Lucas termina com a menção de dois anos passados em Roma sob uma branda guarda militar, sem se referir a uma sentença de César (Nero) e muito menos à morte do acusado. Tradições sucessivas falam de uma sua libertação, que teria favorecido tanto uma viagem missionária à Espanha, como uma sucessiva passagem pelo oriente e, especificamente, por Creta, Éfeso e Nicópoles em Épiro. Sempre com base hipotética, supõe-se uma nova detenção e um segundo aprisionamento em Roma (de onde teria escrito as três Cartas chamadas Pastorais, ou seja, duas a Timóteo e uma a Tito), com um segundo processo, que lhe seria desfavorável. Todavia, uma série de motivos induz muitos estudiosos de São Paulo a rematar a biografia do Apóstolo com a narração lucana dos Actos.

Sobre o seu martírio voltaremos a falar em seguida, no ciclo destas nossas catequeses. Entretanto, neste breve elenco das viagens de Paulo, é suficiente saber como ele se dedicou ao anúncio do evangelho sem poupar energias, enfrentando uma série de provas gravosas, das quais nos deixou o elenco na segunda Carta aos Coríntios (cf. 2Co 11,21-28). De resto, é ele quem escreve: "Faço tudo por causa do Evangelho" (1Co 9,23), exercendo com absoluta generosidade aquela à qual ele chama "solicitude por todas as Igrejas" (2Co 11,28). Vemos um compromisso que só se explica com uma alma realmente fascinada pela luz do Evangelho, apaixonada por Cristo, uma alma sustentada por uma profunda convicção: é necessário levar ao mundo a luz de Cristo, anunciar o Evangelho a todos. Parece-me que é isto que permanece desta breve resenha das viagens de São Paulo: ver a sua paixão pelo Evangelho, intuir assim a grandeza, a beleza, aliás a profunda necessidade do Evangelho para todos nós. Rezemos a fim de que o Senhor, que fez ver a sua luz a Paulo, que lhe fez ouvir a sua Palavra e lhe tocou intimamente o coração, permita que também nós vejamos a sua luz, para que inclusive o nosso coração seja tocado pela sua Palavra e assim possamos também nós dar ao mundo de hoje, que deles tem sede, a luz do Evangelho e a verdade de Cristo.

Saudação

Amados irmãos e irmãs de língua portuguesa

Saúdo a todos, desejando muitas felicidades, paz e graça no Senhor! Saúdo em particular o grupo de brasileiros de vários Estados do Brasil, tendo à frente o Senhor Arcebispo de Aracaju, D. José Palmeira Lessa. Sede bem-vindos! Que a luz de Cristo anime sempre a vossa fé, esperança e caridade, numa vida digna, cristã e repleta de alegrias. E dou-vos de coração, extensiva aos vossos familiares e pessoas amigas, a minha Bênção.

Apelo

Foi com profunda tristeza que tomei conhecimento das notícias acerca das violências contra as comunidades cristãs no Estado indiano de Orissa, desencadeadas após o deplorável assassínio do chefe hindu Swami Lakshmananda Saraswati. Já foram mortas algumas pessoas e feridas muitas outras. Além disso, houve destruições de centros de culto, de propriedade da Igreja e de habitações particulares.

Enquanto condeno com firmeza qualquer ataque contra a vida humana, cuja sacralidade exige o respeito de todos, exprimo espiritual proximidade e solidariedade aos irmãos e às irmãs na fé, tão duramente provados. Imploro ao Senhor que os acompanhe e sustente nesta hora de sofrimento e lhes conceda a força para continuar no serviço de amor a favor de todos.

Convido os líderes religiosos e as autoridades civis a trabalharem em conjunto para restabelecer entre os membros das várias comunidades a convivência pacífica e a harmonia, que foram sempre um sinal distintivo da sociedade indiana.


Sala Paulo VI

3 de Setembro de 2008: São Paulo (3): A "conversão" de São Paulo


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