Audiências 2005-2013 20100

ANÚNCIO DO CONSISTÓRIO PARA A NOMEAÇÃO DOS NOVOS MEMBROS DO COLÉGIO CARDINALÍCIO



E agora anuncio com alegria que o no próximo dia 20 de Novembro realizarei um Consistório durante o qual nomearei novos Membros do Colégio Cardinalício. Os Cardeais têm a tarefa de ajudar o Sucessor do Apóstolo Pedro no cumprimento da sua missão de princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade da fé e da comunhão na Igreja (cf. Lumen gentium LG 18).

Eis os nomes dos novos Purpurados:

1. D. Angelo Amato, S.D.B., Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos;

2. S. B. Antonios Naguib, Patriarca de Alexandria dos Coptas (Egipto);

3. D. Robert Sarah, Presidente do Pontifício Conselho «Cor Unum»;

4. D. Francesco Monterisi, Arcipreste da Basílica Papal de São Paulo fora dos Muros;

5. D. Fortunato Baldelli, Penitenciário-Mor;

6. D. Raymond Leo Burke, Prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica;

7. D. Kurt Koch, Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos;

8. D. Paolo Sardi, Vice-Camerlengo da Santa Igreja Romana;

9. D. Mauro Piacenza, Prefeito da Congregação para o Clero;

10. D. Velasio De Paolis, C.S., Presidente da Prefeitura para os Assuntos Económicos da Santa Sé;

11. D. Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura;

12. D. Medardo Joseph Mazombwe, Arcebispo Emérito de Lusaka (Zâmbia);

13. D. Raúl Eduardo Vela Chiriboga, Arcebispo Emérito de Quito (Equador);

14. D. Laurent Monsengwo Pasinya, Arcebispo de Kinshasa (República Democrática do Congo);

15. D. Paolo Romeo, Arcebispo de Palermo (Itália);

16. D. Donald William Wuerl, Arcebispo de Washington (Estados Unidos da América);

17. D. Raymundo Damasceno Assis, Arcebispo de Aparecida (Brasil);

18. D. Kazimierz Nycz, Arcebispo de Varsóvia (Polónia);

19. D. Albert Malcolm Ranjith Patabendige Don, Arcebispo de Colombo (Sri Lanka);

20. D. Reinhard Marx, Arcebispo de Munique e Frisinga (Alemanha).

Além disso, decidi elevar à dignidade cardinalícia dois Prelados e dois Eclesiásticos, que se distinguiram pela sua generosidade e dedicação no serviço à Igreja.

Eles são:

1. D. José Manuel Estepa Llaurens, Arcebispo Ordinário Militar Emérito (Espanha);

2. D. Elio Sgreccia, ex-Presidente da Pontifícia Academia para a Vida (Itália);

3. Mons. Walter Brandmüller, ex-Presidente da Pontifícia Comissão de Ciências Históricas (Alemanha);

4. Mons. Domenico Bartolucci, ex-Maestro Director da Pontifícia Capela Musical (Itália).

Na lista dos novos Purpurados reflecte-se a universalidade da Igreja; com efeito, eles provêm das várias regiões do mundo e desempenham tarefas ao serviço da Santa Sé ou em contacto directo com o Povo de Deus como Padres e Pastores de Igrejas particulares.

Convido-vos a rezar pelos novos Cardeais, pedindo a particular intercessão da Santíssima Mãe de Deus, a fim de que desempenhem fecundamente o seu ministério na Igreja.








Praça de São Pedro

27 de Outubro de 2010: Santa Brígida da Suécia

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Estimados irmãos e irmãs!

Na férvida vigília do Grande Jubileu do Ano 2000, o Venerável Servo de Deus João Paulo II proclamou Santa Brígida da Suécia co-Padroeira de toda a Europa. Hoje de manhã, gostaria de apresentar a sua figura, a sua mensagem e os motivos pelos quais esta santa mulher tem muito a ensinar — ainda hoje — à Igreja e ao mundo.

Conhecemos bem os acontecimentos da vida de Santa Brígida, porque os seus padres espirituais redigiram a sua biografia para promover o seu processo de canonização imediatamente depois da sua morte, ocorrida em 1373. Brígida nasceu setenta anos antes, em 1303, em Finster, na Suécia, uma nação do norte da Europa que, havia três séculos, tinha acolhido a fé cristã com o mesmo entusiasmo com que a Santa a recebera dos seus pais, pessoas muito piedosas, pertencentes a nobres famílias próximas da Casa reinante.

Podemos distinguir dois períodos na vida desta Santa.

O primeiro é caracterizado pela sua condição de mulher felizmente casada. O marido chamava-se Ulf e era governador de um importante distrito do Reino da Suécia. O matrimónio durou vinte e oito anos, até à morte de Ulf. Nasceram oito filhos, dos quais a segunda Karin (Catarina), é venerada como Santa. Isto é um sinal eloquente do compromisso educativo de Brígida em relação aos seus próprios filhos. De resto, a sua sabedoria pedagógica foi apreciada a tal ponto, que o rei da Suécia, Magnus, a chamou à corte por um certo período, com a finalidade de introduzir a sua jovem esposa, Bianca de Namur, na cultura sueca.

Brígida, espiritualmente guiada por um douto religioso que a iniciou no estudo das Escrituras, exerceu uma influência muito positiva sobre a própria família que, graças à sua presença, se tornou uma verdadeira «igreja doméstica». Juntamente com o marido, adoptou a Regra dos Terciários franciscanos. Praticava com generosidade obras de caridade em prol dos indigentes; fundou também um hospital. Ao lado da sua esposa, Ulf aprendeu a melhorar a sua índole e a progredir na vida cristã. Quando regressou de uma longa peregrinação a Santiago de Compostela, realizada em 1341 juntamente com outros membros da família, os cônjuges amadureceram o projecto de viver em continência; mas pouco tempo mais tarde, na paz de um mosteiro onde se tinha retirado, Ulf concluiu a sua vida terrena.

Este primeiro período da vida de Brígida ajuda-nos a apreciar aquela que hoje poderíamos definir uma autêntica «espiritualidade conjugal»: juntos, os cônjuges cristãos podem percorrer um caminho de santidade, sustentados pela graça do Sacramento do Matrimónio. Não poucas vezes, precisamente como aconteceu na vida de Santa Brígida e de Ulf, é a mulher que, com a sua sensibilidade religiosa, com a delicadeza e a docilidade consegue levar o marido a percorrer um caminho de fé. Penso com reconhecimento em muitas mulheres que, dia após dia, ainda hoje iluminam as próprias famílias com o seu testemunho de vida cristã. Possa o Espírito do Senhor suscitar também nos dias de hoje a santidade dos cônjuges cristãos, para mostrar ao mundo a beleza do matrimónio vivido segundo os valores do Evangelho: o amor, a ternura, a ajuda recíproca, a fecundidade na geração e na educação dos filhos, a abertura e a solidariedade para com o mundo e a participação na vida da Igreja.

Quando Brígida ficou viúva, teve início o segundo período da sua vida. Renunciou a outras bodas para aprofundar a união com o Senhor através da oração, da penitência e das obras de caridade. Portanto, também as viúvas cristãs podem encontrar nesta Santa um modelo a seguir. Com efeito, após a morte do marido, Brígida distribuiu os seus próprios bens aos pobres e, mesmo sem jamais aceder à consagração religiosa, estabeleceu-se no mosteiro cisterciense de Alvastra. Ali tiveram início as revelações divinas, que a acompanharam durante o resto da sua vida. Elas foram ditadas por Brígida aos seus secretários-confessores, que as traduziram do sueco para o latim e as reuniram numa edição de oito livros, intitulados Revelationes (Revelações). A estes livros acrescenta-se um suplemento, que tem como título precisamente Revelationes extravagantes (Revelações suplementares).

As Revelações de Santa Brígida apresentam um conteúdo e um estilo muito diversificados. Às vezes a revelação apresenta-se sob a forma de diálogos entre as Pessoas divinas, a Virgem, os Santos e até os demónios; diálogos em que também Brígida intervém. Outras vezes, ao contrário, trata-se da narração de uma visão particular; e noutras ainda narra-se aquilo que a Virgem Maria lhe revela acerca da vida e dos mistérios do Filho. O valor das Revelações de Santa Brígida, por vezes objecto de algumas dúvidas, foi especificado pelo Venerável João Paulo II, na Carta Spes aedificandi: «A Igreja, ao reconhecer a santidade de Brígida, mesmo sem se pronunciar sobre cada uma das revelações, acolheu a autenticidade do conjunto da sua experiência interior» (n. 5).

Com efeito, lendo estas Revelações somos interpelados sobre muitos temas importantes. Por exemplo, volta-se a descrever frequentemente, com pormenores bastante realistas, a Paixão de Cristo, pela qual Brígida teve sempre uma devoção privilegiada, contemplando nela o amor infinito de Deus pelos homens. Nos lábios do Senhor que lhe fala, ela põe com audácia estas palavras comovedoras: «Ó, meus amigos, Eu amo tão ternamente as minhas ovelhas que, se fosse possível, gostaria de morrer muitas outras vezes, por cada uma delas, daquela mesma morte que padeci pela redenção de todas elas» (Revelationes, Livro I, C. 59). Também a dolorosa maternidade de Maria, que a tornou Mediadora e Mãe de misericórdia, é um argumento que aparece com frequência nas Revelações.

Ao receber estes carismas, Brígida estava consciente de ser destinatária de um dom de grande predilecção da parte do Senhor: «Minha filha — lemos no primeiro Livro das Revelações — Eu escolhi-te para mim; ama-me com todo o seu coração... mais do que tudo quanto existe no mundo» (c. 1). De resto, Brígida sabia bem, e disto estava firmemente convencida, que cada carisma está destinado a edificar a Igreja. Precisamente por este motivo, não poucas das suas revelações eram dirigidas, em forma de admoestações até severas, aos fiéis do seu tempo, também às Autoridades religiosas e políticas, a fim de que vivessem coerentemente a sua vida cristã; mas fazia isto sempre com uma atitude de respeito e de fidelidade integral ao Magistério da Igreja, de modo particular ao Sucessor do Apóstolo Pedro.

Em 1349, Brígida deixou para sempre a Suécia e veio em peregrinação a Roma. Não só tencionava participar no Jubileu de 1350, mas também desejava obter do Papa a aprovação da Regra de uma Ordem religiosa que ela queria fundar, intitulada ao Santo Salvador, e composta por monges e monjas sob a autoridade da abadessa. Trata-se de um elemento que não nos deve surpreender: na Idade Média existiam fundações monásticas com um ramo masculino e outro feminino, mas com a prática da mesma regra monástica, que previa a direcção de uma abadessa. Com efeito, na grande tradição cristã, à mulher são reconhecidos a própria dignidade e — sempre a exemplo de Maria, Rainha dos Apóstolos — o próprio lugar na Igreja que, sem coincidir com o sacerdócio ordenado, é igualmente importante para o crescimento espiritual da Comunidade. Além disso, a colaboração de consagrados e de consagradas, sempre no respeito pela sua vocação específica, tem uma grande importância no mundo contemporâneo.

Em Roma, acompanhada pela filha Karin, Brígida dedicou-se a uma vida de intenso apostolado e de oração. E de Roma partiu em peregrinação a vários santuários italianos, em particular a Assis, pátria de São Francisco, por quem Brígida nutriu sempre uma grande devoção. Finalmente, em 1371, coroou a sua maior aspiração: a viagem à Terra Santa, aonde foi em companhia dos seus filhos espirituais, um grupo ao qual Brígida chamava «os amigos de Deus».

Durante aqueles anos, os Pontífices encontravam-se em Avinhão, longe de Roma: Brígida dirigiu-se sentidamente a eles, a fim de que voltassem para a Sé de Pedro, na Cidade Eterna.

Faleceu em 1373, antes que o Papa Gregório XI tivesse voltado definitivamente para Roma. Foi sepultada provisoriamente na igreja romana de São Lourenço «in Panisperna», mas em 1374 os seus filhos Birger e Karin trasladaram-na para a pátria, no mosteiro de Vadstena, sede da Ordem religiosa fundada por Santa Brígida, que conheceu imediatamente uma expansão notável. Em 1391 o Papa Bonifácio ix canonizou-a solenemente.

A santidade de Brígida, caracterizada pela multiplicidade dos dons e das experiências que eu quis recordar neste breve perfil biográfico-espiritual, faz dela uma figura eminente na história da Europa. Proveniente da Escandinávia, Santa Brígida testemunha como o cristianismo permeou profundamente a vida de todos os povos deste Continente. Declarando-a co-Padroeira da Europa, o Papa João Paulo II fez votos por que Santa Brígida – que viveu no século XIV, quando a cristandade ocidental ainda não estava ferida pela divisão — possa interceder junto de Deus, para obter a graça tão almejada da plena unidade de todos os cristãos. Por esta mesma intenção, que é por nós muito desejada, e para que a Europa saiba alimentar-se sempre a partir das suas raízes cristãs, queremos rezar, caros irmãos e irmãs, invocando a poderosa intercessão de Santa Brígida da Suécia, discípula fiel de Deus e co-Padroeira da Europa. Obrigado pela atenção!

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, queridos fiéis brasileiros de Itatiba, Franca, Paciência, São Paulo e peregrinos vindos de Portugal: a todos dou as boas-vindas, feliz e agradecido pela vossa visita amiga. O Pai do Céu derrame os seus dons sobre vós e vossas famílias, que de coração abençoo. Obrigado!





Sala Paulo VI

3 de Novembro de 2010: Margarida de Oingt

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Queridos irmãos e irmãs,

Com Margarida de Oingt, de quem gostaria de vos falar hoje, somos introduzidos na espiritualidade cartuxa, que se inspira na síntese evangélica vivida e proposta por São Bruno. Não sabemos a data do seu nascimento, embora alguns afirmem que ocorreu por volta de 1240. Margarida provém de uma família poderosa de antiga nobreza da região de Lião, os Oingt. Sabemos que também a mãe se chamava Margarida, e que tinha dois irmãos — Guiscardo e Luís — e três irmãs: Catarina, Isabel e Inês. Esta última segui-la-á no mosteiro, na Cartuxa, sucedendo-lhe em seguida como priora.

Não dispomos de notícias acerca da sua infância, mas dos seus escritos podemos intuir que a transcorreu tranquilamente, num ambiente familiar carinhoso. Com efeito, para manifestar o amor ilimitado de Deus, ela valoriza muito as imagens ligadas à família, com referência particular às figuras do pai e da mãe. Numa das suas meditações, ela reza assim: «Bom e dócil Senhor, quando penso nas graças especiais que me concedeste pela tua solicitude: em primeiro lugar, como me conservaste desde a minha infância, e como me subtraíste do perigo deste mundo e me chamaste para que eu me dedicasse ao teu santo serviço, e como me ofereceste tudo o que me era necessário para comer, beber, vestir e calçar (e fizeste-o), de tal modo que eu não tive necessidade de pensar em tudo isto, a não ser na tua grande misericórdia» (Margarida de Oingt, Scritti spirituali, Meditação V, 100, Cinisello Balsamo 1997, pág. 74).

Das suas meditações intuímos também que entrou na Cartuxa de Poleteins em resposta à chamada do Senhor, deixando tudo e aceitando a severa regra dos cartuxos, para ser totalmente do Senhor, para estar sempre com Ele. Ela escreve: «Dócil Senhor, deixei meu pai, minha mãe, meus irmãos e todas as coisas deste mundo por amor a ti; mas isto é pouquíssimo, porque as riquezas deste mundo mais não são que espinhos pungentes; e quem mais as possui, mais é desafortunado. E por isso tenho a impressão que só deixei miséria e pobreza; mas Tu sabes, dócil Senhor, que se eu possuísse mil mundos e pudesse dispor deles a meu bem-prazer, abandonaria tudo por amor a ti; e ainda que Tu me concedesses tudo quanto possuis no céu e na terra, eu não me sentiria satisfeita, enquanto não te tivesse a ti, porque Tu és a vida da minha alma, e não tenho nem quero ter um pai nem uma mãe fora de ti» (Ibid., Meditação II, 32, pág. 59).

Também da sua vida na Cartuxa possuímos poucos dados. Sabemos que em 1288 se tornou a sua quarta priora, cargo que desempenhou até à morte, ocorrida a 11 de Fevereiro de 1310. De qualquer maneira, dos seus escritos não sobressaem mudanças particulares no seu itinerário espiritual. Ela concebe toda a sua vida como um caminho de purificação, até à plena configuração com Cristo. Cristo é o Livro que deve ser escrito, gravado quotidianamente no próprio coração e na própria vida, de modo especial a sua Paixão salvífica. Na obra Speculum Margarida, referindose a si mesma na terceira pessoa, sublinha que pela graça do Senhor «tinha gravado no seu coração a santa vida que Deus, Jesus Cristo, levou na terra, os seus bons exemplos e a sua boa doutrina. Ela tinha inserido tão bem o dócil Jesus Cristo no seu coração, que até lhe parecia que Ele estava presente e segurasse um livro fechado na sua mão, para a instruir» (Ibid., I, 2-3, pág. 81). «Neste livro ela encontrava inscrita a vida que Jesus Cristo levou na terra, desde o seu nascimento até à sua elevação ao Céu» (Ibid., I, 12, pág. 83).

Diariamente, desde a manhã, Margarida aplica-se ao estudo deste livro. E, depois de o observar atentamente, começa a ler no livro da sua consciência, que revela as falsidades e as mentiras da sua vida (cf. ibid., I, 6-7, pág. 82); escreve de si mesma para beneficiar os outros e para fixar mais profundamente no próprio coração a graça da presença de Deus, ou seja, para fazer com que todos os dias a sua existência seja marcada pelo confronto com as palavras e as obras de Jesus, com o Livro da sua vida. E isto para que a vida de Cristo seja impressa na alma de modo estável e profundo, a ponto de poder ver o Livro no seu interior, ou seja, até contemplar o mistério de Deus Trindade (cf. ibid., II, 14-22; III, 23-40, págs. 84-90).

Através dos seus escritos, Margarida oferece-nos alguns indícios sobre a sua espiritualidade, permitindo-nos compreender algumas características da sua personalidade e dos seus dotes de governo. É uma mulher muito culta; escreve habitualmente em latim, a língua dos eruditos, mas escreve inclusive em franco provençal, e também esta é uma raridade: assim os seus escritos são os primeiros, dos quais se conserva a memória, redigidos nesta língua. Ela vive uma existência rica de experiências místicas, descritas com simplicidade, deixando intuir o mistério inefável de Deus, sublinhando os limites da mente na sua compreensão e na inadequação da língua humana para o manifestar. Ela tem uma personalidade linear, simples, aberta, de dócil carga afectiva, de grande equilíbrio e de discernimento perspicaz, capaz de penetrar nas profundidades do espírito humano, de compreender os seus limites, as suas ambiguidades, mas também as suas aspirações e a tensão da alma para Deus. Demonstra uma acentuada disposição para o governo, unindo a sua profunda vida espiritual e mística, com o serviço às irmãs e à comunidade. Neste sentido, é significativo um trecho de uma carta escrita a seu pai: «Meu dócil pai, comunico-lhe que me encontro muito ocupada por causa das necessidades da nossa casa, que não me é possível aplicar o espírito em bons pensamentos; com efeito, tenho tantas coisas para fazer que não sei por onde começar. Não recolhemos o trigo no sétimo mês do ano, e os nossos vinhedos foram destruídos pela tempestade. Além disso, a nossa igreja encontra-se em condições tão precárias, que somos obrigadas a reconstruí-la parcialmente» (Ibid., Cartas, III, 14, pág. 127).

Uma monja cartuxa delineia assim a figura de Margarida: «Através da sua obra, revela-nos uma personalidade fascinante, uma inteligência viva, orientada para a especulação e, ao mesmo tempo, favorecida por graças místicas, em síntese, uma mulher santa e sábia que sabe expressar com um certo humorismo uma afectividade inteiramente espiritual» (Una Monaca Certosina, Certosine, em Dizionario degli Istituti di Perfezione, Roma 1975,
Col 777). No dinamismo da vida mística, Margarida valoriza a experiência dos afectos naturais, purificados pela graça, como meio privilegiado para compreender mais profundamente e favorecer a acção divina com mais prontidão e ardor. O motivo reside no facto de que a pessoa humana é criada à imagem de Deus, e por isso é chamada a construir com Deus uma maravilhosa história de amor, deixando-se envolver totalmente pela sua iniciativa.

O Deus Trindade, o Deus amor que se revela em Cristo fascina-a, e Margarida vive uma relação de amor profunda pelo Senhor e, em contrapartida, vê a ingratidão humana até à pusilanimidade, até ao paradoxo da cruz. Ela afirma que a cruz de Cristo é semelhante ao leito do parto. A dor de Jesus na cruz é comparada com a de uma mãe. Ela escreve: «A mãe que me trouxe no ventre sofreu enormemente ao dar-me à luz, por um dia ou por uma noite, mas Tu, bom e dócil Senhor, por mim foste atormentado não apenas por uma noite ou por um dia, mas por mais de trinta anos (...) como padeceste amargamente por causa de mim, durante toda a tua vida! E quando chegou o momento do parto, o seu sofrimento foi tão doloroso que o teu santo suor se transformou como que em gotas de sangue que desciam por todo o teu corpo até ao chão» (Ibid., Meditação I, 33, pág. 59).

Evocando as narrações da Paixão de Jesus, Margarida contempla estas dores com profunda compaixão: «Tu foste depositado no duro leito da cruz, de tal modo que não te podias mover, nem virar ou agitar os teus membros, como costuma fazer um homem que padece uma grande dor, porque foste completamente estendido e te foram cravados os pregos (...) e (...) foram dilacerados todos os teus músculos e as tuas veias (...) Mas todas estas dores (...) ainda não te bastavam, e por isso quiseste que o teu lado fosse trespassado pela lança, com tanta crueldade a ponto de fazer com que o teu dócil corpo fosse totalmente arado e lacerado; e o teu precioso sangue jorrava com tanta violência, que formou um longo percurso, como se fosse um grande regato». Referindo-se a Maria, ela afirma: «Não surpreende que a espada que trespassou o teu corpo tenha penetrado também o Coração da sua gloriosa Mãe, que tanto amava sustentar-te (...) porque o teu amor foi superior a todos os outros amores» (Ibid., Meditação II, 36-39.42, pág. 60 s.).

Caros amigos, Margarida de Oingt convida-nos a meditar quotidianamente sobre a vida de dor e de amor de Jesus, e da sua Mãe, Maria. É nisto que consiste a nossa esperança, o sentido da nossa existência. Da contemplação do amor de Cristo por nós brotam a força e a alegria de responder com igual amor, colocando a nossa vida ao serviço de Deus e do próximo. Com Margarida, digamos também nós: «Dócil Senhor, tudo quanto realizaste, por amor a mim e a todo o género humano, estimula-me a amar-te, mas a recordação da tua santíssima Paixão infunde um vigor inaudito no meu poder de afecto para te amar. É por isso que me parece (...) que encontrei aquilo que eu tanto desejava: amar unicamente a ti, ou em ti ou por amor a ti» (Ibid., Meditação II, 46, pág. 62).

À primeira vista, esta figura de cartuxa medieval, assim como toda a sua vida e o seu pensamento parecem muito distantes de nós, da nossa vida e do nosso modo de pensar e de agir. Contudo, se considerarmos o essencial desta vida, vemos que diz respeito também a nós e deveria tornar-se fundamental inclusive na nossa existência.

Ouvimos que Margarida considerava o Senhor como um livro, fixava o olhar no Senhor, considerava-a como um espelho onde aparece também a própria consciência. E foi deste espelho que a luz entrou na sua alma: deixou entrar a palavra, a vida de Cristo no seu próprio ser e assim foi transformada; a consciência foi iluminada, encontrou critérios, luz, e foi purificada. É precisamente disto que também nós temos necessidade: deixar que as palavras, a vida e a luz de Cristo entrem na nossa consciência, para que ela seja iluminada e compreenda o que é verdadeiro e bom, e o que é mau; que a nossa consciência seja iluminada e purificada. Não há imundície apenas nas diversas estradas do mundo. Há imundície também nas nossas consciências e nas nossas almas. Só a luz do Senhor, a sua força e o seu amor nos limpa, purifica e indica o caminho recto. Portanto, sigamos Santa Margarida neste olhar para Jesus. Leiamos no livro da sua vida, deixemo-nos iluminar e purificar, para aprender a vida autêntica. Obrigado!



Saudações

Prezados peregrinos de língua portuguesa, a minha saudação amiga para todos, de modo particular para os fiéis brasileiros das dioceses de Bragança Paulista e de Passo Fundo. Sei que buscais a imensidade de Deus para os horizontes demasiado estreitos, onde a vida por vezes se perde e agoniza. Cristo é o caminho para o infinito que buscais: pode parecer estreita a passagem, mas o resultado é maravilhoso, como no-lo asseguram os Santos. De coração vos dou a minha Bênção, extensiva às vossas famílias.






Sala Paulo VI

10 de Novembro de 2010: Viagem Apostólica a Santiago de Compostela e Barcelona

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Estimados irmãos e irmãs

Hoje, gostaria de recordar convosco a Viagem Apostólica a Santiago de Compostela e Barcelona, que tive a alegria de realizar no sábado e domingo passados. Fui ali para confirmar na fé os meus irmãos (cf.
Lc 22,32); fi-lo como testemunha de Cristo Ressuscitado, como semeador da esperança que não desilude nem engana, porque tem a sua origem no amor infinito de Deus por todos os homens.

A primeira etapa foi Santiago. Desde a cerimónia de boas-vindas, pude experimentar o carinho que a população da Espanha nutre pelo Sucessor de Pedro. Fui recebido realmente com grande entusiasmo e fervor. Neste Ano Santo Compostelano, quis fazer-me peregrino com quantos, em grande número, visitaram aquele célebre Santuário. Pude visitar a «Casa do Apóstolo Tiago, o Maior», que continua a repetir, a quantos ali chegam necessitados de graça que, em Cristo, Deus veio ao mundo para o reconciliar consigo, e não para condenar as culpas dos homens.

Na imponente Catedral de Compostela, dando com emoção o tradicional abraço ao Santo, pensei como este gesto de recepção e amizade é inclusive um modo de expressar a adesão à sua palavra e a participação na sua missão. Um sinal forte da vontade de se conformar com a mensagem apostólica que, por um lado, nos compromete a ser guardiães fiéis da Boa Nova que os Apóstolos transmitiram, sem ceder à tentação de a alterar, diminuir ou submeter a outros interesses e, por outro, transforma cada um de nós em anunciadores incansáveis da fé em Cristo, com a palavra e o testemunho da vida em todos os âmbitos da sociedade.

Vendo o número de peregrinos presentes na Santa Missa solene que tive a alegria de presidir em Santiago, meditei sobre o que impele tantas pessoas a deixar os afazeres diários e empreender o caminho penitencial rumo a Compostela, uma senda às vezes longa e cansativa: é o desejo de alcançar a luz de Cristo, pela qual aspiram no profundo do seu coração, ainda que muitas vezes não o saibam manifestar bem com palavras. Nos momentos de confusão, busca, dificuldade, como também na aspiração por fortalecer a fé e viver de modo mais coerente, os peregrinos a Compostela fazem um profundo itinerário de conversão a Cristo, que assumiu em si a fragilidade, o pecado da humanidade, as misérias do mundo, levando-os para onde o mal já não tem poder, onde a luz do bem ilumina tudo. Trata-se de um povo de caminhantes silenciosos, provenientes do mundo inteiro, que redescobrem a antiga tradição medieval e cristã da peregrinação, atravessando aldeias e cidades cheias de catolicismo.

Nessa solene Eucaristia, vivida por muitos fiéis presentes com intensa participação e devoção, pedi com fervor que quantos vão em peregrinação a Santiago recebam o dom de se tornar verdadeiras testemunhas de Cristo, que descobriram nas encruzilhadas das sugestivas vias que levam a Compostela. Rezei ainda para que os peregrinos, seguindo os passos de muitos Santos que nos séculos sulcaram o «Caminho de Santiago», mantenham vivo o genuíno significato religioso, espiritual e penitencial, sem ceder à banalidade, distracção ou modas. Este caminho, cruzamento de vias que sulcam vastas terras, formando uma rede na Península Ibérica e Europa, foi e continua a ser lugar de encontro de homens e mulheres de proveniências mais variadas, unidos na busca da fé e da verdade acerca de si mesmos, e suscita profundas experiências de partilha, fraternidade e solidariedade.

É a fé em Cristo que dá sentido a Compostela, lugar espiritualmente extraordinário, que continua a ser ponto de referência para a Europa de hoje nas suas novas configurações e perspectivas. Conservar e reforçar a abertura ao transcendente, bem como um diálogo fecundo entre fé e razão, política e religião, economia e ética, permitirá construir uma Europa que, fiel às suas raízes cristãs imprescindíveis, possa responder plenamente à sua vocação e missão no mundo. Por isso, convicto das imensas possibilidades do Continente europeu e confiante num seu porvir de esperança, convidei a Europa a abrir-se cada vez mais a Deus, favorecendo deste modo as perspectivas de um autêntico encontro, respeitoso e solidário, com as populações e civilizações dos demais Continentes.

Depois, domingo, tive a alegria realmente grande de presidir em Barcelona, à Dedicação da igreja da Sagrada Família, que declarei Basílica Menor. Ao contemplar a grandiosidade e beleza desse edifício, que convida a elevar o olhar e alma para Deus, recordei as grandes construções religiosas, como as catedrais da Idade Média, que marcaram profundamente a história e fisionomia das principais cidades da Europa. Essa obra maravilhosa — riquíssima de simbologia religiosa, preciosa no entrelaçamento das formas, fascinante no jogo de luzes e cores — como se fosse uma imensa escultura de pedra, fruto da fé profunda, da sensibilidade espiritual e do talento artístico de Antoni Gaudí, remete para o verdadeiro santuário, para o lugar do culto real, que é o Céu, onde Cristo entrou para se manifestar a Deus em nosso favor (cf. He 9,24). O arquitecto genial, nesse templo magnífico, soube representar de maneira admirável o mistério da Igreja, em que os fiéis são incorporados mediante o Baptismo como pedras vivas para a construção de um edifício espiritual (cf. 1P 2,5).

A igreja da Sagrada Família foi concebida e projectada por Gaudí como uma grande catequese sobre Jesus Cristo, como um cântico de louvor ao Criador. Nesse edifício tão imponente, ele pôs a sua genialidade ao serviço da beleza. De facto, a extraordinária capacidade expressiva e simbólica das formas e dos motivos artísticos, bem como as inovadoras técnicas de arquitectura e escultura, evocam a Fonte suprema de toda a beleza. O famoso architecto considerou esta obra uma missão em que estava empenhada toda a sua pessoa. A partir do momento em que aceitou o cargo da construção da igreja, a sua vida foi marcada por uma profunda mudança. Assim começou uma prática intensa de oração, jejum e pobreza, sentindo a necessidade de se preparar espiritualmente para conseguir expressar na realidade material o mistério insondável de Deus. Pode-se dizer que, enquanto Gaudí trabalhava na construção do templo, Deus construía nele o edifício espiritual (cf. Ep 2,22), fortalecendo-o na fé e aproximando-o sempre mais na intimidade de Cristo. Inspirando-se continuamente na natureza, obra do Criador, e dedicando-se com paixão ao conhecimento da Sagrada Escritura e da liturgia, ele soube realizar no coração da cidade um edifício digno de Deus e, por isso mesmo, digno do homem.

Em Barcelona visitei também a Obra do «Nen Déu», uma iniciativa ultracentenária muito ligada àquela Arquidiocese, onde são curados com profissionalidade e com amor crianças e jovens portadores de deficiência. As suas vidas são preciosas aos olhos de Deus e convidam-nos a sair constantemente do nosso egoísmo. Nessa Casa tornei-me partícipe da alegria e da caridade profunda e incondicional das Irmãs Franciscanas dos Sagrados Corações, da generosa obra levada a cabo por médicos, educadores e numerosos outros profissionais e voluntários, que trabalham com dedicação louvável no Instituto. Também benzi a primeira pedra de uma nova Residência que fará parte dessa Obra, onde tudo fala de caridade, de respeito pela pessoa e pela sua dignidade e de profunda alegria, porque o ser humano vale por aquilo que é, e não unicamente pelo que faz.

Em Barcelona, rezei intensamente pela família, célula vital e esperança da sociedade e da Igreja. Recordei ainda quantos sofrem, em especial nestes momentos de sérias dificuldades económicas. Pensei também nos jovens — que me acompanharam em toda a visita a Santiago e Barcelona com entusiasmo e alegria — para que descubram a beleza, o valor e o empenho do Matrimónio, em que um homem e uma mulher formam uma família, que generosamente acolhe a vida e a acompanha desde a sua concepção até ao seu fim natural. Tudo o que se faz para apoiar o matrimónio e a família, para ajudar as pessoas mais carentes, tudo aquilo que aumenta a grandeza do homem e a sua dignidade inviolável contribui para aperfeiçoar a sociedade. Neste sentido, nenhum esforço é em vão.

Caros amigos, dou graças a Deus pelos dias intensos que passei em Santiago de Compostela e Barcelona. Renovo a minha gratidão ao Rei e à Rainha da Espanha, aos Príncipes das Astúrias e a todas as Autoridades. Dirijo de novo o meu pensamento reconhecido e carinhoso aos amados Irmãos Arcebispos das duas Igrejas particulares e aos seus colaboradores, a quantos trabalham generosamente para que a minha visita a estas duas cidades maravilhosas fosse fecunda. Foram dias inesquecíveis, que ficarão gravados no meu coração! Em especial, as duas celebrações eucarísticas, preparadas com atenção e vividas intensamente por todos os fiéis, também com cantos tirados tanto da grande tradição musical da Igreja como da genialidade de autores modernos, foram momentos de verdadeira alegria interior. Deus recompense todos, como só Ele sabe fazer; a Santíssima Mãe de Deus e o Apóstolo São Tiago continuem a acompanhar com a sua protecção o seu caminho. No próximo ano, se Deus quiser, irei de novo à Espanha, a Madrid, para a Jornada Mundial da Juventude. Confio desde já à vossa oração esta próvida iniciativa, a fim de que venha a ser uma ocasião de crescimento na fé para muitos jovens.

Saudação

Queridos peregrinos de língua portuguesa, particularmente os fiéis vindos do Rio de Janeiro: sede bem vindos! Que essa peregrinação a Roma vos ajude a crescer na esperança, que nasce do amor infinito de Deus pelos homens, e assim possais dar um eloqüente testemunho cristão na sociedade. Ide em paz! Obrigado!







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