Audiências 2005-2013 8910

VÍDEO MENSAGEM POR OCASIÃO DA PRÓXIMA VISITA AO REINO UNIDO

É com grande prazer que espero visitar o Reino Unido daqui a uma semana, e transmito as minhas sinceras saudações a todo o povo da Grã-Bretanha. Estou consciente do grande trabalho que está a ser realizado em preparação para a visita, não só por parte da comunidade católica, mas também do governo, das autoridades locais na Escócia, Londres e Birmingham, dos meios de comunicação e dos serviços de segurança, e quero dizer quanto aprecio os esforços que têm sido envidados para garantir que os vários eventos programados venham a ser celebrações verdadeiramente jubilosas. Sobretudo, agradeço às inúmeras pessoas que continuam a rezar pelo bom êxito da visita e por uma abundante efusão da graça de Deus sobre a Igreja e sobre o povo da vossa nação.

Terei a alegria especial de beatificar o Venerável John Henry Newman em Birmingham no domingo 19 de Setembro. Este inglês verdadeiramente grande levou uma vida sacerdotal exemplar e, mediante os seus numerosos escritos, ofereceu uma contribuição duradoura para a Igreja e para a sociedade, tanto na sua terra natal como em muitas outras regiões do mundo. Espero e rezo para que sempre mais pessoas possam beneficiar da sua amável sabedoria, deixando-se inspirar pelo seu exemplo de integridade e pela sua santidade de vida.

Espero ansiosamente encontrar-me com os representantes das numerosas e diferentes tradições religiosas e culturais que formam a população britânica, mas também com os líderes civis e políticos. Estou profundamente grato a Sua Majestade a Rainha e a Sua Graça o Arcebispo de Canterbury por me receberem, e desejo ardentemente encontrar-me também com eles. Enquanto lastimo que haja muitos lugares e pessoas que não terei a oportunidade de encontrar, quero que saibais que me recordo de todos vós nas minhas orações. Deus abençoe o povo do Reino Unido!



Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha saudação fraterna e agradecida para todos, com menção especial para os grupos de fiéis da Amora em Portugal, e das paróquias do Divino Espírito Santo e São João Batista no Rio de Janeiro, Santa Rita de Cássia e Nossa Senhora Mãe da Igreja em Belo Horizonte. Esta peregrinação a Roma fortaleça, nos vossos corações, o sentir e o viver em Igreja, a exemplo de Santa Hildegarda, sob o terno olhar da Virgem Mãe. A Ela confio os anseios bons que aqui vos trouxeram. O Papa ama-vos, e a todos abençoa no Senhor.








Sala Paulo VI

15 de Setembro de 2010: Clara de Assis

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Prezados irmãos e irmãs

Uma das Santas mais amadas é, sem dúvida, Santa Clara de Assis, que viveu no século XIII, contemporânea de São Francisco. O seu testemunho mostra-nos como a Igreja inteira é devedora a mulheres intrépidas e ricas de fé como ela, capazes de dar um impulso decisivo para a renovação da Igreja.

Portanto, quem era Clara de Assis? Para responder a esta pergunta, dispomos de fontes seguras: não apenas das antigas biografias, como a de Tomás de Celano, mas também das Actas do processo de canonização promovido pelo Papa só poucos meses depois da morte de Clara e que contém os testemunhos daqueles que viveram ao seu lado durante muito tempo.

Tendo nascido em 1193, Clara pertencia a uma família aristocrática e rica. Renunciou à nobreza e à riqueza para viver humilde e pobre, seguindo a forma de vida proposta por Francisco de Assis. Embora os seus parentes, como acontecia nessa época, começavam a programar para ela um matrimónio com uma personalidade importante, Clara, com 18 anos de idade, com um gesto audaz inspirado pelo profundo desejo de seguir Cristo e pela admiração que tinha por Francisco, deixou a casa paterna e, em companhia de uma das suas amigas, Bona de Guelfuccio, uniu-se secretamente aos frades menores na pequena igreja da Porciúncula. Era a tarde do Domingo de Ramos de 1211. Na comoção geral, foi levado a cabo um gesto profundamente simbólico: enquanto os seus companheiros seguravam nas mãos algumas tochas acesas, Francisco cortou-lhe os cabelos e Clara vestiu o rude hábito penitencial. A partir daquele momento, ela tornou-se a virgem esposa de Cristo, humilde e pobre, consagrando-se totalmente a Ele. Como Clara e as suas companheiras, inúmeras mulheres ao longo da história ficaram fascinadas pelo amor a Cristo que, na beleza da sua Pessoa divina, enche o seu coração. E a Igreja inteira, por intermédio da mística vocação nupcial das virgens consagradas, mostra-se como sempre será: a Esposa bonita e pura de Cristo.

Numa das quatro cartas que Clara enviou a Santa Inês de Praga, filha do rei da Boémia, que desejava seguir os seus passos, fala de Cristo, seu amado Esposo, com expressões nupciais que podem causar admiração, mas que comovem: «Amando-o, és casta, tocando-o, serás pura, deixando-te possuir por Ele, és virgem. O seu poder é mais forte, a sua generosidade é mais elevada, o seu aspecto é mais excelso, o amor é mais suave e todas as graças mais sublimes. Já foste conquistada pelo seu abraço, que ornamentou o seu peito com pedras preciosas... coroando-te com um diadema de ouro, marcado com o sinal da santidade» (Primeira Carta: FF, 2862).

Principalmente no início da sua experiência religiosa, Clara encontrou em Francisco de Assis não apenas um mestre cujos ensinamentos devia seguir, mas inclusive um amigo fraterno. A amizade entre estes dois santos constitui um aspecto muito bonito e importante. Com efeito, quando se encontram duas almas puras e inflamadas pelo mesmo amor a Deus, elas haurem da amizade recíproca um estímulo extremamente forte para percorrer o caminho da perfeição. A amizade é um dos sentimentos humanos mais nobres e elevados que a Graça divina purifica e transfigura. Como São Francisco e Santa Clara, também outros Santos viveram uma profunda amizade no caminho rumo à perfeição cristã, como São Francisco de Sales e Santa Joana Francisca de Chantal. E é precisamente São Francisco de Sales que escreve: «É bom poder amar na terra como se ama no céu, e aprendermos a amar neste mundo como havemos de fazer eternamente no outro. Aqui não me refiro ao simples amor de caridade, porque temos que ter este amor por todos os homens; refiro-me à amizade espiritual, no âmbito da qual duas, três ou mais pessoas permutam entre si a devoção e os afectos espirituais, tornando-se realmente um só espírito» (Introdução à vida devota, III, 19).

Depois de ter transcorrido um período de alguns meses no interior de outras comunidades monásticas, resistindo às pressões dos seus familiares que inicialmente não aprovaram a sua escolha, Clara estabeleceu-se com as primeiras companheiras na igreja de São Damião, onde os frades menores tinham organizado um pequeno convento para si mesmos. Naquele mosteiro ela viveu por mais de quarenta anos, até à morte, ocorrida em 1253. Dispomos de uma descrição de primeira mão, sobre o modo como estas mulheres viviam naqueles anos, nos primórdios do movimento franciscano. Trata-se do relatório admirado de um bispo flamengo em visita à Itália, D. Tiago de Vitry, que afirma ter-se encontrado com um grande número de homens e mulheres, de todas as classes sociais que, «deixando tudo por Cristo, fugiam do mundo. Chamavam-se frades menores e irmãs menores e são tidos em grande consideração pelo Senhor Papa e pelos cardeais... As mulheres... vivem juntas, em diversos hospícios não distantes das cidades. Nada recebem, mas vivem do trabalho das suas próprias mãos. E sentem-se profundamente amarguradas e incomodadas, porque são honradas mais do que desejariam por clérigos e leigos» (Carta de Outubro de 1216: FF, 2205.2207).

Tiago de Vitry tinha reconhecido com perspicácia uma característica da espiritualidade franciscana, à qual Clara era muito sensível: a radicalidade da pobreza, associada à confiança total na Providência divina. Por este motivo, ela agiu com grande determinação, obtendo da parte do Papa Gregório IX ou, provavelmente, já do Papa Inocêncio III, o chamado Privilegium paupertatis (cf. FF, 3279). Com base nisto, Clara e as suas companheiras de São Damião não podiam possuir qualquer propriedade material. Tratava-se de uma excepção verdadeiramente extraordinária em relação ao direito canónico então em vigor, e as autoridades eclesiásticas daquela época concederam-no, valorizando os frutos de santidade evangélica, que reconheciam no estilo de vida de Clara e das suas irmãs. Isto demonstra que, também nos séculos da Idade Média, o papel das mulheres não era secundário, mas considerável. A este propósito, é útil recordar que Clara foi a primeira mulher na história da Igreja que compôs uma Regra escrita, submetida à aprovação do Papa, para que o carisma de Francisco de Assis fosse conservado em todas as comunidades femininas, que se iam estabelecendo em grande número já naquela época e que desejavam inspirar-se no exemplo de Francisco e de Clara.

No convento de São Damião, Clara praticou de maneira heróica as virtudes que deveriam distinguir cada cristão: a humildade, o espírito de piedade e de penitência, a caridade. Não obstante fosse a superiora, ela queria servir pessoalmente as irmãs enfermas, sujeitando-se inclusive a tarefas extremamente humildes: com efeito, a caridade ultrapassa qualquer resistência, e quem ama realiza todo o sacrifício com alegria. A sua fé na presença real da Eucaristia era tão grande que, por duas vezes, se verificou um acontecimento milagroso. Só com a ostensão do Santíssimo Sacramento, ela afugentou os soldados mercenários sarracenos, que estavam prestes a invadir o convento de São Damião e a devastar a cidade de Assis.

Também estes episódios, assim como outros milagres dos quais se conservava a memória, impeliram o Papa Alexandre IV a canonizá-la apenas dois anos depois da sua morte, em 1255, delineando um seu elogio na Bula de canonização, em que lemos: «Como é vivo o poder desta luz e como é forte a resplandecência desta fonte luminosa! Na realidade, esta luz mantinha-se fechada no escondimento da vida claustral, enquanto fora irradiava clarões luminosos; recolhia-se num mosteiro angusto, enquanto fora se difundia em toda a vastidão do mundo. Conservava-se dentro e propagava-se fora. Com efeito, Clara escondia-se, mas a sua vida era revelada a todos. Clara calava-se, mas a sua fama clamava» (FF, 3284). E é precisamente assim, estimados amigos: são os Santos que mudam o mundo para melhor, que o transformam de forma duradoura, infundindo as energias que unicamente o amor inspirado pelo Evangelho pode suscitar. Os Santos são os grandes benfeitores da humanidade!

A espiritualidade de Santa Clara, a síntese da sua proposta de santidade é condensada na quarta Carta a Santa Inês de Praga. Santa Clara recorre a uma imagem muito difundida na Idade Média, de ascendências patrísticas: o espelho. E convida a sua amiga de Praga a reflectir-se naquele espelho de perfeição de todas as virtudes, que é o próprio Senhor. Ela escreve: «Sem dúvida, feliz é aquela a quem é concedido beneficiar desta sagrada união, para aderir com o profundo do coração [a Cristo], Àquele cuja beleza é admirada incessantemente por todas as bem-aventuradas plêiades dos céus, cujo afecto apaixona, cuja contemplação restabelece, cuja benignidade sacia, cuja suavidade satisfaz, cuja recordação resplandece suavemente, diante de cujo perfume os mortos voltarão à vida e cuja visão gloriosa tornará bem-aventurados todos os cidadãos da Jerusalém celeste. E dado que Ele é esplendor da glória, candura da luz eterna e espelho sem mancha, olha todos os dias para este espelho, ó rainha esposa de Jesus Cristo, e nela perscruta continuamente o teu rosto, para que assim tu possas adornar-te inteiramente no interior e no exterior... Neste espelho refulgem a bem-aventurada pobreza, a santa humildade e a inefável caridade» (Quarta Carta: FF, 2901-2903).

Gratos a Deus que nos doa os Santos que falam ao nosso coração e nos oferecem um exemplo de vida cristã a imitar, gostaria de concluir com as mesmas palavras de bênção que Santa Clara compôs para as suas irmãs de hábito e que ainda hoje as Clarissas, desempenhando um papel precioso na Igreja com a sua oração e a sua obra, conservam com grande devoção. São expressões em que sobressai toda a ternura da sua maternidade espiritual: «Abençoo-vos na minha vida e após a minha morte, como posso e mais do que posso, com todas as bênçãos com as quais o Pai da misericórdia abençoou e há-de abençoar no céu e na terra os filhos e as filhas, e com as quais um pai e uma mãe espiritual abençoaram e hão-de abençoar os seus filhos e as suas filhas espirituais. Amém!» (FF, 2856).

Apelo

Acompanho com preocupação os acontecimentos que se verificaram nestes dias em várias regiões da Ásia meridional, especialmente na Índia, no Paquistão e no Afeganistão. Rezo pelas vítimas e peço que o respeito pela liberdade religiosa e a lógica da reconciliação e da paz prevaleçam sobre o ódio e a violência.
* * *


Saudação

A minha saudação a todos peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente para os grupos vindos do Brasil e para os fiéis da Torreira e da diocese da Guarda, em Portugal. Que a graça de Deus, pela intercessão de Santa Clara, fortaleça a vossa vida para mostrardes a todos a felicidade que é amar Jesus Cristo. De coração, dou-vos a minha Bênção, extensiva às vossas famílias e comunidades.








Praça de São Pedro

22 de Setembro de 2010: Viagem Apostólica ao Reino Unido

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Amados irmãos e irmãs!

Hoje gostaria de vos falar da viagem apostólica ao Reino Unido, que Deus me concedeu realizar nos dias passados. Foi uma visita oficial e, ao mesmo tempo, uma peregrinação ao coração da história e do hoje de um povo rico de cultura e de fé, como é o britânico. Tratou-se de um acontecimento histórico, que marcou uma nova fase importante na longa e complexa vicissitude das relações entre aquelas populações e a Santa Sé. A finalidade principal da visita era proclamar beato o Cardeal John Henry Newman, um dos maiores ingleses dos tempos recentes, insigne teólogo e homem de Igreja. De facto, a cerimónia de beatificação representou o momento saliente da viagem apostólica, cujo tema se inspirava no mote do brasão cardinalício do beato Newman: «O coração fala ao coração». E nos quatro dias intensos e maravilhosos transcorridos naquela nobre terra tive a grande alegria de falar ao coração dos habitantes do Reino Unido, e eles falaram ao meu, sobretudo com a sua presença e o testemunho da sua fé. De facto, pude constatar quanto a herança cristã ainda é forte e activa em todas as camadas da vida social. O coração dos britânicos e a sua existência estão abertos à realidade de Deus e existem numerosas expressões de religiosidade que esta minha visita ressaltou ainda mais.

Desde o primeiro dia da minha permanência no Reino Unido, e durante todo o período da minha estadia, em todas as partes recebi um caloroso acolhimento por parte das Autoridades, dos representantes das várias realidades sociais, dos representantes das diversas Confissões religiosas e sobretudo do povo em geral. Penso de modo particular nos fiéis da Comunidade católica e nos seus Pastores que, apesar de serem uma minoria no país, são largamente apreciados e considerados, comprometidos no anúncio jubiloso de Jesus Cristo, fazendo resplandecer o Senhor e tornando-se sua voz especialmente entre os últimos. A todos renovo a expressão da minha profunda gratidão, pelo entusiasmo demonstrado e pelo zelo louvável com que se empenharam pelo bom êxito desta minha visita, cuja recordação conservarei para sempre no meu coração.

O primeiro encontro foi em Edimburgo com Sua Majestade a Rainha Isabel II que, juntamente com o seu Esposo, o Duque de Edimburgo, me recebeu com grande gentileza em nome de todo o povo britânico. Tratou-se de um encontro muito cordial, caracterizado pela partilha de algumas preocupações profundas pelo bem-estar dos povos do mundo e pelo papel dos valores cristãos na sociedade. Na histórica capital da Escócia pude admirar as belezas artísticas, testemunho de uma rica tradição e de profundas raízes cristãs. A isto me referi no discurso dirigido a Sua Majestade e às Autoridades presentes, recordando que a mensagem cristã se tornou parte integrante da língua, do pensamento e da cultura dos povos daquelas Ilhas. Falei também acerca do papel que a Grã-Bretanha desempenhou no panorama internacional, mencionando a importância dos passos dados para uma pacificação justa e duradoura na Irlanda do Norte.

A atmosfera de festa e de júbilo que se criou entre os jovens e as crianças alegrou a etapa de Edimburgo. Tendo-me transferido depois para Glasgow, cidade enriquecida por parques encantadores, presidi à primeira Santa Missa da viagem precisamente no Bellahouston Park. Foi um momento de intensa espiritualidade, muito importante para os católicos do país, considerando também que naquele dia se celebrava a festa litúrgica de São Ninian, primeiro evangelizador da Escócia. Recordei àquela assembleia litúrgica reunida em oração atenta e partícipe, tornada ainda mais solene por melodias tradicionais e cânticos emocionantes, a importância da evangelização da cultura, especialmente na nossa época na qual um relativismo invasivo ameaça obscurecer a verdade imutável sobre a natureza do homem.

No segundo dia iniciei a visita a Londres. Lá encontrei-me primeiro com o mundo da educação católica, que desempenha um papel relevante no sistema de instrução daquele país. Num clima autenticamente familiar falei aos educadores, recordando a importância da fé na formação de cidadãos maduros e responsáveis. Aos numerosos adolescentes e jovens, que me acolheram com simpatia e entusiasmo, propus que não persigam objectivos limitados, contentando-se com escolhas fáceis, mas que tenham como finalidade algo maior, ou seja, a busca da verdadeira felicidade, que só pode vir de Deus. No encontro seguinte com os responsáveis das outras religiões mais representadas no Reino Unido, recordei a iniludível necessidade de um diálogo sincero, que precisa do respeito do princípio de reciprocidade, para que seja plenamente frutuoso. Ao mesmo tempo, evidenciei a busca do sagrado como terreno comum a todas as religiões sobre o qual consolidar a amizade, a confiança e a colaboração.

A visita fraterna ao Arcebispo de Canterbury foi a ocasião para reafirmar o compromisso comum de testemunhar a mensagem cristã que liga católicos e anglicanos. Seguiu-se um dos momentos mais significativos da viagem apostólica: o encontro no salão do Parlamento britânico com personalidades institucionais, políticas, diplomáticas, académicas, religiosas, representantes do mundo cultural e empresarial. Naquele lugar tão prestigioso ressaltei que a religião, para os legisladores, não deve representar um problema a resolver, mas um factor que contribui de maneira vital para o caminho histórico e o debate público da nação, em particular ao recordar a importância essencial do fundamento ético para as escolhas nos vários sectores da vida social.

Naquele mesmo clima solene, fui depois à Abadia de Westminster: pela primeira vez um Sucessor de Pedro entrou no lugar de culto símbolo das antiquíssimas raízes cristãs do país. A recitação da oração das Vésperas, juntamente com as diversas comunidades cristãs do Reino Unido, representou um momento importante nas relações entre a Comunidade católica e a Comunhão anglicana. Quando venerámos juntos o túmulo de Santo Eduardo o confessor, enquanto o coro cantava «Congregavit nos in unum Christi amor», todos louvámos a Deus, que nos conduz pelo caminho da plena unidade.

Na manhã de sábado, o encontro com o Primeiro-Ministro abriu a série de reuniões com os maiores representantes do mundo político britânico. Seguiu-se a celebração eucarística na Catedral de Westminster, dedicada ao Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor. Foi um momento extraordinário de fé e de oração — que evidenciou também a rica e inestimável tradição de música litúrgica «romana» e «inglesa» — na qual participaram os diversos componentes eclesiais, espiritualmente unidos às multidões de crentes da longa história cristã daquela terra. É imensa a minha alegria por ter encontrado um grande número de jovens que participavam na Santa Missa fora da Catedral. Com a sua presença cheia de entusiasmo e ao mesmo tempo atenta e trépida, eles demonstraram querer ser protagonistas de uma nova estação de testemunho corajoso, de solidariedade efectiva, de empenho generoso ao serviço do Evangelho.

Na Nunciatura Apostólica encontrei-me com algumas vítimas de abusos por parte de representantes do Clero e dos religiosos. Foi um momento intenso de comoção e de oração. Pouco depois, encontrei-me também com um grupo de profissionais e voluntários responsáveis da protecção das crianças e dos jovens nos ambientes eclesiais, um aspecto particularmente importante e presente no compromisso pastoral da Igreja. Agradeci-lhes e encorajei-os a prosseguir o seu trabalho, que se insere na longa tradição da Igreja de cura e respeito, de educação e formação das novas gerações. Sempre em Londres visitei depois a casa de repouso para idosos gerida pelas Pequenas Irmãs dos Pobres com a preciosa contribuição de numerosas enfermeiras e voluntários. Esta estrutura de acolhimento é sinal da grande consideração que a Igreja sempre teve pelos idosos, assim como expressão do compromisso dos católicos britânicos no respeito pela vida sem ter em consideração a idade nem as condições.

Como dizia, ápice da minha visita ao Reino Unido foi a beatificação do Cardeal John Henry Newman, ilustre filho da Inglaterra. Ela foi precedida e preparada por uma vigília especial de oração realizada sábado à noite em Londres, no Hyde Park, numa atmosfera de profundo recolhimento. À multidão de féis, especialmente jovens, quis repropor a luminosa figura do Cardeal Newman, intelectual e crente, cuja mensagem espiritual se pode sintetizar no testemunho que o caminho da consciência não é fechamento no próprio «eu», mas abertura, conversão e obediência Àquele que é Caminho, Verdade e Vida. O rito de beatificação teve lugar em Birmingham, durante a solene Celebração eucarística dominical, na presença de uma vasta multidão proveniente de toda a Grã-Bretanha e da Irlanda, com representações de muitos outros países. Este evento comovedor frisou ainda mais um estudioso de grande envergadura, um insigne escritor e poeta, um sábio homem de Deus, cujo pensamento iluminou muitas consciências e ainda hoje exerce um fascínio extraordinário. Nele, em particular, se inspirem os crentes e as comunidades eclesiais do Reino Unido, para que também nos nossos dias aquela nobre terra continue a produzir frutos abundantes de vida evangélica.

O encontro com a Conferência Episcopal da Inglaterra e do País de Gales e com a da Escócia, concluiu um dia de grande festa e de comunhão intensa de corações para a Comunidade católica na Grã-Bretanha.

Queridos irmãos e irmãs, nesta minha visita ao Reino Unido, como sempre quis apoiar em primeiro lugar a Comunidade católica, encorajando-a a trabalhar intrepidamente para defender as imutáveis verdades morais que, retomadas, iluminadas e confirmadas pelo Evangelho, estão na base de uma sociedade verdadeiramente humana, justa e livre. Pretendi falar também ao coração de todos os habitantes do Reino Unido, sem excluir nenhum, da realidade verdadeira do homem, das suas necessidades mais profundas, do seu destino último. Ao dirigir-me aos cidadãos daquele país, encruzilhada da cultura e da economia mundial, tive presente todo o Ocidente, dialogando com as razões desta civilização e comunicando a novidade imorredoura do Evangelho, da qual ela está impregnada. Esta viagem apostólica confirmou em mim uma profunda convicção: as antigas nações da Europa têm uma alma cristã, que constitui um todo com o «génio» e com a história dos respectivos povos, e a Igreja não cessa de trabalhar para manter continuamente viva esta tradição espiritual e cultural.

O beato John Henry Newman, cuja figura e escritos ainda conservam uma actualidade formidável, merece ser conhecido por todos. Ele ampare os propósitos e os esforços dos cristãos para «difundir em toda a parte o perfume de Cristo, a fim de que toda a sua vida seja unicamente uma irradiação da sua», como escrevia sabiamente no seu livro Irradiar Cristo.

Apelo

Realiza-se nesta semana em Viena a sessão plenária da Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico entre a Igreja Católica e a Igreja ortodoxa no seu conjunto. O tema da fase actual de estudo é o papel do Bispo de Roma na comunhão da Igreja universal, com particular referência ao primeiro milénio da história cristã. A obediência à vontade do Senhor Jesus, e a consideração dos grandes desafios que hoje se apresentam ao cristianismo, obrigam-nos a comprometer-nos seriamente na causa do restabelecimento da plena comunhão entre as Igrejas. Exorto todos a rezar intensamente pelos trabalhos da Comissão e por um contínuo desenvolvimento e consolidação da paz e da concórdia entre os baptizados, para que possamos dar ao mundo um testemunho evangélico cada vez mais autêntico.

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, cordiais saudações para todos vós, de modo especial para os fiéis de Campinas, da paróquia do Beato José de Anchieta no Cambuí. Continuai a defender aquelas verdades morais imutáveis que, iluminadas e confirmadas pelo Evangelho, estão na base de uma sociedade verdadeiramente humana, justa e livre. Sobre vós e vossas famílias desça a minha Bênção.








Praça de São Pedro

29 de Setembro de 2010: Santa Matilde de Hackeborn

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Estimados irmãos e irmãs

Hoje gostaria de vos falar de Santa Matilde de Hackeborn, uma das grandes figuras do mosteiro de Helfta, que viveu no século XIII. A sua irmã de hábito, Santa Gertrudes a Grande, no livro VI da obra Liber specialis gratiae (O livro da graça especial), em que são narradas as graças especiais que Deus concedeu a Santa Matilde, afirma assim: «O que escrevemos é muito pouco em comparação com o que omitimos. Publicamos estas coisas só para a glória de Deus e a utilidade do próximo, porque nos pareceria injusto manter o silêncio sobre as numerosas graças que Matilde recebeu de Deus, não tanto para si mesma, na nossa opinião, mas para nós e para aqueles que vierem depois de nós» (Mechthild von Hackeborn, Liber specialis gratiae, VI, 1).

Esta obra foi redigida por Santa Gertrudes e por outra irmã de hábito de Helfta, e contém uma história singular. Matilde, com cinquenta anos de idade, atravessava uma grave crise espiritual, unida a sofrimentos físicos. Nesta condição, confiou as duas irmãs de hábito amigas, as graças especiais com que Deus a tinha guiado desde a infância, mas não sabia que elas anotavam tudo. Quando o veio a saber, ficou profundamente angustiada e perturbada. Porém, o Senhor tranquilizou-a, fazendo-lhe compreender que quanto estava a ser escrito era para a glória de Deus e a vantagem do próximo (cf. ibid., II, 25; V, 20). Assim, esta obra é a fonte principal da qual haurir as informações sobre a vida e a espiritualidade da nossa Santa.

Com ela, somos introduzidos na família do Barão de Hackeborn, uma das mais nobres, ricas e poderosas da Turíngia, aparentada com o imperador Frederico II, e entramos no mosteiro de Helfta no período mais glorioso da sua história. O Barão já tinha dado ao mosteiro uma filha, Gertrudes de Hackeborn (1231/1232 — 1291/1292), dotada de uma personalidade acentuada, Abadessa por quarenta anos, capaz de dar um cunho peculiar à espiritualidade do mosteiro, levando-o a um florescimento extraordinário como centro de mística e de cultura, escola de formação científica e teológica. Gertrudes ofereceu às monjas uma elevada educação intelectual, que lhes permitia cultivar uma espiritualidade fundada na Sagrada Escritura, na Liturgia, na Tradição patrística, na Regra e na espiritualidade cisterciense, com preferência especial por São Bernardo de Claraval e Guilherme de Saint-Thierry. Foi uma verdaderia mestra, exemplar em tudo, na radicalidade evangélica e no zelo apostólico. Desde a infância, Matilde acolheu e saboreou o clima espiritual e cultural criado pela irmã, oferecendo depois a sua contribuição pessoal.

Matilde nasce em 1241, ou 1242, no castelo de Helfta; é a terceira filha do Barão. Com sete anos de idade, visita com a mãe a irmã Gertrudes no mosteiro de Rodersdorf. Fica tão fascinada por aquele ambiente, que deseja ardentemente fazer parte dele. Entra como educanda e, em 1258, torna-se monja no convento que, entretanto, se tinha transferido para Helfta, na quinta dos Hackeborn. Distingue-se por humildade, fervor, amabilidade, pureza e inocência de vida, familiaridade e intensidade com que vive a relação com Deus, a Virgem e os Santos. É dotada de elevadas qualidades naturais e espirituais, como «a ciência, a inteligência, o conhecimento das letras humanas, a voz de uma suavidade maravilhosa: tudo a tornava apta para ser no mosteiro um autêntico tesouro, sob todos os aspectos» (Ibid., Introdução). Assim, «o rouxinol de Deus» — como é chamada — ainda muito jovem, torna-se directora da escola do mosteiro, directora do coro, mestra das noviças, serviços que desempenha com talento e zelo incansável, não só em vantagem das monjas, mas de quem quer que desejasse haurir da sua sabedoria e bondade.

Iluminada pelo dom divino da contemplação mística, Matilde compõe numerosas orações. É mestra de doutrina fiel e de grande humildade, conselheira, consoladora e guia no discernimento: «Ela — lê-se — transmitia a doutrina com tal abundância, que jamais se tinha visto no mosteiro e, infelizmente, tememos que nunca mais se verá algo de semelhante. As religiosas reuniam-se ao seu redor para ouvir a palavra de Deus, como se fosse um pregador. Era o refúgio e a consoladora de todos e, como dom singular de Deus, tinha a graça de revelar livremente os segredos do coração de cada um. Muitas pessoas, não só no Mosteiro, mas também estranhos, religiosos e seculares, vindos de longe, testemunhavam que esta santa virgem os tinha libertado dos seus sofrimentos e que nunca haviam experimentado tanta consolação como nela. Além disso, compôs e ensinou tantas orações que, se fossem reunidas, excederiam o volume de um saltério» (Ibid., VI, 1).

Em 1261 chegou ao convento uma criança de cinco anos, chamada Gertrudes: é confiada aos cuidados de Matilde, com apenas vinte anos, que a educa e guia na vida espiritual, a ponto de fazer dela não só a discípula excelente, mas também a sua confidente. Em 1271, ou 1272, entra no mosteiro também Matilde de Magdeburgo. Assim, o lugar acolhe quatro grandes mulheres — duas Gertrudes e duas Matildes — glória do monaquismo germânico. Na longa vida transcorrida no mosteiro, Matilde é afligida por sofrimentos contínuos e intensos, aos quais se acrescentam as duríssimas penitências escolhidas para a conversão dos pecadores. Deste modo, participa na paixão do Senhor até ao fim da sua vida (cf. ibid., VI, 2). A oração e a contemplação são o húmus vital da sua existência: as revelações, os seus ensinamentos, o seu serviço ao próximo, o seu caminho na fé e no amor encontram aqui a sua raiz e o seu contexto. No primeiro livro da obra Liber specialis gratiae, as redactoras reúnem as confidências de Matilde, cadenciadas nas festas do Senhor, dos Santos e, de modo especial, da Bem-Aventurada Virgem. É impressionante a capacidade que esta Santa tem de viver a Liturgia nos seus vários componentes, mesmo as mais simples, levando-a na vida monástica quotidiana. Algumas imagens, expressões e aplicações às vezes estão longe da nossa sensibilidade mas, se se consideram a vida monástica e a sua tarefa de mestra e directora de coro, compreende-se a sua capacidade singular de educadora e formadora, que ajuda as irmãs de hábito a viver intensamente, a partir da Liturgia, cada momento da vida monástica.

Na oração litúrgica, Matilde dá realce particular às horas canónicas, à celebração da Santa Missa e sobretudo à Sagrada Comunhão. Aqui é com frequência arrebatada em êxtase, numa profunda intimidade com o Senhor, no seu Coração ardentíssimo e dulcíssimo, num diálogo maravilhoso em que pede luzes interiores, enquanto intercede de modo especial pela sua comunidade e pelas suas irmãs de hábito. No centro estão os mistérios de Cristo, aos quais a Virgem Maria se refere constantemente para caminhar pela vida da santidade: «Se tu desejas a verdadeira santidade, está perto do meu Filho; Ele é a própria santidade, que santifica todas as coisas» (Ibid., I, 40). Nesta sua intimidade com Deus estão presentes o mundo inteiro, a Igreja, os benfeitores e os pecadores. Para ela, Céu e terra unem-se.

As suas visões, os seus ensinamentos e as vicissitudes da sua existência são descritos com expressões que evocam a linguagem litúrgica e bíblica. É assim que se entende o seu profundo conhecimento da Sagrada Escritura, que era o seu pão de cada dia. Recorre a ela continuamente, quer valorizando os textos bíblicos lidos na liturgia, quer haurindo símbolos, termos, paisagens, imagens e personagens. A sua predilecção é pelo Evangelho: «As palavras do Evangelho eram para ela um alimento maravilhoso e suscitavam no seu coração sentimentos de tanta docilidade, que muitas vezes, pelo entusiasmo, não conseguia terminar a sua leitura... O modo como lia aquelas palavras era tão fervoroso, que em todos suscitava a devoção. Assim também, quando cantava no coro, vivia totalmente absorvida em Deus, transportada por tanto ardor que às vezes manifestava os seus sentimentos com gestos... Outras vezes, como que arrebatada em êxtase, não ouvia quantos a chamavam ou a moviam, e mal conseguia retomar o sentido das coisas exteriores» (Ibid., VI, 1). Numa das visões, é o próprio Jesus quem lhe recomenda o Evangelho: abrindo-lhe a chaga do seu dulcíssimo Coração, diz-lhe: «Considera como é imenso o meu amor: se quiseres conhecê-lo bem, em nenhum lugar o encontrarás expresso mais claramente do que no Evangelho. Ninguém jamais ouviu alguém manifestar sentimentos mais fortes e mais ternos do que estes: Assim como o meu Pai me amou, também Eu vos vos amei (
Jn 15,9)» (Ibid., I, 22).

Caros amigos, a oração pessoal e litúrgica, especialmente a Liturgia das Horas e a Santa Missa, estão na raiz da experiência espiritual de Santa Matilde de Hackeborn. Deixando-se guiar pela Sagrada Escritura e alimentar pelo Pão eucarístico, Ela percorreu um caminho de união íntima com o Senhor, sempre em plena fidelidade à Igreja. Isto é para nós também um forte convite a intensificar a nossa amizade com o Senhor, sobretudo através da oração quotidiana e a participação atenta, fiel e concreta na Santa Missa. A Liturgia é uma grande escola de espiritualidade.

A discípula Gertrudes descreve com expressões intensas os últimos momentos da vida de Santa Matilde de Hackeborn, duríssimos mas iluminados pela presença da Beatíssima Trindade, do Senhor, da Virgem Maria e de todos os Santos, mas inclusive da irmã de sangue, Gertrudes. Quando chegou a hora em que o Senhor quis chamá-la para junto de Si, ela pediu-lhe para poder viver ainda no sofrimento, para a salvação das almas, e Jesus compadeceu-se deste ulterior sinal de amor.

Matilde tinha 58 anos. Percorreu a última etapa caracterizada por oito anos de graves doenças. A sua obra e a sua fama de santidade difundiram-se amplamente. Quando chegou a sua hora, «o Deus de Majestade... única suavidade da alma que O ama... cantou-lhe: Venite vos, benedicti Patris mei... Vinde, ó vós que sois os benditos do meu Pai, vinde receber o reino... e associou-o à sua glória» (Ibid., VI, 8).

Santa Matilde de Hackeborn confia-nos ao Sagrado Coração de Jesus e à Virgem Maria. Convida a louvar o Filho com o Coração da Mãe e a louvar Maria com o Coração do Filho: «Saúdo-te, ó Virgem veneradíssima, naquele orvalho dulcíssimo que do Coração da Santíssima Trindade se difundiu em ti; saúdo-te na glória e no júbilo com que agora te alegras eternamente, Tu que por preferência a todas as criaturas da terra e do Céu, foste eleita ainda antes da criação do mundo! Amém» (Ibid., I, 45).



Apelo

Dirijo os meus pensamentos também para a grave crise humanitária que atingiu recentemente a Nigéria setentrional, onde dois milhões de pessoas foram obrigadas a abandonar as próprias casas por causa das graves inundações. A quantos foram atingidos exprimo a minha proximidade espiritual e garanto as minhas orações.

Saudação

Saúdo, com fraterna amizade, os peregrinos vindos de Portugal e de demais países de língua portuguesa, cuja romagem se detém hoje junto do túmulo de São Pedro e nesta Audiência com o seu Sucessor: Obrigado pela vossa presença e oração! Peço a Cristo Senhor que guarde no seu Coração Sagrado as vossas famílias e comunidades cristãs, abençoando a todos com a sua paz e o seu amor.


        


Praça de São Pedro

6 de Outubro de 2010: Santa Gertrudes


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