Audiências 2005-2013 17110

17 de Novembro de 2010: Santa Juliana de Cornillon

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Queridos irmãos e irmãs,

Também esta manhã gostaria de vos apresentar uma figura feminina pouco conhecida, mas à qual a Igreja deve um grande reconhecimento, não apenas pela sua santidade de vida, mas também porque, com o seu intenso fervor, contribuiu para a instituição de uma das solenidades litúrgicas mais importantes do ano, a do Corpus Christi. Trata-se de Santa Juliana de Cornillon, também conhecida como Santa Juliana de Liège. Dispomos de alguns dados sobre a sua vida, sobretudo através de uma biografia, escrita provavelmente por um eclesiástico seu contemporâneo, em que são reunidos vários testemunhos de pessoas que conheceram a Santa de modo directo.

Juliana nasceu entre 1191 e 1192 nos arredores de Liège, na Bélgica. É importante ressaltar esta localidade, porque naquela época a Diocese de Liège era, por assim dizer, um verdadeiro «cenáculo eucarístico». Antes de Juliana, teólogos insignes explicaram ali o valor supremo do Sacramento da Eucaristia e, ainda em Liège, havia grupos femininos generosamente dedicados ao culto eucarístico e à comunhão fervorosa. Orientadas por sacerdotes exemplares, elas viviam juntas, dedicando-se à oração e às obras de caridade.

Tendo ficado órfã com 5 anos de idade, Juliana com a sua irmã Inês foram confiadas aos cuidados das monjas agostinianas do convento-leprosário de Mont-Cornillon. Foi educada principalmente por uma religiosa chamada Sapiência, que acompanhou também o seu amadurecimento espiritual, até quando a própria Juliana recebeu o hábito religioso, tornando-se também ela uma monja agostiniana. Adquiriu uma cultura notável, a tal ponto que lia as obras dos Padres da Igreja em língua latina, em particular Santo Agostinho e São Bernardo. Além de ter uma inteligência perspicaz, Juliana demonstrava desde o início uma propensão especial para a contemplação; era dotada de um profundo sentido da presença de Cristo, que experimentava vivendo de modo particular o Sacramento da Eucaristia e detendo-se com frequência para meditar sobre estas palavras de Jesus: «Eis que Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo» (
Mt 28,20).

Com a idade de 16 anos teve uma primeira visão, que depois se repetiu várias vezes nas suas adorações eucarísticas. A visão apresentava a lua no seu mais completo esplendor, com uma faixa escura que a atravessava diametralmente. O Senhor levou-a a compreender o significado daquilo que lhe tinha aparecido. A lua simbolizava a vida da Igreja na terra, a linha opaca representava, ao contrário, a ausência de uma festa litúrgica, para cuja instituição se pedia a Juliana que trabalhasse de maneira eficaz: ou seja, uma festa em que os fiéis pudessem adorar a Eucaristia para aumentar a fé, prosperar na prática das virtudes e reparar as ofensas ao Santíssimo Sacramento.

Durante cerca de 20 anos Juliana, que entretanto se tinha tornado priora do convento, conservou no segredo esta revelação, que tinha enchido de alegria o seu coração. Sucessivamente, confiou-se com outras duas fervorosas adoradoras da Eucaristia: a Beata Eva, que levava uma vida eremítica, e Isabel, que se tinha unido a ela no mosteiro de Mont-Cornillon. As três mulheres estabeleceram uma espécie de «aliança espiritual», com o propósito de glorificar o Santíssimo Sacramento. Quiseram envolver também um sacerdote muito estimado, João de Lausanne, cónego na igreja de São Martinho em Liège, pedindo-lhe que interpelasse teólogos e eclesiásticos sobre aquilo que elas estimavam. As respostas foram positivas e encorajadoras.

O que aconteceu com Juliana de Cornillon repete-se frequentemente na vida dos Santos: para ter uma confirmação de que uma inspiração vem de Deus, é preciso imergir-se sempre na oração, saber esperar com paciência, procurar a amizade e o confronto com outras almas boas e submeter tudo ao juízo dos Pastores da Igreja. Foi precisamente o Bispo de Liège, D. Roberto de Thourotte que, após hesitações iniciais, aceitou a proposta de Juliana e das suas companheiras, e instituiu pela primeira vez a solenidade do Corpus Christi na sua Diocese. Mais tarde, também outros Bispos o imitaram, estabelecendo a mesma festa nos territórios confiados aos seus cuidados pastorais.

Todavia, aos Santos o Senhor pede com frequência que superem as provas, para que a sua fé seja incrementada. Aconteceu também com Juliana, que teve de sofrer a dura oposição de alguns membros do clero e do próprio superior de quem dependia o seu mosteiro. Então, voluntariamente, Juliana deixou o convento de Mont-Cornillon com algumas companheiras e, durante 10 anos, de 1248 a 1258, foi hóspede de vários mosteiros de religiosas cistercienses. Edificava todos com a sua humildade, nunca tinha palavras de crítica ou de repreensão para os seus adversários, mas continuava a difundir com zelo o culto eucarístico. Faleceu no ano de 1258 em Fosses-La-Ville, na Bélgica. Na cela onde jazia foi exposto o Santíssimo Sacramento e, segundo as palavras do seu biógrafo, Juliana faleceu contemplando com um último ímpeto de amor Jesus Eucaristia, por ela sempre amado, honrado e adorado.

Pela boa causa da festa do Corpus Christi foi conquistado também Tiago Pantaleão de Troyes, que conhecera a Santa durante o seu ministério de arquidiácono em Liège. Foi precisamente ele que, tendo-se tornado Papa com o nome de Urbano IV, em 1264, instituiu a solenidade do Corpus Christi como festa de preceito para a Igreja universal, na quinta-feira sucessiva ao Pentecostes. Na Bula de instituição, intitulada Transiturus de hoc mundo (11 de Agosto de 1264), o Papa Urbano evoca com discrição também as experiências místicas de Juliana, valorizando a sua autenticidade, e escreve: «Embora a Eucaristia seja celebrada solenemente todos os dias, na nossa opinião é justo que, pelo menos uma vez por ano, se lhe reserve mais honra e solene memória. Com efeito, as outras coisas que comemoramos, compreendemo-las com o espírito e com a mente, mas não por isso alcançamos a sua presença real. Ao contrário, nesta comemoração sacramental de Cristo, ainda que seja de outra forma, Jesus Cristo está presente no meio de nós na sua própria substância. Com efeito, quando estava prestes a subir ao Céu, Ele disse: “Eis que Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28,20)».

O próprio Pontífice quis dar o exemplo, celebrando a solenidade do Corpus Christi em Orvieto, cidade onde então residia. Precisamente por uma sua ordem, na Catedral dessa Cidade conservava-se — e ainda hoje se conserva — o célebre corporal com os vestígios do milagre eucarístico ocorrido no ano precedente, 1263, em Bolsena. Enquanto consagrava o pão e o vinho, um sacerdote foi arrebatado por fortes dúvidas sobre a presença real do Corpo e do Sangue de Cristo no Sacramento da Eucaristia. Milagrosamente, algumas gotas de sangue começaram a brotar da Hóstia consagrada, confirmando desta maneira o que a nossa fé professa. Urbano IV pediu a um dos maiores teólogos da história, S. Tomás de Aquino — que naquela época acompanhava o Papa e estava em Orvieto — que compusesse os textos do ofício litúrgico desta grande festividade. Eles, ainda hoje em vigor na Igreja, são obras-primas em que se fundem teologia e poesia. São textos que fazem vibrar as cordas do coração para expressar louvor e gratidão ao Santíssimo Sacramento, enquanto a inteligência, insinuando-se com admiração no mistério, reconhece na Eucaristia a presença viva e verdadeira de Jesus, do seu Sacrifício de amor que nos reconcilia com o Pai e nos confere a salvação.

Embora depois da morte de Urbano IV a celebração da festa do Corpus Christi tenha sido limitada a algumas regiões da França, da Alemanha, da Hungria e da Itália setentrional, foi ainda um Pontífice, João XXII, que em 1317 a restabeleceu para toda a Igreja. Dessa época em diante, a festa conheceu um desenvolvimento maravilhoso, e ainda agora é muito sentida pelo povo cristão.

Gostaria de afirmar com alegria que hoje, na Igreja, tem lugar uma «primavera eucarística»: quantas pessoas se detêm silenciosas diante do Tabernáculo, para manter um diálogo de amor com Jesus! É consolador saber que não poucos grupos de jovens redescobriram a beleza de rezar em adoração diante do Santíssimo Sacramento. Penso, por exemplo, na nossa adoração eucarística no Hyde Park, em Londres. Rezo a fim de que esta «primavera» eucarística se difunda cada vez mais em todas as paróquias, de modo particular na Bélgica, pátria de Santa Juliana. O Venerável João Paulo II, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia, constatava que «em muitos lugares é dedicado amplo espaço à adoração do Santíssimo Sacramento, tornando-se fonte inesgotável de santidade. A devota participação dos fiéis na procissão eucarística da solenidade do Corpo e Sangue de Cristo é uma graça do Senhor que anualmente enche de alegria quantos nela participam. E mais sinais positivos de fé e de amor eucarísticos se poderiam mencionar» (EE 10).

Recordando Santa Juliana de Cornillon, renovemos também nós a fé na presença real de Cristo na Eucaristia. Como nos ensina o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, «Jesus Cristo está presente na Eucaristia de um modo único e incomparável. De facto, está presente de modo verdadeiro, real e substancial: com o seu Corpo e o seu Sangue, com a sua Alma e a sua Divindade. Nela está presente de modo sacramental, isto é, sob as espécies eucarísticas do pão e do vinho, Cristo completo: Deus e homem» (n. 282).

Caros amigos, a fidelidade ao encontro com Cristo Eucarístico na Santa Missa dominical é essencial para o caminho de fé, mas procuremos também ir visitar frequentemente o Senhor presente no Tabernáculo! Contemplando em adoração a Hóstia consagrada, nós encontramos o dom do amor de Deus, encontramos a Paixão e a Cruz de Jesus, assim como a sua Ressurreição. Precisamente através do nosso olhar de adoração, o Senhor atrai-nos para Si, para dentro do seu mistério, em vista de nos transformar do mesmo modo como transforma o pão e o vinho. Os Santos sempre hauriram força, consolação e alegria do encontro eucarístico. Com as palavras do Hino eucarístico Adoro te devote repitamos diante do Senhor presente no Santíssimo Sacramento: «Fazei-me crer cada vez mais em Vós, que em Vós eu tenha esperança, que eu vos ame!». Obrigado.

Apelo

Nestes dias a comunidade internacional segue com grande preocupação a difícil situação dos cristãos no Paquistão, que muitas vezes são vítimas de violências ou de discriminação. De modo particular expresso hoje a minha proximidade espiritual à Senhora Asia Bibi e aos seus familiares, e peço para que, o mais depressa possível, lhe seja restituída a plena liberdade. Além disso, rezo por quantos se encontram em situações análogas, para que também a sua dignidade humana e os seus direitos fundamentais sejam plenamente respeitados.

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha saudação cordial a todos vós, em especial aos grupos brasileiros de Curitiba e de Propriá. O céu cubra de graças os passos da vossa vida e os preserve do pecado, para que os vossos corações possam domingo-a-domingo hospedar Jesus-Eucaristia no meio dos homens. Sobre vós, vossos familiares e comunidades eclesiais, desça a minha Bênção.






Sala Paulo VI

24 de Novembro de 2010: Santa Catarina de Sena

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Queridos irmãos e irmãs,

Hoje gostaria de vos falar sobre uma mulher que desempenhou um papel eminente na história da Igreja. Trata-se de Santa Catarina de Sena. O século em que ela viveu — o décimo quarto — foi uma época difícil para a vida da Igreja e de todo o tecido social, tanto na Itália como na Europa. Todavia, mesmo nos momentos de maior dificuldade, o Senhor não cessa de abençoar o seu Povo, suscitando Santos e Santas que despertam as mentes e os corações, levando a conversão e renovação. Catarina é uma delas, e ainda hoje nos fala e nos leva a caminhar com coragem rumo à santidade para sermos, de modo cada vez mais pleno, discípulos do Senhor.

Nasceu em Sena em 1347, numa família muito numerosa, e faleceu em Roma em 1380. Com 16 anos, impelida por uma visão de São Domingos, entrou na Terceira Ordem Dominicana, no ramo feminino chamado das Manteladas. Permanecendo em família, confirmou o voto de virgindade feita de modo particular, quando ainda era uma adolescente, dedicando-se à oração, à penitência e às obras de caridade, sobretudo em benefício dos enfermos.

Quando a fama da sua santidade se difundiu, foi protagonista de uma intensa actividade de conselho espiritual em relação a todas as categorias de pessoas: nobres e homens políticos, artistas e pessoas do povo, pessoas consagradas, eclesiásticos, inclusive o Papa Gregório xi que nesse período residia em Avinhão e que Catarina exortou enérgica e eficazmente a regressar a Roma. Viajou muito para solicitar a reforma interior da Igreja e para favorecer a paz entre os Estados: também por este motivo, o Venerável João Paulo II quis declará-la co-Padroeira da Europa: o Velho Continente nunca esqueça as raízes cristãs que estão na essência do seu caminho e continue a haurir do Evangelho os valores fundamentais que asseguram a justiça e a concórdia.

Catarina sofreu muito, como numerosos Santos. Chegou-se mesmo a pensar que era necessário desconfiar dela, a tal ponto que, em 1374, seis anos antes da sua morte, o capítulo geral dos Dominicanos a convocou em Florença para a interrogar. Puseram ao seu lado um frade douto e humilde, Raimundo de Cápua, futuro Mestre-Geral da Ordem. Tendo-se tornado seu confessor e também seu «filho espiritual», escreveu uma primeira biografia completa da Santa. Ela foi canonizada em 1461.

A doutrina de Catarina, que aprendeu a ler com dificuldade e a escrever quando já era adulta, está contida em O Diálogo da Providência Divina, ou seja, Livro da Doutrina Divina, uma obra-prima da literatura espiritual, no seu Epistolário e na colectânea das suas Orações. O seu ensinamento é dotado de uma riqueza tão profunda, que o Servo de Deus Paulo VI, em 1970, a declarou Doutora da Igreja, título que se acrescentava ao de co-Padroeira da cidade de Roma, por desejo do Beato Pio IX, e de Padroeira da Itália, segundo a decisão do Venerável Pio XII.

Numa visão que nunca mais se cancelou do coração e da mente de Catarina, Nossa Senhora apresentou-a a Jesus, que lhe confiou um anel maravilhoso, dizendo-lhe: «Eu, teu Criador e Salvador, desposo-te na fé, que conservarás sempre pura, até quando celebrares comigo no Céu as tuas bodas eternas» (Raimundo de Cápua, Santa Catarina de Sena, Legenda maior, n. 115, Sena 1998). Aquele anel permaneceu visível unicamente para ela. Neste episódio extraordinário vemos o centro vital da religiosidade de Catarina e de toda a espiritualidade autêntica: o cristocentrismo. Cristo é para ela como o esposo, com quem está em relação de intimidade, de comunhão e de fidelidade; é o bem-amado acima de qualquer outro bem.

Esta profunda união com o Senhor é ilustrada por outro episódio tirado da vida desta insigne mística: a troca do coração. Segundo Raimundo de Cápua, que transmite as confidências recebidas de Catarina, o Senhor Jesus apareceu-lhe tendo na mão um coração humano vermelho resplandecente, abriu-lhe o peito, introduziu-o nele e disse-lhe: «Caríssima filhinha, dado que no outro dia tomei o teu coração, que tu me oferecias, eis que agora te concedo o meu, e doravante estará no lugar que o teu ocupava» (Ibidem). Catarina viveu verdadeiramente as palavras de São Paulo, «... já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim» (
Ga 2,20).

Como a Santa de Sena, cada fiel sente a necessidade de se uniformizar com os sentimentos do Coração de Cristo para amar a Deus e ao próximo como o próprio Cristo ama. E todos nós podemos deixar-nos transformar o coração e aprender a amar como Cristo, numa familiaridade com Ele alimentada pela oração, pela meditação sobre a Palavra de Deus e pelos Sacramentos, principalmente recebendo de maneira frequente e com devoção a Sagrada Comunhão. Também Catarina pertence àquela plêiade de Santos eucarísticos, com a qual eu quis concluir a minha Exortação Apostólica Sacramentum caritatis (cf. n. 94). Estimados irmãos e irmãs, a Eucaristia é uma dádiva extraordinária de amor que Deus nos renova continuamente para alimentar o nosso caminho de fé, revigorar a nossa esperança e inflamar a nossa caridade, para nos tornar cada vez mais semelhantes a Ele.

Em volta de uma personalidade tão vigorosa e autêntica, foi-se constituindo uma verdadeira família espiritual. Tratava-se de pessoas fascinadas pela respeitabilidade moral desta jovem mulher de elevadíssimo nível de vida, e por vezes impressionadas também pelos fenómenos místicos aos quais assistiam, como os frequentes êxtases. Muitos se puseram ao seu serviço e sobretudo consideraram um privilégio ser orientados espiritualmente por Catarina. Chamavam-lhe «mãezinha», porque como filhos espirituais dela recebiam o alimento do espírito.

Também hoje a Igreja recebe um grande benefício do exercício da maternidade espiritual de numerosas mulheres, consagradas e leigas, que alimentam nas almas o pensamento de Deus, revigoram a fé das pessoas e orientam a vida cristã rumo a metas cada vez mais elevadas. «Digo-vos e chamo-vos filho — escreve Catarina, dirigindo-se a um dos seus filhos espirituais, o cartuxo Giovanni Sabbatini — enquanto vos dou à luz mediante contínuas orações e desejos diante de Deus, do mesmo modo como uma mãe dá à luz o seu filho» (Epistolário, Carta n. 141: A dom Giovanni de Sabbatini). Ao frade dominicano Bartolomeu de Dominici, ela estava habituada a dirigir-se com estas expressões: «Amadíssimo e caríssimo irmão e filhinho em Cristo, dócil Jesus».

Outra característica da espiritualidade de Catarina está vinculada ao dom das lágrimas. Elas exprimem uma sensibilidade sublime e profunda, uma capacidade de comoção e de ternura. Não poucos Santos tiveram o dom das lágrimas, renovando a emoção do próprio Jesus, que não impediu nem escondeu o seu pranto diante do sepulcro do amigo Lázaro e do sofrimento de Maria e de Marta, e da visão de Jerusalém nos seus últimos dias terrenos. Segundo Catarina, as lágrimas dos Santos misturam-se com o Sangue de Cristo, do qual ela falava com tonalidades vibrantes e imagens simbólicas muito eficazes: «Recordai Cristo crucificado, Deus e homem (...). Ponde-vos como objectivo Cristo crucificado, escondei-vos nas chagas de Cristo crucificado, afogai-vos no sangue de Cristo crucificado» (Epistolário, Carta n. 16: A alguém sobre cujo nome não se pronuncia).

Aqui podemos compreender por que motivo Catarina, embora estivesse consciente das faltas humanas dos sacerdotes, sempre teve uma grandíssima reverência por eles: eles dispensam, através dos Sacramentos e da Palavra, a força salvífica do Sangue de Cristo. A Santa de Sena convidava sempre os ministros sagrados, até o Papa, a quem chamava «doce Cristo na terra», a serem fiéis às suas responsabilidades, impelida sempre e unicamente pelo seu amor profundo e constante pela Igreja. Antes de morrer, ela disse: «Partindo do corpo eu, na verdade consumi e entreguei a minha vida na Igreja e pela Santa Igreja, o que é para mim uma graça extremamente singular» (Raimundo de Cápua, Santa Catarina de Sena, Legenda maior, n. 363).

Portanto, de Santa Catarina nós aprendemos a ciência mais sublime: conhecer e amar Jesus Cristo e a sua Igreja. No Diálogo da Providência Divina ela, com uma imagem singular, descreve Cristo como uma ponte lançada entre o céu e a terra. Ela é formada por três grandes escadas, constituídas pelos pés, pelo lado e pela boca de Jesus. Elevando-se através destas grandes escadas, a alma passa pelas três etapas de cada caminho de santificação: o afastamento do pecado, a prática da virtude e do amor, a união dócil e afectuosa com Deus.

Caros irmãos e irmãs, aprendamos de Santa Catarina a amar com coragem, de maneira intensa e sincera, Cristo e a Igreja. Por isso, façamos nossas as palavras de Santa Catarina, que podemos ler no Diálogo da Providência Divina, na conclusão do capítulo que fala de Cristo-ponte: «Por misericórdia Vós lavastes-nos no Sangue e por misericórdia desejastes dialogar com as criaturas. Ó Louco de amor! Não vos foi suficiente encarnar, mas também quisestes morrer! (...) Ó misericórdia! O meu coração ofega-me quando penso em Vós: para onde eu me dirija a pensar, mais não encontro do que misericórdia» (cap. 30, págs. 79-80).

Obrigado!

Saudação

Amados peregrinos vindos do Brasil e de outros países de língua portuguesa, sede bem-vindos! Santa Catarina de Sena ensina que a ciência mais sublime consiste em amar Jesus Cristo e a sua Igreja. Segui o exemplo desta santa, amando Jesus com coragem e sinceridade, para assim alcançardes a paz e a alegria que vêm de Deus. Ide em paz!






Sala Paulo VI

1° de Dezembro de 2010: Juliana de Norwich

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Queridos irmãos e irmãs,

No ano de 1342, nasceu Juliana de Norwich, santa que é venerada tanto pela Igreja Católica como pela Comunhão Anglicana. Inspirada pelo amor divino, que a ela se manifestou em dezasseis visões, escolheu a vida de anacoreta, totalmente dedicada à oração, à meditação e ao estudo. Vivendo assim na companhia e amizade de Deus, cresceu nela um grande sentido de compaixão pelas tribulações e fraquezas dos outros. Homens e mulheres de todas as idades e condições procuravam devotamente o conselho e o conforto de Juliana; e ela, de viva voz e por escrito, em todos sabia acender o optimismo fundado na certeza de sermos amados por Deus e protegidos pela sua Providência. Se entregarmos a Deus os desejos mais puros e profundos do nosso coração, nunca ficaremos desiludidos; no seu amor, tudo resulta para o nosso maior bem.
* * *


Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha saudação amiga para todos vós. Da infinidade de coisas – tantas vezes duras – da vida, aprendei a elevar o coração até ao Pai do Céu, repousando no seio da sua infinita bondade, e vereis que as dores e aflições da vida vos farão menos mal. Com estes votos, desça sobre vós e vossas famílias a minha Bênção Apostólica.




Sala Paulo VI

15 de Dezembro de 2010: Santa Verónica Juliani

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Queridos irmãos e irmãs,

Hoje, gostaria de apresentar uma mística que não é da época medieval; trata-se de Santa Verónica Juliani, monja clarissa capuchinha. O motivo é que no próximo dia 27 de Dezembro se celebra o 350° aniversário do seu nascimento. Città di Castello, lugar onde ela viveu durante muitos anos e faleceu, assim como Mercatello — sua cidade natal — e a diocese de Urbino, vivem este acontecimento com alegria.

Verónica nasce precisamente no dia 27 de Dezembro de 1660 em Mercatello, no vale do Metauro, filha de Francesco Juliani e Benedetta Mancini; é a última de sete irmãs, das quais outras três abraçarão a vida monástica; é-lhe conferido o nome de Úrsula. Aos sete anos perde a mãe, e o pai transfere-se para Piacenza como superintendente das alfândegas do ducado de Parma. Nessa cidade, Úrsula sente crescer em si o desejo de dedicar a vida a Cristo. O apelo faz-se cada vez mais urgente, a tal ponto que, com 17 anos, entra na estrita clausura do mosteiro das Clarissas Capuchinhas de Città di Castello, onde permanecerá durante toda a sua vida. Ali recebe o nome de Verónica, que significa «verdadeira imagem» e, com efeito, ela tornar-se-á deveras imagem de Cristo Crucificado. Um ano depois, emite a solene profissão religiosa: começa para ela o caminho de configuração com Cristo através de muitas penitências, grandes sofrimentos e algumas experiências místicas ligadas à Paixão de Jesus: a coroação de espinhos, as bodas místicas, a ferida no coração e os estigmas. Em 1716, com 56 anos, torna-se abadessa do mosteiro e é reconfirmada nesta função até à sua morte, ocorrida em 1727, depois de uma dolorosíssima agonia de 33 dias, que culmina numa profunda alegria, a tal ponto que as suas últimas palavras foram: «Encontrei o Amor, o Amor deixou-se ver! Esta é a causa do meu padecimento. Dizei-o a todas, dizei-o a todas!» (Summarium beatificationis, 115-120). Em 9 de Julho deixa a morada terrena para o encontro com Deus. Tem 67 anos, 50 dos quais transcorridos no mosteiro de Città di Castello. É proclamada Santa no dia 26 de Maio de 1839 pelo Papa Gregório XVI.

Verónica Juliani escreveu muito: cartas, relatórios autobiográficos e poesias. Todavia, a fonte principal para reconstruir o seu pensamento é o seu Diário, iniciado em 1693: vinte e duas mil páginas manuscritas, que abrangem um arco de trinta e quatro anos de vida claustral. A escrita flui espontânea e contínua, não há cancelamentos ou correcções, nem sinais de pontuação ou distribuição da matéria em capítulos ou partes, segundo um desígnio previamente estabelecido. Verónica não queria compor uma obra literária; aliás, foi obrigada a escrever as suas experiências pelo Padre Girolamo Bastianelli, religioso dos Filippini, de acordo com o Bispo diocesano Antonio Eustachi.

Santa Verónica tem uma espiritualidade acentuadamente cristológico-esponsal: é a experiência de ser amada por Cristo, Esposo fiel e sincero, e querer corresponder com um amor cada vez mais comprometido e apaixonado. Nela, tudo é interpretado em chave de amor, e isto infunde-lhe uma profunda serenidade. Tudo é vivido em união com Cristo, por amor a Ele, e com a alegria de poder demonstrar-lhe todo o amor de que a criatura é capaz.

O Cristo ao qual Verónica está profundamente unida é aquele que sofre na paixão, morte e ressurreição; é Jesus no gesto de se imolar ao Pai para nos salvar. É desta experiência que deriva também o amor intenso e sofredor pela Igreja, na dúplice forma da oração e da oferenda. A Santa vive nesta perspectiva: reza, sofre e procura a «santa pobreza» como «expropriação», perda de si (cf. ibid., III, 523), precisamente para ser como Cristo, que se entregou inteiramente a si mesmo.

Em cada página dos seus escritos, Verónica recomenda alguém ao Senhor, corroborando as suas preces de intercessão com a oferta de si em cada sofrimento. O seu amor dilata-se a todas «as necessidades da Santa Igreja», vivendo com ansiedade o desejo da salvação de «todo o universo» (Ibid., III-IV, passim). Verónica clama: «Ó pecadores, ó pecadoras... todos e todas, ide ao Coração de Jesus; ide à lavanda do seu preciosíssimo Sangue... Ele espera-vos com os braços abertos para vos abraçar» (Ibid., II, 16-17). Animada por uma caridade fervorosa, ela presta atenção, compreensão e perdão às irmãs do mosteiro; oferece as suas orações e os seus sacrifícios pelo Papa, pelo seu bispo, pelos sacerdotes e por todas as pessoas necessitadas, inclusive pelas almas do purgatório. Resume a sua missão contemplativa com estas palavras: «Não podemos ir pregando pelo mundo, para converter as almas, mas somos obrigadas a rezar incessantemente por todas aquelas almas que ofendem a Deus... de modo particular com os nossos sofrimentos, ou seja, com um princípio de vida crucificada» (Ibid., IV, 877). A nossa Santa concebe esta missão como um «estar no meio», entre os homens e Deus, entre os pecadores e Cristo crucificado.

Verónica vive de modo profundo a participação no amor sofredor de Jesus, convicta de que o «sofrer com alegria» é a «chave do amor» (cf. ibid., I, 299.417; III, 330.303.871; IV, 192). Ela evidencia que Jesus padece pelos pecados dos homens, mas também pelos sofrimentos que os seus servos fiéis tiveram que suportar ao longo dos séculos, no tempo da Igreja, precisamente mediante a sua fé sólida e coerente. Ela escreve: «O seu Pai eterno fez-lhe ver e sentir, nessa altura, todos os padecimentos que deviam suportar os seus eleitos, as suas almas mais amadas, ou seja, aquelas que teriam beneficiado do seu Sangue e de todos os seus sofrimentos» (Ibid., II, 170). Como diz de si o Apóstolo Paulo: «Agora alegro-me nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, pelo seu corpo que é a Igreja» (
Col 1,24). Verónica chega a pedir a Jesus para ser crucificada com Ele: «Num instante — escreve — vi sair das suas santíssimas chagas cinco raios resplandecentes; e todos vieram ao meu redor. E eu via estes raios tornar-se como que pequenas chamas. Em quatro delas havia os pregos; e numa a lança, como que de ouro, inteiramente abrasada: e trespassou-me o coração, de um lado para o outro... e os pregos trespassaram-me as mãos e os pés. Senti uma grande dor; mas, na mesma dor, eu via-me a mim mesma, sentia-me inteiramente transformada em Deus» (Diário, I, 897).

A Santa está convencida de participar antecipadamente no Reino de Deus mas, ao mesmo tempo, invoca todos os Santos da Pátria bem-aventurada para que venham em sua ajuda no caminho terreno da sua doação, à espera da bem-aventurança eterna; esta é a aspiração constante da sua vida (cf. ibid., II, 909; V, 246). Em relação à pregação dessa época, centrada não raro na «salvação da própria alma» em termos individuais, Verónica mostra um forte sentido «solidário», de comunhão com todos os irmãos e irmãs, caminho rumo ao Céu, e vive, reza e sofre por todos. As realidades penúltimas, terrenas, ao contrário, embora sejam apreciadas em sentido franciscano como um dom do Criador, são sempre relativas, inteiramente subordinadas ao «gosto» de Deus e sob o sinal de uma pobreza radical. Na communio sanctorum, ela esclarece a sua doação eclesial, assim como a relação entre a Igreja peregrina e a Igreja celeste. «Todos os Santos — escreve — estão lá em cima mediante os méritos e a paixão de Jesus; mas para tudo quanto nosso Senhor realizou, eles cooperaram, de tal modo que a sua vida foi inteiramente ordenada, regulada pelas (suas) mesmas obras» (Ibid., III, 203).

Nos escritos de Verónica encontramos muitas citações bíblicas, às vezes de modo indirecto, mas sempre claras: ela revela familiaridade com o Texto sagrado, do qual se nutre a sua experiência espiritual. Além disso, há que revelar que os momentos fortes da experiência mística de Verónica nunca estão separados dos acontecimentos salvíficos, celebrados na liturgia, onde ocupam um lugar particular a proclamação e a escuta da Palavra de Deus. Portanto, a Sagrada Escritura ilumina, purifica e confirma a experiência de Verónica, tornando-a eclesial. Mas por outro lado, precisamente a sua experiência, alicerçada na Sagrada Escritura com uma intensidade excepcional, guia a uma leitura mais profunda e «espiritual» do mesmo Texto, entra na profundidade escondida do texto. Ela não só se exprime com as palavras da Sagrada Escritura, mas também vive realmente destas palavras, que nela se tornam vivas.

Por exemplo, a nossa Santa cita com frequência a expressão do Apóstolo Paulo: «Se Deus é por nós, quem será contra nós?» (Rm 8,31 cf. Diário, I, 714; II, 116. 1021; III, 48). Nela, a assimilação deste texto paulino, esta sua grande confiança e profunda alegria tornam-se um acontecimento completo na sua própria pessoa: «A minha alma — escreve — foi unida à vontade divina, e eu estabeleci-me verdadeiramente e fixei-me para sempre na vontade de Deus. Parecia que nunca mais me iria afastar desta vontade de Deus, e voltei a mim com estas palavras específicas: nada me poderá separar da vontade de Deus, nem angústias, nem penas, nem dificuldades, nem desprezos, nem tentações, nem criaturas, nem demónios, nem obscuridades, nem sequer a própria morte, porque na vida e na morte, desejo inteiramente, e em tudo, a vontade de Deus» (Diário, IV, 272). Assim, temos também a certeza de que a morte não é a última palavra, estamos fixos na vontade de Deus e assim, realmente, na vida para sempre.

Verónica revela-se, em particular, uma testemunha corajosa da beleza e do poder do Amor divino, que a atrai, permeia e inflama. É o Amor crucificado que se imprimiu na sua carne, como na de São Francisco de Assis, com os estigmas de Jesus. «Minha esposa — sussurrava-me Cristo crucificado — são-me preciosas as penitências que fazes por aqueles que estão em desgraça diante de mim... Depois, tirando um braço da cruz, fez-me sinal que me aproximasse do seu lado... E encontrei-me nos braços do Crucificado. Não posso descrever aquilo que senti naquele momento: queria estar sempre no santíssimo lado» (Ibid., I, 37). É também uma imagem do seu caminho espiritual, da sua vida interior: estar no abraço do Crucificado e assim permanecer no amor de Cristo pelos outros. Também com a Virgem Maria, Verónica vive uma relação de profunda intimidade, testemunhada pelas palavras que um dia ouve Nossa Senhora dizer, e que ela cita no seu Diário: «Fiz-te repousar no meu seio, recebeste a união à minha alma e por ela, como que em voo, foste levada diante de Deus» (IV, 901).

Santa Verónica Juliani convida-nos a fazer crescer, na nossa vida cristã, a união com o Senhor no ser pelos outros, abandonando-nos à sua vontade com confiança completa e total, e a união com a Igreja, Esposa de Cristo; convida-nos a participar no amor sofredor de Jesus crucificado pela salvação de todos os pecadores; convida-nos a manter o olhar fixo no Paraíso, meta do nosso caminho terreno, onde viveremos juntamente com muitos irmãos e irmãs a alegria da plena comunhão com Deus; convida-nos a nutrir-nos quotidianamente da Palavra de Deus para aquecer o nosso coração e orientar a nossa vida. As últimas palavras da Santa podem considerar-se a síntese da sua apaixonada experiência mística: «Encontrei o Amor, o Amor deixou-se ver!». Obrigado.

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha cordial saudação de boas-vindas para todos vós. Fortes na fé, possam os vossos corações estar sempre ao serviço dos irmãos por amor de Deus. Sobre vós e vossas famílias, invoco abundantes bênçãos do Céu, sendo a maior e o resumo de todas elas Jesus Cristo, Deus feito homem. A sua presença alegre a vossa vida, como sucedeu com a Virgem Mãe, que O concebeu por obra do Espírito Santo! Feliz Natal!




Sala Paulo VI

Quarta-feira, 22 de Dezembro de 2010


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