Audiências 2005-2013 29049

29 de Abril de 2009: Patriarca Germano de Constantinopla

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Queridos irmãos e irmãs!

O Patriarca Germano de Constantinopla, do qual gostaria de falar hoje, não pertence às figuras mais representativas do mundo cristão oriental de língua grega mas o seu nome aparece com uma certa solenidade na lista dos grandes defensores das imagens sagradas, redigida no Segundo Concílio de Niceia (787). A Igreja grega celebra a sua festa na liturgia de 12 de Maio. Ele desempenhou um papel significativo na complexa história da luta pelas imagens, durante a chamada crise iconoclasta: soube resistir validamente às pressões de um Imperador iconoclasta, ou seja, adversário dos ícones, como foi Leão III.

Durante o patriarcado de Germano (715-730) a capital do império bizantino, Constantinopla, sofreu um perigosíssimo assédio por parte dos Sarracenos. Naquela ocasião (717-718) foi organizada uma solene procissão na cidade com a exposição da imagem da Mãe de Deus, a Theotokos, e da relíquia da Santa Cruz, para invocar do Alto a defesa da cidade. De facto, Constantinopla foi libertada do assédio. Os adversários decidiram desistir para sempre da ideia de estabelecer a sua capital na cidade-símbolo do Império cristão e o reconhecimento pela ajuda divina foi extremamente grande no povo.

O Patriarca Germano, depois daquele acontecimento, convenceu-se de que a intervenção de Deus devia ser considerada uma aprovação evidente da piedade demonstrada pelo povo em relação aos santos ícones. De parecer completamente diverso foi ao contrário o Imperador Leão III, que precisamente a partir daquele ano (717) se insediou como Imperador indiscutível na capital, sobre a qual reinou até 741. Após a libertação de Constantinopla e depois de uma série de outras vitórias, o Imperador cristão começou a manifestar cada vez mais abertamente a convicção de que a consolidação do Império tivesse que começar precisamente por uma reorganização das manifestações da fé, com particular referência ao risco de idolatria ao qual, a seu parecer, o povo estava exposto por causa do excessivo culto dos ícones.

Foram em vão as chamadas do Patriarca Germano à tradição da Igreja e à efectiva eficiência de algumas imagens, que eram unanimemente reconhecidas como "milagrosas". O Imperador tornou-se cada vez mais irremovível na aplicação do seu projecto restaurador, que previa a eliminação dos ícones. E quando a 17 de Janeiro de 730 ele se declarou abertamente numa reunião pública contra o culto das imagens, Germano não quis de modo algum submeter-se à vontade do Imperador sobre questões por ele consideradas determinantes para a fé ortodoxa, à qual segundo ele pertencia precisamente o culto, o amor pelas imagens. Como consequência, Germano viu-se obrigado a demitir-se do cargo de Patriarca, autocondenando-se ao exílio num mosteiro onde morreu esquecido por quase todos. O seu nome ressurgiu por ocasião precisamente do Segundo Concílio de Niceia (787), quando os Padres ortodoxos decidiram em favor dos ícones, reconhecendo os méritos de Germano.

O Patriarca Germano cuidava muito das celebrações litúrgicas e, durante um certo tempo, foi considerado também o instaurador da festa do Akatistos. Como se sabe, o Akatistos é um antigo e famoso hino que surgiu em âmbito bizantino e é dedicado à Theotokos, a Mãe de Deus. Mesmo se do ponto de vista teológico não se pode qualificar Germano como um grande pensador, algumas das suas obras tiveram uma certa ressonância sobretudo devido a algumas suas intuições sobre a mariologia. Dele foram conservadas, de facto, diversas homilias com tema mariano e algumas delas marcaram profundamente a piedade de inteiras gerações de fiéis quer no Oriente quer no Ocidente. As suas maravilhosas Homilias sobre a Apresentação de Maria no Templo são ainda hoje testemunhos vivos da tradição não escrita das Igrejas cristãs. Gerações de monjas, de monges e de membros de numerosíssimos Institutos de Vida Consagrada, continuam também hoje a encontrar naqueles textos tesouros preciosíssimos de espiritualidade.

Ainda hoje causam admiração alguns textos mariológicos de Germano que fazem parte das homilias pronunciadas In SS. Deiparae dormitionem, festividade correspondente à nossa festa da Assunção. Destes textos o Papa Pio XII apresentando-o como um dos argumentos a favor da fé permanente da Igreja sobre a Assunção corporal de Maria ao céu. Germano escreve: "Poderia acontecer, santíssima Mãe de Deus, que o céu e a terra se sentissem honrados pela tua presença, e tu, com a tua partida, deixasses os homens privados da tua protecção? Não. É impossível pensar estas coisas. De facto, assim como quando estavas no mundo não te sentias alheia às realidades do céu, assim também depois de teres emigrado deste mundo não te alheastes minimamente da possibilidade de comunicar em espírito com os homens... Não abandonastes absolutamente aqueles aos quais garantistes a salvação... de facto, o teu espírito vive eternamente e a tua carne não sofreu a corrupção do sepulcro. Tu, ó Mãe, estás próxima de todos e a todos proteges, não obstante os nossos olhos estejam impedidos de te ver, contudo sabemos, ó Santíssima, que tu habitas entre todos nós e te tornas presente nos modos mais diversos... Tu (Maria) revelas-te toda, como está escrito, na tua beleza. O teu corpo virginal é totalmente santo, todo casto, todo casa de Deus de modo que, também por isso, é absolutamente refractário a qualquer redução em pó. Ele é imutável, do momento em que o que nele era humano foi assumido na incorruptibilidade, permanecendo vivo e absolutamente glorioso, incólume e partícipe da vida perfeita. De facto, era impossível que fosse fechada no sepulcro dos mortos aquela que se tinha tornado vaso de Deus e templo vivo da santíssima divindade do Unigénito. Por outro lado, nós cremos com certeza que tu continuas a caminhar connosco" (pg 98,
Col 344-346, passim).

Foi dito que para os Bizantinos o decoro da forma retórica na pregação, e ainda mais nos hinos ou composições poéticas que eles chamam tropários, é tão importante na celebração litúrgica como a beleza do edifício sagrado no qual ela se realiza. O Patriarca Germano foi reconhecido, naquela tradição, como um dos que contribuíram muito para manter viva esta convicção, ou seja, que a beleza da palavra, da linguagem, do edifício e da música devem coincidir.

Cito, para concluir, as palavras inspiradas com as quais Germano qualifica a Igreja no início desta sua pequena obra-prima: "A Igreja é templo de Deus, espaço sagrado, casa de oração, convocação de povo, corpo de Cristo... É o céu na terra, onde Deus transcendente habita como em sua casa e nela passeia, mas é também marca realizada (antitypos) da crucifixão, do túmulo e da ressurreição... A Igreja é a casa de Deus na qual se celebra o sacrifício místico vivificante, e ao mesmo tempo parte mais íntima do santuário e gruta santa. De facto, encontram-se no seu interior o sepulcro e a mesa, alimentos para a alma e garantia de vida. Por fim, encontram-se nela aquelas verdadeiras pérolas preciosas que são os dogmas divinos do ensinamento oferecido directamente pelo Senhor aos seus discípulos" (pg 98, Col 384-385).

No final permanece a pergunta: o que tem para nos dizer hoje este Santo, cronológica e também culturalmente muito distante de nós. Penso substancialmente em três coisas. A primeira: há uma certa visibilidade de Deus no mundo, na Igreja, que devemos aprender a compreender. Deus criou o homem à sua imagem, mas esta imagem foi coberta por tanta sujidade do pecado, em consequência da qual Deus já não transparecia. Assim, o Filho de Deus fez-se verdadeiro homem, imagem perfeita de Deus: desta maneira, em Cristo podemos contemplar também o rosto de Deus e aprender a sermos nós próprios verdadeiros homens, verdadeiras imagens de Deus. Cristo convida-nos a imitá-l'O, a tornarmo-nos semelhantes a Ele, de modo que transpareça de novo em cada homem o rosto de Deus, a imagem de Deus. Na verdade, Deus tinha proibido no Decálogo que se fizessem imagens de Deus, mas isto era por causa das tentações de idolatria às quais o crente podia estar exposto num contexto de paganismo. Mas quando Deus se fez visível em Cristo mediante a encarnação, tornou-se legítimo reproduzir o rosto de Cristo. As santas imagens ensinam-nos a ver Deus na representação do rosto de Cristo. Depois da encarnação do Filho de Deus, tornou-se portanto possível ver Deus nas imagens de Cristo e também no rosto dos Santos, no rosto de todos os homens nos quais resplandece a santidade de Deus.

O segundo aspecto é a beleza e a dignidade da liturgia. Celebrar a liturgia conscientes da presença de Deus, com aquela dignidade e beleza que faça ver um pouco do seu esplendor, é o compromisso de cada cristão formado na sua fé. O terceiro aspecto é amar a Igreja. Precisamente a propósito da Igreja, nós homens propendemos para ver sobretudo os pecados, o negativo; mas com a ajuda da fé, que nos torna capazes de ver de modo autêntico, podemos também, hoje e sempre, redescobrir nela a beleza divina. É na Igreja que Deus se torna presente, se oferece a nós na Santa Eucaristia e permanece presente para a adoração. Na Igreja Deus fala connosco, na Igreja "Deus passeia connosco", como dizia São Germano. Na Igreja recebemos o perdão de Deus e aprendemos a perdoar.

Peçamos a Deus para que nos ensine a ver na Igreja a sua presença, a sua beleza, a ver a sua presença no mundo, e nos ajude a ser, também nós, transparentes à sua luz.

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, uma saudação afectuosa para todos, especialmente para os grupos do Brasil e de Portugal! Que a vossa amorosa adesão a Cristo e à Sua Igreja se robusteça ao professardes a fé nestes lugares santificados pelo testemunho dos Apóstolos Pedro e Paulo, que serviram Cristo e amaram a Igreja até ao martírio. A todos sirva de estímulo e conforto a Bênção que vos dou a vós, aos vossos familiares e comunidades eclesiais.




Praça de São Pedro

6 de Maio de 2009: São João Damasceno

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Caros irmãos e irmãs

Hoje gostaria de falar de João Damasceno, uma personalidade de primária importância na história da teologia bizantina, um grande doutor na história da Igreja universal. Ele é sobretudo uma testemunha ocular da passagem da cultura cristã grega e síria, compartilhada pela parte oriental do império bizantino, à cultura do islão, que se faz espaço com as suas conquistas militares no território habitualmente reconhecido como Médio ou Próximo Oriente. João, nascido numa rica família cristã, ainda jovem assumiu o cargo talvez já desempenhado pelo pai de responsável económico do califado. Mas depressa, insatisfeito com a vida de corte, amadureceu a escolha monástica, entrando no mosteiro de São Saba, perto de Jerusalém. Estava-se por volta do ano 700. Sem jamais se afastar do mosteiro, dedicou-se com todas as forças à ascese e à actividade literária, sem desdenhar uma certa actividade pastoral, de que dão testemunho sobretudo as suas numerosas Homilias. A sua memória litúrgica celebra-se em 4 de Dezembro. O Papa Leão XIII proclamou-o Doutor da Igreja universal em 1890.

Dele recordam-se no Oriente principalmente os três Discursos contra aqueles que caluniam as santas imagens, que foram condenados, depois da sua morte, pelo Concílio iconoclasta de Hieria (754). Porém, estes discursos foram também o motivo fundamental da sua reabilitação e canonização por parte dos Padres ortodoxos, convocados no ii Concílio de Niceia (787), sétimo ecuménico. Nestes textos é possível encontrar as primeiras tentativas teológicas de legitimação da veneração das imagens sagradas, ligando estas ao mistério da Encarnação do Filho de Deus no seio da Virgem Maria.

Além disso, João Damasceno foi um dos primeiros a distinguir, no culto público e privado dos cristãos, entre adoração (latreia) e veneração (proskynesis): a primeira só pode dirigir-se a Deus, sumamente espiritual; a segunda, no entanto, pode utilizar uma imagem para se dirigir àquele que é representado na própria imagem. Obviamente, em nenhum caso o Santo pode ser identificado com a matéria que compõe o ícone. Esta distinção revelou-se depressa muito importante para responder de modo cristão àqueles que pretendiam como universal e perene a observância da severa proibição do Antigo Testamento sobre a utilização cultual das imagens. Este era o grande debate também no mundo islâmico, que aceita esta tradição judaica da exclusão total de imagens no culto. Quanto aos cristãos, neste contexto, debateram o problema e encontraram a justificação para a veneração das imagens. Damasceno escreve: "Outrora, Deus nunca fora representado em imagens, uma vez que era incorpóreo e sem rosto. Mas dado que agora Deus foi visto na carne e viveu no meio dos homens, eu represento aquilo que é visível em Deus. Não venero a matéria, mas o criador da matéria, que por mim se fez matéria e se dignou habitar na matéria e realizar a minha salvação através da matéria. Por isso, não cessarei de venerar a matéria através da qual chegou a minha salvação. Mas não a venero de modo algum como Deus! Como poderia ser Deus, aquilo que recebeu a existência a partir do não-ser? ... Mas venero e respeito também todo o resto da matéria que me propiciou a salvação, enquanto plena de energias e de graças santas. Não é por acaso matéria o madeiro da cruz três vezes santa? ... E a tinta e o livro santíssimo dos Evangelhos não são matéria?

O altar salvífico que nos dispensa o pão de vida não é matéria? ... E, antes de tudo, não são matéria a carne e o sangue do meu Senhor? Deves suprimir o cariz sagrado de tudo isto, ou deves conceder à tradição da Igreja a veneração das imagens de Deus e a dos amigos de Deus, que são santificados pelo nome que têm, e por esta razão são habitados pela graça do Espírito Santo. Portanto, não ofendas a matéria: ela não é desprezível, porque nada do que Deus fez é desprezível" (Contra imaginum calumniatores, I, 16, ed. Kotter, págs. 89-90). Vemos que, por causa da encarnação, a matéria parece como que divinizada, e é vista como morada de Deus. Trata-se de uma nova visão do mundo e das realidades materiais. Deus fez-se carne, e a carne tornou-se realmente morada de Deus, cuja glória resplandece no rosto humano de Cristo. Portanto, as solicitações do Doutor oriental são ainda hoje de extrema actualidade, considerada a excelsa dignidade que a matéria recebeu na Encarnação, podendo tornar-se na fé sinal e sacramento eficaz do encontro do homem com Deus. Por conseguinte, João Damasceno permanece uma testemunha privilegiada do culto do ícone, que chegará a ser um dos aspectos mais distintivos da teologia e da espiritualidade oriental até hoje. Todavia, é uma forma de culto que pertence simplesmente à fé cristã, à fé naquele Deus que se fez carne e se tornou visível. O ensinamento de São João Damasceno insere-se assim na tradição da Igreja universal, cuja doutrina sacramental prevê que elementos materiais tomados da natureza possam tornar-se pontes de graça em virtude da invocação (epiclese)do Espírito Santo, acompanhada pela profissão da verdadeira fé.

Em ligação com estas ideias fundamentais, João Dasmasceno coloca inclusive a veneração das relíquias dos santos, com base na convicção de que os santos cristãos, tornando-se partícipes da ressurreição de Cristo, não podem ser considerados simplesmente "mortos". Por exemplo, enumerando aqueles cujas relíquias ou imagens são dignas de veneração, João especifica no seu terceiro discurso em defesa das imagens: "Antes de tudo (veneramos) aqueles entre os quais Deus descansou; Ele é o único santo que repousa entre os santos (cf.
Is 57,15), como a Santa Mãe de Deus e todos os santos. Eles são aqueles que, na medida do possível, se tornaram semelhantes a Deus com a sua vontade e, pela inabitação e a ajuda de Deus, são chamados realmente deuses (cf. Ps 82,6), não por natureza mas por contingência, assim como o ferro abrasado se chama fogo, não por natureza mas por contingência e por participação do fogo. Com efeito, diz: sereis santos, porque Eu sou santo (cf. Lv 19,2)" (III, 33, col 1352a). Por isso, depois de uma série de referências deste tipo, Damasceno podia tranquilamente deduzir: "Deus, que é bom e superior a toda a bondade, não se contentou com a contemplação de si mesmo, mas quis que seres por Ele beneficiados pudessem tornar-se partícipes da sua bondade: por isso, de nada criou todas as coisas visíveis e invisíveis, inclusive o homem, realidade visível e invisível. E criou-o pensando e realizando-o como um ser capaz de pensamento (ennoema ergon) enriquecido pela palavra (logo[I] sympleroumenon) e orientado para o espírito (pneumati teleioumenon)" (II, 2, pg 94, Col 865). E para esclarecer ulteriormente o pensamento, acrescenta: "É necessário deixar-se encher de encanto (thaumazein) por todas as obras da providência (tes pronoias erga), louvá-las e aceitá-las todas, vencendo a tentação de reconhecer nelas aspectos que para muitos parecem injustos ou iníquos (adika), e admitindo contudo que o desígnio de Deus (pronoia) vai além da capacidade cognoscitiva e compreensiva (agnoston kai akatalepton) do homem, enquanto ao contrário somente Ele conhece os nossos pensamentos, as nossas acções e até o nosso futuro" (II, 29, pg 94, ). De resto, já Platão dizia que toda a filosofia começa com o encanto: também a nossa fé começa com o encanto da criação, da beleza de Deus que se faz visível.

O optimismo da contemplação natural (physiké theoria), do acto de ver na criação visível a bondade, a beleza e a verdade, este optimismo cristão não é ingénuo: tem em consideração a ferida provocada à natureza humana por uma liberdade de escolha desejada por Deus e utilizada impropriamente pelo homem, com todas as consequências de desarmonia difundida que disto derivaram. Daqui a exigência, sentida claramente pelo teólogo de Damasco, de que a natureza em que se reflectem a bondade e a beleza de Deus, feridas pela nossa culpa, "fosse revigorada e renovada" pela descida do Filho de Deus na carne, depois de Deus ter procurado demonstrar de muitos modos e em diversas ocasiões, que criara o homem para que vivesse não só no "ser", mas no "bem-ser" (cf. A fé ortodoxa, II, 1, pg 94, col. 981º). Com ímpeto apaixonado, João explica: "Era necessário que a natureza fosse revigorada e renovada, que fosse indicado e ensinado concretamente o caminho da virtude (didachthenai aretes hodón), que afasta da corrupção e leva à vida eterna... Foi assim que surgiu no horizonte da história o grande mar do amor de Deus pelo homem (philanthropias pelagos)...". É uma expressão bonita. Por um lado, vemos a beleza da criação e, por outro, a destruição provocada pela culpa humana. Mas vemos no Filho de Deus, que desce para renovar a natureza, o mar do amor de Deus pelo homem. João Damasceno acrescenta: "Ele mesmo, o Criador e o Senhor, lutou pela sua criatura, transmitindo-lhe com o exemplo o seu ensinamento... E assim o Filho de Deus, mesmo subsistindo na forma de Deus, abaixou os céus e desceu... para junto dos seus servos... realizando a coisa mais nova que todas, a única verdadeiramente nova debaixo do sol, através da qual se manifestou de modo efectivo o poder infinito de Deus" (III, 1, pg 94 coll. 981c-984b).

Podemos imaginar o alívio e a alegria que difundiam no coração dos fiéis estas palavras ricas de imagens tão fascinantes! Ouçamo-las também nós, hoje, compartilhando os mesmos sentimentos dos cristãos de outrora: Deus quer descansar em nós, deseja renovar a natureza também através da nossa conversão, quer fazer-nos participar da sua divindade. Que o Senhor nos ajude a fazer destas palavras a substância da nossa vida.

Saudação

Queridos peregrinos de língua portuguesa, com menção especial aos grupos de Portugal e do Brasil, sede bem-vindos! Esta peregrinação ao túmulo dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo fortaleça, nos vossos corações, o sentir e o viver em Igreja sob o terno olhar da Virgem Mãe. Com Ela, aprendei a viver os sinais de Deus na história e na vossa vida, para serdes construtores de uma humanidade nova. De bom grado, confirmo estes votos com a minha Bênção para vós e vossas famílias.


MENSAGEM POR OCASIÃO DA PEREGRINAÇÃO À TERRA SANTA

Meus queridos amigos

Na próxima sexta-feira partirei de Roma para a minha Visita Apostólica à Jordânia, Israel e Territórios Palestinos. Hoje de manhã, através desta transmissão radiofónica e televisiva, desejo aproveitar a oportunidade para saudar todas as populações desses países. Espero com ansiedade poder encontrar-me convosco e compartilhar as vossas aspirações e esperanças, sofrimentos e lutas. Irei ao meio de vós como peregrino de paz. A minha intenção principal é visitar os lugares que se tornaram santos pela vida de Jesus e ali rezar pelo dom da paz e da unidade para as vossas famílias e para todos aqueles para os quais a Terra Santa e o Médio Oriente são a casa. Entre os numerosos encontros religiosos e civis que se realizarão durante a semana, haverá reuniões com representantes das comunidades muçulmanas e judaicas, com as quais se alcançaram grandes progressos no diálogo e no intercâmbio cultural. Saúdo com afecto particular os católicos da região e peço-lhes que se unam a mim na oração, a fim de que a visita produza muitos frutos para a vida espiritual e civil de quantos vivem na Terra Santa. Louvemos todos a Deus pela sua bondade! Que todos possamos ser pessoas de esperança! Todos possamos estar determinados no nosso desejo e nos nossos esforços de paz!





Praça de São Pedro

20 de Maio de 2009: Peregrinação à Terra Santa

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Queridos irmãos e irmãs!

Hoje desejo falar sobre a viagem apostólica que realizei de 8 a 15 de Maio na Terra Santa, e pela qual incessantemente dou graças ao Senhor, porque se revelou um grande dom para o Sucessor de Pedro e para toda a Igreja. Desejo expressar de novo o meu sentido "obrigado" a Sua Beatitude o Patriarca Fouad Twal, aos Bispos dos vários ritos, aos Sacerdotes, aos Franciscanos da Custódia da Terra Santa. Agradeço ao Rei e à Rainha da Jordânia, ao Presidente de Israel e ao Presidente da Autoridade Palestiniana, com os respectivos Governos, todas as Autoridades e quantos de várias maneiras colaboraram para a preparação e para o bom êxito da visita. Tratou-se antes de tudo de uma peregrinação, aliás, da peregrinação por excelência às nascentes da fé; e ao mesmo tempo de uma visita pastoral à Igreja que vive na Terra Santa: uma Comunidade de grande importância, porque representa uma presença viva onde ela teve origem.

A primeira etapa, de 8 à manhã de 11 de Maio, foi a Jordânia, em cujo território se encontram dois lugares santos principais: o Monte Nebo, do qual Moisés contemplou a Terra Prometida e onde morreu sem nela ter entrado; e depois Betânia "do outro lado do Jordão" onde, segundo o quarto Evangelho, São João inicialmente baptizava. O Memorial a Moisés no Monte Nebo é um lugar de forte valor simbólico: ele fala da nossa condição de peregrinos entre um "já" e um "ainda não", entre uma promessa tão grande e bela que nos ampara no caminho e um cumprimento que nos supera, e que ultrapassa também este mundo. A Igreja vive em si mesma esta "índole escatológica" e "peregrina": já está unida a Cristo, seu esposo, mas a festa de núpcias é por enquanto apenas prelibada, na expectativa da sua vinda gloriosa no fim dos tempos (cf. Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium
LG 48-50). Em Betânia tive a alegria de benzer as primeiras pedras para duas igrejas que vão ser construídas no lugar onde São João baptizava. Este facto é sinal da abertura e do respeito que vigoram no Reino Hachemita pela liberdade religiosa e para a tradição cristã, o que merece grande apreço. Tive a ocasião de manifestar este justo reconhecimento, juntamente com o profundo respeito pela comunidade muçulmana, aos Chefes religiosos, ao Corpo Diplomático e aos Reitores das Universidades, reunidos junto da Mesquita Al-Hussein Bin-Talal, mandada construir pelo Rei Abdallah II em memória do pai, o célebre Rei Hussein, que recebeu o Papa Paulo VI durante a sua histórica peregrinação de 1964. Como é importante que cristãos e muçulmanos coabitem pacificamente no respeito recíproco! Graças a Deus, e ao compromisso dos governantes, na Jordânia isto verifica-se. Portanto, rezei a fim de que seja assim também noutras partes, pensando especialmente nos cristãos que, ao contrário, vivem realidades difíceis no vizinho Iraque.

Vive na Jordânia uma importante comunidade cristã, incrementada por prófugos palestinianos e iraquianos. Trata-se de uma presença significativa e apreciada na sociedade, também pelas suas obras educativas e assistenciais, atentas à pessoa humana independentemente da sua pertença étnica ou religiosa. Um bom exemplo é o Centro de reabilitação Regina Pacis em Amã, que acolhe numerosas pessoas inválidas. Ao visitá-lo, pude dizer uma palavra de esperança, mas também eu a recebi, como testemunho comprovado do sofrimento e da partilha humana. Em sinal do empenho da Igreja no âmbito da cultura, benzi também a primeira pedra da Universidade de Madaba, do Patriarcado Latino de Jerusalém. Senti grande alegria por dar início a esta nova instituição científica e cultural, porque ela manifesta de modo tangível que a Igreja promove a busca da verdade e do bem comum, e oferece um espaço aberto e qualificado a todos os que desejam comprometer-se nesta busca, premissa indispensável para um verdadeiro e frutuoso diálogo entre civilizações. Ainda em Amã tiveram lugar duas solenes celebrações litúrgicas: as Vésperas na Catedral greco-melquita de São Jorge, e a Santa Missa no Estádio internacional, que nos deu a ocasião de apreciar juntos a beleza de encontrar-nos como Povo de Deus peregrino, rico das suas diversas tradições e unido na única fé.

Deixando a Jordânia, no final da manhã de 11 de Maio, fui para Israel onde, desde a chegada, me apresentei como peregrino de fé na Terra onde Jesus nasceu, viveu, morreu e ressuscitou e, ao mesmo tempo, como peregrino de paz para implorar a Deus que, onde Ele se quis fazer homem, todos os homens possam viver como seus filhos, isto é, como irmãos. Este segundo aspecto da minha viagem naturalmente sobressaiu nos encontros com as Autoridades civis: na visita ao Presidente israelita e ao Presidente da Autoridade Palestiniana. Naquela Terra abençoada por Deus por vezes parece impossível sair da espiral da violência. Mas a Deus nada é impossível nem a quantos têm confiança n'Ele! Por isso a fé no único Deus justo e misericordioso, que é o recurso mais precioso daqueles povos, deve poder libertar toda a sua carga de respeito, de reconciliação e de colaboração. Quis expressar estes votos visitando quer o Grão-Mufti e os chefes das comunidades muçulmanas de Jerusalém, quer o Grão Rabinado de Israel, e também no encontro com as Organizações empenhadas no diálogo inter-religioso e, depois, com os Chefes religiosos da Galileia.

Jerusalém é a encruzilhada das três grandes religiões monoteístas, e o seu próprio nome – "cidade da paz" – exprime o desígnio de Deus sobre a humanidade: formar com ela uma grande família. Este desígnio, prenunciado a Abraão, realizou-se plenamente em Jesus Cristo, que São Paulo chama "nossa paz", porque abateu com a força do seu Sacrifício o muro da inimizade (cf. Ep 2,14). Portanto, todos os crentes devem pôr de lado os preconceitos e a vontade de domínio, e praticar concordes o mandamento fundamental: isto é, amar a Deus com todo o seu ser e amar o próximo como a si mesmo. É isto que judeus, cristãos e muçulmanos são chamados a testemunhar, a fim de honrar com factos aquele Deus que anunciam com os lábios. Foi precisamente isto que levei no coração, na oração, ao visitar, em Jerusalém, o Muro Ocidental – o Muro das Lamentações – e a Cúpula da Rocha, lugares simbólicos respectivamente ao Judaísmo e ao Islão. Um momento de intenso recolhimento foi ainda a visita ao Memorial Yad Vashem, erigido em Jerusalém em honra das vítimas do Shoah. Detive-me ali em silêncio, rezando e meditando sobre o mistério do "nome": cada pessoa humana é sagrada, e o seu nome está inscrito no coração do Deus eterno. Nunca deve ser esquecida a tremenda tragédia do Shoah! Ao contrário, é preciso que esteja sempre na nossa memória como admoestação universal ao respeito sagrado da vida humana, que assume sempre um valor infinito.

Como já mencionei, a minha viagem tinha como finalidade prioritária a visita às comunidades católicas da Terra Santa, e isto aconteceu em diversos momentos também em Jerusalém, em Belém e em Nazaré. No Cenáculo, com a mente dirigida para Cristo que lava os pés aos Apóstolos e institui a Eucaristia, assim como para o dom do Espírito Santo à Igreja no dia de Pentecostes, pude encontrar-me, entre outros, com o Guardião da Terra Santa e meditar juntos sobre a nossa vocação para sermos uma só coisa, para formar um só corpo e um só espírito, para transformar o mundo com o poder humilde do amor. Certamente, esta chamada encontra na Terra Santa dificuldades particulares, por isso, com o coração de Cristo, repeti aos meus irmãos Bispos as suas mesmas palavras: "Não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino" (Lc 12,32). Depois saudei brevemente as religiosas e os religiosos de vida contemplativa, agradecendo-lhes o serviço que, com a sua oração, oferecem à Igreja e à causa da paz.

Momentos culminantes de comunhão com os fiéis católicos foram sobretudo as celebrações eucarísticas. No Vale de Josafat, em Jerusalém, meditámos sobre a Ressurreição de Cristo como força de esperança e de paz para aquela Cidade e para o mundo inteiro. Em Belém, nos Territórios Palestinianos, a Santa Missa foi celebrada diante da Basílica da Natividade com a participação também dos fiéis provenientes de Gaza, os quais tive a alegria de confortar pessoalmente garantindo-lhes a minha particular proximidade. Belém, o lugar no qual ressoou o cântico celeste de paz para todos os homens, é símbolo da distância que ainda nos separa do cumprimento daquele anúncio: precariedade, isolamento, incerteza, pobreza. Tudo isto fez com que tantos cristãos partissem para longe. Mas a Igreja continua o seu caminho, amparada pela força da fé e testemunhando o amor com obras concretas de serviço aos irmãos, como, por exemplo, o Caritas Baby Hospital de Belém, apoiado pelas Dioceses da Alemanha e da Suíça, e pela acção humanitária nos campos de prófugos. Naquele que visitei, quis garantir às famílias que lá estão hospedadas, a proximidade e o encorajamento da Igreja universal, convidando todos a procurar a paz com métodos não violentos, seguindo o exemplo de São Francisco de Assis. A terceira e última Missa com o povo celebrei-a na quinta-feira em Nazaré, cidade da Sagrada Família. Rezámos por todas as famílias, para que sejam redescobertas a beleza do matrimónio e da vida familiar, o valor da espiritualidade doméstica e da educação, a atenção pelas crianças, que têm o direito de crescer em paz e serenidade. Além disso, na Basílica da Anunciação, juntamente com todos os Pastores, pessoas consagradas, movimentos eclesiais e leigos comprometidos da Galileia, cantámos a nossa fé no poder criador e transformador de Deus. Lá, onde o Verbo se fez homem no seio da Virgem Maria, brota uma nascente inexaurível de esperança e de alegria, que não cessa de animar o coração da Igreja, peregrina na história.

A minha peregrinação terminou na sexta-feira, 15 de Maio, com a visita ao Santo Sepulcro e com dois importantes encontros ecuménicos em Jerusalém: ao Patriarcado Greco-Ortodoxo, onde estavam reunidas todas as representações eclesiais da Terra Santa, e por fim, à Igreja Patriarcal Apostólica Arménia. Apraz-me resumir todo o itinerário que me foi concedido percorrer precisamente no sinal da Ressurreição de Cristo: apesar das vicissitudes que ao longo dos séculos marcaram os Lugares santos, não obstante as guerras, as destruições, e infelizmente também os conflitos entre cristãos, a Igreja prosseguiu a sua missão, amparada pelo Espírito do Senhor ressuscitado. Ela está a caminho rumo à plena unidade, para que o mundo creia no amor de Deus e experimente a alegria da sua paz. De joelhos no Calvário e no Sepulcro de Jesus, invoquei a força do amor que brota do Mistério pascal, a única força que pode renovar os homens e orientar a história e a criação para o seu fim. Peço também a vós que rezeis por esta intenção, enquanto nos preparamos para a festa da Ascensão que no Vaticano celebramos amanhã. Obrigado pela vossa atenção.

Saudação

Com gratidão e amizade, saúdo os diversos grupos do Brasil, o grupo de Terroso no norte de Portugal, e demais peregrinos de língua portuguesa, que vieram encontrar o Sucessor de Pedro, poucos dias depois de ter terminado a Sua peregrinação à Terra Santa. Lá, onde o Verbo divino Se fez carne no seio da Virgem Maria, jorra uma fonte inesgotável de esperança e alegria que não cessa de animar o coração da Igreja, peregrina na história. Penhor de tal esperança e alegria, nos vossos corações de peregrinos, seja a Bênção que vos dou extensiva às vossas famílias e comunidades eclesiais.

No próximo domingo, a Igreja celebra o Dia mundial das comunicações. Na minha mensagem deste ano, convido todos aqueles que recorrem às novas tecnologias da comunicação, especialmente os jovens, a utilizá-las de maneira positiva e a realizar a grande potencialidade de tais meios para construir vínculos de amizade e solidariedade que possam contribuir para um mundo melhor.

As novas tecnologias suscitaram mudanças fundamentais nos modos como as notícias e as informações são difundidas e como as pessoas comunicam e se relacionam umas com as outras. Desejo encorajar todos aqueles que acessam ao ciberespaço, a terem o cuidado de manter e promover uma cultura de respeito, diálogo e amizade autêntica, onde possam florescer os valores da verdade, da harmonia e da compreensão.

Dirijo-vos um apelo, particularmente a vós jovens: dai testemunho da vossa fé através do mundo digital! Empregai estas novas tecnologias para fazer com que o Evangelho seja conhecido, a fim de que a Boa Nova do amor infinito de Deus por todas as pessoas ressoe de novas maneiras, de lés a lés do nosso mundo cada vez mais tecnológico!



Praça de São Pedro

27 de Maio de 2009: São Teodoro Studita


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