Audiências 2005-2013 40810

4 de Agosto de 2010: São Tarcísio

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Prezados irmãos e irmãs

Desejo manifestar a minha alegria por estar hoje aqui no meio de vós, nesta Praça, onde vos congregastes em festa para a presente Audiência geral, que conta com uma presença tão significativa da grande Peregrinação europeia dos acólitos! Amados rapazes, moças e jovens, sede bem-vindos! Dado que a vasta maioria dos acólitos presentes na Praça são de expressão alemã, dirigir-me-ei a eles principalmente na minha língua materna.

Queridos acólitos e queridas acólitas, caros amigos e estimados peregrinos de língua alemã, bem-vindos aqui a Roma! Saúdo todos vós do íntimo do coração. Juntamente convosco, saúdo o Cardeal Secretário de Estado, Tarcisio Bertone; ele chama-se Tarcísio, como o vosso Padroeiro. Tivestes a gentileza de o convidar, e ele, que tem o nome de São Tarcísio, sente-se feliz por estar aqui no meio dos acólitos do mundo e entre os acólitos de expressão alemã. Saúdo os dilectos Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, bem como os Diáconos, que quiseram participar na presente Audiência. Agradeço de coração ao Bispo Auxiliar de Basileia, D. Martin Gächter, Presidente do "Coetus internationalis ministrantium", as palavras de saudação que me dirigiu, o grandioso dom da estátua de São Tarcísio e o lenço que me ofereceu. Tudo isto me faz recordar o período em que também eu fui um menino de coro. Agradeço-lhe, em vosso nome, também o grande trabalho que ele realiza no meio de vós, juntamente com os colaboradores e com quantos tornaram possível este alegre encontro. Depois, dirijo o meu agradecimento aos promotores suíços e àqueles que trabalharam de vários modos para a realização da estátua de São Tarcísio.

Sede numerosos! Já quando sobrevoei a Praça de São Pedro de helicóptero pude ver todas as cores e a alegria que está presente nesta Praça! Desde modo, vós não apenas criais um ambiente de festa nesta Praça, mas alegrais ainda mais o meu coração! Obrigado! A estátua de São Tarcísio chegou até nós após uma longa peregrinação. Em Setembro de 2008 foi apresentada na Suíça, na presença de 8.000 acólitos: sem dúvida, alguns de vós estavam lá presentes. Da Suíça, ela passou por Luxemburgo e chegou até à Hungria. Hoje, nós recebemo-la festivos, contentes por poder conhecer melhor esta figura dos primeiros séculos da Igreja. Depois a estátua – como já nos disse D. Gächter – será colocada nas catacumbas de São Calisto, onde São Tarcísio foi sepultado. Os bons votos que formulo a todos vós é a fim de que aquele lugar, ou seja, as catacumbas de São Calisto e esta estátua, possa tornar-se assim um ponto de referência para os acólitos e para aqueles que desejam seguir Jesus mais de perto através da vida sacerdotal, religiosa e missionária. Todos podem olhar para este jovem corajoso e forte, renovando o compromisso de amizade com o próprio Senhor para aprender a viver sempre com Ele, seguindo o caminho que ele nos indica com a sua Palavra e o testemunho de numerosos santos e mártires dos quais, por intermédio do Baptismo, nos tornamos irmãos e irmãs.

Quem era São Tarcísio? Não dispomos de muitas notícias dele. Encontramo-nos nos primeiros séculos da história da Igreja, mais precisamente no século III; narra-se que ele era um jovem que frequentava as Catacumbas de São Calisto, aqui em Roma, e era muito fiel aos seus compromissos cristãos. Ele amava muito a Eucaristia e, de vários elementos, concluímos que, presumivelmente, era um acólito, ou seja, um ministrante. Eram anos em que o imperador Valeriano perseguia duramente os cristãos, que eram obrigados a reunir-se escondidos nas casas particulares ou, às vezes, até mesmo nas Catacumbas, para ouvir a Palavra de Deus, rezar e celebrar a Santa Missa. Também o hábito de levar a Eucaristia aos prisioneiros e aos enfermos se tornava cada vez mais perigosa. Certo dia, quando o sacerdote perguntou como geralmente fazia quem estava disposto a levar a Eucaristia aos outros irmãos e irmãs que a esperavam, o jovem Tarcísio ergueu-se e disse: "Envia-me a mim!". Aquele rapaz parecia demasiado jovem para um serviço tão exigente! "A minha juventude – retorquiu Tarcísio – será a melhor salvaguarda para a Eucaristia". Persuadido, o sacerdote confiou-lhe então aquele Pão precioso, dizendo-lhe: "Tarcísio, recorda-te que um tesouro celestial está a ser confiado aos teus frágeis cuidados. Evita os caminhos frequentados e não te esqueças de que as coisas santas não devem ser lançadas aos cães, nem as jóias aos porcos. Conservarás com fidelidade e segurança os Sagrados Mistérios?". "Morrerei – respondeu com determinação Tarcísio – antes de os ceder!". Ao longo do caminho, encontrou pela estrada alguns amigos que, aproximando-se dele, lhe pediram para se unir a eles. Quando a sua resposta foi negativa eles – que eram pagãos – começaram a suspeitar e a insistir, e observaram que ele apertava ao peito algo que parecia defender. Em vão procuraram arrancar-lhe o que ele trazia; a luta fez-se cada vez mais furiosa, sobretudo quando vieram a saber que Tarcísio era cristão; começaram a dar-lhe pontapés e lançaram-lhe pedras, mas ele não cedeu. Em agonia, foi levado ao sacerdote por um oficial pretoriano chamado Quadrato que, ocultamente, também viria a tornar-se cristão. Chegou ali sem vida, mas apertado ao peito ainda conservava um pequeno pedaço de linho com a Eucaristia. Foi sepultado imediatamente nas Catacumbas de São Calisto. O Papa Dâmaso mandou fazer uma inscrição para o túmulo de São Tarcísio, segundo a qual o jovem morreu no ano 257. O Martirológio Romano fixa a sua data no dia 15 de Agosto, e no mesmo Martirológio inclui-se também uma bonita tradição oral, segundo a qual no corpo de São Tarcísio não foi encontrado o Santíssimo Sacramento, nem nas mãos, nem na sua roupa. Explicou-se que a partícula consagrada, defendida com a vida pelo pequeno mártir, se tinha tornado carne da sua carne, formando de tal modo com o seu corpo uma única hóstia imaculada, oferecida a Deus.

Amadas acólitas e amados acólitos, o testemunho de São Tarcísio e esta bonita tradição ensinam-nos o profundo amor e a grande veneração que temos de alimentar pela Eucaristia: trata-se de um bem precioso, um tesouro cujo valor não se pode medir, é Pão da vida, é o próprio Jesus que se faz alimento, sustentáculo e força para o nosso caminho de todos os dias e vereda aberta para a vida eterna; é o maior dom que Jesus nos deixou.

Dirijo-me a vós aqui presentes e, por meio de vós, a todos os acólitos do mundo! Servi com generosidade Jesus presente na Eucaristia. É uma tarefa importante, que vos permite permanecer particularmente próximos do Senhor e crescer numa amizade verdadeira e profunda com Ele. Conservai ciosamente esta amizade no vosso coração, como fez São Tarcísio, prontos a comprometer-vos, a lutar e a dar a vossa vida para que Jesus chegue a todos os homens. Também vós, comunicai aos vossos coetâneos o dom desta amizade, com alegria e com entusiasmo, sem medo, a fim de que eles possam sentir que vós conheceis este Mistério, que é verdadeiro e que o amais! Cada vez que vos aproximais do altar, tendes a sorte de assistir ao grande gesto de amor de Deus, que continua a desejar entregar-se a cada um de nós, a estar próximo de nós, a ajudar-nos, a incutir-nos a força para que possamos viver bem. Mediante a consagração – bem o sabeis – aquela pequena partícula de pão torna-se o Corpo de Cristo e aquele vinho torna-se o Sangue de Cristo. Tendes a ventura de poder viver próximos desde mistério inefável! Desempenhai com amor, com devoção e com fidelidade a vossa tarefa de acólitos; não entreis na igreja para a Celebração com superficialidade, mas preparai-vos interiormente para a Santa Missa! Ajudando os vossos sacerdotes no serviço do altar, vós contribuís para tornar Jesus mais próximo, de tal modo que as pessoas possam sentir e dar-se conta disto em maior medida: Ele está aqui; vós colaborais a fim de que Ele possa estar mais presente no mundo, na vida de todos os dias, na Igreja e em todos os lugares. Amados amigos! Vós ofereceis a Jesus as vossas mãos, os vossos pensamentos e o vosso tempo. Ele não deixará de vos recompensar, concedendo-vos a alegria verdadeira e fazendo-vos sentir onde reside a felicidade mais completa. São Tarcísio mostrou-nos que o amor nos pode levar até à entrega da vida por um bem autêntico, pelo bem genuíno, pelo Senhor.

A nós, provavelmente, não será pedido o martírio, mas Jesus pede-nos a fidelidade nas pequenas coisas, o recolhimento interior, a participação íntima, a nossa fé e o esforço para conservar presente este tesouro na nossa vida diária. Pede-nos a fidelidade nos afazeres quotidianos, o testemunho do seu amor, frequentando a Igreja movidos por uma convicção interior e pela alegria da sua presença. Assim podemos fazer conhecer também aos nossos amigos que Jesus está vivo. Que neste compromisso sejamos ajudados pela intercessão de São João Maria Vianney, de quem hoje celebramos a memória litúrgica, desde humilde Pároco da França, que transformou uma pequena comunidade e deste modo ofereceu ao mundo uma nova luz. O exemplo dos Santos Tarcísio e João Maria Vianney nos leve a amar Jesus cada dia e a cumprir a sua vontade, como fez a Virgem Maria, fiel ao seu Filho até ao fim. Uma vez mais, obrigado a todos vós! Que Deus vos abençoe nestes dias e bom regresso aos vossos países!



Apelo

Dirijo meu pensamento às populações atingidas, neste período, por graves calamidades naturais, que causaram perdas de vidas humanas, feridos e prejuízos, deixando numerosas pessoas desabrigadas. De modo particular, penso nos vastos incêndios ocorridos na Federação russa e nas devastadoras enchentes no Paquistão e no Afeganistão. Rezo ao Senhor pelas vítimas, enquanto manifesto a minha proximidade espiritual a quantos estão a ser provados por tais adversidades. Para eles, peço a Deus o alívio no sofrimento e o apoio nas dificuldades. Além disso, faço votos a fim de que não lhes venha a faltar a solidariedade da parte de todos.

Saudação

Amados peregrinos vindos do Brasil, de Portugal e demais países de língua portuguesa, sede bem-vindos! A todos saúdo com grande afeto e alegria, de modo especial a todos os acólitos e coroinhas aqui presentes. Que a exemplo do vosso padroeiro, São Tarcísio, possais crescer sempre mais no amor à Eucaristia que é o tesouro mais precioso que Jesus nos deixou. Que Deus derrame os seus dons sobre vós e vossas famílias, que de coração abençoo. Ide em paz!






Palácio Apostólico de Castel Gandolfo

11 de Agosto de 2010: O martírio

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Caros irmãos e irmãs

Hoje, na Liturgia recordamos Santa Clara de Assis, fundadora das Clarissas, luminosa figura da qual falarei numa das próximas Catequeses. Mas nesta semana – como já tínhamos mencionado no Angelus do domingo passado – fazemos memória também de alguns Santos mártires, quer dos primeiros séculos da Igreja, como São Lourenço, diácono; São Ponciano, Papa; e Santo Hipólito, sacerdote; quer de um período mais próximo de nós, como Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein, Padroeira da Europa, e São Maximiliano Maria Kolbe.

Onde se fundamenta o martírio? A resposta é simples: na morte de Jesus, no seu sacrifício supremo de amor, consumido na Cruz, a fim de que nós pudéssemos ter vida (cf.
Jn 10,10). Cristo é o servo sofredor de que fala o profeta Isaías (cf. Is 52,13-15), que se entregou a si mesmo em resgate por muitos (cf. Mt 20,28). Ele exorta os seus discípulos, cada um de nós, a tomar todos os dias a cruz que nos é própria e segui-lo pelo caminho do amor total a Deus Pai e à humanidade: "Quem não tomar a sua cruz para me seguir – diz-nos – não é digno de mim. Aquele que procura conservar a vida para si mesmo, perdê-la-á; mas aquele que perder a sua vida por causa de mim, salvá-la-á" (Mt 10,38-39). O próprio Jesus "é o grão de trigo que veio de Deus, o grão de trigo divino, que se deixa cair na terra, que se deixa partir, romper na morte e, precisamente através disto, abre-se e desta maneira pode dar fruto na vastidão do mundo" (Bento XVI Visita à Igreja luterana de Roma, 14 de Março de 2010). O mártir segue o Senhor até ao fim, aceitando livremente de morrer para a salvação do mundo, numa prova suprema de fé e de amor (cf. Lumen gentium LG 42).

Mais uma vez, de onde nasce a força para enfrentar o martírio? Da profunda e íntima união com Cristo, porque o martírio e a vocação ao martírio não constituem o resultado de um esforço humano, mas são a resposta a uma iniciativa e a uma chamada de Deus, são um dom da sua graça, que torna capaz de oferecer a própria vida por amor a Cristo e à Igreja, e assim ao mundo. Quando lemos a vida dos mártires, ficamos admirados com a tranquilidade e a coragem com que eles enfrentaram o sofrimento e a morte: o poder de Deus manifesta-se plenamente na debilidade, na pobreza daquele que se confia a Ele e deposita a sua própria esperança unicamente n'Ele (cf. 2Co 12,9). No entanto, é importante ressaltar o facto de que a graça de Deus não suprime nem sufoca a liberdade daqueles que enfrentam o martírio mas, ao contrário, enriquece-a e exalta-a: o mártir é uma pessoa sumamente livre, livre em relação ao poder e ao mundo; uma pessoa livre, que num único gesto definitivo entrega toda a sua vida a Deus, e num supremo gesto de fé, de esperança e de caridade, abandona-se nas mãos do seu Criador e Redentor; sacrifica a própria vida para ser associado de maneira total ao Sacrifício de Cristo na Cruz. Em síntese, o martírio é um grande gesto de amor, em resposta ao amor imenso de Deus.

Estimados irmãos e irmãs, como eu já dizia na quarta-feira passada, provavelmente nós não somos chamados ao martírio, mas nenhum de nós está excluído da chamada divina à santidade, a viver a medida alta da existência cristã, e isto exige que tomemos todos os dias a cruz sobre nós mesmos. Todos nós, sobretudo no nosso tempo, em que parecem prevalecer o egoísmo e o individualismo, temos o dever de assumir como compromisso primário e fundamental, o de crescer cada dia num amor maior a Deus e aos irmãos, para mudar a nossa vida e assim transformar também a vida do nosso mundo. Por intercessão dos Santos e dos Mártires, peçamos ao Senhor que inflame o nosso coração, para sermos capazes de amar como Ele amou cada um de nós.

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, uma cordial saudação de boas-vindas para todos, nomeadamente para os grupos vindos do Brasil e para os fiéis portugueses da diocese do Porto. Cristo chama todos os batizados à santidade. Que o exemplo e a intercessão dos mártires vos ajude a assumir o empenho de crescer cada dia no amor a Deus e aos irmãos, para que assim possais transformar o mundo!

Que Deus abençoe a vós e às vossas famílias.






Palácio Apostólico de Castel Gandolfo

18 de Agosto de 2010: São Pio X

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Prezados irmãos e irmãs

Hoje, gostaria de meditar acerca da figura do meu Predecessor São Pio X, cuja memória litúrgica será celebrada no próximo sábado, salientando algumas das suas características que podem ser úteis também para os Pastores e os fiéis da nossa época.

Giuseppe Sarto, este é o seu nome, nasceu em Riese (Treviso) em 1835 de uma família de camponeses e depois dos estudos no Seminário de Pádua foi ordenado sacerdote com 23 anos de idade. Primeiro foi vice-pároco em Tombolo, depois pároco em Salzano, em seguida cónego da catedral de Treviso, com o encargo de chanceler episcopal e director espiritual do Seminário diocesano. Nestes anos de rica e generosa experiência pastoral, o futuro Pontífice demonstrou aquele profundo amor a Cristo e à Igreja, a humildade e simplicidade e a grande caridade para com os mais necessitados, que constituíram características de toda a sua vida. Em 1884 foi nomeado Bispo de Mântua e em 1893 Patriarca de Veneza. No dia 4 de Agosto de 1903 foi eleito Papa, ministério que aceitou com hesitação, porque não se considerava à altura de uma tarefa tão importante.

O Pontificado de São Pio X deixou um sinal indelével na história da Igreja e caracterizou-se por uma notável esforço de reforma, resumida no mote Instaurare omnia in Christo, "Renovar tudo em Cristo". Com efeito as suas intervenções envolveram os vários âmbitos eclesiais. Desde o começo, dedicou-se à reorganização da Cúria romana; depois, deu início aos trabalhos para a redacção do Código de Direito Canónico, promulgado pelo seu Sucessor Bento XV. Sucessivamente, promoveu a revisão dos estudos e do percurso de formação dos futuros sacerdotes, fundando também vários seminários regionais, dotados de boas bibliotecas e professores preparados. Outro ramo importante foi o da formação doutrinal do Povo de Deus. Desde os anos em que era pároco, tinha redigido pessoalmente um catecismo e, durante o Episcopado em Mântua, trabalhara a fim de que se chegasse a um catecismo único, se não universal, pelo menos italiano. Como autêntico Pastor, compreendera que a situação nessa época, também devido ao fenómeno da emigração, tornava necessário um catecismo ao qual cada fiel pudesse fazer referência, independentemente do lugar e das circunstâncias de vida. Como pontífice, preparou um texto de doutrina cristã para a Diocese de Roma, depois se difundiu em toda a Itália e no mundo. Este Catecismo, chamado "de Pio X" foi para muitas pessoas uma guia segura na aprendizagem das verdades relativas à fé pela sua linguagem simples, clara e específica, e pela eficácia da sua exposição.

Ele dedicou uma atenção notável à reforma da Liturgia, de modo particular da música sacra, para levar os fiéis a uma vida de oração mais profunda e a uma participação mais completa nos Sacramentos. No Motu Proprio Tra le sollecitudini, de 1903, primeiro ano do seu Pontificado, ele afirma que o verdadeiro espírito cristão tem a sua fonte primária e indispensável na participação concreta nos mistérios sacrossantos e na oração pública e solene da Igreja (cf. AAS 36 [1903], 531). Por isso, recomendava a aproximação frequente dos Sacramentos, favorecendo a recepção diária da Sagrada Comunhão, bem preparados, e antecipando oportunamente a Primeira Comunhão das crianças mais ou menos aos sete anos de idade, "quando a criança começa a raciocinar" (cf. S. Congr. de Sacramentis, Decretum Quam singulari: AAS 2 [1910], 582).

Fiel à tarefa de confirmar os irmãos na fé, São Pio X, diante de algumas tendências que se manifestaram no âmbito teológico, no final do século XIX e no início do século XX, interveio com determinação, condenando o "Modernismo", para defender os fiéis de concepções erróneas e promover um aprofundamento científico da Revelação, em harmonia com a Tradição da Igreja. Em 7 de Maio de 1909, com a Carta Apostólica Vinea electa, fundou o Pontifício Instituto Bíblico. Os últimos meses da sua vida foram funestados pelos indícios da guerra. O apelo aos católicos do mundo, lançado a 2 de Agosto de 1914, para manifestar "a dor acerba" da hora presente, era o clamor de sofrimento do pai que vê os filhos pôr-se uns contra os outros. Faleceu pouco tempo depois, no dia 20 de Agosto, e a sua fama de santidade começou a difundir-se imediatamente no meio do povo cristão.

Caros irmãos e irmãs, São Pio X ensina-nos a todos que na base da nossa obra apostólica, nos vários campos em que trabalhamos, deve haver sempre uma íntima união pessoal com Cristo, que se há-de cultivar e aumentar dia após dia. Eis o cerne de todo o seu ensinamento, de todo o seu compromisso apostólico. Somente se formos apaixonados pelo Senhor, seremos capazes de conduzir os homens a Deus, de os abrir ao seu Amor misericordioso e, deste modo, de abrir o mundo à misericórdia de Deus.



Apelo

Neste momento, dirijo o meu pensamento às queridas populações do Paquistão, recentemente atingidas por uma grave inundação, que provocou numerosíssimas vítimas e deixou muitas famílias desabrigadas.

Enquanto confio à bondade misericordiosa de Deus quantos morreram tragicamente, manifesto a minha proximidade espiritual aos seus familiares e a todos aqueles que sofrem por causa desta calamidade. Que não venham a faltar a estes nossos irmãos, tão duramente provados, a nossa solidariedade e a assistência concreta da Comunidade internacional!

Saudações

A minha saudação a todos os peregrinos vindos do Brasil, de Portugal e demais países lusófonos, com uma bênção particular para os alunos do Seminário do Verbo Divino, de Tortosendo: na vossa formação, empenhai-vos em seguir o exemplo dos grandes pastores como São Pio X, sendo sempre humildes e fiéis servidores da Verdade. Que Deus vos abençoe!








Palácio Apostólico de Castel Gandolfo

Quarta-feira, 25 de Agosto de 2010

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Amados irmãos e irmãs!

Na vida de cada um de nós existem pessoas muito queridas, que sentimos particularmente próximas, algumas já se encontram nos braços de Deus, outras ainda partilham connosco o caminho da vida: são os nossos pais, os parentes, os educadores; são pessoas que receberam de nós, ou que tiveram para connosco, boas acções; são pessoas com as quais sabemos que podemos contar. Mas é importante ter também "companheiros de viagem" no caminho da nossa vida cristã: penso no Director espiritual, no Confessor, nas pessoas com quem se pode partilhar a própria experiência de fé, mas penso também na Virgem Maria e nos Santos. Cada um deveria ter um Santo que lhe seja familiar, para o sentir próximo com a oração e com a intercessão, inclusive para o imitar. Portanto, gostaria de vos convidar a conhecer melhor os Santos, começando por aquele do qual tendes o nome, lendo a sua vida, os escritos. Tende a certeza de que se tornarão boas guias para amar ainda mais o Senhor e ajudas válidas para o vosso crescimento humano e cristão.

Como sabeis, também eu estou ligado de modo especial a algumas figuras de Santos: entre elas, além de São José e de São Bento dos quais tenho o nome, e a outros, encontra-se Santo Agostinho, que tive o grande dom de conhecer, por assim dizer, de perto através do estudo e da oração e que se tornou um bom "companheiro de viagem" na minha vida e no meu ministério. Gostaria de ressaltar mais uma vez um aspecto importante da sua experiência humana e cristã, actual também na nossa época na qual parece que o relativismo seja paradoxalmente a "verdade" que deve guiar o pensamento, as escolhas, os comportamentos.

Santo Agostinho foi um homem que nunca viveu com superficialidade; a sede, a busca inquieta e constante da Verdade é uma das características básicas da sua existência; mas não das "pseudo-verdades" incapazes de proporcionar uma paz duradoura ao coração, mas daquela Verdade que dá sentido à existência e é "a morada" na qual o coração encontra serenidade e alegria. Sabemos que o seu caminho não foi fácil: pensou encontrar a Verdade no prestígio, na carreira, na posse das coisas, nas vozes que lhe prometiam felicidade imediata; cometeu erros, sofreu tristezas, enfrentou insucessos, mas nunca desanimou, nunca se contentou com aquilo que lhe dava unicamente um indício de luz; soube olhar para o interior de si mesmo e apercebeu-se, como escreve nas Confissões, que aquela Verdade, aquele Deus que procurava com as suas forças era mais íntimo dele do que ele mesmo, que tinha estado sempre ao seu lado, que nunca o tinha abandonado, que esperava poder entrar definitivamente na sua vida (cf. III, 6, 11, 27, 38). Como dizia comentando o recente filme sobre a sua vida, Santo Agostinho compreendeu, na sua inquieta busca, que não foi ele que encontrou a Verdade, mas que a própria Verdade, que é Deus, o seguiu e o encontrou (cf. L'Osservatore Romano, 4 de Setembro de 2009, p. 8). Romano Guardini comentando um trecho do terceiro capítulo das Confissões afirma: Santo Agostinho compreendeu que Deus é "glória que nos faz ajoelhar, bebida que mata a sede, tesouro que torna felizes, [... ele teve] a certeza pacificadora de quem finalmente compreendeu, mas também a bem-aventurança do amor que sabe: Isto é tudo e é suficiente" (Pensatori religiosi, Brescia 2001, p. 177).

Sempre nas Confissões, no nono Livro, o nosso Santo refere um diálogo com a mãe, Santa Mónica cuja memória se celebra na próxima sexta-feira, depois de amanhã. É um cenário muito bonito. Ele e a mãe estão em Óstia, numa hospedaria, e da janela vêem o céu e o mar, e transcendem céu e mar, e por um momento tocam o coração de Deus no silêncio das criaturas. E aqui sobressai uma ideia fundamental no caminho rumo à Verdade: as criaturas devem silenciar se deve subentrar o silêncio no qual Deus pode falar. Isto é válido também no nosso tempo: por vezes sente-se uma espécie de receio do silêncio, do recolhimento, do pensar nas próprias acções, no sentido profundo da própria vida, muitas vezes prefere-se viver só o momento, iludindo-se que traga felicidade duradoura; prefere-se viver com superficialidade, sem pensar; tem-se medo de procurar a Verdade ou talvez receia-se que a Verdade nos encontre, se apodere de nós e mude a vida, como aconteceu com Santo Agostinho.

Queridos irmãos e irmãs, gostaria de dizer a todos, também a quem se encontra num momento de dificuldade no seu caminho de fé, a quem participa pouco da vida da Igreja ou a quem vive "como se Deus não existisse", que não tenhais medo da Verdade, nunca interrompais o caminho para ela, nunca cesseis de procurar a verdade profunda sobre vós próprios e sobre as coisas com os olhos do coração. Deus não deixará de doar Luz para fazer ver e Calor para fazer sentir ao coração que nos ama e que deseja ser amado.

A intercessão da Virgem Maria, de Santo Agostinho e de Santa Mónica nos acompanhe neste caminho.

Apelo

O meu pensamento dirige-se para Mogadiscio, de onde continuam a chegar notícias de violências cruéis e que ontem foi teatro de um novo massacre. Estou próximo das famílias das vítimas e de todos os que, na Somália, sofrem por causa do ódio e da instabilidade. Faço votos de que, com a ajuda da comunidade internacional, não se poupem esforços para restabelecer o respeito pela vida e pelos direitos humanos.

Saudação

Queridos peregrinos vindos do Brasil e de Portugal, a minha saudação amiga para todos vós, em especial para os grupos paroquiais de Unhos de Catujal e Viseu. Recordamos nestes dias Santo Agostinho e sua mãe, Santa Mónica, testemunhas de como Jesus Cristo Se deixa encontrar por quantos O procuram. E, com Ele, a vossa vida não poderá deixar de ser feliz.






Palácio Apostólico de Castel Gandolfo

Quarta-feira,1° de Setembro de 2010

Santa Hildegarda de Bingen

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Amados irmãos e irmãs!

Em 1988, por ocasião do Ano Mariano, o Venerável João Paulo II escreveu uma Carta Apostólica intitulada Mulieris dignitatem, sobre o papel precioso que as mulheres desempenharam e desempenham na vida da Igreja. «A Igreja — lê-se nela — agradece todas as manifestações do génio feminino surgidas no curso da história, no meio de todos os povos e nações; agradece a variedade dos carismas que o Espírito Santo concede às mulheres na história do Povo de Deus, todas as vitórias que ela deve à sua fé, esperança e caridade das mesmas: agradece todos os frutos de santidade feminina» (
MD 31).

Também naqueles séculos da história que nós habitualmente chamamos Idade Média, sobressaem diversas figuras femininas pela santidade e riqueza do ensinamento. Hoje gostaria de iniciar apresentando-vos uma delas: Santa Hildegarda de Bingen, que viveu na Alemanha no século XII. Nasceu em 1098 na Renánia, em Bermersheim, perto de Alzey, e faleceu em 1179, com 81 anos de idade, não obstante a permanente fragilidade da sua saúde. Hildegarda pertencia a uma família nobre e numerosa e, desde o nascimento, foi destinada pelos seus pais para o serviço de Deus. Com oito anos, para que recebesse uma adequada formação humana e cristã, foi confiada aos cuidados da mestra Judite de Spanheim, que se tinha retirado em clausura no mosteiro beneditino de São Disibodo. Foi-se formando um pequeno mosteiro feminino de clausura, que seguia a Regra de São Bento. Hildegarda recebeu o véu do Bispo Otão de Bamberg e, em 1136, com a morte da madre Judite, que era Superiora da comunidade, as irmãs de hábito chamaram-na para lhe suceder. Desempenhou esta tarefa fazendo frutificar os seus dotes de mulher culta, espiritualmente elevada e capaz de enfrentar com competência os aspectos organizativos da vida claustral. Alguns anos mais tarde, também devido ao número crescente de jovens mulheres que batiam à porta do mosteiro, Hildegarda fundou outra comunidade em Bingen, intitulada a São Ruperto, onde transcorreu o resto da vida. O estilo com que exercia o ministério da autoridade é exemplar para cada comunidade religiosa: suscitava uma santa emulação na prática do bem, a ponto que, como resulta do testemunho do tempo, a madre e as filhas competiam na estima e no serviço recíprocos.

Já nos anos em que era superiora do mosteiro de São Disibodo, Hildegarda iniciara a ditar as visões místicas, que tinha há tempos, ao seu conselheiro espiritual, o monge Volmar, e à sua secretária, uma irmã de hábito à qual era muito afeiçoada, Richardis de Strade. Como acontece sempre na vida dos verdadeiros místicos, também Hildegarda quis submeter-se à autoridade de pessoas sábias para discernir a origem das suas visões, temendo que elas fossem fruto de ilusões e que não proviessem de Deus. Por isso dirigiu-se à pessoa que na sua época gozava da máxima estima na Igreja: São Bernardo de Claraval, do qual já falei nalgumas catequeses. Ele tranquilizou e encorajou Hildegarda. Mas em 1147 ela recebeu outra aprovação importantíssima. O Papa Eugénio III, que presidia um Sínodo em Trier, leu um texto ditado por Hildegarda, que lhe foi apresentado pelo Arcebispo Henrique de Mainz. O Papa autorizou a mística a escrever as suas visões e a falar em público. A partir daquele momento o prestígio espiritual de Hildegarda cresceu cada vez mais, a ponto que os contemporâneos lhe atribuíram o título de «profetiza teutónica». Eis, queridos amigos, o selo de uma experiência autêntica do Espírito Santo, fonte de todo o carisma: a pessoa depositária de dons sobrenaturais nunca se vangloria disso, não os exibe mas, sobretudo, mostra total obediência à autoridade eclesial. Cada dom distribuído pelo Espírito Santo, de facto, é destinado à edificação da Igreja, e a Igreja, através dos seus Pastores, reconhece a sua autenticidade.

Voltarei a falar na próxima quarta-feira sobre esta grande mulher «professa», que fala com grande actualidade também hoje a nós, com o seu amor pela criação, o seu remédio, a sua poesia, a sua música, que hoje é reconstruída, o seu amor a Cristo e à Sua Igreja, que sofria também naquela época, ferida como hoje pelos pecados dos sacerdotes e dos leigos, e muito mais amada como corpo de Cristo. Assim Santa Hildegarda fala a nós; voltaremos a este tema na próxima quarta-feira. Obrigado pela vossa atenção.

Saudação

Saúdo com grande afecto e alegria a todos os peregrinos de língua portuguesa, de modo especial ao grupo de irmãs salesianas e aos fiéis da paróquia de Évora. Seguindo o exemplo de Santa Hildegarda de Bingen, possais sempre colocar os dons de Deus ao serviço da edificação das vossas comunidades. Desça a minha bênção sobre vós e vossas famílias.








Sala Paulo VI

8 de Setembro de 2010: Santa Hildegarda de Bingen (2)

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Queridos irmãos e irmãs!

Hoje gostaria de retomar e continuar a reflexão sobre Santa Hildegarda de Bingen, figura feminina importante da Idade Média, que se distinguiu pela sabedoria espiritual e pela santidade de vida. As visões místicas de Hildegarda assemelham-se às dos profetas do Antigo Testamento: exprimindo-se com as categorias culturais e religiosas da sua época, interpretava à luz de Deus as Sagradas Escrituras, aplicando-as às várias circunstâncias da vida. Deste modo, todos os que a escutavam, sentiam-se exortados a praticar um estilo de existência cristão coerente e empenhado. Numa carta a São Bernardo, a mística renana confessa: «A visão arrebata todo o meu ser: não vejo com os olhos do corpo, mas aparece-me no espírito dos mistérios... Conheço o significado profundo do que está exposto no Saltério, nos Evangelhos e nos outros livros, que me são mostrados na visão. Ela arde como uma chama no meu peito e na minha alma, e ensina-me a compreender profundamente o texto» (Epistolarium pars prima I-XC: CCCM 91).

As visões místicas de Hildegarda são ricas de conteúdos teológicos. Referem-se aos eventos principais da história da salvação e utilizam uma linguagem sobretudo poética e simbólica. Por exemplo, na sua obra mais conhecida, denominada Scivias, isto é «Conhece as vias», ela resume em trinta e cinco visões os acontecimentos da história da salvação, desde a criação do mundo até ao fim dos tempos. Com os traços característicos da sensibilidade feminina, Hildegarda, exactamente na secção central da sua obra, desenvolve o tema do matrimónio místico entre Deus e a humanidade, realizado na Encarnação. No madeiro da Cruz realizam-se as núpcias do Filho de Deus com a Igreja, sua esposa, cheia de graça e tornada capaz de doar a Deus novos filhos, no amor do Espírito Santo (cf. Visio tertia: PL 197, 453c).

Já destes breves trechos vemos que também a teologia pode receber uma contribuição peculiar das mulheres, porque são capazes de falar de Deus e dos mistérios da fé com a sua singular inteligência e sensibilidade. Portanto, encorajo todas aquelas que desempenham este serviço a realizá-lo com profundo espírito eclesial, alimentando a própria reflexão com a oração e olhando para a grande riqueza, ainda em parte inexplorada, da tradição mística medieval, sobretudo a representada por modelos luminosos, justamente como Hildegarda de Bingen.

A mística renana é também autora de outros escritos, dois dos quais particularmente importantes porque descrevem, como o Scivias, as suas visões místicas: são o Liber vitae meritorum (Livro dos méritos da vida) e o Liber divinorum operum (Livro das obras divinas), denominado também De operatione Dei. No primeiro é descrita uma única e poderosa visão do Deus que vivifica o cosmos com a sua força e luz. Hildegarda realça a profunda relação entre o homem e Deus e recorda-nos que toda a criação, da qual o homem é o ápice, recebe a vida da Trindade. O escrito está centrado na relação entre virtudes e vícios, pela qual o ser humano deve enfrentar quotidianamente o desafio dos vícios, que o afastam do caminho rumo a Deus, e as virtudes, que o favorecem. O convite é para se afastar do mal para glorificar Deus e, depois de uma existência virtuosa, entrar na vida «toda de alegria». Na segunda considerada por muitos a sua obra-prima, descreve ainda a criação na sua relação com Deus e a centralidade do homem, manifestando um forte cristocentrismo de sabor bíblico-patrístico. A Santa, que apresenta cinco visões inspiradas pelo Prólogo do Evangelho de São João, apresenta as palavras que o Filho dirige ao Pai: «Toda a obra que Tu quiseste e me confiaste, cumpri-a com êxito, e eis que eu estou em ti, e Tu em mim, e Nós somos um só» (Pars III, Visio X: PL 197, 1025a).

Enfim, noutros escritos Hildegarda manifesta a versatilidade de interesses e a vivacidade cultural dos mosteiros femininos da Idade Média, contrariamente aos preconceitos que ainda pesam sobre aquela época. Hildegarda ocupou-se de medicina e de ciências naturais, inclusive de música, sendo dotada de talento artístico. Compôs hinos, antífonas e cânticos, que foram reunidos sob o título Symphonia Harmoniae Caelestium Revelationum (Sinfonia da harmonia das revelações celestiais), que eram executados jubilosamente nos seus mosteiros, difundindo uma atmosfera de serenidade, e que chegaram até nós. Para ela, toda a criação é uma sinfonia do Espírito Santo, que é alegria e júbilo em si mesmo.

A popularidade que circundava Hildegarda impulsionava muitas pessoas a interpelá-la. Por este motivo, dispomos de muitas suas cartas. A ela dirigiam-se comunidades monásticas masculinas e femininas, bispos e abades. Muitas respostas permanecem válidas inclusive para nós. Por exemplo, a uma comunidade religiosa feminina Hildegarda escrevia: «A vida espiritual deve ser cuidada com muita dedicação. No início o trabalho é difícil. Pois exige a renúncia à fantasia, ao prazer da carne e a outras coisas semelhantes. Mas se se deixar fascinar pela santidade, uma alma santa sentirá dócil e amoroso o próprio desprezo do mundo. Só é preciso prestar atenção, inteligentemente, para que a alma não se avilte» (E. Gronau, Hildegard. Vita di una donna profetica alle origini dell’età moderna, Milão 1996, p. 402). E quando o imperador Frederico Barba Roxa provocou um cisma eclesial opondo três antipapas contra o Papa legítimo Alexandre III, Hildegarda, inspirada pelas suas visões, não hesitou em recordar-lhe que também ele, o imperador, estava sujeito ao juízo de Deus. Com a audácia que caracteriza todos os profetas, ela escreveu ao imperador estas palavras da parte de Deus: «Ai desta conduta malvada dos ímpios que me desprezam! Escuta, ó rei, se quiseres viver! Se não, a minha espada trespassar-te-á!» (Ibid., p. 412).

Com a autoridade espiritual da qual era dotada, nos últimos anos da sua vida Hildegarda pôs-se em viagem, não obstante a idade avançada e as condições difíceis dos deslocamentos, para falar de Deus às populações. Todos a escutavam de bom grado, inclusive quando recorria a um tom severo: consideravam-na uma mensageira enviada por Deus. Exortava sobretudo as comunidades monásticas e o clero a uma vida em conformidade com a própria vocação. De modo particular, Hildegarda contrastou o movimento dos cátaros alemães. Eles — cátaros, à letra, significa «puros» — propugnavam uma reforma radical da Igreja, sobretudo para combater os abusos do clero. Ela repreendeu-os severamente por desejarem subverter a própria natureza da Igreja, recordando-lhes que uma verdadeira renovação da comunidade eclesial não se obtém tanto com a mudança das estruturas, quanto com um sincero espírito de penitência e um caminho concreto de conversão. Esta é uma mensagem que nunca devemos esquecer. Invoquemos sempre o Espírito Santo, a fim de que suscite na Igreja mulheres santas e corajosas, como Santa Hildegarda de Bingen que, valorizando os dons recebidos de Deus, dêem o seu contributo precioso e peculiar para o crescimento espiritual das nossas comunidades e da Igreja no nosso tempo.




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