Audiências 2005-2013 25511

1° de Junho de 2011: O homem em oração (5) A intercessão de Moisés pelo povo (EX 32,7-14)

Queridos irmãos e irmãs,

Lendo o Antigo Testamento, uma figura ressalta no meio das outras: a de Moisés, precisamente como homem de oração. Moisés, o grande profeta e guia do tempo do Êxodo, desempenhou a sua função de mediador entre Deus e Israel fazendo-se portador, junto do povo, das palavras e dos mandamentos divinos, conduzindo-o rumo à liberdade da Terra Prometida, ensinando os israelitas a viverem na obediência e na confiança em Deus, durante a sua longa permanência no deserto, mas também, e diria principalmente, rezando. Ele reza pelo Faraó quando Deus, com as pragas, procurava converter o coração dos Egípcios (cf. ); pede ao Senhor a cura da irmã Maria, atingida pela lepra (cf. Nb 12,9-13), intercede pelo povo que se tinha revoltado, amedrontado pela descrição dos exploradores (cf. Nb 14,1-19), reza quando o fogo estava prestes a devorar o acampamento (cf. Nb 11,1-2) e quando serpentes venenosas faziam matanças (cf. Nb 21,4-9); dirige-se ao Senhor e reage, protestando quando o fardo da sua missão se tinha tornado demasiado pesado (cf. Nb 11,10-15); vê Deus e fala com Ele «face a face, como alguém que fala com o próprio amigo» (cf. Ex 24,9-17 Ex 33,7-23 Ex 34,1-10 Ex 34,28-35).

Mesmo quando o povo, no Sinai, pede a Araão que construa o bezerro de ouro, Moisés reza, explicando de maneira emblemática a própria função de intercessão. Este episódio é narrado no capítulo 32 do Livro do Êxodo e contém uma narração paralela no capítulo 9 do Deuteronómio. É sobre este episódio que gostaria de meditar na catequese hodierna e, de modo particular, sobre a oração de Moisés, que encontramos na narração do Êxodo. O povo de Israel encontrava-se aos pés do Sinai enquanto Moisés, no monte, esperava a entrega das tábuas da Lei, jejuando durante quarenta dias e quarenta noites (cf. Ex 24,18 Dt 9,9). O número quarenta tem um valor simbólico e significa a totalidade da experiência, enquanto com o jejum se indica que a vida deriva de Deus, é Ele que a sustém. Com efeito, o gesto de comer implica a assunção do alimento que nos sustenta; por isso jejuar, renunciando ao alimento, adquire neste caso um significado religioso: é um modo para indicar que não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca do Senhor (cf. Dt 8,3). Jejuando, Moisés demonstra que espera o dom da Lei divina como fonte de vida: ela revela a vontade de Deus e alimenta o coração do homem, fazendo-o entrar numa aliança com o Altíssimo, que é fonte da vida, é a própria Vida.

Mas enquanto o Senhor, no monte, oferece a Lei a Moisés, aos pés do mesmo monte o povo transgride-a. Incapazes de resistir à expectativa e à ausência do mediador, os israelitas pedem a Araão: «Faz-nos um deus que caminhe à nossa frente, porque a Moisés, que nos tirou do Egipto, não sabemos o que lhe aconteceu» (Ex 32,1). Cansado de um caminho com um Deus invisível, agora que também Moisés, o mediador, desapareceu, o povo pede uma presença tangível, palpável, do Senhor, e encontra no bezerro de metal fundido, construído por Araão, um deus que se torna acessível, manobrável, ao alcance do homem. Trata-se de uma tentação constante no caminho de fé: eludir o mistério divino, construindo um deus compreensível, correspondente aos próprios esquemas, aos próprios programas. Aquilo que acontece no monte Sinai demonstra toda a insensatez e vaidade ilusória desta pretensão porque, como afirma ironicamente o Salmo 106, «Eles trocaram a sua glória pela estátua de um touro que come feno» (Ps 106,20 [105], 20). Por este motivo, o Senhor reage e ordena a Moisés que desça do monte, revelando-lhe aquilo que o povo estava a fazer, e terminando com estas palavras: «Deixa, pois, que se acenda a minha cólera contra eles e os devore; mas de ti farei uma grande nação» (Ex 32,10). Como tinha acontecido com Abraão, a propósito de Sodoma e Gomorra, também agora Deus revela a Moisés o que pretende fazer, como se não quisesse agir sem o seu consenso (cf. Am 3,7). Ele diz: «Deixa, pois, que se acenda a minha cólera». Na realidade, este «deixa, pois, que se acenda a minha cólera» é pronunciado precisamente para que Moisés intervenha e lhe peça para não o fazer, revelando deste modo que o desejo de Deus é sempre a salvação. Como para as duas cidades dos tempos de Abraão, a punição e a destruição, em que se exprime a ira de Deus como rejeição do mal, indicam a gravidade do pecado cometido; ao mesmo tempo, o pedido do intercessor tenciona manifestar a vontade de perdão do Senhor. Esta é a salvação de Deus, que implica misericórdia, mas ao mesmo tempo também denúncia da verdade do pecado, do mal que existe, de maneira que o pecador, reconhecendo e rejeitando o próprio mal, possa deixar-se perdoar e transformar por Deus. A prece de intercessão torna deste modo concreta, no contexto da realidade corrompida do homem pecador, a misericórdia divina, que encontra voz na súplica do orante e que se torna presente através dele onde há necessidade de salvação.

A súplica de Moisés está inteiramente centrada na fidelidade e na graça do Senhor. Ele refere-se em primeiro lugar à história de redenção à qual Deus deu início com a saída de Israel do Egipto, para depois fazer memória da antiga promessa feita aos Pais. O Senhor realizou a salvação, libertando o seu povo da escravidão egípcia; para que então — pede Moisés — «os egípcios possam dizer: “Fê-los sair com a malícia, para os deixar morrer nas montanhas, para os fazer desaparecer da face da terra”?» (Ex 32,12). A obra de salvação começada deve ser completada; se Deus fizesse perecer o seu povo, isto poderia ser interpretado como o sinal de uma incapacidade divina de completar o plano de salvação. Deus não pode permitir que isto aconteça: Ele é o Senhor bom que salva, o garante da vida, é o Deus de misericórdia e de perdão, de libertação do pecado que mata. E assim Moisés apela-se a Deus, à vida interior de Deus, contra a sentença exterior. Mas então, Moisés argumenta com o Senhor, se os seus eleitos perecerem, mesmo que sejam culpados, Ele poderia parecer incapaz de derrotar o pecado. E isto não se pode aceitar. Moisés fez uma experiência concreta do Deus de salvação, foi enviado como mediador da libertação divina e agora, mediante a sua oração, torna-se intérprete de uma dupla inquietação, preocupado com o destino do seu povo, mas ao mesmo tempo também preocupado com a honra que é devida ao Senhor, pela verdade do seu Nome. Com efeito, o intercessor deseja que o povo de Israel seja salvo, porque é o rebanho que lhe foi confiado, mas inclusive a fim de que naquela salvação se manifeste a verdadeira realidade de Deus. Amor aos irmãos e amor a Deus compenetram-se na prece de intercessão, são inseparáveis. Moisés, o intercessor, é o homem contendido entre dois amores, que na oração se sobrepõem num único desejo de bem.

Em seguida, Moisés apela para a fidelidade de Deus, recordando-lhe as suas promessas: «Recorda-te de Abraão, de Isaac e de Israel, teus servos, aos quais juraste por ti mesmo e disseste: “Tornarei a tua posteridade tão numerosa como as estrelas do céu, e toda esta terra, da qual te falei, dá-la-ei aos teus descendentes, que a possuirão para sempre”» (Ex 32,13). Moisés faz memória da história fundadora das origens, dos Pais do povo e da sua eleição, totalmente gratuita, em que só Deus tivera a iniciativa. Eles não receberam a promessa por causa dos seus méritos, mas pela livre escolha de Deus e do seu amor (cf. Dt 10,15). E agora, Moisés pede que o Senhor continue na fidelidade à sua história de eleição e de salvação, perdoando o seu povo. O intercessor não apresenta desculpas para o pecado do seu povo, não enumera méritos presumíveis, nem do povo nem seus, mas apela para a gratuidade de Deus: um Deus livre, totalmente amor, que não cessa de procurar quem se afastou, que permanece sempre fiel a Si mesmo e oferece ao pecador a possibilidade de voltar para Ele e de se tornar, mediante o perdão, justo e capaz de fidelidade. Moisés pede a Deus que se mostre até mais forte do que o pecado e a morte e, com a sua oração, suscita este revelar-se divino. Mediador de vida, o intercessor solidariza com o povo; desejoso unicamente da salvação que o próprio Deus deseja, ele renuncia à perspectiva de se tornar um novo povo agradável ao Senhor. A frase que Deus lhe tinha dirigido, «de ti farei uma grande nação», nem sequer é tomada em consideração pelo «amigo» de Deus, que ao contrário está pronto a assumir sobre si mesmo não só a culpa do seu povo, mas todas as suas consequências. Quando, depois da destruição do bezerro de ouro, ele voltar ao monte para pedir de novo a salvação de Israel, dirá ao Senhor: «Rogo-te que lhes perdoes agora este pecado! Senão, apaga-me do livro que escreveste» (v. Ex 32,32). Com a oração, desejando a vontade de Deus, o intercessor entra cada vez mais profundamente no conhecimento do Senhor e da sua misericórdia, tornando-se capaz de um amor que chega até ao dom total de si mesmo. Em Moisés, que está no alto do monte face a face com Deus e que se faz intercessor para o seu povo e se oferece a si próprio — «apaga-me» — os Padres da Igreja viram uma prefiguração de Cristo que, no alto da cruz, realmente está diante de Deus, não apenas como amigo, mas como Filho. E não só se oferece — «apaga-me» — mas com o seu coração trespassado faz-se cancelar, torna-se como diz o próprio são Paulo, pecado, carrega sobre si os nossos pecados para nos salvar a todos; a sua intercessão é não só solidariedade, mas identificação connosco: traz todos nós no seu corpo. E assim toda a sua existência de homem e de Filho é um clamor ao Coração de Deus, é perdão, mas perdão que transforma e renova.

Penso que devemos meditar sobre estas realidades. Cristo está diante do Rosto de Deus e reza por mim. A sua oração na Cruz é contemporânea a todos os homens, contemporânea a mim: Ele reza por mim, sofreu e sofre por mim, identificou-se comigo, assumindo o nosso corpo e a nossa alma humana. E convida-nos a entrar nesta sua identidade, fazendo-nos um corpo, um só espírito com Ele, porque do alto da Cruz Ele não trouxe novas leis, tábuas de pedra, mas trouxe a si mesmo, o seu corpo e o seu sangue, como nova aliança. É assim que nos faz consanguíneos com Ele, um corpo com Ele, identificados com Ele. Convida-nos a entrar nesta identificação, a estar unidos com Ele no nosso desejo de ser um corpo, um só espírito com Ele. Oremos ao Senhor, para que esta identificação nos transforme, nos renove, porque o perdão é renovação, é transformação.

Gostaria de concluir esta catequese com as palavras do apóstolo Paulo aos cristãos de Roma: «Quem poderia acusar os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? Cristo Jesus, que morreu, ou melhor, que ressuscitou, que está à direita de Deus, é quem intercede por nós! Quem nos separará do amor de Cristo? [...] nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados [...] nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor que Deus nos testemunha em nosso Senhor Jesus Cristo» (Rm 8,33-35 Rm 8,38 Rm 8,39).

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha saudação amiga para todos, com menção especial das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, em festa pela recente beatificação da sua Madre Fundadora. Esta queria ver-vos todas unidas num mesmo e único pensamento: Deus. No pensamento e serviço de cada uma, o hóspede seja Deus; e, com Ele, a vossa vida não poderá deixar de ser feliz. Sobre vós, vossas comunidades e famílias desça a minha Bênção.



Praça de São Pedro

8 de Junho de 2011: Viagem Apostólica à Croácia

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Estimados irmãos e irmãs

Hoje gostaria de vos falar da Visita pastoral à Croácia, que fiz sábado e domingo passados. Uma Viagem apostólica breve, realizada inteiramente na capital Zagrábia, e no entanto rica de encontros e sobretudo de intenso espírito de fé, dado que os Croatas são um povo profundamente católico. Renovo o meu mais sentido agradecimento ao Cardeal Bozanic, Arcebispo de Zagrábia, a D. Srakic, Presidente da Conferência Episcopal, e aos demais Bispos da Croácia, assim como ao Presidente da República, pela calorosa recepção que me reservaram. Dirijo o meu reconhecimento a todas as Autoridades civis e a quantos colaboraram de vários modos para este acontecimento, de modo especial às pessoas que ofereceram orações e sacrifícios por esta intenção.

«Juntos em Cristo»: este foi o lema da minha Visita. Ele exprime antes de tudo a experiência de se encontarem todos unidos em nome de Cristo, a experiência de ser Igreja, manifestada pelo reunir-se do Povo de Deus em volta do Sucessor de Pedro. Mas neste caso, «juntos em Cristo» tinha uma referência particular à família: com efeito, a ocasião principal da minha Visita foi o Dia nacional das famílias católicas croatas, culminada na Concelebração eucarística na manhã de domingo, que contou com a participação, na área do hipódromo de Zagrábia, de uma grande multidão de fiéis. Foi muito importante para mim, confirmar na fé sobretudo as famílias, que o Concílio Vaticano II chamou «igrejas domésticas» (cf. Lumen gentium
LG 11). O Beato João Paulo II, que visitou três vezes a Croácia, deu grande relevo ao papel da família na Igreja; assim, com esta Viagem eu quis dar continuidade a este aspecto do seu Magistério. Na Europa de hoje, as Nações de sólida tradição cristã têm uma responsabilidade especial na defesa e na promoção do valor da família fundada no matrimónio, que de qualquer modo permanece decisiva tanto no campo educativo como no social. Portanto, esta mensagem teve uma relevância particular para a Croácia que, rica do seu património espiritual, ético e cultural, se prepara para entrar na União Europeia.

A Santa Missa foi celebrada no peculiar clima espiritual da novena de Pentecostes. Como num grande «cenáculo» ao ar livre, as famílias croatas reuniram-se em oração, invocando juntos o dom do Espírito Santo. Isto permitiu-me sublinhar o dom e o compromisso da comunhão na Igreja, assim como de animar os cônjuges na sua missão. Nos nossos dias, enquanto infelizmente se constata o multiplicar-se das separações e dos divórcios, a fidelidade dos cônjuges tornou-se por si só um testemunho significativo do amor de Cristo, que permite viver o Matrimónio por aquilo que é, ou seja, a união de um homem e de uma mulher que, com a graça de Cristo, se amam e se ajudam durante a vida inteira, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. A primeira educação para a fé consiste precisamente no testemunho desta fidelidade ao pacto conjugal: dela os filhos aprendem sem palavras que Deus é amor fiel, paciente, respeitador e generoso. A fé no Deus que é Amor transmite-se antes de tudo com o testemunho de uma fidelidade ao amor conjugal, que se traduz naturalmente em amor pelos filhos, fruto desta mesma união. Mas tal fidelidade não é possível sem a graça de Deus, sem o sustento da fé e do Espírito Santo. Eis por que motivo a Virgem Maria não cessa de interceder junto do seu Filho a fim de que — como nas bodas de Caná — renove continuamente aos cônjuges o dom do «vinho bom», ou seja, da sua Graça, que permite viver «numa só carne» nas várias fases e situações de vida.

Neste contexto de grande atenção à família inseriu-se muito bem a Vigília com os jovens, realizada na tarde de sábado na praça Jelacic, coração da cidade de Zagrábia. Ali pude encontrar-me com a nova geração croata, e senti toda a força da sua fé jovem, animada por um grandioso impulso rumo à vida e ao seu significado, rumo ao bem e à liberdade, ou seja, rumo a Deus. Foi bonito e comovedor ouvir estes jovens cantar com alegria e entusiasmo, e depois, no momento da escuta e da oração, reunir-se em profundo silêncio! Eu repeti-lhes a pergunta que Jesus dirigiu aos seus primeiros discípulos: «Que procurais?» (Jn 1,38), mas eu disse-lhes que Deus os procura antes e mais do que eles mesmos O procuram. Esta é a alegria da fé: descobrir que Deus nos ama primeiro! Trata-se de uma descoberta que nos mantém sempre discípulos e, portanto, sempre jovens no espírito! Este mistério, durante a Vigília, foi vivido na prece de adoração eucarística: no silêncio, o nosso estar «juntos em Cristo» encontrou a sua plenitude. Assim o meu convite a seguir Jesus constituiu um eco da Palavra que Ele mesmo dirigia ao coração dos jovens.

Outro momento que podemos dizer de «cenáculo» foi a Celebração das Vésperas na Catedral, com os Bispos, os sacerdotes, os religiosos e os jovens em fase de formação nos Seminários e nos Noviciados. Também ali, de maneira particular, pudemos experimentar o nosso ser «família» como comunidade eclesial. Na Catedral de Zagrábia encontra-se o túmulo monumental ao Beato Cardeal Alojzije Stepinac, Bispo e Mártir. Em nome de Cristo, ele opôs-se com coragem primeiro aos abusos do nazismo e do fascismo e, depois, aos do regime comunista. Foi aprisionado e isolado na sua aldeia natal. Tendo sido criado Cardeal pelo Papa Pio XII, faleceu em 1960 devido a uma doença contraída na prisão. À luz do seu testemunho, encorajei os Bispos e os presbíteros no seu ministério, exortando-os à comunhão e ao impulso apostólico; voltei a propor aos consagrados a beleza e a radicalidade da sua forma de vida; convidei os seminaristas, os noviços e as noviças a seguirem com alegria Cristo que os chamou pelo nome. Este momento de oração, enriquecido pela presença de muitos irmãos e irmãs que dedicaram a vida ao Senhor, foi para mim de grande conforto, e rezo a fim de que as famílias croatas sejam sempre terreno fértil para o nascimento de numerosas e santas vocações ao serviço do Reino de Deus.

Muito significativo foi também o encontro com representantes da sociedade civil, do mundo político, académico, cultural e empresarial, com o Corpo Diplomático e com os Chefes religiosos, reunidos no Teatro Nacional de Zagrábia. Naquele contexto, tive a alegria de prestar homenagem à grande tradição cultural croata, inseparável da sua história de fé e da presença viva da Igreja, ao longo dos séculos promotora de múltiplas instituições e sobretudo formadora de ilustres investigadores da verdade e do bem comum. Entre eles, recordei de modo particular o sacerdote jesuíta Ruder Boškovic, grande cientista cujo terceiro centenário do nascimento se celebra este ano. Pareceu-nos de novo evidente a todos, a mais profunda vocação da Europa, que é a de conservar e renovar um humanismo com raízes cristãs, e que se pode definir «católico», ou seja, universal e integral. Um humanismo que põe no centro a consciência do homem, a sua abertura transcendente e ao mesmo tempo a sua realidade histórica, capaz de inspirar programas políticos diversificados mas convergentes para a construção de uma democracia substancial, fundada nos valores éticos radicados na própria natureza humana. Olhar para a Europa do ponto de vista de uma Nação de antiga e sólida tradição cristã, que da civilização europeia faz parte integrante, enquanto está prestes a entrar na União política, fez sentir novamente a urgência do desafio que hoje interpela os povos deste Continente: ou seja, aquele de não ter medo de Deus, do Deus de Jesus Cristo, que é Amor e Verdade, e que nada tira à liberdade, mas restitui-a a si mesma e confere-lhe o horizonte de uma esperança confiável.

Caros amigos, cada vez que o Sucessor de Pedro realiza uma Viagem apostólica, todo o corpo eclesial participa de certo modo do dinamismo de comunhão e missão, que é próprio do seu ministério. Agradeço a todos aqueles que me acompanharam e sustentaram com a oração, permitindo que a minha Visita pastoral se realizasse de maneira excelente. Agora, enquanto estou grato ao Senhor por esta grandiosa dádiva, peçamos-lhe por intercessão da Virgem Maria, Rainha dos Croatas, que quanto pude semear dê frutos abundantes para as famílias croatas, para toda a Nação e para a Europa inteira.

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, sede bem-vindos! A todos saúdo com grande afeto e alegria, de modo especial a quantos vieram de Portugal e do Brasil com o desejo de encontrar o Sucessor de Pedro. Desça a minha bênção sobre vós, vossas famílias e comunidades. Ide em paz!


Praça de São Pedro

15 de Junho de 2011: O homem em oração (6) Profetas e orações em confronto (1R 18,20-40)

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Prezados irmãos e irmãs

Na história religiosa do antigo Israel, tiveram grande relevância os profetas com o seu ensinamento e a sua pregação. Entre eles, sobressai a figura de Elias, suscitado por Deus para levar o povo à conversão. O seu nome significa «o Senhor é o meu Deus» e é em sintonia com este nome que se desenvolve a sua vida, inteiramente consagrada a provocar no povo o reconhecimento do Senhor como único Deus. De Elias, o Ben Sirá diz: «Levantou-se depois o profeta Elias, ardoroso como o fogo; as suas palavras ardiam como uma tocha» (
Si 48,1). Com esta chama, Israel volta a encontrar o seu caminho para Deus. No seu ministério, Elias reza: invoca o Senhor para que restitua a vida ao filho de uma viúva que o tinha hospedado (cf. 1R 17,17-24), clama a Deus o seu cansaço e a sua angústia, enquanto foge para o deserto procurado pela rainha Jezabel que o queria matar (cf. 1R 19,1-4), mas é sobretudo no monte Carmelo que se mostra em todo o seu poder de intercessor quando, diante de todo o Israel, reza ao Senhor para que se manifeste e converta o coração do povo. É o episódio narrado no capítulo 18 do primeiro Livro dos Reis, sobre o qual hoje meditamos.

Encontramo-nos no reino do Norte, no século IX a.C., na época do rei Acab, num momento em que em Israele se tinha criado uma situação de sincretismo aberto. Além do Senhor, o povo adorava Baal, o ídolo tranquilizador do qual se acreditava que derivava o dom da chuva e ao qual, por isso, se atribuía o poder de dar fertilidade aos campos e vida aos homens e ao gado. Embora pretendesse seguir o Senhor, Deus invisível e misterioso, o povo procurava a segurança também num deus compreensível e previsível, do qual julgava que podia obter a fecundidade e a prosperidade, em troca de sacrifícios. Israele cedia à sedução da idolatria, a tentação contínua do crente, iludindo-se que podia «servir a dois senhores» (cf. Mt 6,24 Lc 16,13), e facilitar os caminhos impérvios da fé do Todo-Poderoso, depositando de novo a sua confiança também num deus impotente, feito pelos homens.

É precisamente para desmascarar a insensatez enganadora de tal atitude que Elias manda reunir o povo de Israel no monte Carmelo e que o põe diante da necessidade de fazer uma escolha: «Se o Senhor é Deus, segui-o, mas se é Baal, segui Baal» (1R 18,21). E o profeta, portador do amor de Deus, não deixa sozinho o seu povo perante esta escolha, mas ajuda-o, indicando-lhe o sinal que revelará a verdade: tanto ele como os profetas de Baal prepararão um sacrifício e rezarão, e o Deus verdadeiro manifestar-se-á, respondendo com o fogo que consumará o holocausto. Assim começa o confronto entre o profeta Elias e os seguidores de Baal, que na realidade está entre o Senhor de Israel, Deus de salvação e de vida, e o ídolo mudo e sem qualquer consistência, que nada pode, nem no bem nem no mal (cf. Jr 10,5). E começa inclusive o confronto entre dois modos completamente diferentes de se dirigir a Deus e orar.

Com efeito, os profetas de Baal, clamam, agitam-se, dançam saltando, entram num estado de exaltação e chegam até a cortar-se «com espadas e lanças, até se cobrirem de sangue» (1R 18,28). Eles recorrem a si mesmos para interpelar o seu deus, confiando nas próprias capacidades para suscitar a sua resposta. Revela-se deste modo a realidade enganadora do ídolo: ele é pensado pelo homem como algo de que se pode dispor, que se pode gerir com as próprias forças, ao qual se pode aceder a partir de si mesmo e da própria força vital. A adoração do ídolo, em vez de abrir o coração humano à Alteridade, a uma relação libertadora que permita sair do espaço limitado do próprio egoísmo para aceder a dimensões de amor e de dom recíproco, fecha a pessoa no círculo exclusivo e desesperador da busca de si mesmo. E o engano é tal que, adorando o ídolo, o homem se encontra obrigado a gestos extremos, na tentativa ilusória de o submeter à própria vontade. Por isso, os profetas de Baal chegam a angustiar-se, a provocar feridas no corpo, com um gesto dramaticamente irónico: para ter uma resposta, um sinal de vida do seu deus, chegam a cobrir-se de sangue, e com ele simbolicamente de morte.

A atitude de oração de Elias, ao contrário, é muito diferente. Ele pede ao povo que se aproxime, envolvendo-o deste modo na sua acção e na sua súplica. A finalidade do desafio por ele dirigido aos profetas de Baal consistia em reconduzir para Deus o povo que se tinha perdido, seguindo os ídolos; por isso, ele quer que Israel se una a ele, tornando-se partícipe e protagonista da sua oração e daquilo que estava a acontecer. Depois, o profeta erige um altar utilizando, como o texto descreve, «doze pedras, segundo o número das doze tribos saídas dos filhos de Jacob, a quem o Senhor dissera: “Tu chamar-te-ás Israel”» (v. 1R 18,31). Aquelas pedras representam todo o Israel, e constituem a memória tangível da história de eleição, de predilecção e de salvação, da qual o povo fora objecto. O gesto litúrgico de Elias tem um alcance decisivo; o altar é lugar sagrado que indica a presença do Senhor, mas aquelas pedras que o compõem representam o povo, que agora, graças à mediação do profeta, é colocado simbolicamente diante de Deus, tornando-se «altar», lugar de oferenda e de sacrifício.

Mas é necessário que o símbolo se torne realidade, que Israel reconheça o verdadeiro Deus e volte a encontrar a própria identidade de povo do Senhor. Por isso, Elias pede a Deus que se manifeste, e aquelas doze pedras, que deviam recordar a Israel a sua verdade, servem também para recordar ao Senhor a sua fidelidade, à qual o profeta se apela na oração. As palavras da sua invocação são densas de significado e de fé: «Senhor Deus de Abraão, de Isaac e de Israel, saibam todos hoje que sois o Deus de Israel, que eu sou vosso servo e que por vossa ordem fiz todas estas coisas. Ouvi-me, Senhor, ouvi-me: que este povo reconheça que vós, Senhor, sois Deus, e que sois vós que converteis os seus corações!» (vv. 1R 18,36-37; cf. Gn 32,36-37). Elias dirige-se ao Senhor, chamando-lhe Deus dos Pais, fazendo assim memória implícita das promessas divinas e da história de eleição e de aliança, que uniu indissoluvelmente o Senhor ao seu povo. O compromisso de Deus na história dos homens é tal que o seu Nome já está ligado de maneira inseparável ao dos Patriarcas, e o profeta pronuncia aquele Nome santo para que Deus se recorde e se mostre fiel, mas também a fim de que Israel se sinta chamado pelo nome e volte a encontrar a sua fidelidade. Com efeito, o título divino pronunciado por Elias parece um pouco surpreendente. Em vez de utilizar a fórmula habitual, «Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob», ele recorre a um apelativo menos comum: «Deus de Abraão, de Isaac e de Israel». A substituição do nome «Jacob» com «Israel» evoca a luta de Jacob no vau do Jaboc, com a troca do nome à qual o narrador faz uma referência explícita (cf. Gn 32,31) e da qual falei numa das últimas catequeses. Tal substituição adquire um significado expressivo no contexto da invocação de Elias. O profeta reza pelo povo do reino do Norte, que se chamava precisamente Israel, distinto de Judá, que indicava o reino do Sul. E agora este povo, que parece ter esquecido a própria origem e a sua relação privilegiada com o Senhor, sente-se chamado pelo nome, enquanto é pronunciado o Nome de Deus, Deus do Patriarca e Deus do povo: «Senhor Deus [...] de Israel, saibam todos hoje que sois o Deus de Israel».

O povo pelo qual Elias reza é posto de novo diante da própria verdade, e o profeta pede que também a verdade do Senhor se manifeste e que Ele intervenha para converter Israel, dissuadindo-o do engano da idolatria e levando-o assim à salvação. O seu pedido é para que o povo enfim saiba, conheça de modo pleno quem é verdadeiramente o seu Deus, e faça a escolha decisiva de seguir só Ele, o Deus verdadeiro. Pois somente assim Deus é reconhecido por aquilo que é, Absoluto e Transcendente, sem a possibilidade de lhe pôr ao lado outros deuses, que O negariam como Absoluto, tornando-o relativo. Esta é a fé que faz de Israel o povo de Deus; trata-se da fé proclamada no conhecido texto do Shemá Israel: «Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, toda a tua alma e todas as tuas forças» (Dt 6,4-5). Ao Absoluto de Deus, o fiel deve responder com um amor absoluto, total, que comprometa a sua vida inteira, as suas forças e o seu coração. E é precisamente para o coração do seu povo que o profeta, com a sua oração, implora a conversão: «Que este povo reconheça que vós, Senhor, sois Deus, e que sois vós que converteis os seus corações!» (1R 18,37). Com a sua intercessão, Elias pede a Deus o que o próprio Deus deseja realizar, manifestar-se em toda a sua misericórdia, fiel à sua realidade de Senhor da vida que perdoa, converte, transforma.

E é isto que acontece: «O fogo do Senhor baixou do céu e consumiu o holocausto, a lenha, as pedras, a poeira e até mesmo a água do sulco. Vendo isso, o povo prostrou-se com o rosto por terra, exclamando: “O Senhor é Deus! O Senhor é Deus!”» (vv. 1R 18,38-39). O fogo, este elemento necessário e ao mesmo tempo terrível, ligado às manifestações divinas da sarça ardente e do Sinai, agora serve para assinalar o amor de Deus, que responde à oração e se revela ao seu povo. Baal, o deus mudo e impotente, não tinha respondido às invocações dos seus profetas; o Senhor, ao contrário, responde, e de modo inequívoco, não só consumindo o holocausto, mas até secando toda a água que tinha sido derramada em volta do altar. Israel já não pode ter dúvidas; a misericórdia divina veio ao encontro da sua debilidade, das suas dúvidas e da sua falta de fé. Agora Baal, o ídolo inútil, é derrotado, e o povo que parecia perdido voltou a achar o caminho da verdade e a encontrar-se a si mesmo.

Estimados irmãos e irmãs, o que nos diz, a nós, esta história do passado? Qual é o presente desta história? Em primeiro lugar está em questão a prioridade do primeiro mandamento: adorar unicamente a Deus. Onde Deus desaparece, o homem cai na escravidão de idolatrias, como mostraram, no nosso tempo, os regimes totalitários e como mostram também diversas formas de niilismo, que tornam o homem dependente de ídolos, de idolatrias, escravizando-o. Em segundo lugar, a finalidade primária da oração é a conversão: o fogo de Deus que transforma o nosso coração e nos torna capazes de ver Deus e, assim, de viver segundo Deus e de viver para o próximo. E o terceiro ponto: os Padres dizem-nos que também esta história de um profeta é profética, se — dizem — é sombra do porvir, do futuro Cristo; é um passo ao longo do caminho rumo a Cristo. E dizem-nos que aqui vemos o verdadeiro fogo de Deus: o amor que orienta o Senhor até à Cruz, até ao dom total de si mesmo. Então, a autêntica adoração de Deus consiste em dar-se a si próprio a Deus e aos homens, a verdadeira adoração é o amor. E a autêntica adoração de Deus não destrói, mas renova e transforma. Sem dúvida, o fogo de Deus, o fogo do amor consome, transforma e purifica, mas precisamente por isso não destrói mas, ao contrário, cria a verdade do nosso ser, volta a criar o nosso coração. E assim, realmente vivos pela graça do fogo do Espírito Santo, do amor de Deus, somos adoradores em espírito e em verdade. Obrigado!

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, uma saudação amiga de boas-vindas para todos, com menção especial para os fiéis das paróquias de Nossa Senhora da Conceição, em Angola, São Sebastião de Campo Grande, no Brasil, e São Julião da Barra, em Portugal. Possa esta peregrinação ao túmulo dos Apóstolos ajudar-vos na vida a cooperar plenamente com os desígnios de salvação que Deus tem sobre a humanidade. Como estímulo e penhor de graças, dou-vos a minha Bênção.







Praça de São Pedro

22 de Junho de 2011: O homem em oração (7) O povo de Deus que reza: os Salmos


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