Audiências 2005-2013 24310

24 de Março de 2010: Santo Alberto Magno

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Estimados irmãos e irmãs!

Um dos maiores mestres da teologia medieval é Santo Alberto Magno. O título de "grande" (magnus), com o qual ele passou para a história, indica a vastidão e a profundidade da sua doutrina, que ele associou à santidade da vida. Mas já os seus contemporâneos não hesitavam em atribuir-lhe títulos excelentes; um dos seus discípulos, Ulrico de Estrasburgo, definiu-o "enlevo e milagre da nossa época".

Nasceu na Alemanha, no início do século XIII, e ainda muito jovem partiu para a Itália, Pádua, sede de uma das mais famosas universidades da Idade Média. Dedicou-se ao estudo das chamadas "artes liberais": gramática, retórica, dialéctica, aritmética, geometria, astronomia e música, ou seja, da cultura geral, manifestando aquele interesse típico pelas ciências naturais, que depressa se teria tornado o campo predilecto da sua especialização. Durante a permanência em Pádua, frequentou a igreja dos Dominicanos, aos quais se uniu depois com a profissão dos votos religiosos. As fontes hagiográficas deixam compreender que Alberto amadureceu gradualmente esta decisão. A intensa relação com Deus, o exemplo de santidade dos Padres dominicanos, a escuta dos sermões do Beato Jordão da Saxónia, sucessor de São Domingos na chefia da Ordem dos Pregadores, foram os factores decisivos que o ajudaram a superar todas as dúvidas, vencendo também resistências familiares. Com frequência, nos anos da juventude, Deus fala-nos e indica-nos o desígnio da nossa vida. Como para Alberto, também para todos nós a oração pessoal alimentada pela Palavra do Senhor, a frequência dos Sacramentos e a direcção espiritual de homens iluminados são os meios para descobrir e seguir a voz de Deus. Recebeu o hábito religioso das mãos do Beato Jordão da Saxónia.

Depois da ordenação sacerdotal, os Superiores destinaram-no ao ensino em vários centros de estudos teológicos anexos aos conventos dos Padres Dominicanos. As brilhantes qualidades intelectuais permitiram-lhe aperfeiçoar o estudo da teologia na universidade mais célebre dessa época, a de Paris. A partir de então, Santo Alberto empreendeu aquela extraordinária actividade de escritor, que depois teria continuado durante toda a vida.

Foram-lhe confiadas tarefas prestigiosas. Em 1248, foi encarregado de abrir um estúdio teológico em Colónia, uma das capitais mais importantes da Alemanha, onde ele viveu durante vários períodos, e que se tornou a sua cidade de adopção. De Paris, levou consigo para Colónia um discípulo extraordinário, Tomás de Aquino. Só o mérito de ter sido mestre de S. Tomás seria suficiente para nutrir profunda admiração por Santo Alberto. Entre estes dois grandes teólogos instaurou-se um relacionamento de estima e amizade recíproca, atitudes humanas que contribuem muito para o desenvolvimento da ciência. Em 1254, Alberto foi eleito Provincial da "Provincia Teutoniae" – teutónica – dos Padres Dominicanos, que incluía comunidades difundidas num vasto território da Europa Central e do Norte. Ele distinguiu-se pelo zelo com que exerceu tal ministério, visitando as comunidades e exortando constantemente os irmãos de hábito à fidelidade, aos ensinamentos e aos exemplos de São Domingos.

Os seus dotes não passaram despercebidos ao Papa daquela época, Alexandre iv, que quis Alberto por um certo período ao seu lado em Anagni – aonde os Papas iam com frequência – também em Roma e em Viterbo, para se valer da sua consulta teológica. O mesmo Sumo Pontífice nomeou-o Bispo de Regensburg, uma diocese grande e famosa, que contudo se encontrava num momento difícil. De 1260 a 1262, Alberto desempenhou este ministério com dedicação incansável, conseguindo levar paz e concórdia à cidade, reorganizar paróquias e conventos, e dar um novo impulso às actividades caritativas.

Nos anos de 1263-1264 Alberto pregava na Alemanha e na Boémia, encarregado pelo Papa Urbano IV, para voltar depois para Colónia e retomar a sua missão de docente, estudioso e escritor. Dado que era um homem de oração, ciência e caridade, gozava de grande autoridade nas suas intervenções, em várias vicissitudes da Igreja e da sociedade do tempo: foi sobretudo homem de reconciliação e de paz em Colónia, onde o Arcebispo tinha entrado em dura oposição com as instituições municipais; prodigalizou-se durante a realização do II Concílio de Lião, em 1274, convocado pelo Papa Gregório X para favorecer a união entre as Igrejas latina e grega, depois da separação do grande cisma do Oriente, de 1054; ele esclareceu o pensamento de Tomás de Aquino, que tinha sido alvo de objecções e até de condenações, totalmente injustificáveis.

Faleceu na cela do seu convento da Santa Cruz em Colónia, em 1280, e foi imediatamente venerado pelos seus irmãos de hábito. A Igreja propô-lo ao culto dos fiéis com a beatificação, em 1622, e com a canonização, em 1931, quando o Papa Pio XI o proclamou Doutor da Igreja. Tratava-se de um reconhecimento indubitavelmente apropriado a este grande homem de Deus e insigne estudioso, não apenas das verdades da fé, mas de muitíssimos outros sectores do saber; com efeito, observando os títulos das suas numerosíssimas obras, damo-nos conta de que a sua cultura possui algo de prodigioso, e que os seus interesses enciclopédicos o levaram a ocupar-se não só de filosofia e de teologia, como outros contemporâneos, mas também de todas as outras disciplinas então conhecidas, da física à química, da astronomia à mineralogia, da botânica à zoologia. Por este motivo, o Papa Pio XII nomeou-o padroeiro dos cultores das ciências naturais e é chamado também "Doctor universalis", precisamente pela vastidão dos seus interesses e do seu saber.

Sem dúvida, os métodos científicos utilizados por Santo Alberto Magno não são aqueles que se teriam afirmado ao longo dos séculos seguintes. O seu método consistia simplesmente na observação, na descrição e na classificação dos fenómenos estudados, mas assim abriu a porta aos trabalhos futuros.

Ele ainda tem muito para nos ensinar. Sobretudo, Santo Alberto demonstra que entre fé e ciência não existe oposição, não obstante alguns episódios de incompreensão que se verificaram na história. Um homem de fé e de oração, como foi Santo Alberto Magno, pode cultivar tranquilamente o estudo das ciências naturais e progredir no conhecimento do microcosmos e do macrocosmos, descobrindo as leis próprias da matéria, porque tudo isto concorre para alimentar a sede e o amor de Deus. A Bíblia fala-nos da criação como da primeira linguagem através da qual Deus – que é suma inteligência, que é Logos – nos revela algo de si mesmo. O livro da Sabedoria, por exemplo, afirma que os fenómenos da natureza, dotados de grandeza e beleza, são como as obras de um artista, através das quais, por analogia, nós podemos conhecer o Autor da criação (cf.
Sg 13,5). Com uma similitude clássica na Idade Média e no Renascimento pode-se comparar o mundo natural com um livro escrito por Deus, que nós lemos com base nas diferentes abordagens das ciências (cf. Discurso aos participantes na Sessão Plenária da Pontifícia Academia das Ciências, 31 de Outubro de 2008). Com efeito, quantos cientistas, no sulco de Santo Alberto Magno, fizeram progredir as suas investigações inspirados pelo enlevo e pela gratidão diante do mundo que, aos seus olhos de estudiosos e de crentes, parecia e parece a obra boa de um Criador sábio e amoroso! O estudo científico transforma-se, então, num hino de louvor. Compreendeu-o bem um grande astrofísico dos nossos tempos, cuja causa de beatificação foi iniciada, Enrico Medi, que escreveu: "Oh, vós misteriosas galáxias... eu vejo-vos, calculo-vos, entendo-vos, estudo-vos e descubro-vos, penetro-vos e reúno-vos. De vós tomo a luz e dela faço ciência, tomo o movimento e faço dele sabedoria, tomo o brilho das cores e dele faço poesia; tomo-vos, a vós estrelas, nas minhas mãos e, tremendo na unidade do meu ser, elevo-vos acima de vós mesmas, e em oração apresento-vos ao Criador, que somente através de mim vós estrelas podeis adorar" (Le opere, Inno alla creazione).

Santo Alberto Magno recorda-nos que entre ciência e fé existe amizade, e que os homens de ciência podem percorrer, através da sua vocação para o estudo da natureza, um autêntico e fascinante percurso de santidade.

A sua extraordinária abertura de mente revela-se também uma realização cultural, que ele empreendeu com sucesso, ou seja, o acolhimento e a valorização do pensamento de Aristóteles. Com efeito, na época de Santo Alberto estava-se a difundir o conhecimento de numerosas obras deste grande filósofo grego, que viveu no século IV antes de Cristo, sobretudo no âmbito da ética e da metafísica. Elas demonstravam a força da razão, explicavam com lucidez e clareza o sentido e a estrutura da realidade, a sua inteligibilidade, o valor e a finalidade das obras humanas. Santo Alberto Magno abriu a porta para a recepção completa da filosofia de Aristóteles na filosofia e teologia medieval, uma recepção elaborada depois de modo definitivo por S. Tomás. Esta recepção de uma filosofia, digamos, pagã pré-cristã, foi uma autêntica revolução cultural para aquela época. E no entanto, muitos pensadores cristãos temiam a filosofia de Aristóteles, a filosofia não cristã, sobretudo porque ela, apresentada pelos seus comentadores árabes, tinha sido interpretada de modo que parecia, pelo menos sob alguns pontos, totalmente irreconciliável com a fé cristã. Isto é, apresentava-se um dilema: fé e razão estão em contraste entre si, ou não?

Eis um dos grandes méritos de Santo Alberto: com rigor científico, ele estudou as obras de Aristóteles, convencido de que tudo aquilo que é realmente racional é compatível com a fé revelada nas Sagradas Escrituras. Em síntese, Santo Alberto Magno contribuiu assim para a formação de uma filosofia autónoma, distinta da teologia e a ela vinculada só pela unidade da verdade. Assim nasceu, no século XIII, uma clara distinção entre estes dois saberes, filosofia e teologia que, em diálogo entre si, cooperam harmoniosamente para a descoberta da autêntica vocação do homem, sequioso de verdade e de bem-aventurança: e é sobretudo a teologia, definida por Santo Alberto "ciência afectiva", aquela que indica ao homem a sua vocação à alegria eterna, um júbilo que brota da plena adesão à verdade.

Santo Alberto foi capaz de comunicar estes conceitos de modo simples e compreensível. Autêntico filho de São Domingos, pregava de bom grado ao povo de Deus, que permanecia conquistado pela sua palavra e pelo exemplo da sua vida.

Caros irmãos e irmãs, oremos ao Senhor a fim de que na Igreja nunca venham a faltar teólogos doutos, piedosos e sábios, como Santo Alberto Magno, e ajude cada um de nós a fazer nossa a "fórmula da santidade" que ele seguiu na sua vida: "Desejar tudo aquilo que eu quero para a glória de Deus, como Deus deseja para a sua glória tudo o que Ele quer", ou seja, conformar-se sempre com a vontade de Deus para desejar e fazer tudo unicamente e sempre pela sua glória.

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha cordial saudação no Senhor Jesus! Como penhor da graça salvadora que Ele nos mereceu com a sua Cruz, desça sobre vós e vossas famílias a minha Bênção. Vivei em paz e encorajai-vos mutuamente no caminho da santidade. E o Deus do amor e da paz estará convosco!






Praça de São Pedro

31 de Março de 2010: Tríduo Pascal

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Queridos irmãos e irmãs!

Estamos a viver os dias santos que nos aproximam da meditação dos acontecimentos centrais da nossa Redenção, o núcleo essencial da nossa fé. Começa amanhã o Tríduo pascal, fulcro de todo o ano litúrgico, no qual somos chamados ao silêncio e à oração para contemplar o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor.

Nas homilias os Padres referem-se com frequência a estes dias que, como observa Santo Anastásio numa das suas Cartas Pascais, nos introduzem "naquele tempo que nos faz conhecer um novo início, o dia da Santa Páscoa, na qual o Senhor se imolou" (Carta 5, 1-2: ).
Portanto, exorto-vos a viver intensamente estes dias para que eles orientem decididamente a vida de cada um para a adesão generosa e convicta a Cristo, morto e ressuscitado por nós.

A Santa Missa Crismal, prelúdio matutino da Quinta-Feira Santa, verá amanhã de manhã reunidos os presbíteros com o seu Bispo. Durante uma significativa celebração eucarística, que tem lugar normalmente nas Catedrais diocesanas, serão abençoados o óleo dos enfermos, dos catecúmenos e o Crisma. Além disso, o Bispo e os Presbíteros, renovarão as promessas sacerdotais pronunciadas no dia da Ordenação. Gesto que este ano assume um realce totalmente especial, porque se insere no âmbito do Ano sacerdotal, que proclamei para comemorar o 150º aniversário da morte do Santo Cura d'Ars. A todos os sacerdotes gostaria de repetir os votos que formulei na conclusão da Carta de proclamação: "A exemplo do Santo Cura d'Ars, deixai-vos conquistar por Cristo e sereis também vós, no mundo de hoje, mensageiros de esperança, de reconciliação e de paz!".

Amanhã à tarde celebraremos o momento institutivo da Eucaristia. O Apóstolo Paulo, escrevendo aos Coríntios, confirmava os primeiros cristãos na verdade do mistério eucarístico, comunicando-lhes quanto ele mesmo tinha ouvido: "O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão e, depois de ter dado graças, partiu-o e disse: "Este é o meu corpo, entregue por vós; fazei isto em memória de mim". De igual modo, depois da ceia, tomou o cálice, dizendo: "Este é o cálice da nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que dele beberdes, em minha memória"" (
1Co 11,23-25). Estas palavras manifestam com clareza a intenção de Cristo: sob as espécies do pão e do vinho, Ele torna-se presente de modo real com o seu corpo oferecido e com o seu sangue derramado como sacrifício da Nova Aliança. Ao mesmo tempo, Ele constitui os Apóstolos e os seus sucessores ministros deste sacramento, que entrega à sua Igreja como prova suprema do seu amor.

Além disso, recordaremos ainda, com um rito sugestivo o gesto de Jesus que lava os pés aos Apóstolos (cf. Jn 13,1-25). Este acto torna-se para o evangelista a representação de toda a vida de Jesus e revela o seu amor até ao fim, um amor infinito, capaz de habilitar o homem à comunhão com Deus e de o tornar livre. No final da liturgia da Quinta-Feira Santa, a Igreja coloca de novo o Santíssimo Sacramento num lugar prepositadamente preparado, que representa a solidão do Getsémani e a angústia mortal de Jesus. Diante da Eucaristia, os fiéis contemplam Jesus na hora da sua solidão e rezam para que cessem todas as solidões do mundo. Este caminho litúrgico é, de igual modo, convite a procurar o encontro íntimo com o Senhor na oração, a reconhecer Jesus entre aqueles que estão sozinhos, a vigiar com ele e a sabê-lo proclamar luz da própria vida.

Na Sexta-Feira Santa faremos memória da paixão e da morte do Senhor. Jesus quis oferecer a sua vida em sacrifício pela remissão dos pecados da humanidade, escolhendo para esta finalidade a morte mais cruel e humilhante: a crucifixão. Existe uma relação inseparável entre a Última Ceia e a morte de Jesus. Na primeira Jesus oferece o seu Corpo e o seu Sangue, isto é, a sua existência terrena, oferece-se a si mesmo, antecipando a sua morte e transformando-a num acto de amor. Assim a morte que, por sua natureza, é o fim, a destruição de qualquer relação, é por ele tornada um acto de comunicação de si, instrumento de salvação e proclamação da vitória do amor. Deste modo, Jesus torna-se a chave para compreender a Última Ceia que é antecipação da transformação da morte violenta em sacrifício voluntário, em acto de amor que redime e salva o mundo.

O Sábado Santo é caracterizado por um grande silêncio. As Igrejas estão despojadas e não são previstas particulares liturgias. Neste tempo de expectativa e de esperança, os crentes são convidados à oração, à reflexão e à conversão, também através do sacramento da reconciliação, para poder participar, intimamente renovados, na celebração da Páscoa.

Na noite do Sábado Santo, durante a solene Vigília Pascal, "mãe de todas as vigílias", este silêncio será rompido pelo cântico do Aleluia, que anuncia a ressurreição de Cristo e proclama a vitória da luz sobre as trevas, da vida sobre a morte. A Igreja rejubilará no encontro com o seu Senhor, entrando no dia da Páscoa que o Senhor inaugura ressuscitando dos mortos.

Amados irmãos e irmãs, disponhamo-nos para viver intensamente este Tríduo Santo já iminente, para sermos cada vez mais profundamente inseridos no Mistério de Cristo, morto e ressuscitado por nós. Acompanhe-nos neste itinerário espiritual a Virgem Santíssima. Ela, que seguiu Jesus na sua paixão e esteve presente aos pés da Cruz, nos introduza no mistério pascal, para que possamos experimentar a alegria e a paz do Ressuscitado.

Com estes sentimentos, retribuo desde já os mais cordiais bons votos de santa Páscoa a todos vós, fazendo-os extensivos às vossas Comunidades e a todas as pessoas queridas.

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa e de modo especial vós jovens universitários vindos para o UNIV: a todos dou as boas vindas, desejando uma participação frutuosa nas referidas celebrações que possa conduzir-vos a uma comunhão cada vez mais intensa com o Mistério de Cristo. Que Deus vos abençoe! Ide em paz!

                                                                                      



Praça de São Pedro

7 de Abril de 2010: A oitava de Páscoa

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Queridos irmãos e irmãs!

A habitual Audiência geral da quarta-feira está hoje inundada pela alegria luminosa da Páscoa. De facto, nestes dias a Igreja celebra o mistério da Ressurreição e experimenta a grande alegria que lhe provém da boa nova do triunfo de Cristo sobre o mal e sobre a morte. Uma alegria que se prolonga não só na Oitava de Páscoa, mas que se propaga por cinquenta dias até ao Pentecostes. Depois do choro e do temor da Sexta-Feira Santa, e após o silêncio cheio de expectativa do Sábado Santo, eis o anúncio maravilhoso: "Deveras o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!" (
Lc 24,34). Esta, em toda a história do mundo, é a "boa nova" por excelência, é o "Evangelho" anunciado e transmitido ao longo dos séculos, de geração em geração.

A Páscoa de Cristo é o acto supremo e insuperável do poder de Deus. É um acontecimento extraordinário, o fruto melhor e mais maduro do "mistério de Deus". É tão extraordinário, que se torna inenarrável naquelas suas dimensões que se furtam à nossa capacidade humana de conhecimento e de averiguação. E contudo ele é também um facto "histórico", real, testemunhado e documentado. É o acontecimento que funda toda a nossa fé. É o conteúdo central no qual cremos e o motivo principal pelo qual acreditamos.

O Novo Testamento não descreve a Ressurreição de Jesus no seu actuar-se. Refere apenas os testemunhos de quantos Jesus encontrou pessoalmente depois de ter ressuscitado. Os três Evangelhos sinópticos narram-nos que aquele anúncio – "Ressuscitou!" – é proclamado inicialmente por alguns anjos. É portanto um anúncio que tem origem em Deus; mas Deus confia-o imediatamente aos seus "mensageiros", para que o transmitam a todos. E assim são os próprios anjos que convidam as mulheres, que foram de manhã cedo ao sepulcro, a irem imediatamente dizer aos discípulos: "Ele ressuscitou dos mortos e vai preceder-vos a caminho da Galileia; lá O vereis" (Mt 28,7). Deste modo, mediante as mulheres do Evangelho, aquele mandato divino alcança todos e cada um para que, por sua vez, transmitam aos outros, com fidelidade e coragem, esta mesma notícia: uma notícia bela, jubilosa e portadora de alegria.

Sim, queridos amigos, toda a nossa fé se funda na transmissão constante e fiel desta "boa nova". E nós, hoje, queremos manifestar a Deus a nossa profunda gratidão pelas numerosas multidões de crentes em Cristo que nos precederam nos séculos, porque nunca faltaram ao seu mandato fundamental de anunciar o Evangelho que tinham recebido. A boa nova da Páscoa, por conseguinte, exige a obra de testemunhas entusiastas e corajosas. Cada discípulo de Cristo, também cada um de nós, é chamado a ser testemunha. É este o exacto, empenhativo e exaltante mandato do Senhor ressuscitado. A "notícia" da vida nova em Cristo deve resplandecer na vida do cristão, deve ser viva e activa em quem a anuncia, realmente capaz de mudar o coração, toda a existência. Ela é viva antes de tudo porque o próprio Cristo é a sua alma vivente e vivificante. Recorda-no-lo São Marcos no final do seu Evangelho, quando escreve que os Apóstolos "partiram e foram pregar por toda a parte, e o Senhor cooperava com eles, confirmando a sua Palavra com os milagres que a acompanhavam" (Mc 16,20).

A vicissitude dos Apóstolos é também a nossa e a de cada crente, de cada discípulos que se faz "anunciador". De facto, também nós temos a certeza que o Senhor, hoje como ontem, coopera com as suas testemunhas. Este é um facto que podemos reconhecer todas as vezes que vemos rebentar os germes de uma paz verdadeira e duradoura, onde o compromisso e o exemplo de cristãos e de homens de boa vontade é animado pelo respeito à justiça, pelo diálogo paciente, por estima convicta em relação aos outros, por abnegação, sacrifício pessoal e comunitário. Infelizmente vemos no mundo também tanto sofrimento, tanta violência e inúmeras incompreensões. A celebração do Mistério pascal, a contemplação jubilosa da Ressurreição de Cristo, que vence o pecado e a morte com a força do Amor de Deus é a ocasião propícia para redescobrir e professar com mais convicção a nossa confiança no Senhor ressuscitado, o qual acompanha as testemunhas da sua palavra realizando prodígios juntamente com eles. Seremos deveras e profundamente testemunhas de Jesus ressuscitado quando deixarmos transparecer em nós o prodígio do seu amor; quando nas nossas palavras e, mais ainda, nos nossos gestos, em total coerência com o Evangelho, se puder reconhecer a voz e a mão do próprio Jesus.

Portanto, em toda a parte, o Senhor envia-nos como suas testemunhas. Mas só o podemos ser a partir e em referência contínua com a experiência pascal, a que Maria de Magdala expressa anunciando aos outros discípulos: "Vi o Senhor" (Jn 20,18).Neste encontro pessoal com o Ressuscitado estão o fundamento inabalável e o conteúdo central da nossa fé, a nascente fresca e inexaurível da nossa esperança, o dinamismo fervoroso da nossa caridade. Assim a nossa própria vida cristã coincidirá plenamente com o anúncio: "Deveras, Cristo Senhor ressuscitou". Por isso, deixemo-nos conquistar pelo fascínio da Ressurreição de Cristo. A Virgem Maria nos ampare com a sua protecção e nos ajude a apreciar plenamente a alegria pascal, para que, por nossa vez, a saibamos levar a todos os nossos irmãos.

Mais uma vez, Boa Páscoa a todos!

Saudação

Queridos peregrinos vindos de Lisboa e demais localidades de língua portuguesa, a minha saudação amiga para todos vós, com votos duma boa continuação de santa Páscoa! Que o Ressuscitado seja sempre o centro da vossa fé, a fonte da vossa esperança e o dinamismo ardente da vossa caridade. Sobre vós e vossas famílias, desça a minha Bênção Apostólica.






Praça de São Pedro

14 de Abril de 2010: Munus docendi

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Queridos amigos!

Neste período pascal, que nos guia ao Pentecostes e nos prepara também para as celebrações de encerramento do Ano sacerdotal, que terão lugar nos dias 9, 10 e 11 de Junho próximo, apraz-me dedicar ainda algumas reflexões ao tema do Ministério ordenado, detendo-me sobre a realidade fecunda da configuração do sacerdote com Cristo Cabeça, no exercício dos tria munera que recebe, isto é, dos três ofícios de ensinar, santificar e governar.

Para entender o que significa agir in persona Christi Capitis – na pessoa de Cristo Cabeça por parte do sacerdote, e para compreender inclusive quais consequências derivam da tarefa de representar o Senhor, especialmente no exercício destes três ofícios, antes de tudo é preciso esclarecer o que se entende por "representação". O sacerdote representa Cristo. O que quer dizer, o que significa "representar" alguém? Na linguagem comum, quer dizer geralmente receber uma delegação de uma pessoa para estar presente no seu lugar, falar e agir no seu lugar, porque quem é representado está ausente da acção concreta. Perguntamo-nos: o sacerdote representa o Senhor do mesmo modo? A resposta é não, porque na Igreja Cristo nunca está ausente, a Igreja é o seu corpo vivo e a Cabeça da Igreja é Ele, presente e em acção nela. Cristo nunca está ausente, aliás está presente de um modo totalmente livre dos limites de espaço e tempo, graças ao evento da Ressurreição, que contemplamos de maneira especial neste período de Páscoa.

Portanto, o sacerdote que age in persona Christi Capitis e em representação do Senhor, nunca age em nome de um ausente, mas na própria Pessoa de Cristo Ressuscitado, que se torna presente com a sua acção realmente eficaz. Age de facto e realiza o que o sacerdote não poderia fazer: a consagração do vinho e do pão para que sejam realmente presença do Senhor, a absolvição dos pecados. O Senhor torna presente a sua própria acção na pessoa que realiza tais gestos. Estas três tarefas do sacerdote que a Tradição identificou nas diversas palavras de missão do Senhor: ensinar, santificar e governar na sua distinção e profunda unidade são uma especificação desta representação eficaz. São na verdade as três acções do Cristo Ressuscitado, o mesmo que hoje na Igreja e no mundo ensina e assim cria fé, reúne o seu povo, cria presença da verdade e constrói realmente a comunhão da Igreja universal; e santifica e guia.

A primeira tarefa sobre a qual gostaria de falar hoje é o munus docendi, isto é, ensinar. Hoje, em plena emergência educativa, o munus docendi da Igreja, exercido concretamente através do ministério de cada sacerdote, resulta particularmente importante. Vivemos numa grande confusão acerca das escolhas fundamentais da nossa vida e das interrogações sobre o que é o mundo, de onde vimos, para onde vamos, o que devemos fazer para fazer o bem, como devemos viver, quais são os valores realmente pertinentes. Em relação a tudo isto existem muitas filosofias contrastantes, que nascem e desaparecem, criando confusão sobre as decisões fundamentais, como viver, porque já não sabemos, comummente, do que e para que somos feitos e para onde vamos. Nesta situação realiza-se a palavra do Senhor, que teve compaixão da multidão porque eram como ovelhas sem pastor (cf.
Mc 6,34). O Senhor tinha feito esta constatação quando viu os milhares de pessoas que o seguiam no deserto porque, na diversidade das correntes daquele tempo, já não sabiam qual fosse o verdadeiro sentido da Escritura, o que dizia Deus. O Senhor, movido pela compaixão, interpretou a palavra de Deus, ele mesmo é a palavra de Deus, e assim deu uma orientação. Esta é a função in persona Christi do sacerdote: tornar presente, na confusão e na desorientação dos nossos tempos, a luz da palavra de Deus, a luz que é o próprio Cristo neste nosso mundo. Por conseguinte, o sacerdote não ensina as próprias ideias, uma filosofia que ele mesmo inventou, encontrou ou que gosta; o sacerdote não fala de si mesmo, não fala por si mesmo, talvez para criar admiradores ou um partido próprio; não diz coisas próprias, invenções suas mas, na confusão de todas as filosofias, o sacerdote ensina em nome de Cristo presente, propõe a verdade que é o próprio Cristo, a sua palavra, o seu modo de viver e de ir em frente. Para o sacerdote vale o que Cristo disse sobre si mesmo: "A minha doutrina não é minha" (Jn 7,16); isto é, Cristo não se propõe a si mesmo, mas, como Filho, é a voz, a palavra do Pai. Também o sacerdote deve sempre dizer e agir assim: "a minha doutrina não é minha, não difundo as minhas ideias ou o que me agrada, mas são boca e coração de Cristo e torno presente esta única e comum doutrina, que criou a Igreja universal e que cria vida eterna".

Este facto, que o sacerdote não inventa, não cria e não proclama ideias próprias porque a doutrina que anuncia não é sua, mas de Cristo, por outro lado, não significa que ele seja neutro, quase como um porta-voz que lê um texto do qual, talvez, nem se apropria. Também neste caso, vale o modelo de Cristo, que disse: Eu não sou para mim e não vivo para mim, mas venho do Pai e vivo para o Pai. Portanto, nesta identificação profunda, a doutrina de Cristo é a do Pai e Ele mesmo é um só com o Pai. O sacerdote que anuncia a palavra de Cristo, a fé da Igreja e não as próprias ideias, deve dizer também: Eu não vivo por mim e para mim, mas vivo com Cristo e para Cristo e portanto tudo aquilo que Cristo nos disse torna-se a minha palavra não obstante não seja minha. A vida do sacerdote deve identificar-se com Cristo e, deste modo, a palavra não própria torna-se, contudo, uma palavra profundamente pessoal. Santo Agostinho, sobre este tema, falando acerca dos sacerdotes, disse: "E nós o que somos? Ministros (de Cristo), seus servidores; porque o que distribuímos a vós não é nosso, mas tiramo-lo da sua despensa. E inclusive nós vivemos dela, porque somos servos como vós" (Discurso 229/e, 4).

O ensinamento que o sacerdote é chamado a oferecer, as verdades da fé, devem ser interiorizadas e vividas num intenso caminho espiritual pessoal, de forma que realmente o sacerdote entre numa profunda, interior comunhão com o próprio Cristo. O sacerdote crê, acolhe e procura viver, antes de tudo como próprio, quanto o Senhor ensinou e a Igreja transmitiu, naquele percurso de identificação com o próprio ministério do qual São João Maria Vianney é testemunha exemplar (cf. Carta para a proclamação do Ano sacerdotal). "Unidos na mesma caridade afirma ainda Santo Agostinho todos somos auditores daquele que é para nós no céu o único Mestre" (Enarr. in PS 131, 1, 7).

Por conseguinte, com frequência a voz do sacerdote poderia parecer "a de um que grita no deserto" (Mc 1,3), mas exactamente nisto consiste a sua força profética: em nunca ser homologado, nem homologável, a alguma cultura ou mentalidade dominante, mas em mostrar a única novidade capaz de produzir uma autêntica e profunda renovação do homem, ou seja, que Cristo é o Vivente, é o Deus próximo, o Deus que age na vida e para a vida do mundo e nos doa a verdade, o modo de viver.

Na preparação atenta da pregação festiva, sem excluir a dos dias úteis, no esforço de formação catequética, nas escolas, nas instituições académicas e, de modo especial, através daquele livro não escrito que é a própria vida, o sacerdote é sempre "professor", ensina. Mas não com a presunção de quem impõe as próprias verdades, mas com a humilde e jubilosa certeza de quem encontrou a Verdade, foi capturado e transformado por ela, e por conseguinte não pode deixar de a anunciar. Com efeito, ninguém pode escolher o sacerdócio por si mesmo, não é um modo para alcançar a segurança na vida, para conquistar uma posição social: ninguém pode obtê-lo nem procurá-lo sozinho. O sacerdócio é resposta ao chamamento do Senhor, à sua vontade, para se tornar anunciadores não de uma verdade pessoal, mas da sua verdade.

Queridos irmãos sacerdotes, o Povo cristão pede para escutar dos nossos mestres a genuína doutrina eclesial, através da qual se possa renovar o encontro com Cristo que doa a alegria, a paz e a salvação. A Sagrada Escritura, os escritos dos Padres e dos Doutores da Igreja e o Catecismo da Igreja Católica constituem, a este propósito, pontos de referência imprescindíveis no exercício do munus docendi, tão essencial para a conversão, o caminho de fé e a salvação dos homens. "Ordenação sacerdotal significa: estar imersos (...) na Verdade" (Homilia da Missa Crismal, 9 de Abril de 2009), aquela Verdade que não é simplesmente um conceito ou um conjunto de ideias a transmitir e assimilar, mas que é a Pessoa de Cristo, com a qual, pela qual e na qual viver e assim, necessariamente, nasce também a actualidade e a compreensão do anúncio. Só esta consciência de uma Verdade feita Pessoa na Encarnação do Filho justifica o mandato missionário: "Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a humanidade" (Mc 15,16). Só se se trata da Verdade ela está destinada a toda a humanidade, não é uma imposição de algo, mas a abertura do coração àquilo pelo qual se foi criado.

Queridos irmãos e irmãs, o Senhor confiou aos Sacerdotes uma grande tarefa: ser anunciadores da Sua Palavra, da Verdade que salva; ser a sua voz no mundo para levar aquilo que beneficia o bem verdadeiro das almas e o autêntico caminho de fé (cf. 1Co 6,12). São João Maria Vianney seja exemplo para todos os Sacerdotes. Ele era homem de grande sabedoria e heróica força ao resistir às pressões culturais e sociais do seu tempo para poder guiar as almas para Deus: simplicidade, fidelidade e proximidade eram as características essenciais da sua pregação, transparência da sua fé e da sua santidade. O Povo cristão era edificado e, como acontece para os autênticos mestres de todos os tempos, reconhecia nele a luz da Verdade. Em definitiva, reconhecia nele o que se deveria reconhecer sempre num sacerdote: a voz do Bom Pastor.

Apelo

O meu pensamento dirige-se à China e às populações atingidas por um forte terramoto, que causou numerosas perdas em vidas humanas, feridos e danos ingentes. Rezo pelas vítimas e estou espiritualmente próximo das pessoas provadas por tão graves calamidades; para elas imploro de Deus alívio no sofrimento e coragem nestas adversidades. Faço votos por que não venha a faltar a solidariedade comum.
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Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, sede bem-vindos! A todos saúdo com grande afeto e alegria, de modo especial a quantos vieram de do Brasil e de Portugal com o desejo de encontrar o Sucessor de Pedro. Desça a minha bênção sobre vós, vossas famílias e comunidades. Muito obrigado!






Praça de São Pedro

21 de Abril de 2010: Viagem Apostólica a Malta


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