Audiências 2005-2013 5089

5 de Agosto de 2009: São João Maria Vianney, Cura d'Ars

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Prezados irmãos e irmãs

Na hodierna catequese, gostaria de voltar a percorrer brevemente a existência do Santo Cura d'Ars, frisando algumas das suas características, que podem servir de exemplo também para os sacerdotes desta nossa época, certamente diferente daquela em que ele viveu, mas sob vários aspectos marcada pelos mesmos desafios humanos e espirituais fundamentais. Precisamente ontem completaram-se 150 anos do seu nascimento para o Céu: com efeito, eram duas da madrugada de 4 de Agosto de 1859, quando São João Baptista Maria Vianney, concluindo o curso da sua existência terrena, foi ao encontro do Pai celeste para receber em herança o reino preparado desde a criação do mundo para aqueles que fielmente seguem os seus ensinamentos (cf.
Mt 25,34). Que grande festa deve ter tido no Paraíso, com a entrada de um pastor tão zeloso! Que acolhimento lhe deve ter sido reservado pela multidão dos filhos reconciliados com o Pai, por meio da sua obra de pároco e confessor! Eu quis inspirar-me neste aniversário para proclamar o Ano sacerdotal que, como se sabe, tem como tema Fidelidade de Cristo, fidelidade do sacerdote. Dependem da santidade a credibilidade do testemunho e, em última análise, a própria eficácia da missão de cada sacerdote.

João Maria Vianney nasceu no pequeno povoado de Dardilly, no dia 8 de Maio de 1786, de uma família de camponeses, pobre de bens materiais mas rica de humanidade e de fé. Tendo sido baptizado, segundo o bom costume dessa época, no mesmo dia do nascimento, consagrou os anos da infância e da adolescência ao trabalho no campo e à pastagem de animais, a tal ponto que, com 17 anos de idade, ainda era analfabeto. Porém, sabia de cor as orações que lhe tinham sido ensinadas pela piedosa mãe e alimentava-se do sentido religioso que se respirava em casa. Os biógrafos narram que, desde a primeira juventude, ele procurou conformar-se com a vontade divina também nas tarefas mais humildes. Nutria na sua alma o desejo de se tornar sacerdote, mas não lhe foi fácil secundá-lo. Com efeito, chegou à Ordenação presbiteral depois de não poucas peripécias e incompreensões, graças à ajuda de sacerdotes sábios, que não se detiveram a considerar os seus limites humanos, mas souberam olhar mais além, intuindo o horizonte de santidade que se delineava naquele jovem verdadeiramente singular. Deste modo, no dia 23 de Junho de 1815, foi ordenado diácono e, a 13 de Agosto seguinte, sacerdote. Finalmente, com 29 anos de idade, depois de muitas incertezas, não poucos reveses e muitas lágrimas, pôde subir ao altar do Senhor e realizar o sonho da sua vida.

O Santo Cura d'Ars manifestou sempre uma elevadíssima consideração pelo dom recebido. Afirmava: "Oh! Como é grande o Sacerdócio! Não o compreenderemos bem, a não ser no Céu... Se o compreendêssemos na terra, morreríamos, não de susto, mas de amor!" (Abbé Monnin, Esprit du Curé d'Ars, pág. 113). Além disso, quando era criança confiara à mãe: "Se eu fosse sacerdote, gostaria de conquistar muitas almas" (Abbé Monnin, Procès de l'ordinaire, pág. 1064). E assim foi. No serviço pastoral, tanto simples quanto extraordinariamente fecundo, este pároco anónimo de uma aldeia perdida do sul da França conseguiu identificar-se a tal ponto com o próprio ministério, que se tornou, também de maneira visível e universalmente reconhecível, alter Christus, imagem do Bom Pastor que, contrariamente ao mercenário, dá a vida pelas suas ovelhas (cf. Jn 10,11). Seguindo o exemplo do Bom Pastor, ele deu a vida nas décadas do seu serviço sacedotal. A sua existência foi uma catequese viva, que adquiria uma eficácia extremamente singular quando as pessoas o viam celebrar a Missa, deter-se em adoração diante do tabernáculo ou transcorrer muitas horas no confessionário.

Portanto, o centro de toda a sua vida era a Eucaristia, que celebrava e adorava com devoção e respeito. Outra característica fundamental desta figura sacerdotal extraordinária era o ministério assíduo das confissões. Reconhecia na prática do sacramento da penitência o cumprimento lógico e natural do apostolado presbiterial, em obediência ao mandato de Cristo: "A quem perdoardes os pecados, serão perdoados, e a quem não os perdoardes, não serão perdoados" (cf. Jn 20,23). Portanto, São João Maria Vianney distinguiu-se como confessor e mestre espiritual excelente e incansável. Passando, "com um só movimento interior, do altar ao confessionário", onde transcorria uma boa parte do dia, procurava de todos os modos, com a pregação e com o conselho persuasivo, fazer com que os paroquianos redescobrissem o significado e a beleza da penitência sacramental, indicando-a como uma exigência íntima da Presença eucarística (cf. Carta aos sacerdotes por ocasião do Ano sacerdotal).

Os métodos pastorais de São João Maria Vianney poderiam parecer pouco adequados para as condições sociais e culturais hodiernas. Com efeito, como poderia imitá-lo um sacerdote hoje, num mundo tão transformado? Se é verdade que mudam os tempos e muitos carismas são típicos da pessoa, portanto irrepetíveis, há porém um estilo de vida e um anseio fundamental que todos somos chamados a cultivar. Considerando bem, o que tornou santo o Cura d'Ars foi a sua fidelidade humilde à missão à qual Deus o tinha chamado; foi o seu abandono constante, cheio de confiança, nas mãos da Providência divina. Ele conseguiu sensibilizar o coração das pessoas não em virtude dos próprios dotes humanos, nem contando exclusivamente com um compromisso da vontade, por mais que este tenha sido louvável; conquistou as almas, mesmo as mais refractárias, comunicando-lhes o que vivia intimamente, ou seja, a sua amizade com Cristo. Foi "apaixonado" por Cristo, e o verdadeiro segredo do seu bom êxito pastoral foi o amor que nutria pelo Mistério eucarístico anunciado, celebrado e vivido, que se tornou amor pela grei de Cristo, os cristãos, e por todas as pessoas que procuram Deus. Caros irmãos e irmãs, o seu testemunho recorda-nos que para cada baptizado, e ainda mais para o presbítero, a Eucaristia "não é simplesmente um acontecimento com dois protagonistas, um diálogo entre Deus e eu. A Comunhão eucarística tende a uma transformação total da própria vida. Com força, abre de par em par todo o eu do homem e cria um novo nós" (Joseph Ratzinger, A Comunhão na Igreja, pág. 80).

Então, longe de reduzir a figura de São João Maria Vianney a um exemplo, por mais admirável que seja, da espiritualidade devocional do século XIX, é ao contrário necessário compreender a força profética que distingue a sua personalidade humana e sacerdotal de elevadíssima actualidade. Na França pós-revolucionária que experimentava uma espécie de "ditadura do racionalismo", destinada a cancelar a própria presença dos sacerdotes e da Igreja na sociedade, ele viveu, primeiro nos anos da juventude uma clandestinidade heróica, percorrendo quilómetros na noite para participar na Santa Missa. Depois como sacerdote distinguiu-se por uma criatividade pastoral singular e fecunda, apta a demonstrar que o racionalismo, então predominante, estava na realidade longe de satisfazer as necessidades autênticas do homem e, portanto, em última análise, não vivível.
Queridos irmãos e irmãs, a 150 anos da morte do Santo Cura d'Ars, os desafios da sociedade hodierna não são menos exigentes, aliás, talvez se tenham tornado mais complexos. Se então havia a "ditadura do racionalismo", na época actual registra-se em muitos ambientes uma espécie de "ditadura do relativismo". Ambas parecem ser respostas inadequadas à maior exigência do homem, de usar plenamente a sua razão como elemento distintivo e constitutivo da própria identidade. O racionalismo foi inadequado porque não teve em consideração os limites humanos e pretendeu elevar só a razão como medida de todas as coisas, transformando-a numa deusa; o relativismo contemporâneo mortifica a razão, porque de facto chega a afirmar que o ser humano nada pode conhecer com certeza, para além do campo científico positivo. Porém, tanto hoje como ontem, o homem "medicante de significado e cumprimento" vai à procura contínua de respostas exaustivas às interrogações fundamentais que não cessa de levantar.

Tinham-na bem presente, esta "sede de verdade" que arde no coração de cada homem, os Padres do Concílio Ecuménico Vaticano II, quando afirmaram que cabe aos sacerdotes "como educadores da fé", formar "uma comunidade cristã autêntica" capaz de abrir "a todos os homens o caminho que leva a Cristo" e exercer "uma verdadeira acção materna" no que se lhes refere, indicando ou facilitando a quem crê "o caminho que conduz a Cristo e à sua Igreja", e constituindo para quem já crê "estímulo, alimento e sustento para a luta espiritual" (cf. Presbyterorum ordinis PO 6). O ensinamento que o Santo Cura d'Ars continua a transmitir-nos a este propósito é que, na base de tal compromisso pastoral, o sacerdote deve pôr uma íntima união pessoal com Cristo, a cultivar e aumentar dia após dia. Só se for apaixonado por Cristo, o sacerdote poderá ensinar a todos esta união, esta amizade íntima com o Mestre divino, poderá sensibilizar os corações das pessoas e abri-los ao amor misericordioso do Senhor, poderá infundir entusiasmo e vitalidade nas comunidades que o Senhor lhe confiar. Oremos a fim de que, por intercessão de São João Maria Vianney, Deus conceda à Igreja o dom de sacerdotes santos, e para que aumente nos fiéis o desejo de sustentar e coadjuvar o seu ministério. Confiemos esta intenção a Maria, que precisamente hoje invocamos como Nossa Senhora da Neve.

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, sede bem-vindos! A todos saúdo com afeto e alegria, nomeadamente aos grupos que vieram de Palhaça e do Brasil com o desejo de encontrar o Sucessor de Pedro. Com votos de que vossas existências sejam uma catequese vivente, como foi a vida do Santo Cura d'Ars, desça sobre vós, vossas famílias e comunidades, a minha Bênção.



Quarta-feira, 12 de Agosto de 2009

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Caros irmãos e irmãs

É iminente a celebração da solenidade da Assunção da Bem-Aventurada Virgem, no próximo sábado, e estamos no contexto do Ano sacerdotal; assim, gostaria de falar do nexo entre Nossa Senhora e o sacerdócio. É um nexo profundamente arraigado no mistério da Encarnação. Quando Deus decidiu fazer-se homem no seu Filho, tinha necessidade do "sim" livre de uma sua criatura. Deus não age contra a nossa liberdade. E aconteceu algo verdadeiramente extraordinário: Deus faz-se dependente da liberdade, do "sim" de uma sua criatura; espera este "sim". Numa das suas homilias, São Bernardo de Claraval explicou de modo dramático este momento decisivo da história universal, onde o céu, a terra e o próprio Deus aguardam o que esta criatura dirá.

Por conseguinte, o "sim" de Maria é a porta através da qual Deus pôde entrar no mundo, fazer-se homem. Assim, Maria está real e profundamente comprometida no mistério da Encarnação, da nossa salvação. E a Encarnação, o fazer-se homem do Filho, estava desde o início finalizada para o dom de si; ao doar-se com muito amor na Cruz, para se fazer pão pela vida do mundo. Assim, sacrifício, sacerdócio e Encarnação caminham juntos, e Maria está no centro deste mistério.

Agora, vamos até à Cruz. Antes de morrer, Jesus vê a Mãe aos pés da Cruz; e vê o filho predilecto, e este filho predilecto certamente é uma pessoa, um indivíduo muito importante, mas é mais: é um exemplo, uma prefiguração de todos os discípulos amados, de todas as pessoas chamadas pelo Senhor para ser "discípulo amado" e, por conseguinte, de modo particular também dos sacerdotes. Jesus diz a Maria: "Mãe, eis o teu filho" (
Jn 19,26). É uma espécie de testamento: confia a sua Mãe à atenção do filho, do discípulo. Mas diz inclusive ao discípulo: "Eis a tua Mãe" (Jn 19,27). O Evangelho diz-nos que a partir deste momento São João, o filho predilecto, recebeu a Mãe Maria, "na sua casa". Assim é na tradução italiana; mas o texto grego é muito mais profundo, muito mais rico. Poderíamos traduzi-lo: recebeu Maria no íntimo da sua vida, do seu ser, "eis tá ídia", na profundidade do seu ser. Receber Maria significa introduzi-la no dinamismo de toda a própria existência não é algo exterior e em tudo aquilo que constitui o horizonte do próprio apostolado. Portanto, parece-me que se compreende como a relação peculiar de maternidade existente entre Maria e os presbíteros constitui a fonte primária, o motivo fundamental da predilecção que nutre por cada um deles. Efectivamente, Maria tem predilecção por eles por dois motivos: porque, são mais semelhantes a Jesus, amor supremo do seu coração, e porque também eles, como Ela, estão comprometidos na missão de proclamar, testemunhar e oferecer Cristo ao mundo. Pela sua identificação e conformação sacramental com Jesus, Filho de Deus e Filho de Maria, cada sacerdote pode e deve sentir-se verdadeiramente filho predilecto desta Mãe excelsa e humilíssima.

O Concílio Vaticano ii convida os sacerdotes a olhar para Maria como o modelo perfeito da sua existência, invocando-a como "Mãe do sumo e eterno Sacerdote, Rainha dos Apóstolos, Auxílio dos presbíteros no seu ministério". E os presbíteros continua o Concílio "devem portanto venerá-la e amá-la com devoção e culto filial" (cf. Presbyterorum ordinis PO 18). O Santo Cura d'Ars, em quem pensamos particularmente neste ano, gostava de repetir: "Depois de nos ter doado tudo aquilo que podia oferecer, Jesus Cristo ainda nos quer tornar herdeiros de quanto Ele possui de mais precioso, ou seja, a sua Santa Mãe" (B. Nodet, Il pensiero e l'anima del Curato d'Ars, Turim 1967, pág. 305). Isto é válido para cada cristão, para todos nós, mas de maneira especial para os sacerdotes. Estimados irmãos e irmãs, oremos para que Maria torne todos os sacerdotes, em todos os problemas do mundo contemporâneo, conformes com a imagem do seu Filho Jesus, dispensadores do tesouro inestimável do seu amor de Bom Pastor. Maria, Mãe dos sacerdotes, intercede por nós!

Saudações

Dirijo o meu pensamento às numerosas populações que nos últimos dias foram atingidas pela violência do furacão nas Filipinas, em Taiwan, em algumas províncias sul-orientais da República Popular da China e na Japão, país provado inclusive por um forte sismo. Desejo manifestar a minha proximidade espiritual a quantos vieram a encontrar-se em condições de grave dificuldade, e convido todos a rezar por eles e por todos aqueles que perderam a vida. Faço votos por que não faltem o alívio da solidariedade e a ajuda dos socorros materiais.

É-me grato receber na manhã de hoje os peregrinos francófonos. Na iminência da solenidade da Assunção da Virgem Maria e neste Ano sacerdotal, é bom olharmos para Maria como a Mãe de todos os presbíteros. Na cruz, Jesus proclamou a sua maternidade espiritual e universal. Assim, oferecendo a sua Mãe como dom a todos, Jesus quis confiá-la de modo especial aos seus discípulos, aos presbíteros, os quais mais do que todos os outros são chamados a recebê-la na sua casa, isto é, a introduzi-la no dinamismo da sua existência e no horizonte do seu apostolado. Rezemos a fim de que Maria ajude os sacerdotes a conformar-se com a imagem do seu Filho Jesus, dispensador dos tesouros inestimáveis do seu amor de Bom Pastor. Maria, Mãe dos sacerdotes, intercede por nós!

Dou calorosas boas-vindas aos visitantes de expressão inglesa, presentes na audiência de hoje, inclusive às Irmãs de Santa Ana, aos ministrantes vindos de Malta e aos peregrinos da Austrália e dos Estados Unidos da América. Na iminência da solenidade da Assunção da Bem-Aventurada Virgem neste Ano sacerdotal, a minha catequese hodierna está centrada em Maria, Mãe dos sacerdotes. Ela olha para eles com afecto especial como seus filhos. Com efeito, a sua missão é semelhante à dela: os sacerdotes são chamados a levar ao mundo o amor salvífico de Cristo. Na cruz Jesus convida todos os fiéis, especialmente os seus discípulos mais próximos, a amar e venerar Maria como sua própria Mãe. Oremos para que todos os sacerdotes reservem na sua vida um lugar especial à Bem-Aventurada Virgem, busquem diariamente a sua assistência e dêem testemunho do Evangelho de Jesus. Sobre vós e vossas famílias, invoco as bênçãos divinas da alegria e da paz!

Queridos peregrinos de língua espanhola. Agradeço a vossa visita e saúdo-vos muito cordialmente, em particular os jovens da Comunidade missionária de Villaregia, vindos do Peru e do México. Peço ao Senhor que a estadia na sede de Pedro seja uma ocasião para encorajar o compromisso de ser verdadeiras testemunhas do Evangelho no mundo contemporâneo, como o foram os primeiros Apóstolos que, com a sua palavra e o seu exemplo de vida, nos transmitiram a mensagem salvífica de Jesus Cristo.

Dou boas-vindas aos polacos presentes aqui em Castel Gandolfo, e de modo particular à juventude do Movimento "Luz e Vida", que em Roma realiza o curso de exercícios espirituais. Eles nasceram a convite do Servo de Deus João Paulo II. O tema deste ano vos consolide no vosso carisma. Peço a todos vós, aqui presentes, que imploreis as graças das quais os vossos pastores têm necessidade, por intercessão da Mãe dos presbíteros neste Ano sacerdotal. Louvado seja Jesus Cristo!

Dirijo uma saudação cordial aos peregrinos de língua italiana, de modo particular às Filhas de Nossa Senhora do Divino Amor e aos participantes na Chama da Esperança. Enquanto vos agradeço a vossa presença, estou feliz por invocar sobre vós a abundância dos dons do Espírito, para um renovado fervor espiritual e apostólico.

Agora, dirijo-me aos jovens, aos doentes e aos recém-casados. Ontem celebrámos a memória de Santa Clara de Assis, que soube viver com coragem e generosidade a sua adesão a Cristo. Imitai o seu exemplo, particularmente vós amados jovens, para poderdes responder, como ela, fielmente à chamada do Senhor. Encorajo-vos, dilectos doentes, a unir-vos a Jesus sofredor para carregar a vossa cruz com fé. E vós, prezados recém-casados, sede na vossa família apóstolos do Evangelho do amor.



Quarta-feira, 19 de Agosto de 2009

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Queridos irmãos e irmãs

Celebra-se hoje a memória litúrgica de São João Eudes, apóstolo incansável da devoção aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, que viveu na França no século XVII, um século caracterizado por fenómenos religiosos contrapostos e também por graves problemas políticos. É o tempo da guerra dos trinta anos, que devastou não apenas uma grande parte da Europa central, mas arrasou também as almas. Enquanto se ia difundindo o desprezo pela fé cristã por parte de algumas correntes de pensamento então predominantes, o Espírito Santo suscitava uma fervorosa renovação espiritual, com personalidades de elevado relevo, como Bérulle, São Vicente de Paulo, São Luís Maria Grignion de Montfort e São João Eudes. Esta grande "escola francesa" de santidade teve entre os seus frutos também São João Maria Vianney. Por um misterioso desígnio da Providência, no dia 31 de Maio de 1925, o meu venerado predecessor Pio XI proclamou santos João Eudes juntamente com o Cura d'Ars, oferecendo à Igreja e ao mundo inteiro dois extraordinários exemplos de santidade sacerdotal.

No contexto do Ano sacerdotal, é-me grato deter-me para ressaltar o zelo apostólico de São João Eudes, particularmente voltado para a formação do clero diocesano. Os santos são a verdadeira interpretação da Sagrada Escritura. Na experiência da vida, os santos verificaram a verdade do Evangelho; assim, eles introduzem-nos no conhecimento e na compreensão do Evangelho. O Concílio de Trento, em 1563, tinha emanado normas para a erecção dos seminários diocesanos e para a formação dos presbíteros, enquanto o Concílio estava consciente de que toda a crise da reforma fora também condicionada por uma insuficiente formação dos sacerdotes, que não estavam preparados para o sacerdócio de modo justo, intelectual e espiritualmente, no coração e na alma. Isto em 1563; no entanto, dado que a aplicação e a realização das normas tardavam tanto na Alemanha como na França, São João Eudes viu as consequências desta falta. Impelido pela consciência lúcida da grave necessidade de ajuda espiritual, em que se encontravam as almas inclusive por causa da inadequação de uma boa parte do clero, o santo que era um pároco instituiu uma Congregação dedicada de maneira específica à formação dos sacerdotes. Na cidade universitária de Caen, fundou o seu primeiro seminário, experiência mais apreciada do que nunca, que depressa se difundiu a outras dioceses. O caminho de santidade, por ele percorrido e proposto aos seus discípulos, tinha como fundamento uma sólida confiança no amor que Deus revelou à humanidade no Coração sacerdotal de Cristo e no Coração materno de Maria. Naquela época de crueldade, de perda de interioridade, ele dirigiu-se ao coração, para dizer ao coração uma palavra dos Salmos, muito bem interpretada por Santo Agostinho. Queria chamar as pessoas, os homens e sobretudo os futuros sacerdotes ao coração, mostrando o Coração sacerdotal de Cristo e o Coração materno de Maria. Deste amor do Coração de Cristo e de Maria, cada presbítero tem o dever de ser testemunha e apóstolo. E aqui, chegamos à nossa época.

Também hoje se sente a necessidade que os presbíteros dêem testemunho da misericórdia infinita de Deus com uma vida inteiramente "conquistada" por Cristo, e aprendam isto nos anos da sua preparação nos seminários. Depois do Sínodo de 1990, o Papa João Paulo II emanou a Exortação Apostólica Pastores dabo vobis, na qual retoma e actualiza as normas do Concílio de Trento e ressalta sobretudo a necessária continuidade entre o momento inicial e o permanente da formação; isto para ele, para nós, é um verdadeiro ponto de partida para uma autêntica reforma da vida e do apostolado dos sacerdotes, e é também o ponto fulcral a fim de que a "nova evangelização" não seja simplesmente apenas um slogan atraente, mas se traduza em realidade. Os fundamentos postos na formação seminarística constituem aquele insubstituível "húmus espiritual" onde "aprender Cristo", deixando-se progressivamente configurar com Ele, único Sumo Sacerdote e Bom Pastor. Por conseguinte, o tempo do Seminário deve ser visto como a actualização do momento em que o Senhor Jesus, depois de ter chamado os Apóstolos e antes de os enviar para pregar, lhes pede para permanecerem com Ele (cf.
Mc 3,14). Quando São Marcos narra a vocação dos doze Apóstolos, diz-nos que Jesus tinha uma finalidade dupla: a primeira era que permanecessem com Ele; a segunda, que fossem enviados para pregar. Mas permanecendo sempre com Ele, realmente anunciam Cristo e levam a realidade do Evangelho ao mundo.

Estimados irmãos e irmãs, durante este Ano sacerdotal convido-vos a rezar pelos presbíteros e por quantos se preparam para receber o dom extraordinário do Sacerdócio ministerial. Dirijo a todos, e assim concluo, a exortação de São João Eudes, que diz aos sacerdotes: "Entregai-vos a Cristo, para entrardes na imensidade do seu grande Coração, que contém o Coração da sua Santa Mãe e de todos os Santos, e para vos perderdes neste abismo de amor, caridade, misericórdia, humildade, pureza, paciência, submissão e santidade" (Coeur admirable, III, 2).

Neste sentido, agora cantemos juntos o Pai-Nosso em latim.

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente os grupos de Mirandela e de São Paulo, agradeço a vossa presença com votos de que este encontro com o Sucessor de Pedro revigore, em todos vós, o fervor espiritual para assim testemunhardes, com as vossas vidas, a Mensagem salvadora de Jesus Cristo. Sobre cada um de vós e vossas famílias desça a minha Bênção.



Quarta-feira, 26 de Agosto de 2009

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Prezados irmãos e irmãs

Já nos aproximamos do final do mês de Agosto, que para muitos significa a conclusão das férias de Verão. Enquanto se volta às actividades quotidianas, como deixar de dar graças a Deus pelo dom precioso da criação, a qual é possível desfrutar, e não só durante o período das férias! Os diferentes fenómenos de degradação ambiental e as calamidades naturais que infelizmente, não raro, a crónica registra, evocam-nos a urgência do respeito devido à natureza, recuperando e valorizando, na vida de todos os dias, uma relação correcta com o meio ambiente. No que se refere a estes temas, que suscitam a justa preocupação das Autoridades e da opinião pública, vai-se desenvolvendo uma nova sensibilidade, que se exprime na multiplicação de encontros, também no plano internacional.

A terra é um dom precioso do Criador, que delineou os ordenamentos intrínsecos, indicando-nos assim os sinais orientativos que devemos respeitar como administradores da sua criação. É precisamente a partir desta consciência, que a Igreja considera as questões ligadas ao meio ambiente e à sua salvaguarda intimamente vinculadas ao tema do desenvolvimento humano integral. Referi-me várias vezes a estas questões na minha última encíclica Caritas in veritate, evocando a "urgente necessidade moral de uma renovada solidariedade" (), não apenas nas relações entre os países, mas também entre os homens individualmente, porque o ambiente natural é oferecido por Deus a todos, e o seu uso comporta uma nossa responsabilidade pessoal por toda a humanidade, de modo particular pelos pobres e as gerações futuras (cf. ibid., ). Sentindo a comum responsabilidade pela criação (cf. ibid., ), a Igreja não apenas está comprometida em promover a defesa da terra, da água e do ar, oferecidas pelo Criador a todos, mas sobretudo compromete-se em proteger o homem contra a destruição de si mesmo. Com efeito, "quando a "ecologia humana" é respeitada dentro da sociedade, beneficia também a ecologia ambiental" (Ibidem ). Não é porventura verdade que o uso desconsiderado da criação começa lá onde Deus é marginalizado ou onde se chega a negar até a sua existência? Se vier a faltar a relação da criatura humana com o Criador, a matéria fica reduzida a uma posse egoísta, o homem torna-se "a última instância" e a finalidade da existência reduz-se a ser uma corrida ofegante para possuir quanto mais possível.

Portanto a criação, matéria estruturada de modo inteligente por Deus, está confiada à responsabilidade do homem, que é capaz de a interpretar e de a voltar a modelar activamente, sem se considerar seu senhor absoluto. Ao contrário, o homem é chamado a exercer um governo responsável para a conservar, fazer frutificar e cultivar, encontrando os recursos necessários para uma existência digna de todos. Com a ajuda da própria natureza e com o empenho do seu trabalho e da sua inventiva, a humanidade é verdadeiramente capaz de cumprir o grave dever de transmitir às novas gerações uma terra que, também elas por sua vez, poderão habitar de maneira digna e cultivar ulteriormente (cf. Caritas in veritate, ). Para que isto se realize, é indispensável o desenvolvimento "daquela aliança entre ser humano e ambiente, que deve ser espelho do amor criador de Deus" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2008, n. 7), reconhecendo que todos nós derivamos de Deus e rumo a Ele estamos todos a caminho. Então, como é importante que a comunidade internacional e os governos individualmente saibam oferecer os sinais justos aos próprios cidadãos, para contrastar de modo eficaz as modalidades de utilização do meio ambiente que lhe sejam prejudiciais! Os custos económicos e sociais, derivados do uso dos recursos ambientais comuns, reconhecidos de maneira transparente, devem ser assumidos por aqueles que os usufruem, e não por outras populações, nem pelas gerações futuras. A salvaguarda do meio ambiente, a tutela dos recursos e do clima exigem que os responsáveis internacionais ajam de forma conjunta, no respeito pela lei e pela solidariedade, principalmente em relação às regiões mais débeis da terra (cf. Caritas in veritate, ). Em conjunto, podemos construir um desenvolvimento humano integral, em benefício dos povos, presentes e futuros, um desenvolvimento inspirado nos valores da caridade na verdade. A fim de que isto se verifique, é indispensável transformar o actual modelo de desenvolvimento global numa tomada de responsabilidade, maior e mais compartilhada em relação à criação: exigem-no não só as emergências ambientais, mas inclusive o escândalo da fome e da miséria.

Estimados irmãos e irmãs, demos graças ao Senhor e façamos nossas as palavras de São Francisco, no Cântico das criaturas: "Senhor altíssimo, omnipotente e bom, teus são os louvores, a glória, a honra e todas as bênçãos... Louvado sejas, ó meu Senhor, com todas as tuas criaturas".

Assim rezava São Francisco. Também nós queremos orar e viver no espírito destas palavras.

Saudação

Saúdo todos os peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente os grupos do Coral de Vila Real e de Mogi das Cruzes, desejando que esta visita ao Sucessor de Pedro fortaleça a vossa fé e vos ajude a irradiar o Amor de Deus na própria casa e na sociedade. O Pai do Céu derrame os seus dons sobre vós e vossas famílias, que de coração abençoo.





2 de Setembro de 2009: Santo Odon de Cluny

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Queridos irmãos e irmãs

Depois de uma longa pausa, gostaria de retomar a apresentação dos grandes Escritores da Igreja do Oriente e do Ocidente da época medieval porque, como num espelho, nas suas vidas e nos escritos vemos o que quer dizer ser cristão. Hoje proponho-vos a figura luminosa de Santo Odon, abade de Cluny: ela insere-se naquela idade média monástica que viu o surpreendente difundir-se na Europa da vida e da espiritualidade inspiradas na Regra de São Bento. Naqueles séculos houve um prodigioso surgir e multiplicar-se de claustros que, ramificando-se no continente, difundiram amplamente o espírito e a sensibilidade cristã. Santo Odon leva-nos, em particular, a um mosteiro, Cluny, que na idade média foi um dos mais ilustres e celebrados, e ainda hoje revela através das suas ruínas majestosas os sinais de um passado glorioso pela intensa dedicação à ascese, ao estudo e, de modo especial, ao culto divino, repleto de decoro e de beleza.

Odon foi o segundo abade de Cluny. Nascera por volta de 880, nos confins entre o Maine e a Touraine, na França. O seu pai consagrou-o ao santo bispo Martinho de Tours, sob cujas sombra benéfica e memória, depois, Odon passou toda a sua vida, concluindo-a no final junto do seu túmulo. Nele, a escolha da consagração religiosa foi precedida pela experiência de um momento de graça especial, do qual ele mesmo falou a outro monge, João, o Italiano, que depois foi seu biógrafo. Odon era ainda adolescente, tinha cerca de 16 anos quando, durante uma vigília de Natal, sentiu subir espontaneamente aos lábios esta oração à Virgem: "Minha Senhora, Mãe de misericórdia, que nesta noite deste à luz o Salvador, intercede por mim. Ó Piedosíssima, o teu parto glorioso e singular seja o meu refúgio" (Vita sancti Odonis, I, 9: PL 133, 747). O apelativo "Mãe de misericórdia", com que então o jovem Odon invocou a Virgem, será aquele com que depois gostará de se dirigir a Maria, chamando-lhe também "única esperança do mundo... graças à qual nos foram abertas as portas do paraíso" (In veneratione S. Mariae Magdalenae: PL 133, 721). Nessa época, encontrou a Regra de São Bento e começou algumas das suas observâncias, "carregando, quando ainda não era monge, o jugo leve dos monges" (ibid., I, 14: PL 133, 50). Num dos seus sermões, Odon celebrará Bento como "lâmpada que resplandece no estádio tenebroso desta vida" (De sancto Benedicto abbate: PL 133, 725), e qualificá-lo-á como "mestre de disciplina espiritual" (ibid.: PL 133, 727). Com afecto, relevará que a piedade cristã "com maior docilidade faz memória" dele, na consciência de que Deus o elevou "entre os sumos e eleitos Padres na santa Igreja" (ibid.: PL 133, 722).

Fascinado pelo ideal beneditino, Odon deixou Tours e entrou como monge na abadia beneditina de Baume, e depois passou para a de Cluny, da qual se tornou abade em 927. Daquele centro de vida espiritual pôde exercer uma vasta influência sobre os mosteiros do continente. Da sua guia e da sua reforma beneficiaram também na Itália diversos cenóbios, entre os quais o de São Paulo fora dos Muros. Odon visitou Roma várias vezes, chegando também a Subiaco, Montecassino e Salerno. Foi precisamente em Roma que, no Verão de 942, adoeceu. Sentindo-se próximo do fim, com todos os esforços quis regressar depressa junto do seu São Martinho, em Tours, onde faleceu no oitavário do Santo, no dia 18 de Novembro de 942. Ao sublinhar em Odon a "virtude da paciência", o biógrafo oferece um longo elenco de outras suas virtudes, como o desprezo pelo mundo, o zelo pelas almas e o compromisso pela paz das Igrejas. Grandes aspirações do abade Odon eram a concórdia entre os reis e os príncipes, a observância dos mandamentos, a atenção aos pobres, o emendamento dos jovens, o respeito pelos idosos (cf. Vita sancti Odonis, I 17: PL 133, 49). Gostava da pequena cela onde residia, "subtraído aos olhos de todos, solícito em agradar somente a Deus" (ibid., I 14: PL 133, 49). Porém, não deixava de exercer também, como "fonte superabundante", o ministério da palavra e do exemplo, "chorando este mundo como imensamente miserável" (ibid., I 17: PL 133, 51). Num só monge, comenta o seu biógrafo, encontravam-se reunidas as diversas virtudes existentes de forma espalhada nos outros mosteiros: "Jesus na sua bondade, haurindo dos vários jardins dos monges, formava num pequeno lugar um paraíso, para irrigar a partir da sua fonte os corações dos fiéis" (ibid., I 14: PL 133, 49).

Num trecho de um sermão em honra a Maria de Magdala, o abade de Cluny revela-nos como ele concebia a vida monástica: "Maria que, sentada aos pés do Senhor, com espírito atento ouvia a sua palavra, é o símbolo da docilidade da vida contemplativa cujo gosto, quanto mais é saboreado, tanto mais induz a alma a desapegar-se das coisas visíveis e dos tumultos das preocupações do mundo" (In ven. S. Mariae Magd., PL 133, 717). É uma concepção que Odon confirma e desenvolve nos outros seus escritos, dos quais transparecem o amor pela interioridade, uma visão do mundo como de uma realidade frágil e precária da qual desarraigar-se, uma inclinação constante ao desapego das coisas sentidas como fontes de inquietação, uma sensibilidade perspicaz pela presença do mal nas várias categorias de homens e uma íntima aspiração escatológica. Esta visão do mundo pode parecer bastante distante da nossa, todavia a de Odon é uma concepção que, vendo a fragilidade do mundo, valoriza a vida interior aberta ao outro, ao amor pelo próximo, e precisamente assim transforma a existência e abre o mundo à luz de Deus.

Merece particular menção a "devoção" ao Corpo e ao Sangue de Cristo que Odon, diante de uma difundida negligência por ele vivamente deplorada, sempre cultivou com convicção. Com efeito, estava firmemente persuadido da presença real, sob as espécies eucarísticas, do Corpo e do Sangue do Senhor, em virtude da conversão "substancial" do pão e do vinho. Escrevia: "Deus, o Criador de tudo, tomou o pão, dizendo que era o seu Corpo, e que o teria oferecido pelo mundo, e distribuiu o vinho, chamando-lhe seu Sangue"; pois bem, "é lei de natureza que se verifique a mudança segundo o mandamento do Criador", e eis, portanto, que "imediatamente a natureza muda a sua condição habitual: sem hesitação, o pão torna-se carne, e o vinho torna-se sangue"; à ordem do Senhor, "a substância transforma-se" (Odonis Abb. Cluniac. occupatio, ed. A. Swoboda, Leipzig 1900, pág. 121). Infelizmente, anota o nosso abade, este "sacrossanto mistério do Corpo do Senhor, no qual consiste toda a salvação do mundo" (Collationes, XXVIII: PL 133, 572), é celebrado com negligência. "Os sacerdotes, ele admoesta, que acedem ao altar indignamente, mancham o pão, ou seja, o Corpo de Cristo" (ibid.: pl 133, 572-573). Só quem está unido espiritualmente a Cristo pode participar de modo digno no seu Corpo eucarístico: caso contrário, comer a sua carne e beber o seu sangue não seria um benefício, mas uma condenação (cf. ibid., XXX: PL 133, 575). Tudo isto nos convida a crer com nova força e profundidade na verdade da presença do Senhor. A presença do Criador no meio de nós, que se entrega nas nossas mãos e nos transforma como transforma o pão e o vinho, assim transforma o mundo.

Santo Odon foi um verdadeiro guia espiritual, quer para os monges quer para os fiéis do seu tempo. Diante da "vastidão dos vícios" difundidos na sociedade, o remédio que ele propunha com decisão era o de uma mudança de vida radical, fundada sobre a humildade, a austeridade, o desapego das coisas efémeras e a adesão às eternas (cf. Collationes, XXX: PL 133, 613). Não obstante o realismo do seu diagnóstico a respeito da situação da sua época, Odon não se abandona ao pessimismo: "Não dizemos isto — esclarece ele — para fazer precipitar no desespero quantos quiserem converter-se. A misericórdia divina está sempre disponível; ela espera a hora da nossa conversão" (ibid.: PL 133, 563). E exclama: "Ó inefáveis vísceras da piedade divina! Deus persegue as culpas e todavia protege os pecadores" (ibid.: PL 133, 592). Fortalecido por esta convicção, o abade de Cluny gostava de se deter na contemplação da misericórdia de Cristo, o Salvador que sugestivamente ele qualificava como "amante dos homens": "amator hominum Christus" (ibid., LIII: PL 133, 637). Jesus assumiu sobre si os flagelos que seriam reservados a nós — observa — para salvar assim a criatura, que é sua obra e que Ele ama (cf. ibid.: PL 133, 638).

Aqui aparece uma característica do santo abade, à primeira vista quase escondida sob o rigor da sua austeridade de reformador: a profunda bondade da sua alma. Era austero, mas sobretudo bom, um homem de grande bondade, uma bondade que provém do contacto com a bondade divina. Odon, assim nos dizem os seus coetâneos, difundia ao seu redor a alegria da qual estava repleto. O seu biógrafo testemunha que jamais ouviu sair da boca de um homem "tanta docilidade de palavra" (ibid., I, 17: PL 133, 31). O biógrafo recorda que ele costumava convidar para o canto as crianças que encontrava ao longo do caminho, para depois lhes oferecer um pequeno dom, e acrescenta: "As suas palavras eram cheias de exultação... a sua hilaridade infundia no nosso coração uma alegria íntima" (ibid., II, 5: PL 133, 63). Deste modo, o vigoroso e ao mesmo tempo amável abade medieval, apaixonado pela reforma, com uma acção incisiva, alimentava nos monges, como também nos fiéis leigos do seu tempo, o propósito de progredir com passo diligente ao longo do caminho da perfeição cristã.

Esperamos que a sua bondade, a alegria que provém da fé, unidas à austeridade e à oposição aos vícios do mundo, sensibilizem inclusive o nosso coração, a fim de que também nós possamos encontrar a fonte da alegria que jorra da bondade de Deus.



Saudações

Saúdo cordialmente os peregrinos polacos. Ontem recordámos o 70º aniversário do início da Segunda Guerra Mundial. Na memória dos povos permanecem as tragédias humanas e o absurdo da guerra. Peçamos a Deus que o espírito do perdão, da paz e da reconciliação permeie os corações dos homens. A Europa e o mundo de hoje precisam de um espírito de comunhão. Edifiquemo-la sobre Cristo e o seu Evangelho, sobre o fundamento da caridade e da verdade. A vós aqui presentes e a todos aqueles que contribuem para criar um clima de paz, concedo de coração a minha bênção.

Saúdo com amizade e gratidão todos os peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente os grupos do Brasil. Viestes a Roma para fortalecer os vínculos de fé, esperança e amor que unem a todos os batizados na Igreja, que Jesus quis fundar sobre Pedro. Que as vossas vidas, iluminadas pela fé, e perseverantes na esperança, possam sempre testemunhar o amor de Deus. Que as suas bênçãos desçam abundantes sobre vós e vossas famílias.




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