Audiências 2005-2013 30512

Quarta-feira, 30 de Maio de 2012

30512

Queridos irmãos e irmãs,

Nestas catequeses estamos a meditar sobre a oração nas cartas de são Paulo e procuramos ver a oração cristã como um encontro verdadeiro e pessoal com Deus Pai, em Cristo, mediante o Espírito Santo. Hoje, neste encontro, entram em diálogo o «sim» fiel de Deus e o «amém» confiante dos crentes. E gostaria de sublinhar esta dinâmica, meditando acerca da Segunda Carta aos Coríntios. São Paulo envia esta Carta apaixonada a uma Igreja que várias vezes pôs em questão o seu apostolado, e ele abre o seu coração a fim de que os destinatários sejam tranquilizados a respeito da sua fidelidade a Cristo e ao Evangelho. Esta Segunda Carta aos Coríntios começa com uma das preces de bênção mais elevadas do Novo Testamento. Reza assim: «Bendito seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação! Ele nos consola em toda a nossa tribulação, para que também nós possamos consolar aqueles que estão em qualquer tribulação, mediante a consolação que nós mesmos recebemos de Deus» (
2Co 1,3-4).

Portanto, Paulo vive em grande tribulação, são numerosas as dificuldades e as aflições que teve que enfrentar, mas jamais cedeu ao desencorajamento, sustentado pela graça e pela proximidade do Senhor Jesus Cristo, para Quem se tinha tornado apóstolo e testemunha, entregando nas suas mãos toda a própria existência. Precisamente por isso, Paulo começa esta Carta com uma prece de bênção e de acção de graças a Deus, porque não houve qualquer momento da sua vida de apóstolo de Cristo no qual tenha sentido a falta do apoio do Pai das misericórdias, do Deus de toda a consolação. Ele sofreu terrivelmente, como diz precisamente nesta Carta, mas em todas estas situações, onde parecia que não se abria um caminho ulterior, recebeu a consolação e o alívio de Deus. Para anunciar Cristo chegou a padecer também perseguições, a ponto de ter sido encerrado no cativeiro, mas sentiu-se sempre interiormente livre, animado pela presença de Cristo e desejoso de anunciar a palavra de esperança do Evangelho. Da prisão assim escreve a Timóteo, seu fiel colaborador. Acorrentado, ele escreve: «A Palavra de Deus não pode ser acorrentada! Por isso, tudo suporto pelos eleitos de Deus, para que também eles alcancem a salvação em Cristo Jesus e a glória eterna» (2Tm 2,9-10). No seu sofrer por Cristo, ele experimenta a consolação de Deus. Escreve: «Assim como abundam em nós os sofrimentos de Cristo, também por meio de Cristo é abundante a nossa consolação» (2Co 1,5).

Por conseguinte, na prece de bênção que introduz a Segunda Carta aos Coríntios predomina, ao lado do tema das aflições, inclusive a temática da consolação, que não deve ser entendida unicamente como simples alívio, mas sobretudo como encorajamento e exortação a não se deixar vencer pela tribulação nem pela dificuldade. O convite é para viver cada situação unido a Cristo, que carrega sobre Si todo o sofrimento e o pecado do mundo para levar luz, esperança e redenção. E deste modo Jesus torna-nos capazes de consolar, por nossa vez, quantos se encontram em todos os tipos de aflição. A união profunda com Cristo na oração e a confiança na sua presença conduzem à disponibilidade a compartilhar os sofrimentos e as aflições dos irmãos. Paulo escreve: «Quem é fraco, sem que eu o seja também? Quem tropeça, sem que me sinta queimar de dor?» (2Co 11,29). Esta partilha não nasce de uma simples benevolência, nem só da generosidade humana ou do espírito de altruísmo, mas brota da consolação do Senhor, do apoio inabalável do «poder extraordinário que provém de Deus, e não de nós mesmos» (2Co 4,7).

Estimados irmãos e irmãs, a nossa vida e o nosso caminho são muitas vezes marcados por dificuldades, incompreensões e sofrimentos. Todos nós sabemos que é assim. Na relação fiel com o Senhor, na oração constante, quotidiana, também nós podemos, concretamente, sentir a consolação que provém de Deus. E isto fortalece a nossa fé, porque nos faz experimentar de maneira concreta o «sim» de Deus ao homem, a nós, a mim, em Cristo; faz sentir a fidelidade do seu amor, que chega até à entrega do seu Filho na Cruz. São Paulo afirma: «O Filho de Deus, Jesus Cristo, Aquele que foi por nós anunciado entre vós, por mim, por Silvano e por Timóteo, não foi um “sim” e um “não”, mas unicamente um “sim” e é por isso que, graças a Ele, nós podemos dizer o “amém”, para a glória de Deus» (2Co 1,19-20). O «sim» de Deus não está dividido ao meio, não se encontra entre o «sim» e o «não», mas é um «sim» simples e seguro. E a este «sim» nós respondemos com o nosso «sim», com o nosso «amém», e assim estamos seguros no «sim» de Deus.

A fé não é primariamente obra humana, mas dom gratuito de Deus, que se arraiga na sua fidelidade, no seu «sim», que nos leva a compreender como viver a nossa existência, amando-o a Ele e aos irmãos. Toda a história da salvação é um revelar-se progressivo desta fidelidade de Deus, não obstante as nossas infidelidades e as nossas negações, na certeza de que «os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis», como declara o Apóstolo na Carta aos Romanos (Rm 11,29).

Caros irmãos e irmãs, o modo de agir de Deus — muito diferente do nosso — dá-nos consolação, força e esperança, porque Deus não retira o seu «sim». Diante dos contrastes nos relacionamentos humanos, muitas vezes também familiares, nós somos levados a não perseverar no amor gratuito, que exige compromisso e sacrifício. Ao contrário, Deus não se cansa de nós, nunca se cansa de ter paciência connosco e, mediante a sua misericórdia imensa, precede-nos sempre, é o primeiro que vem ao nosso encontro, e este seu «sim» é absolutamente fiável. No acontecimento da Cruz Ele oferece-nos a medida do seu amor, que não calcula e é incomensurável. Na Carta a Tito, são Paulo escreve: «Manifestaram-se a bondade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com os homens» (Tt 3,4). E a fim de que este «sim» se renove cada dia, «Ele marcou-nos com um selo, e colocou em nossos corações o penhor do Espírito» (2Co 1,21-22).

Com efeito, é o Espírito Santo que torna continuamente presente e vivo o «sim» de Deus em Jesus Cristo e cria no nosso coração o desejo de O seguir para, um dia, entrar totalmente no seu amor, quando recebermos no Céu uma morada não edificada por mãos humanas. Não há pessoa que não seja alcançada e interpelada por este amor fiel, capaz de esperar também quantos continuam a responder com o «não» da rejeição ou do endurecimento do coração. Deus espera-nos, procura-nos sempre, quer receber-nos na comunhão consigo para conceder a cada um de nós a plenitude de vida, de esperança e de paz.

No «sim» fiel de Deus insere-se o «amém» da Igreja que ressoa em cada gesto da liturgia: «amém» é a resposta da fé que encerra sempre a nossa oração pessoal e comunitária, e que expressa o nosso «sim» à iniciativa de Deus. Muitas vezes respondemos por hábito com o nosso «amém» na oração, sem entender o seu significado profundo. Este termo deriva de ’aman que, em hebraico e em aramaico, significa «tornar estável», «consolidar» e, por conseguinte, «estar certo», «dizer a verdade». Se considerarmos a Sagrada Escritura, vemos que este «amém» é pronunciado no fim dos Salmos de bênção e de louvor, como por exemplo no Salmo 41: «Tu me ajudarás, porque vivo com sinceridade, e me farás viver sempre na tua presença. Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, desde agora e para sempre. Amém, amém!» (vv. Ps 41,13-14). Ou então exprime adesão a Deus, no momento em que o povo de Israel regressa cheio de alegria do exílio babilónico e diz o seu «sim», o seu «amém» a Deus e à sua Lei. No Livro de Neemias narra-se que, depois deste regresso, «Esdras abriu o livro (da Lei) à vista de todo o povo, pois achava-se num lugar elevado, acima da multidão. Quando o escriba abriu o livro, todo o povo se levantou. Então, Esdras bendisse o Senhor, o grande Deus, e e todo o povo respondeu, levantando as mãos: “Amém, amém!”» (Ne 8,5-6).

Por conseguinte, desde os primórdios o «amém» da liturgia judaica tornou-se o «amém» das primeiras comunidades cristãs. E o livro da liturgia cristã por excelência, o Apocalipse de São João, começa com o «amém» da Igreja: «Àquele que nos ama e nos purificou dos nossos pecados com o seu sangue, e fez de nós um reino, sacerdotes para Deus e seu Pai; a Ele sejam dadas a glória e o poder, pelos séculos dos séculos. Amém!» (Ap 1,5-6). Assim se lê no primeiro capítulo do Apocalipse. E o mesmo livro termina com esta invocação: «Amém, vem Senhor Jesus!» (Ap 22,21).

Estimados amigos, a oração é o encontro com uma Pessoa viva que deve ser ouvida e com a qual dialogar; é o encontro com Deus que renova a sua fidelidade inabalável, o seu «sim» ao homem, a cada um de nós, para nos doar a sua consolação no meio das tempestades da vida e para nos levar a viver, unidos a Ele, uma existência cheia de alegria e de bem, que encontrará o seu cumprimento na vida eterna.

Na nossa oração somos chamados a dizer «sim» a Deus, a responder com este «amém» da adesão, da fidelidade a Ele de toda a nossa vida. Esta fidelidade nunca a podemos conquistar com as nossas próprias forças, não é apenas fruto do nosso compromisso quotidiano; ela vem de Deus e está fundada no «sim» de Cristo, que afirma: o meu alimento é cumprir a vontade do Pai (cf. Jn 4,34). É neste «sim» que devemos entrar, entrar neste «sim» de Cristo, na adesão à vontade de Deus, para chegar a afirmar com são Paulo que já não somos nós que vivemos, mas é o próprio Cristo que vive em nós. Então, o «amém» da nossa oração pessoal e comunitária envolverá e transformará toda a nossa vida de consolação de Deus, uma vida mergulhada no Amor eterno e inabalável. Obrigado!

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, em particular os participantes no curso de formação dos Capuchinhos e demais grupos do Brasil e de Portugal: a todos dou as boas-vindas, encorajando os vossos passos a manterem-se firmes no caminho de Deus. Tomai por modelo a Virgem Mãe! Fez-Se serva do Senhor e tornou-Se a porta da vida, pela qual nos chega o Salvador. Com Ele, desça a minha Bênção sobre vós, vossas famílias e comunidades eclesiais.

Apelo

Os acontecimentos verificados nestes dias, acerca da Cúria e dos meus colaboradores, causaram tristeza no meu coração, mas nunca se ofuscou a certeza firme de que, não obstante a debilidade do homem, as dificuldades e as provas, a Igreja é guiada pelo Espírito Santo e o Senhor nunca lhe fará faltar a sua ajuda para a apoiar no seu caminho. Contudo, multiplicaram-se ilações, amplificadas por alguns meios de comunicação, totalmente gratuitas e que foram muito além dos factos, oferecendo uma imagem da Santa Sé que não corresponde à realidade. Por isso, desejo renovar a minha confiança e o meu encorajamento aos meus colaboradores mais directos e a todos os que, quotidianamente, com fidelidade, espírito de sacrifício e em silêncio, me ajudam no cumprimento do meu Ministério.




Praça de São Pedro

6 de Junho de 2012: Visita Pastoral à Arquidiocese de Milão - VII Encontro Mundial das Famílias

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Queridos irmãos e irmãs,

«A família: o trabalho e a festa»: foi este o tema do Sétimo Encontro Mundial das Famílias, que teve lugar nos dias passados em Milão. Ainda conservo nos meus olhos e no meu coração as imagens e as emoções deste acontecimento inesquecível e maravilhoso, que transformou Milão numa cidade das famílias: núcleos familiares provenientes do mundo inteiro, congregados pela alegria de acreditar em Jesus Cristo. Estou profundamente grato a Deus, que me concedeu viver este encontro «com» as famílias e «para» a família. Naqueles que me ouviram nesses dias encontrei uma disponibilidade sincera a acolher e a dar testemunho do «Evangelho da família». Sim, porque sem a família não existe futuro para a humanidade; de modo particular os jovens, para aprender os valores que conferem sentido à existência, que têm necessidade de nascer e de crescer naquela comunidade de vida e de amor que o próprio Deus desejou para o homem e para a mulher.

O encontro com as numerosas famílias provenientes dos diversos Continentes ofereceu a feliz oportunidade de visitar a Arquidiocese de Milão pela primeira vez como Sucessor de Pedro. Acolheram-me com grande estusiasmo — pelo qual estou profundamente grato — o Cardeal Angelo Scola, os presbíteros e todos os fiéis, assim como o Presidente da Câmara Municipal e as demais Autoridades. Deste modo, pude experimentar de perto a fé da população ambrosiana, rica de história, de cultura, de humanidade e de caridade diligente. Na praça da Catedral, símbolo e coração da Cidade teve lugar o primeiro encontro desta intensa visita pastoral de três dias. Não posso esquecer o abraço caloroso da multidão de milaneses e de participantes no VII Encontro Mundial das Famílias, que sucessivamente me acompanhou ao longo de todo o percurso da minha Visita, com as ruas apinhadas de gente. Uma multidão de famílias em festa, que com sentimentos de profunda participação se uniu em particular ao pensamento carinhoso e solidário que desejei dirigir imediatamente a quantos têm necessidade de ajuda e de alívio, e estão afligidos por diversas preocupações, de modo especial as famílias mais atingidas pela crise económicas, e as queridas populações vítimas do terramoto. Nesse primeiro encontro com a Cidade, desejei antes de tudo falar ao coração dos fiéis ambrosianos, exortando-os a viver a fé na sua experiência pessoal e comunitária, particular e pública, de modo a favorecer um autêntico «bem-estar», a partir da família, que deve ser redescoberta como património principal da humanidade. Do pináculo da Catedral, a estátua de Nossa Senhora com os braços abertos, parecia acolher com ternura maternal todas as famílias de Milão e do mundo inteiro!

Em seguida, Milão reservou-me uma saudação singular e nobre, num dos lugares mais sugestivos e significativos da Cidade, o Teatro «alla Scala» onde foram escritas páginas importantes da história do país, sob o impulso de grandes valores espirituais e ideais. Nesse templo da música, as notas da Nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven deram voz àquele modelo de universalidade e de fraternidade, que a Igreja volta a propor incansavelmente, anunciando o Evangelho. E foi precisamente ao contraste entre este ideal e os dramas da história, e à exigência de um Deus próximo, que compartilhe os nossos sofrimentos, que desejei fazer referência no final do concerto, dedicando-o aos numerosos irmãos e irmãs provados pelo terramoto. Sublinhei o facto de que, em Jesus de Nazaré, Deus se faz próximo e carrega connosco o nosso sofrimento. No final daquele intenso momento artístico e espiritual, quis fazer referência à família do terceiro milénio, recordando que é no seio da família que se experimenta pela primeira vez como a pessoa humana não é criada para viver fechada em si mesma, mas sim em relação com os outros; e é em família que se começa a acender no coração a luz da paz, para que se ilumine este nosso mundo.

No dia seguinte, na Catedral apinhada de sacerdotes, religiosos, religiosas e seminaristas, na presença de numerosos Cardeais e Bispos que chegaram a Milão provenientes de vários países do mundo, celebrei a Hora Terça, segundo a liturgia ambrosiana. Ali desejei reiterar o valor do celibato e da virgindade consagrada, tão querida ao grande santo Ambrósio. Na Igreja, celibato e virgindade constituem um sinal luminoso do amor a Deus e aos irmãos, que começa a partir de uma relação cada vez mais íntima com Cristo na oração e se expressa através do dom total de nós mesmos.

Depois, um momento cheio de grande entusiasmo foi o encontro realizado no estádio «Meazza», onde experimentei o abraço de uma multidão jubilosa de jovens e de moças que este ano receberam ou estão prestes a receber o Sacramento da Crisma. A preparação cuidadosa de tal manifestação, com textos e orações significativos, mas também com coreografias, tornou o encontro ainda mais estimulante. Aos jovens ambrosianos, dirigi o apelo a pronunciar um «sim» livre e consciente ao Evangelho de Jesus, acolhendo os dons do Espírito Santo que lhes permitem formar-se como cristãos, viver o Evangelho e ser membros activos da comunidade. Encorajei-os a estar comprometidos, de modo particular no estudo e no serviço generoso ao próximo.

O encontro com as representações da Autoridades institucionais, dos empresários e dos trabalhadores, do mundo da cultura e da educação da sociedade milanesa e lombarda permitiu-me pôr em evidência a importância de que a legislação e a obra das instituições estatais visem o serviço e a tutela da pessoa nos seus múltiplos aspectos, a começar pelo direito à vida, cuja supressão deliberada jamais pode ser permitida, e pelo reconhecimento da identidade própria da família, fundada sobre o matrimónio entre um homem e uma mulher.

Depois deste último encontro dedicado à realidade da Diocese e da Cidade, transferi-me para a grande área do parque Norte, no território de Bresso, onde participei na entusiasmante Festa dos Testemunhos, intitulada «One world, family, love». Ali tive a alegria de me encontrar com milhares de pessoas, um arco-íris de famílias italianas e do mundo inteiro, já reunidas desde as primeiras horas da tarde numa atmosfera de festa e de entusiasmo autenticamente familiar. Respondendo às perguntas de algumas famílias, interrogações brotadas da sua vida e das suas experiências, desejei oferecer um sinal do diálogo aberto que existe entre as famílias e a Igreja, entre o mundo e a Igreja. Fiquei muito impressionado com os testemunhos emocionantes de cônjuges e de filhos provenientes dos diversos Continentes, sobre os temas candentes dos nossos tempos: a crise económica, a dificuldade de reconciliar os tempos do trabalho com os tempos da família, o propagar-se de separações e divórcios, assim como interrogações existenciais que dizem respeito a adultos, jovens e crianças. Aqui gostaria de recordar o que afirmei em defesa do tempo da família, ameaçado por uma espécie de «prepotência» dos compromissos de trabalho: o domingo é o dia do Senhor e do homem, um dia em que todos devem poder ser livres, livres para a família e livres para Deus. Defendendo o domingo, defendemos também a liberdade do homem!

A Santa Missa celebrada no domingo 3 de Junho, conclusiva do VII Encontro Mundial das Famílias, contou com a participação de uma imensa assembleia orante, que apinhou completamente a área do aeroporto de Bresso, a qual se tornou praticamente uma grande catedral ao ar livre, inclusive graças à reprodução dos maravilhosos vitrais policromados da Catedral que sobressaíam no palco. Diante daquela miríade de fiéis, provenientes de diversas nações e profundamente partícipes na liturgia muito bem preparada, lancei um apelo a edificar comunidades eclesiais que sejam cada vez mais família, capazes de reflectir a beleza da Santíssima Trindade e de evangelizar não só com a palavra, mas mediante a irradiação, com a força do amor vivido, porque o amor é a única força que pode transformar o mundo. Além disso, salientei a importância da «tríade» família, trabalho e festa. Trata-se de três dons de Deus, três dimensões da nossa existência, que devem encontrar um equilíbrio harmonioso para construir sociedades com um rosto humano.

Sinto profunda gratidão por estas magníficas jornadas milanesas. Obrigado ao Cardeal Ennio Antonelli e ao Pontifício Conselho para a Família, bem como a todas as Autoridades, pela sua presença e colaboração em vista de tal evento; obrigado inclusive ao Presidente do Conselho dos Ministros da República Italiana, por ter participado na Santa Missa de Domingo. E renovo um «obrigado» cordial às várias instituições que cooperaram generosamente com a Santa Sé e com a Arquidiocese de Milão para a organização do Encontro, que teve um grande sucesso pastoral e eclesial, assim como um vasto eco no mundo inteiro. Com efeito, ele atraiu a Milão mais de um milhão de pessoas, que durante vários dias invadiram pacificamente as ruas da cidade, dando testemunho da beleza da família, esperança para a humanidade.

Deste modo, o Encontro Mundial das Famílias de Milão foi uma eloquente «epifania» da família, que se manifestou na variedade das suas expressões, mas inclusive na unicidade da sua identidade substancial: a de uma comunhão de amor, fundamentada sobre o matrimónio e chamada a ser santuário da vida, pequena igreja, célula da sociedade. De Milão foi lançada ao mundo inteiro uma mensagem de esperança, enriquecida de experiência vividas: é possível e jubiloso, embora seja exigente, viver o amor fiel «para sempre», aberto à vida; é possível participar como famílias na missão da Igreja e na construção da sociedade. Graças à ajuda de Deus e à salvaguarda especial de Maria Santíssima, Rainha da Família, a experiência vivida em Milão seja portadora de frutos abundantes para o caminho da Igreja, e constitua o auspício de uma atenção mais acentuada à causa da família, que é a causa do próprio homem e da civilização. Obrigado!

Saudação

Saúdo com grande afeto e alegria todos os peregrinos lusófonos, de modo especial a quantos vieram de Angola e do Brasil com o desejo de encontrar o Sucessor de Pedro. Desça a minha bênção sobre vós, vossas famílias e comunidades ao serviço do menor, dos mais pequeninos e necessitados.


Sala Paulo VI

Quarta-feira, 13 de Junho de 2012

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Amados irmãos e irmãs

O encontro quotidiano com o Senhor e a frequência dos Sacramentos permitem abrir a nossa mente e nosso coração à sua presença, às suas palavras e à sua acção. A oração não é apenas o respiro da alma mas, para usar uma imagem, é também o oásis de paz no qual podemos ir buscar a água que alimenta a nossa vida espiritual e transforma a nossa existência. E Deus atrai-se a Si, faz-nos subir ao monte da santidade, para estarmos cada vez mais próximos dele, oferecendo-nos luz e conforto ao longo do caminho. Esta é a experiência pessoal à qual são Paulo faz referência no capítulo 12 da segunda Carta aos Coríntios, sobre o qual desejo meditar hoje. Diante de quantos contestavam a legitimidade do seu apostolado, não enumera as comunidades que fundou e os quilómetros que percorreu; não se limita a recordar as dificuldades e as oposições que enfrentou para anunciar o Evangelho, mas indica a sua relação com o Senhor, uma relação tão intensa a ponto de ser caracterizada também por momentos de êxtase, de contemplação profunda (cf.
2Co 12,1); portanto, não se exalta com aquilo que ele fez, com a sua força, com as suas actividades e os seus sucessos, mas orgulha-se pela acção que Deus realizou nele e através dele. Com efeito, narra com grande pudor o momento em que viveu a experiência particular de ser arrebatado até ao Céu de Deus. Ele recorda que catorze anos antes do envio da Carta «foi arrebatado — como diz — até ao terceiro Céu» (v. 2Co 12,2). Com a linguagem e os modos de quem narra o que não se pode descrever, são Paulo chega a falar sobre tal acontecimento em terceira pessoa; afirma que um homem foi arrebatado no «jardim» de Deus, no Paraíso. A contemplação é tão profunda e intensa, que o Apóstolo nem consegue recordar os conteúdos da revelação recebida, mas tem em mente a data e as circunstâncias em que o Senhor o arrebatou de forma total, atraindo-o a Si como fizera no caminho de Damasco, no momento da sua conversão (cf. Ph 3,12).

São Paulo continua dizendo que, precisamente para não se encher de orgulho pela grandeza das revelações recebidas, ele tem em si um «espinho» (2Co 12,7), um sofrimento, e suplica com vigor ao Ressuscitado para ser libertado do enviado do Maligno, desse espinho doloroso na carne. Pede insistentemente três vezes — refere ele — ao Senhor que o afaste dessa prova. E é em tal situação que, na contemplação profunda de Deus, durante a qual «ouviu palavras inefáveis, que não é permitido a qualquer homem pronunciar» (v. 2Co 12,4), recebe uma resposta à sua súplica. O Ressuscitado dirige-lhe uma palavra clara e tranquilizadora: «Basta-te a minha graça, porque a força se manifesta na fraqueza» (v. 2Co 12,9).

O comentário de são Paulo a estas palavras pode deixar-nos admirados, mas revela como ele compreendeu o que significa ser verdadeiramente apóstolo do Evangelho. Com efeito, exclama assim: «De bom grado, portanto, prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo. Por isso me comprazo nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias, por Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte» (vv. 2Co 12,9-10), ou seja, não se gloria das suas obras, mas da actividade de Cristo que age precisamente na sua debilidade. Meditemos mais um momento sobre este acontecimento ocorrido durante os anos em que são Paulo viveu em silêncio e em contemplação, antes de começar a percorrer o Ocidente para anunciar Cristo, porque esta atitude de profunda humildade e confiança perante o manifestar-se de Deus é fundamental também para a nossa oração e para a nossa vida, para a nossa relação com Deus e com as nossas fragilidades.

Antes de tudo, de que fragilidade fala o apóstolo? O que é este «espinho» na carne? Não o sabemos e não o diz, mas a sua atitude faz compreender que cada dificuldade no seguimento de Cristo e no testemunho do seu Evangelho pode ser superada, abrindo-se com confiança à intervenção do Senhor. São Paulo está bem consciente de ser um «servo inútil» (Lc 17,10) — não foi ele que realizou maravilhas, mas foi o Senhor — um «vaso de barro» (2Co 4,7), em que Deus coloca a riqueza e o poder da sua Graça. Nesse momento de intensa oração contemplativa, são Paulo compreende com clareza como enfrentar e viver cada acontecimento, principalmente o sofrimento, a dificuldade e a perseguição: no momento em que se experimenta a própria debilidade, manifesta-se o poder de Deus, que não nos abandona, não nos deixa sozinhos, mas torna-se sustento e força. Sem dúvida, são Paulo teria preferido ser libertado desse «espinho», desse sofrimento; mas Deus diz: «Não, isto é necessário para ti! Receberás a graça suficiente para resistir e para realizar quanto deve ser feito». Isto é válido também para nós. O Senhor não nos liberta dos males, mas ajuda-nos a amadurecer nos sofrimentos, nas dificuldades e nas perseguições. Portanto, a fé diz-nos que, se permanecermos em Deus, «se em nós o homem exterior vai caminhando para a ruína, se existem muitas dificuldades, contudo o homem interior renova-se, amadurece dia após dia, precisamente nas provações» (cf. 2Co 4,16). O apóstolo comunica aos cristãos de Corinto, e também a nós, que «a nossa momentânea e leve tribulação proporciona-nos um peso eterno de glória, além de toda e qualquer medida» (v. 2Co 4,17). Na realidade, humanamente falando, não era leve o peso das dificuldades, era gravíssimo; mas em comparação com o amor de Deus, com a grandeza do ser amado por Deus, parece leve, sabendo que a quantidade da glória será incomensurável. Portanto, na medida em que aumenta a nossa união com o Senhor e se faz intensa a nossa oração, também nós vamos ao essencial e compreendemos que não é o poder dos nossos meios, das nossas virtudes e das nossas capacidades que realiza o Reino de Deus, mas é Deus que realiza maravilhas precisamente através da nossa debilidade, da nossa inadequação ao encargo. Por conseguinte, devemos ter a humildade de não confiar simplesmente em nós mesmos, mas de trabalhar na vinha do Senhor, com a ajuda do Senhor, confiando-nos a Ele como frágeis «vasos de barro».

São Paulo menciona duas revelações particulares que mudaram radicalmente a sua vida. A primeira — sabemo-lo — é a pergunta perturbante no caminho de Damasco: «Saulo, Saulo, por que me persegues?» (Ac 9,4), interrogação que o levou a descobrir e encontrar Cristo vivo e presente, e a sentir a sua chamada a ser apóstolo do Evangelho. A segunda são as palavras que o Senhor lhe dirigiu na experiência de oração contemplativa sobre a qual continuamos a meditar: «Basta-te a minha graça, porque a força se manifesta plenamente na fraqueza». Só a fé, o confiar na acção de Deus, na bondade de Deus que não nos abandona, é a garantia de não trabalhar em vão. Assim, a Graça do Senhor foi a força que acompanhou são Paulo nas dificuldades enormes para propagar o Evangelho, e o seu coração penetrou no Coração de Cristo, tornando-se capaz de conduzir os outros rumo Àquele que morreu e ressuscitou por nós.

Portanto, na oração nós abrimos a nossa alma ao Senhor a fim de que Ele venha habitar a nossa debilidade, transformando-a em força para o Evangelho. E é rico de significado também o verbo grego com que são Paulo descreve este habitar do Senhor na sua humanidade frágil; usa episkenoo, que poderíamos traduzir como «montar a própria tenda». O Senhor continua a montar a sua tenda em nós, no meio de nós: é o Mistério da Encarnação. O próprio Verbo divino, que veio habitar na nossa humanidade, quer habitar em nós, montar em nós a sua tenda, para iluminar e transformar a nossa vida e o mundo.

A contemplação intensa de Deus experimentada por são Paulo evoca a dos discípulos no monte Tabor quando, vendo Jesus transfigurar-se e resplandecer de luz, Pedro disse: «Mestre, é bom estarmos aqui; façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias» (Mc 9,5). «Não sabia o que dizer, pois estavam assombrados», acrescenta são Marcos (v. Mc 9,6). Contemplar o Senhor é, ao mesmo tempo, fascinante e tremendo: fascinante, porque Ele nos atrai a Si e arrebata o nosso coração rumo ao alto, levando-o à sua altura onde experimentamos a paz, a beleza do seu amor; tremendo, porque revela a nossa debilidade humana, a nossa inadequação, o cansaço de vencer o Maligno que ameaça a nossa vida, aquele espinho cravado na nossa carne. Na oração, na contemplação quotidiana do Senhor, nós recebemos a força do amor de Deus e sentimos que são verdadeiras as palavras de são Paulo aos cristãos de Roma, onde escreveu: «Estou certo de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades nem a altura, nem a profundidade nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor» (Rm 8,38-39).

Num mundo em que corremos o risco de confiar unicamente na eficiência e no poder dos instrumentos humanos, neste mundo somos chamados a redescobrir e dar testemunho do poder de Deus que se comunica na oração, com a qual crescemos todos os dias na conformação da nossa vida com a de Cristo que — como Paulo afirma — «foi crucificado na sua fraqueza, mas agora está vivo pelo poder de Deus. Nós também somos fracos nele, mas viveremos com Ele pelo poder de Deus que age em vós» (2Co 13,4).

Caros amigos, no século passado Albert Schweitzer, teólogo protestante e prémio Nobel da paz, afirmava que «Paulo é um místico, e nada mais que um místico», ou seja, um homem verdadeiramente apaixonado por Cristo, e assim unido a Ele, a ponto de poder dizer: Cristo vive em mim. A mística de são Paulo não se funda unicamente nos acontecimentos extraordinários por ele vividos, mas também na relação quotidiana e intensa com o Senhor, que sempre o sustentou com a sua Graça. A mística não o afastou da realidade mas, ao contrário, deu-lhe a força de viver cada dia para Cristo e de construir a Igreja daquela época até ao fim do mundo. A união com Deus não afasta do mundo, mas confere-nos a força para permanecer realmente no mundo, para fazer quanto se deve realizar no mundo. Portanto, também na nossa vida de oração talvez possamos ter momentos de intensidade particular, nos quais sentimos mais viva a presença do Senhor, mas são importantes a constância e a fidelidade da relação com Deus, sobretudo nas situações de aridez, de dificuldade, de sofrimento e de ausência aparente de Deus. Somente se formos arrebatados pelo amor de Cristo, seremos capazes de enfrentar cada adversidade como Paulo, persuadidos de que tudo podemos naquele que nos dá a força (cf. Ph 4,13). Por conseguinte, quanto mais espaço reservarmos à oração, tanto mais veremos que a nossa vida se transformará e será animada pela força concreta do amor de Deus. Assim aconteceu, por exemplo, com a beata Madre Teresa de Calcutá, que na contemplação de Jesus e precisamente também em épocas de longa aridez, encontrava a razão última e a força incrível para o reconhecer nos pobres e nos abandonados, não obstante a sua figura frágil. A contemplação de Cristo na nossa vida não nos afasta — como eu já disse — da realidade, mas torna-nos ainda mais partícipes das vicissitudes humanas porque o Senhor, atraindo-nos a Si na oração, permite que nos tornemos presentes e próximos de cada irmão no seu amor. Obrigado!

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, de coração vos saúdo a todos, em particular ao grupo jovem de voluntariado animado pelos Salesianos de Macau e aos grupos brasileiros de Foz do Iguaçu e de Florianópolis: abri os vossos corações ao Senhor e dedicai as vossas vidas ao Reino de Deus, que cresce na terra com o vosso serviço a favor dos mais desfavorecidos. O Senhor vos confirme no bem, com a sua graça! Em penhor da mesma, desça sobre vós, vossas famílias e comunidades cristãs a minha Bênção.


Sala Paulo VI

Quarta-feira, 20 de Junho de 2012


Audiências 2005-2013 30512