Audiências 2005-2013 23111

23 de Novembro de 2011: Viagem Apostólica ao Benim

23111

Amados irmãos e irmãs,

Ainda estão vivas em mim as impressões suscitadas pela recente Viagem Apostólica ao Benim, sobre a qual hoje desejo meditar. Brota espontaneamente da minha alma a acção de graças ao Senhor: na sua providência, Ele quis que eu voltasse à África pela segunda vez como sucessor de Pedro, por ocasião do 150° aniversário do início da evangelização do Benim e para assinar e entregar oficialmente às comunidades eclesiais africanas a Exortação Apostólica pós-sinodal Africae munus. Neste importante documento, depois de meditado sobre as análises e as propostas derivadas da segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, realizada no Vaticano em Outubro de 2009, desejei oferecer algumas linhas para a obra pastoral no grande Continente africano. Ao mesmo tempo, eu quis prestar homenagem e rezar diante do túmulo de um ilustre filho do Benim e da África, além de grande homem de Igreja, o inesquecível Cardeal Bernardin Gantin, cuja venerada memória está viva como nunca no seu país, que o considera um Pai da pátria, e no Continente inteiro.

Hoje desejo reiterar o meu mais profundo agradecimento àqueles que contribuíram para a realização desta minha peregrinação. Antes de tudo, estou muito grato ao Senhor Presidente da República, que com grande cortesia me ofereceu a sua cordial saudação, bem como a de todo o país; ao Arcebispo de Cotonou e aos outros venerados Irmãos no Episcopado, que me receberam com carinho. Além disso, agradeço aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas, aos diáconos, aos catequistas e aos inúmeros irmãos e irmãs, que com tanta fé e entusiasmo me acompanharam durante aqueles dias de graça. Vivemos juntos uma comovedora experiência de fé e de renovado encontro com Jesus Cristo vivo, no contexto do 150° aniversário da evangelização do Benim.

Coloquei os frutos da segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos aos pés da Virgem Santa, venerada no Benim especialmente na Basílica da Imaculada Conceição em Ouidah. Segundo o modelo de Maria, a Igreja na África acolheu a Boa Nova do Evangelho, gerando muitos povos para a fé. Agora, as comunidades cristãs da África — como foi frisado tanto pelo tema do Sínodo como pelo lema da minha Viagem Apostólica — são chamadas a renovar-se na fé para estar cada vez mais ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz. Elas são convidadas a reconciliar-se no seu interior para se tornar instrumentos da misericórdia divina, cada uma contribuindo com as suas riquezas espirituais e materiais para o compromisso comum.

Naturalmente, este espírito de reconciliação é indispensável, também no plano civil, e precisa de uma abertura para a esperança que deve animar inclusive a vida sociopolítica e económica do Continente, como pude frisar durante o encontro com as Instituições políticas, o Corpo Diplomático e os Representantes das Religiões. Nessa circunstância, desejei chamar a atenção precisamente para a esperança que deve animar o caminho do Continente, relevando o desejo ardente de liberdade e de justiça que, especialmente nestes últimos meses, anima os corações de numerosos povos africanos. Depois, realcei a necessidade de construir uma sociedade na qual as relações entre diversas etnias e religiões sejam caracterizadas pelo diálogo e harmonia. Convidei todos a ser autênticos semeadores de esperança em cada realidade e ambiente.

Os cristãos são por si só homens de de esperança, que não se podem desinteressar dos seus irmãos e irmãs: recordei esta verdade também à imensa multidão reunida para a Celebração eucarística dominical no estádio da Amizade em Cotonou. Esta Missa do domingo foi um extraordinário momento de oração e de festa em que participaram milhares de fiéis do Benim e de outros países africanos, dos mais idosos aos mais jovens: um maravilhoso testemunho do modo como a fé consegue unir as gerações e sabe responder aos desafios de cada estação da vida.

Durante esta celebração comovedora e solene, entreguei aos Presidentes das Conferências Episcopais da África a Exortação Apostólica pós-sinodal Africae munus — que eu tinha assinado no dia anterior em Ouidah — destinada aos Bispos, aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas, aos catequistas e aos leigos de todo o Continente africano. Confiando-lhes os frutos da segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, pedi-lhes que os meditem com atenção e que os vivam plenamente, para responder com eficácia à exigente missão evangelizadora da Igreja, peregrina na África do terceiro milénio. Neste texto importante, cada fiel encontrará as linhas fundamentais que guiarão e animarão o caminho da Igreja na África, chamada a ser cada vez mais o «sal da terra» e a «luz do mundo» (
Mt 5,13-14).

Dirigi a todos o apelo a serem construtores incansáveis de comunhão, de paz e de solidariedade, a fim de cooperarem desta forma para a realização do plano de salvação de Deus para a humanidade. Os africanos responderam com o seu entusiasmo ao convite do Papa, e nos seus rostos, na sua fé fervorosa, na sua adesão convicta ao Evangelho da vida reconheci mais uma vez sinais confortadores de esperança para o grande Continente africano.

Vi de perto com a mão estes sinais também no encontro com as crianças e com o mundo do sofrimento. Na igreja paroquial de Santa Rita, senti verdadeiramente a alegria de viver, a alegria e o entusiasmo das novas gerações que constituem o futuro da África. Ao grupo caloroso de Crianças, um dos numerosos recursos e riquezas do Continente, indiquei a figura de são Kizito, um rapaz ugandense morto porque queria viver segundo o Evangelho, e exortei cada um a dar testemunho de Jesus aos próprios coetâneos. A visita ao Foyer «Paz e Alegria», gerido pelas Missionárias da Caridade de Madre Teresa, fez-me viver um momento de grande emoção, encontrando-me com crianças abandonadas e doentes, e permitiu-me ver concretamente como o amor e a solidariedade sabem tornar presente na debilidade a força e o carinho de Cristo ressuscitado.

A alegria e o fervor apostólico que encontrei entre os sacerdotes, os religiosos, as religiosas, os seminaristas e os leigos, reunidos em grande número, constitui um sinal de esperança segura para o futuro da Igreja no Benim. Exortei todos a ter uma fé autêntica e viva e a levar uma vida cristã caracterizada pela prática das virtudes, e encorajei cada um a viver a respectiva missão na Igreja, com fidelidade aos ensinamentos do Magistério, em comunhão entre si e com os Pastores, indicando especialmente aos sacerdotes o caminho da santidade, na consciência de que o ministério não é uma simples função social, mas consiste em levar Deus ao homem, e o homem a Deus.

Um intenso momento de comunhão foi o encontro com o Episcopado do Benim, para meditar em particular sobre a origem do anúncio evangélico no seu país, por obra de missionários que entregaram generosamente a sua vida, às vezes de modo heróico, para que o amor de Deus fosse anunciado a todos. Dirijo aos Bispos o convite a pôr em prática oportunas iniciativas pastorais para suscitar nas famílias, nas paróquias, nas comunidades e nos movimentos eclesiais uma redescoberta constante da Sagrada Escritura, como nascente de renovação espiritual e ocasião de aprofundamento da fé. Nesta abordagem renovada da Palavra de Deus e na redescoberta do próprio Baptismo, os fiéis leigos encontrarão a força para dar testemunho da sua fé em Cristo e no seu Evangelho na vida quotidiana. Nesta fase crucial para todo o Continente, a Igreja na África, com o seu compromisso ao serviço do Evangelho, com o testemunho corajoso de uma solidariedade concreta, poderá ser protagonista de uma nova estação de esperança. Na África vi uma vitalidade do sim à vida, uma vivacidade do sentido religioso e da esperança, uma percepção da realidade na sua totalidade com Deus e não reduzida a um positivismo que, no fim, apaga a esperança. Tudo isto diz que naquele Continente há uma reserva de vida e de energia para o futuro, com a qual nós podemos contar, com a qual a Igreja pode contar.

Esta minha viagem constituiu um grande apelo à África, a fim de que oriente cada esforço para anunciar o Evangelho a quantos ainda não o conhecem. Trata-se de um compromisso renovado pela evangelização, à qual cada baptizado é chamado, promovendo a reconciliação, a justiça e a paz.

A Maria, Mãe da Igreja e Nossa Senhora da África, confio aqueles que tive a oportunidade de encontrar nesta minha inesquecível Viagem Apostólica. A Ela recomendo a Igreja na África. A intercessão materna de Maria, «cujo Coração está sempre orientado para a vontade de Deus, sustente qualquer compromisso de conversão, consolide todas as iniciativas de reconciliação e torne eficaz cada esforço a favor da paz num mundo que tem fome e sede de justiça» (cf. Africae munus, 175). Obrigado!

Saudações

Queridos amigos e irmãos de língua portuguesa, que hoje parais junto do túmulo de São Pedro e neste Encontro com o Seu Sucessor: Obrigado pela vossa presença! A todos saúdo, especialmente aos brasileiros da Comunidade Arca da Aliança, confiando à Virgem Maria os vossos corações e os vossos passos ao serviço da evangelização e do anúncio da Palavra de Deus. Para vós e vossas famílias, a minha Bênção!




Sala Paulo VI

30 de Novembro de 2011: A oração atravessa toda a vida de Jesus

30111

Queridos irmãos e irmãs,

Nas últimas catequeses reflectimos sobre alguns exemplos de oração no Antigo Testamento, e hoje gostaria de começar a olhar para Jesus, para a sua oração, que atravessa toda a sua vida, como um canal secreto que irriga a existência, as relações e os gestos, e que O guia, com firmeza progressiva, rumo ao dom total de Si mesmo, segundo o desígnio de amor de Deus Pai. Jesus é o Mestre também das nossas orações, aliás, Ele é o nosso sustento concreto e fraterno, cada vez que nos dirigimos ao Pai. Verdadeiramente, como resume um título do Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, «a oração é plenamente revelada e realizada em Jesus» (nn. 541-547). Nas próximas catequeses desejamos olhar para Ele.

Um momento particularmente significativo deste seu caminho é a oração que se segue ao baptismo, ao qual se submete no rio Jordão. O Evangelista Lucas escreve que Jesus, depois de ter recebido, juntamente com todo o povo, o baptismo das mãos de João Baptista, entra numa oração extremamente pessoal e prolongada: «Todo o povo tinha sido baptizado; tendo Jesus sido baptizado também, e estando Ele a orar, o céu abriu-se e o Espírito Santo desceu sobre Ele» (
Lc 3,21-22). Precisamente este «estar em oração», em diálogo com o Pai, ilumina a obra que Ele realizou juntamente com muitos do seu povo, que acorreram à margem do Jordão. Rezando, Ele confere a este seu gesto, do baptismo, uma característica exclusiva e pessoal.

João Baptista tinha dirigido um apelo vigoroso a viver verdadeiramente como «filhos de Abraão», convertendo-se para o bem e produzindo frutos dignos de tal mudança (cf. Lc 3,7-9). E um grande número de israelitas moveu-se, como recorda o Evangelista Marcos, o qual escreve: «Saíam ao seu encontro [de João] todos os habitantes da Judeia e de Jerusalém, e eram baptizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados» (Mc 1,5). João Baptista anunciava algo realmente novo: submeter-se ao baptismo devia marcar uma mudança determinante, abandonar um comportamento ligado ao pecado e começar uma vida nova. Também Jesus acolhe este convite, entra na multidão triste dos pecadores que esperam à margem do Jordão. Mas, como aos primeiros cristãos, também em nós surge a interrogação: por que Jesus se submete voluntariamente a este baptismo de penitência e de conversão? Não tem pecados para confessar, não tinha pecados, e portanto também não tinha necessidade de se converter. Então, por que este gesto? O Evangelista Mateus descreve a admiração de João Baptista, que afirma: «Eu é que tenho necessidade de ser baptizado por ti e Tu vens a mim?» (Mt 3,14), e a resposta de Jesus: «Deixa por agora. Convém que cumpramos assim toda a justiça» (v. Mt 3,15). O sentido da palavra «justiça» no mundo bíblico é aceitar plenamente a vontade de Deus. Jesus mostra a sua proximidade àquela parte do seu povo que, seguindo João Baptista, reconhece que é insuficiente o simples considerar-se filho de Abraão, mas quer cumprir a vontade de Deus, deseja comprometer-se para que o seu comportamento seja uma resposta fiel à aliança oferecida por Deus em Abraão. Então, descendo ao rio Jordão, Jesus sem pecado torna visível a sua solidariedade para com aqueles que reconhecem os próprios pecados, escolher arrepender-se e mudar de vida; faz compreender que pertencer ao povo de Deus significa entrar numa perspectiva de novidade de vida, de vida segundo Deus.

Neste gesto, Jesus antecipa a cruz, dá início à sua actividade assumindo o lugar dos pecadores, carregando sobre os seus ombros o peso da culpa da humanidade inteira, cumprindo a vontade do Pai. Recolhendo-se em oração, Jesus mostra o vínculo íntimo com o Pai que está nos Céus, experimenta a sua paternidade, captura a beleza exigente do seu amor e, no diálogo com o Pai, recebe a confirmação da sua missão. Nas palavras que ressoam do Céu (cf. Lc 3,22) há a referência antecipada ao mistério pascal, à cruz e à ressurreição. A voz divina define-o «O meu Filho muito amado», evocando Isaac, o amadíssimo filho que o pai Abraão estava disposto a sacrificar, segundo a ordem de Deus (cf. Gn 22,1-14). Jesus não é só o Filho de David, descendente messiânico real, ou o Servo do qual Deus se compraz, mas é também o Filho unigénito, o amado, semelhante a Issac, que Deus Pai oferece para a salvação do mundo. No momento em que, através da oração, Jesus vive em profundidade a própria filiação e a experiência da paternidade de Deus (cf. Lc 3,22), desce o Espírito Santo (cf. Lc 3,22a), que o guia na sua missão e que Ele efundirá depois de ter sido elevado na cruz (cf. Jn 1,32-34 Jn 7,37-39), para que ilumine a obra da Igreja. Na oração, Jesus vive um contacto ininterrupto com o Pai, para realizar até ao fim o desígnio de amor pelos homens.

No fundo desta oração extraordinária encontra-se toda a existência de Jesus, vivida numa família profundamente ligada à tradição religiosa do povo de Israel. Demonstram-no as referências que encontramos nos Evangelhos: a sua circuncisão (cf. Lc 2,21) e a sua apresentação no templo (cf. Lc 2,22-24), assim como a educação e a formação em Nazaré, na casa santa (cf. 2, 51-52). Trata-se de «cerca de trinta anos» (Lc 3,23), um tempo prolongado de vita escondida e útil, embora com as experiências de participação em momentos de expressão religiosa comunitária, come as peregrinações a Jerusalém (cf. Lc 2,41). Narrando-nos o episódio de Jesus no templo quando tinha doze anos, sentado no meio dos doutores (cf. Lc 2,42-52), o Evangelista Lucas deixa entrever como Jesus, que reza depois do baptismo no Jordão, tem um prolongado hábito de oração íntima com Deus Pai, arraigada nas tradições, no estilo da sua família e nas experiências decisivas nela vividas. A resposta do menino de doze anos a Maria e José já indica aquela filiação divina, que a voz celeste manifesta após o baptismo: «Por que me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» (Lc 2,49). Ao sair das águas do Jordão, Jesus não inaugura a sua oração, mas continua a sua relação constante, habitual com o Pai; e é nesta união íntima com Ele que realiza a passagem da vida escondida de Nazaré, para o seu ministério público.

O ensinamento de Jesus sobre a oração deriva, sem dúvida, do seu modo de rezar, adquirido em família, mas tem a sua origem profunda e essencial no seu ser o Filho de Deus, na sua relação singular com Deus Pai. À pergunta: De quem aprendeu Jesus a rezar?, o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica assim responde: «Jesus, segundo o seu coração de homem, foi ensinado a rezar por sua Mãe e pela tradição judaica. Mas a sua oração brota de uma fonte secreta, porque Ele é o Filho eterno de Deus que, na sua santa humanidade, dirige a seu Pai a oração filial perfeita» (n. 541).

Na narração evangélica, as ambientações da oração de Jesus colocam-se sempre na encruzilhada entre a inserção na tradição do seu povo e a novidade de uma relação pessoal singular com Deus. «O lugar deserto» (cf. Mc 1,35 Lc 5,16) em que se retira com frequência, «o monte» onde sobe para rezar (cf. Lc 6,12 Lc 9,28) e «a noite» que lhe permite a solidão (cf. Mc 1,35 Mc 6,46-47 Lc 6,12) evocam momentos do caminho da revelação de Deus no Antigo Testamento, indicando a continuidade do seu desígnio salvífico. Mas, ao mesmo tempo, indicam momentos de importância particular para Jesus que, de modo consciente, se insere neste plano, totalmente fiel à vontade do Pai.

Também na nossa oração temos que aprender, cada vez mais, a entrar nesta história de salvação, cujo ápice é Jesus, renovar diante de Deus a nossa decisão pessoal para nos abrirmos à sua vontade, pedir-lhe a força de conformar a nossa vontade com a sua, em toda a nossa vida, em obediência ao seu desígnio de amor por nós.

A oração de Jesus diz respeito a todas as fase do seu ministério e a todos os seus dias. As dificuldades não a impedem. Aliás, os Evangelhos deixam transparecer um hábito de Jesus, de transcorrer em oração uma parte da noite. O Evangelista Marcos narra uma destas noites, depois do dia pesado da multiplicação dos pães, e escreve: «Jesus obrigou logo os seus discípulos a subirem para o barco e a irem à frente, outro outro lado, rumo a Betsaida, enquanto Ele próprio despedia a multidão. Depois de os ter despedido, foi ao monte para orar. Já era noite, o barco estava no meio do mar e Ele sozinho em terra» (Mc 6,45-47). Quando as decisões se fazem urgentes e complexas, a sua prece torna-se mais prolongada e intensa. Na iminência da escolha dos doze Apóstolos, por exemplo, Lucas sublinha a duração da oração preparatória de Jesus à noite: «Naqueles dias, Jesus foi para o monte fazer a oração e passou toda a noite a orar a Deus. Quando nasceu o dia, convocou os seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de Apóstolos» (Lc 6,12-13).

Olhando para a oração de Jesus, em nós deve surgir uma pergunta: como rezo eu, como oramos nós? Que tempo dedico à relação com Deus? Tem-se hoje uma educação e formação suficiente para a oração? E quem pode ser mestre nisto? Na Exortação Apostólica Verbum Domini falei sobre a importância da leitura orante da Sagrada Escritura. Reunindo o que sobressaiu na Assembleia do Sínodo dos Bispos, pus em evidência especial a forma específica da lectio divina. Ouvir, meditar e silenciar diante do Senhor que fala é uma arte, que se aprende praticando-a com constância. Certamente, a oração é um dom, que todavia é necessário acolher; é obra de Deus, mas exige o nosso compromisso e continuidade; sobretudo, a continuidade e a constância são importantes. Precisamente a experiência exemplar de Jesus mostra que a sua oração, animada pela paternidade de Deus e pela comunhão do Espírito, aprofundou-se num exercício prolongado e fiel, até ao Horto das Oliveiras e à Cruz. Hoje, os cristãos são chamados a tornar-se testemunhas de oração, precisamente porque o nosso mundo se encontra muitas vezes fechado ao horizonte divino e à esperança que contém o encontro com Deus. Na amizade profunda com Jesus e vivendo nele e com Ele a relação filial com o Pai, através da nossa oração fiel e constante, podemos abrir janelas para o Céu de Deus. Aliás, ao percorrer o caminho da oração, sem uma consideração humana, podemos ajudar outros a percorrê-lo: também para a oração cristã é verdade que, caminhando, se abrem veredas.

Amados irmãos e irmãs, eduquemo-nos para uma relação intensa com Deus, para uma prece que não seja esporádica, mas constante, cheia de confiança, capaz de iluminar a nossa vida, como nos ensina Jesus. E peçamos-lhe que possamos comunicar às pessoas que estão próximas de nós, àqueles que encontramos ao longo do nosso caminho, a alegria do encontro com o Senhor, Luz para a nossa existência. Obrigado!

Saudação

Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, particularmente os brasileiros vindos de Lorena e de Curitiba, a quem desejo uma prática de oração constante e cheia de confiança para poderdes comunicar a todos quantos vivem ao vosso redor a alegria do encontro com o Senhor, luz para as nossas vidas! E que Ele vos abençoe a vós e às vossas famílias!




Sala Paulo VI

7 de Dezembro de 2011: A jóia do Hino de júbilo

7121

Queridos irmãos e irmãs!

Os evangelistas Mateus e Lucas (cf.
Mt 11,25-30 e Lc 10,21-22) deixaram-nos em herança uma «joia» da oração de Jesus, que muitas vezes é chamado Hino de júbilo, ou Hino de júbilo messiânico. Trata-se de uma oração de reconhecimento e de louvor, como pudemos ouvir. No original grego dos Evangelhos, o verbo com que este hino começa, e que expressa a atitude de Jesus quando se dirige ao Pai, é exomologoumai, traduzido frequentemente com «presto louvor» (Mt 11,25 e Lc 10,21). Mas nos escritos do Novo Testamento, este verbo indica principalmente estas duas coisas: a primeira é «reconhecer até ao fundo» — por exemplo, João Baptista pedia que se reconhecesse até ao fundo os próprios pecados, àqueles que iam ter com ele para se fazer baptizar (cf. Mt 3,6); a segunda coisa consiste em «estar de acordo». Portanto, a expressão com que Jesus dá início à sua oração contém o seu reconhecer até ao fundo, plenamente, o agir de Deus Pai e, ao mesmo tempo, o seu estar em total, consciente e jubiloso acordo com este modo de agir, com o desígnio do Pai. O Hino de júbilo constitui o ápice de um caminho de oração no qual sobressai claramente a profunda e íntima comunhão de Jesus com a vida do Pai no Espírito Santo, e manifesta-se a sua filiação divina.

Jesus dirige-se a Deus, chamando-lhe «Pai». Este termo expressa a consciência e a certeza de Jesus, de que é «o Filho», e está em comunhão íntima e constante com Ele, e este é o ponto central e a fonte de cada oração de Jesus. Vemo-lo claramente na última parte do Hino, que ilumina todo o texto. Jesus diz: «Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai, a não ser o Filho, e aquele a quem o Filho houver por bem revelar-lho» (Lc 10,22). Por conseguinte, Jesus afirma que somente «o Filho» conhece verdadeiramente o Pai. Cada conhecimento entre as pessoas — todos nós o experimentamos nos nossos relacionamentos humanos — exige um envolvimento, um certo vínculo interior entre aquele que conhece e aquele é conhecido, a nível mais ou menos profundo: não se pode conhecer, sem uma comunhão do ser. No Hino de júbilo, como em cada uma das suas orações, Jesus demonstra que o verdadeiro conhecimento de Deus pressupõe a comunhão com Ele: só permanecendo em comunhão com o outro, começo a conhecer; e assim também com Deus: só se eu tiver um contacto verdadeiro, se estiver em comunhão, posso também conhecê-lo. Portanto, o verdadeiro conhecimento está reservado ao Filho, o Unigénito que desde sempre se encontra no seio do Pai (cf. Jn 1,18), em perfeita unidade com Ele. Somente o Filho conhece verdadeiramente Deus, permanecendo em comunhão íntima do ser; só o Filho pode revelar verdadeiramente quem é Deus.

O nome «Pai» é seguido por um segundo título, «Senhor do céu e da terra». Com esta expressão, Jesus recapitula a fé na criação e faz ressoar as primeiras palavras da Sagrada Escritura: «No princípio, Deus criou o céu e a terra» (Gn 1,1). Rezando, Ele evoca a grandiosa narração bíblica da história de amor de Deus pelo homem, que começa com a obra da criação. Jesus insere-se nesta história de amor, constitui o seu ápice e o seu cumprimento. Na sua experiência de oração, a Sagrada Escritura é iluminada e revive na sua mais completa amplidão: anúncio do mistério de Deus e resposta do homem transformado. Todavia, através da expressão: «Senhor do céu e da terra» podemos reconhecer também o modo como em Jesus, o Revelador do Pai, volta a apresentar-se ao homem a possibilidade de aceder a Deus.

Agora, interroguemo-nos: a quem deseja o Filho, revelar os mistérios de Deus? No início do Hino, Jesus manifesta a sua alegria, porque a vontade do Pai consiste em manter estas coisas escondidas aos doutos e aos sábios, e em revelá-las aos pequeninos (cf. Lc 10,21). Nesta expressão da sua oração, Jesus manifesta a sua comunhão com a decisão do Pai, que revela os seus mistérios a quantos têm um coração simples: a vontade do Filho é uma só com a do Pai. A revelação divina não se realiza em conformidade com a lógica terrena, para a qual são os homens cultos e poderosos que possuem os conhecimentos importantes e que depois os transmitem às pessoas mais simples, aos pequeninos. Deus recorreu a um outro estilo: os destinatários da sua comunicação foram precisamente os «pequeninos». Esta é a vontade do Pai, e o Filho compartilha-a com alegria. O Catecismo da Igreja Católica diz: «O seu estremecimento — “Sim Pai!” — revela o íntimo do seu coração, a sua adesão ao “beneplácito” do Pai, como um eco do “Fiat” da sua Mãe aquando da sua concepção e como prelúdio do que Ele próprio dirá ao Pai na sua agonia. Toda a oração de Jesus está nesta adesão amorosa do seu coração de homem ao “mistério da vontade” do Pai (Ep 1,9)» (CEC 2603). Daqui deriva a invocação que, no Pai-Nosso dirigimos a Deus: «Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu»: com Cristo e em Cristo, também nós pedimos para entrar em sintonia com a vontade do Pai, tornando-nos assim também nós seus filhos. Portanto, neste Hino de júbilo Jesus manifesta a vontade de empenhar no seu conhecimento filial de Deus todos aqueles que o Pai quer tornar partícipes do mesmo; e aqueles que recebem esta dádiva são os «pequeninos».

Mas o que significa «ser pequenino», simples? Qual é «a pequenez» que abre o homem à intimidade filial com Deus e ao acolhimento da sua vontade? Qual deve ser a atitude de fundo da nossa oração? Meditemos sobre o «Sermão da montanha», onde Jesus afirma: «Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5,8). É a pureza do coração, aquela que permite reconhecer o rosto de Deus em Jesus Cristo; é ter um coração simples, como o das crianças, sem a presunção daqueles que se fecham em si mesmos, pensando que não têm necessidade de ninguém, nem sequer de Deus.

É interessante observar também a ocasião em que Jesus irrompe neste Hino ao Pai. Na narração evangélica de Mateus, é a alegria porque, não obstante as oposições e as rejeições, existem «pequeninos» que acolhem a sua palavra e se abrem ao dom da fé n’Ele. Com efeito, o Hino de júbilo é precedido pelo contraste entre o elogio de João Baptista, um dos «pequeninos» que reconheceram o agir de Deus em Jesus Cristo (cf. Mt 11,2-19), e a repreensão pela incredulidade das cidades do lago, «nas quais se tinha verificado a maior parte dos seus milagres» (cf. Mt 11,20-24). Por conseguinte, o júbilo é visto por Mateus em relação às palavras com as quais Jesus constata a eficácia da sua palavra e da sua obra: «Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos vêem os coxos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a Boa Nova é anunciada aos pobres... Bem-aventurado aquele que não encontra em mim ocasião de escândalo!» (Mt 11,4-6).

Inclusive são Lucas apresenta o Hino de júbilo relacionado com um momento de desenvolvimento do anúncio do Evangelho. Jesus enviou os «setenta e dois discípulos» (Lc 10,1) e eles partiram com um sentido de temor pelo possível insucesso da sua missão. Também são Lucas sublinha a rejeição que encontrou nas cidades onde o Senhor pregou e realizou sinais prodigiosos. Mas os setenta e dois discípulos voltam cheios de alegria, porque a sua missão teve bom êxito; eles constataram que, com o poder da palavra de Jesus, os males do homem são derrotados. E Jesus compartilha a sua satisfação: «naquela mesma hora», naquele momento, Ele exultou de alegria.

Existem ainda dois elementos, que eu gostaria de ressaltar. O evangelista Lucas introduz a oração, com a seguinte anotação: «Jesus exultou de alegria no Espírito Santo» (Lc 10,21). Jesus rejubila, a partir do íntimo de Si mesmo, naquilo que Ele possui de mais profundo: a singular comunhão de conhecimento e de amor com o Pai, a plenitude do Espírito Santo. Empenhando-nos na sua filiação, Jesus convida-nos, também a nós, a abrir-nos à luz do Espírito Santo, porque — como afirma o apóstolo Paulo — «(nós) não sabemos... rezar de maneira conveniente, mas o próprio Espírito intercede com gemidos inefáveis... de acordo com os desígnios de Deus» (Rm 8,26-27), revelando-nos o amor do Pai. No Evangelho de Mateus, depois do Hino de júbilo, encontramos um dos apelos mais urgentes de Jesus: «Vinde a mim, todos vós que estais cansados e oprimidos, e Eu aliviar-vos-ei» (Mt 11,28). Jesus pede-nos para ir ter com Ele, que é a verdadeira sabedoria, com Ele que é «manso e humilde de coração»; propõe «o seu jugo», o caminho da sabedoria do Evangelho, que não é uma doutrina a aprender, nem uma proposta ética, mas uma Pessoa a seguir: Ele mesmo, o Filho Unigénito, em perfeita comunhão com o Pai.

Estimados irmãos e irmãs, considerámos por um momento a riqueza desta oração de Jesus. Também nós, com o dom do seu Espírito, podemos dirigir-nos a Deus, mediante a oração, com a confiança de filhos, invocando-o com o nome de Pai, «Abá». Mas devemos ter o coração dos pequeninos, dos «pobres de espírito» (Mt 5,3), para reconhecer que não somos auto-suficientes, que não podemos construir a nossa vida sozinhos, mas precisamos de Deus, temos necessidade de O encontrar e escutar, de lhe falar. A oração abre-nos à recepção do dom de Deus, à sua sabedoria, que é o próprio Jesus, para cumprir a vontade do Pai sobre a nossa vida e encontrar assim alívio nas dificuldades do nosso caminho. Obrigado!

Saudação

A todos os presentes de língua portuguesa, a minha grata saudação de boas-vindas a este nosso encontro, que tem lugar na véspera da festa da Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Sobre os passos da vossa peregrinação terrena, vele carinhosa a Virgem Mãe para, com Ela e como Ela, serdes os «pequeninos» de Deus e deste modo saírdes vencedores das ciladas da serpente infernal. Como penhor dos favores do Alto para vós e vossos entes queridos, dou-vos a minha Bênção.




Sala Paulo VI

14 de Dezembro de 2011: A oração diante da acção benéfica e curadora de Deus

14121

Queridos irmãos e irmãs,

Hoje gostaria de meditar convosco a respeito da oração de Jesus, vinculada à sua prodigiosa actividade de cura. Nos Evangelhos são apresentadas várias situações em que Jesus reza diante da acção benéfica e curadora de Deus Pai, que age através dele. Trata-se de uma oração que, mais uma vez, manifesta a relação singular de conhecimento e de comunhão com o Pai, enquanto Jesus se deixa envolver com grande participação humana na dificuldade dos seus amigos, por exemplo de Lázaro e da sua família, ou dos numerosos pobres e enfermos que Ele deseja ajudar concretamente.

Um caso significativo é a cura do surdo-mudo (cf.
Mc 7,32-37). A narração do evangelista Marcos — que há pouco ouvimos — demonstra que a acção curadora de Jesus está ligada a uma sua relação intensa, quer com o próximo — o doente — quer com o Pai. A cena do milagre é descrita atentamente assim: «Jesus tomou-o à parte, afastando-se da multidão, pôs-lhe os dedos nos ouvidos e tocou-lhe a língua com a saliva. Levantando os olhos ao céu, suspirou dizendo-lhe: “Effatá”!, que quer dizer “Abre-te”!» (Mc 7,33-34). Jesus deseja que a cura se verifique «à parte, afastando-se da multidão». Isto não parece devido unicamente ao facto de que o milagre se deve conservar escondido das pessoas, para evitar que se formem interpretações limitativas ou deturpadas da pessoa de Jesus. A escolha de levar o doente «à parte» faz com que, no momento da cura, Jesus e o surdo-mudo se encontrem sozinhos, aproximados por uma relação singular. Com um gesto, o Senhor toca os ouvidos e a língua do doente, ou seja, os lugares específicos da sua enfermidade. A intensidade da atenção de Jesus manifesta-se também nos traços insólitos da cura: Ele emprega os seus dedos e até a própria saliva. Também o facto de que o Evangelista cite a palavra original, pronunciada pelo Senhor — «Effatá», ou seja, «Abre-te!» — põe em evidência o carácter singular desta cena.

Mas o ponto central deste episódio é o facto de que Jesus, no momento de realizar a cura, procura directamente a sua relação com o Pai. Com efeito, a narração diz que Ele, «levantando os olhos ao céu, suspirou» (v. Mc 7,34). A atenção ao enfermo, o cuidado de Jesus para com ele estão ligados a uma profunda atitude de oração dirigida a Deus. E a emissão do suspiro é descrita com um verbo que no Novo Testamento indica a aspiração a algo de bom que ainda falta (cf. Rm 8,23). Então, o conjunto da narração demonstra que o envolvimento humano com o enfermo leva Jesus à oração. Mais uma vez sobressai a sua relação singular com o Pai, a sua identidade de Filho Unigénito. Nele, através da sua pessoa, torna-se presente o agir curador e benéfico de Deus. Não é por acaso que o comentário conclusivo das pessoas, depois do milagre, recorda a avaliação da criação no início do Génesis: «Ele fez bem todas as coisas» (Mc 7,37). Na obra curadora de Jesus sobressai de modo claro a oração, com o seu olhar voltado para o Céu. A força que curou o surdo-mudo é, sem dúvida, provocada pela compaixão por ele, mas provém do recurso ao Pai. Encontram-se estas duas relações: a relação humana de compaixão para com o homem, que entra em relação com Deus, tornando-se assim cura.

Na narração joanina da ressurreição de Lázaro, esta mesma dinâmica é testemunhada com uma evidência ainda maior (cf. Jn 11,1-44). Também aqui se entrelaçam, por um lado, o vínculo de Jesus com um amigo e com o seu sofrimento e, por outro, a relação filial que Ele mantém com o Pai. A participação humana de Jesus na vicissitude de Lázaro contém características particulares. Em toda a narração é reiteradamente recordada a amizade com ele, mas também com as irmãs Marta e Maria. O próprio Jesus afirma: «Lázaro, nosso amigo, está a dormir, mas vou despertá-lo» (Jn 11,11). O afecto sincero pelo amigo é evidenciado inclusive pelas irmãs de Lázaro, assim como pelos judeus (cf. Jn 11,3 Jn 11,36), manifesta-se na comoção profunda de Jesus à vista da dor de Marta e Maria e de todos os amigos de Lázaro, e desabrocha no desatar em lágrimas — tão profundamente humano — no aproximar-se do túmulo: «Então... ao vê-la [Marta] chorar, como também todos os judeus que a acompanhavam, Jesus ficou intensamente comovido em espírito. E, sob o impulso de profunda emoção, perguntou: “Onde o pusestes?”. Responderam-lhe: “Senhor, vinde ver!”. Jesus pôs-se a chorar» (Jn 11,33-35).

Este vínculo de amizade, a participação e a emoção de Jesus diante do sofrimento dos parentes e dos conhecidos de Lázaro está ligado em toda a narração a uma relação contínua e intensa com o Pai. Desde o início, este acontecimento é interpretado por Jesus em relação à sua própria identidade e missão, e à glorificação que O espera. Com efeito, à notícia da doença de Lázaro, Ele comenta: «Esta enfermidade não causará a morte, mas tem por finalidade a glória de Deus. Por ela será glorificado o Filho de Deus» (Jn 11,4). Também o anúncio da morte do amigo é acolhido por Jesus com profunda dor humana, mas sempre em clara referência à relação com Deus e com a missão que Ele lhe confiou; e diz: «Lázaro morreu. Alegro-me por vossa causa, por não ter estado lá, para que acrediteis» (Jn 11,14-15). O momento da oração explícita de Jesus ao Pai diante do túmulo constitui a conclusão natural de toda a vicissitude, inserida neste dúplice contexto da amizade com Lázaro e da relação filial com Deus. Também aqui as duas relações caminham juntas. «Levantando os olhos ao alto, Jesus disse: “Pai, rendo-te graças, porque me ouviste!”» (Jn 11,41): é uma eucaristia. A frase revela que Jesus não interrompeu nem sequer por um instante a oração de pedido pela vida de Lázaro. Pelo contrário, esta oração contínua revigorou o vínculo com o amigo e, contemporaneamente, confirmou a decisão de Jesus de permanecer em comunhão com a vontade do Pai, com o seu plano de amor, no qual a doença e a morte de Lázaro devem ser consideradas como um âmbito no qual se manifesta a glória de Deus.

Estimados irmãos e irmãs, lendo esta narração, cada um de nós é chamado a compreender que na oração de pedido ao Senhor não devemos esperar um cumprimento imediato daquilo que nós pedimos, da nossa vontade, mas devemos confiar-nos sobretudo à vontade do Pai, interpretando cada acontecimento na perspectiva da sua glória, do seu desígnio de amor, muitas vezes misterioso aos nossos olhos. Por isso, na nossa oração, o pedido, o louvor e a acção de graças deveriam amalgamar-se, mesmo quando nos parece que Deus não corresponde às nossas expectativas concretas. O abandonar-se ao amor de Deus, que nos precede e nos acompanha sempre, é uma das atitudes fundamentais do nosso diálogo com Ele. O Catecismo da Igreja Católica comenta assim a oração de Jesus na narração da ressurreição de Lázaro: «Apoiada na acção de graças, a oração de Jesus revela-nos como devemos pedir: antes de lhe ser dado o que pede, Jesus adere Àquele que dá, e se dá nos seus dons. O Doador é mais precioso que o dom concedido, é o “tesouro”, e é n’Ele que está o coração do Filho; o dom é dado “por acréscimo”» (cf. Mt 6,21 e Mt 6,33)» (CEC 2604). Isto parece-me muito importante: antes que o dom seja concedido, aderir Àquele que doa; o doador é mais precioso que o dom. Por conseguinte, também para nós, além daquilo que Deus nos concede quando O invocamos, o maior dom que Ele nos pode oferecer é a sua amizade, a sua presença, o seu amor. Ele é o tesouro precioso que devemos pedir e conservar sempre.

A oração que Jesus pronuncia, enquanto retiram a pedra da entrada do túmulo de Lázaro, apresenta também um desenvolvimento singular e inesperado. Com efeito Ele, depois de ter dado graças a Deus Pai, acrescenta: «Eu bem sei que sempre me ouves, mas falo assim por causa do povo que está ao redor, para que creiam que Tu me enviaste» (Jn 11,42). Com a sua oração, Jesus deseja conduzir à fé, à confiança total em Deus e na sua vontade, e quer mostrar que este Deus, que amou de tal modo o homem e o mundo, que chegou a enviar o seu único Filho (cf. Jn 3,16), é o Deus da Vida, o Deus que traz a esperança e é capaz de inverter as situações humanamente impossíveis. Então, a oração confiante de um crente constitui um testemunho vivo desta presença de Deus no mundo, do seu interessar-se pelo homem, do seu agir para realizar o seu plano de salvação.

As duas orações de Jesus agora meditadas, que acompanham a cura do surdo-mudo e a ressurreição de Lázaro, revelam que o profundo vínculo entre o amor a Deus e o amor ao próximo deve entrar também na nossa oração. Em Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, a atenção pelo outro, de maneira especial se é necessitado e sofredor, o comover-se diante da dor de uma família amiga, levam-no a dirigir-se ao Pai, naquela relação fundamental que orienta toda a sua vida. Mas também vice-versa: a comunhão com o Pai, o diálogo constante com Ele, impele Jesus a estar atento de modo singular às situações concretas do homem, para ali levar a consolação e o amor de Deus. A relação com o homem guia-nos rumo à relação com Deus, e a relação com Deus orienta-nos de novo para o próximo.

Caros irmãos e irmãs, a nossa oração abre a porta a Deus, que nos ensina a sair constantemente de nós mesmos para sermos capazes de nos aproximar-nos do outro, especialmente nos momentos de provação, para lhes levar a consolação, a esperança e a luz. O Senhor nos conceda ser capazes de uma oração cada vez mais intensa, para fortalecer a nossa relação pessoal com Deus Pai, abrir o nosso coração às necessidades daqueles que estão ao nosso lado e sentir a beleza de ser «filhos no Filho», juntamente com muitos irmãos. Obrigado!

Saudação

Saúdo cordialmente os grupos brasileiros da diocese de Pato de Minas e da paróquia de Silvânia e restantes peregrinos de língua portuguesa, a todos recordando que a oração abre a porta da nossa vida a Deus. E Deus ensina-nos a sair de nós mesmos para ir ao encontro dos outros que vivem na prova, dando-lhes consolação, esperança e luz. De coração, a todos abençoo em nome do Senhor.




Sala Paulo VI

21 de Dezembro de 2011: O Santo Natal


Audiências 2005-2013 23111