Audiências 2005-2013 15212

Quarta-feira, 15 de Fevereiro de 2012

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Queridos irmãos e irmãs

A oração de Jesus, na iminência da morte

Na nossa escola de oração, na quarta-feira passada falei sobre a oração de Jesus na Cruz, tirada do Salmo 22: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?». Agora, gostaria de continuar a meditação sobre a oração de Jesus na Cruz, na iminência da morte, hoje pretendo reflectir sobre a narração que encontramos no Evangelho de são Lucas. O evangelista transmitiu-nos três palavras de Jesus na Cruz, duas das quais — e primeira e a terceira — são preces dirigidas explicitamente ao Pai. A segunda, ao contrário, é constituída pela promessa feita ao chamado bom ladrão, crucificado com Ele; de facto, respondendo ao pedido do ladrão, Jesus tranquiliza-o: «Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso» (
Lc 23,43). Assim, na narração de Lucas estão entrelaçadas sugestivamente as duas orações que Jesus em agonia dirige ao Pai e o acolhimento da súplica que lhe é dirigida pelo pecador arrependido. Jesus invoca o Pai e ao mesmo tempo ouve o pedido deste homem que muitas vezes é chamado latro poenitens, «o ladrão arrependido».

Meditemos sobre estas três preces de Jesus. Ele pronuncia a primeira imediatamente depois de ter sido pregado na Cruz, enquanto os soldados dividem entre si as suas vestes, como triste recompensa do seu serviço. Num certo sentido, é com este gesto que se encerra o processo da crucifixão. São Lucas escreve: «Quando chegaram ao lugar chamado Calvário crucificaram-no, a Ele e aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus dizia: “Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem!”. Depois, lançaram a sorte para dividirem as suas vestes» (Lc 23,33-34). A primeira oração que Jesus dirige ao Pai é de intercessão: pede o perdão para os seus algozes. Com isto, Jesus cumpre pessoalmente quanto tinha ensinado no sermão da montanha, quando disse: «Digo-vos, porém, a vós que me escutais: amai os vossos inimigos, fazei o bem a quantos vos odeiam» (Lc 6,27), e também tinha prometido àqueles que sabem perdoar: «A vossa recompensa será grande e sereis filhos do Altíssimo» (v. Lc 6,35). Agora, da Cruz, Ele não só perdoa os seus algozes, mas dirige-se directamente ao Pai, intercedendo a favor deles.

Esta atitude de Jesus encontra um «imitador» comovedor na narração da lapidação de santo Estêvão, primeiro mártir. Com efeito Estêvão, já próximo do fim, «de joelhos, bradou com voz forte: “Senhor, não lhes atribuas este pecado”. Dito isto, adormeceu» (Ac 7,60): esta foi a sua última palavra. É significativo o confronto entre a prece de perdão de Jesus e a do protomártir. Santo Estêvão dirige-se ao Senhor ressuscitado e pede que a sua morte — um gesto definido claramente com a expressão «este pecado» — não seja atribuída aos seus lapidadores. Na Cruz, Jesus dirige-se ao Pai e não pede só o perdão para os seus crucificadores, mas oferece também uma leitura de quanto está a acontecer. Com efeito, segundo as suas palavras, os homens que O crucificam «não sabem o que fazem» (Lc 23,34). Ou seja, Ele põe a ignorância, o «não saber», como motivo do pedido de perdão ao Pai, porque esta ignorância deixa aberto o caminho para a conversão, como de resto acontece nas palavras que pronunciará o centurião quando Jesus morre: «Verdadeiramente, este homem era justo» (v. Lc 23,47), era o Filho de Deus. «Permanece uma consolação para todos os tempos e para todos os homens o facto de que o Senhor, quer a respeito daqueles que realmente não sabiam — os algozes — quer de quantos sabiam e O condenaram, põe a ignorância como motivo do pedido de perdão — vê-o como porta que pode abrir-nos à conversão» (Jesus de Nazaré, II, 233).

A segunda palavra de Jesus na Cruz, citada por são Lucas, é de esperança, é a resposta ao pedido de um dos dois homens crucificados com Ele. Diante de Jesus, o bom ladrão toma consciência de si mesmo e arrepende-se, compreende que está diante do Filho de Deus, que torna visível a Face do próprio Deus, e pede-lhe: «Jesus, lembra-te de mim quando estiveres no teu reino» (v. Lc 23,42). A resposta do Senhor a este pedido vai muito além da súplica; com efeito, Ele diz: «Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso» (v. Lc 23,43). Jesus está consciente de entrar directamente em comunhão com o Pai e de reabrir ao homem o caminho para o Paraíso de Deus. Assim mediante esta resposta dá a esperança firme de que a bondade de Deus pode tocar-nos até no último instante da vida, e a prece sincera, mesmo após uma vida errada, encontra os braços abertos do Pai bom, que espera a vinda do filho.

Mas meditemos sobre as últimas palavras de Jesus moribundo. O evangelista narra: «Por volta do meio-dia, as trevas cobriram toda a terra, até às três horas da tarde. O sol eclipsou-se e o véu do templo rasgou-se ao meio. Dando um forte grito, Jesus exclamou: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!”. Dito isto, expirou» (vv. Lc 23,44-46). Alguns aspectos desta narração são diferentes em relação ao contexto oferecido em Marcos e Mateus. As três horas de escuridão em Marcos não são descritas, enquanto em Mateus são ligadas a uma série de vários acontecimentos apocalípticos, como o tremor de terra, a abertura dos sepulcros e os mortos que ressuscitam (cf. Mt 27,51-53). Em Lucas, as horas de escuridão têm a sua causa no eclipsar-se do sol, mas nesse momento verifica-se inclusive a laceração do véu do templo. Deste modo, a narração lucana apresenta dois sinais, de certo modo paralelos, no céu e no templo. O céu perde a sua luz, a terra desaba, enquanto no templo, lugar da presença de Deus, se rasga o véu que protege o santuário. A morte de Jesus caracteriza-se explicitamente como evento cósmico e litúrgico; em especial, marca o início de um novo culto, num templo não construído por homens, porque é o Corpo do próprio Jesus, morto e ressuscitado, que congrega os povos, unindo-os no Sacramento do seu Corpo e Sangue.

A prece de Jesus neste momento de sofrimento — «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» — é um brado forte de confiança extrema e total em Deus. Tal oração expressa a plena consciência de não estar abandonado. A invocação inicial — «Pai» — recorda a sua primeira declaração, quando tinha doze anos. Então, permaneceu por três dias no templo de Jerusalém, cujo véu agora se rasgou. E quando os pais lhe manifestaram a sua preocupação, respondeu: «Por que me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» (Lc 2,49). Do início ao fim, o que determina completamente o sentir de Jesus, a sua palavra, o seu gesto, é a relação singular com o Pai. Na Cruz, Ele vive plenamente no amor esta sua relação filial com Deus, que anima a sua oração.

As palavras proferidas por Jesus, após a invocação: «Pai», retomam uma expressão do Salmo 31: «Nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Ps 31,6). Estas palavras não são uma simples citação, mas manifestam ao contrário uma decisão firme: Jesus «entrega-se» ao Pai num gesto de abandono total. Estas palavras são uma prece de «entrega», cheia de confiança no amor de Deus. A oração de Jesus diante da morte é dramática, como o é para cada homem, mas ao mesmo tempo está imbuída da calma profunda que nasce da confiança no Pai e da vontade de se entregar totalmente a Ele. No Getsémani, quando começou a luta final e a oração mais intensa e estava para ser «entre nas mãos dos homens» (Lc 9,44), o seu suor tornou-se «como gotas de sangue que caíam na terra» (Lc 22,44). Mas o seu Coração obedecia totalmente à vontade do Pai, e por isso «um anjo do céu» veio confortá-lo (cf. Lc 22,42-43). Ora, nos últimos instantes, Jesus dirige-se ao Pai, dizendo quais são realmente as mãos às quais Ele entrega toda a sua existência. Antes de partir em viagem rumo a Jerusalém, Jesus tinha insistido com os seus discípulos: «Prestai bem atenção ao que vou dizer-vos: o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens» (Lc 9,44). Agora que a vida está para O deixar, Ele sela na prece a última decisão: Jesus deixou-se entregar «nas mãos dos homens», mas é nas mãos do Pai que entrega o seu espírito; assim — como diz o evangelista João — tudo se cumpre, o supremo gesto de amor é levado até ao fim, ao limite e mais além.

Caros irmãos e irmãs, as palavras de Jesus na Cruz nos últimos instantes da sua vida terrena oferecem indicações exigentes para a nossa oração, mas abrem-na inclusive a uma confiança segura e a uma esperança firme. Jesus, que pede ao Pai para perdoar quantos O crucificam, convida-nos ao difícil gesto de rezar também por aqueles que são injustos para connosco, que nos prejudicaram, sabendo perdoar sempre, a fim de que a luz de Deus possa iluminar o seu coração; e convida-nos a viver, na nossa oração, a mesma atitude de misericórdia e de amor que Deus tem por nós: «Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido», recitamos diariamente no «Pai-Nosso». Ao mesmo tempo Jesus, que na hora extrema da morte se confia totalmente nas mãos de Deus Pai, comunica-nos a certeza de que, por mais duras que sejam as provas, difíceis os problemas, pesado o sofrimento, nunca estaremos fora das mãos de Deus, das mãos que nos criaram, que nos sustêm e que nos acompanham no caminho da existência, porque guiadas por um amor infinito e fiel. Obrigado!

Saudação

Saúdo todos os peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente os fiéis brasileiros vindos de Curitiba, a quem exorto a aprender do exemplo da oração de Jesus, uma oração cheia de serena confiança e firme esperança no Pai do Céu, que nunca nos abandona. Que as Suas Bênçãos sempre vos acompanhem! Ide em paz!


Sala Paulo VI

Quarta-feira, 22 de Fevereiro de 2012 - Quarta-feira de Cinzas

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Queridos irmãos e irmãs,

Nesta Catequese, gostaria de meditar brevemente sobre o tempo da Quaresma, que começa hoje com a Liturgia de Quarta-Feira de Cinzas. Trata-se de um itinerário de quarenta dias que nos levará ao Tríduo pascal, memória da paixão, morte e ressurreição do Senhor, o coração do mistério da nossa salvação. Nos primeiros séculos de vida da Igreja, este era o tempo em que quantos tinham ouvido e acolhido o anúncio de Cristo começavam, passo a passo, o seu caminho de fé e de conversão para receber o sacramento do Baptismo. Tratava-se de uma aproximação ao Deus vivo e de uma iniciação na fé a realizar gradualmente, mediante uma mudança interior da parte dos catecúmenos, ou seja, de quantos desejavam tornar-se cristãos e ser incorporados a Cristo e à Igreja.

Sucessivamente, também os penitentes e depois todos os fiéis foram convidados a viver este itinerário de renovação espiritual, para conformar cada vez mais a própria existência com Cristo. A participação de toda a comunidade nas várias fases do percurso quaresmal ressalta uma dimensão importante da espiritualidade cristã: é a redenção não de alguns, mas de todos, a estar disponível graças à morte e ressurreição de Cristo. Portanto, quer os que percorriam um caminho de fé como catecúmenos para receber o Baptismo, quer os que se tinham afastado de Deus e da comunidade da fé e procuravam a reconciliação, quer os que viviam a fé em plena comunhão com a Igreja, todos juntos sabiam que o tempo que precede a Páscoa é um tempo de metanoia, ou seja de mudança interior, de arrependimento; o tempo que identifica a nossa vida humana e toda a nossa história como um processo de conversão que agora se põe em movimento para encontrar o Senhor no fim dos tempos.

Com uma expressão que se tornou típica na Liturgia, a Igreja denomina o período que hoje começamos «Quadragesima», ou seja o tempo de quarenta dias e, com uma referência clara à Sagrada Escritura, introduz-nos assim num contexto espiritual específico. Com efeito, quarenta é o número simbólico com que o Antigo e o Novo Testamento representam os momentos salientes da experiência da fé do Povo de Deus. Trata-se de um número que exprime o tempo da expectativa, da purificação, do regresso ao Senhor e da consciência de que Deus é fiel às suas promessas. Este número não representa um tempo cronológico exacto, cadenciado pela soma dos dias. Aliás, indica uma perseverança paciente, uma prova longa, um período suficiente para ver as obras de Deus, um tempo dentro do qual se decide assumir as próprias responsabilidades sem ulteriores demoras. É o tempo das decisões maduras.

O número quarenta aparece antes de tudo na história de Noé.

Por causa do dilúvio, este homem justo transcorre quarenta dias e quarenta noites na arca, juntamente com a sua família e com os animais que Deus lhe tinha dito que levasse consigo. E espera outros quarenta dias, depois do dilúvio, antes de tocar a terra firme, salva da destruição (cf.
Gn 7,4 Gn 7,12 Gn 8,6). Depois, a próxima etapa: Moisés permanece no monte Sinai, na presença do Senhor, quarenta dias e quarenta noites, para receber a Lei. Durante todo este tempo, jejua (cf. Ex 24,18). Quarenta são os anos de viagem do povo judeu do Egipto para a Terra prometida, tempo propício para experimentar a fidelidade de Deus. «Recorda-te de toda essa travessia de quarenta anos que o Senhor, teu Deus, te fez sofrer no deserto... As tuas vestes não envelheceram sobre ti, e os teus pés não se magoaram durante estes quarenta anos», diz Moisés no Deuteronómio, no final destes quarenta anos de migração (Dt 8,2 Dt 8,4). Os anos de paz de que Israel goza sob os Juízes são quarenta (cf. Jg 3,11 Jg 3,30) mas, transcorrido este tempo, começa o esquecimento dos dons de Deus e o retorno ao pecado. O profeta Elias emprega quarenta dias para chegar ao Horeb, o monte onde se encontra com Deus (cf. 1R 19,8). Quarenta são os dias durante os quais os cidadãos de Nínive fazem penitência para obter o perdão de Deus (cf. Gn 3,4). Quarenta são também os anos dos reinos de Saul (cf. Ac 13,21), de David (cf. 2S 5,4-5) e de Salomão (cf. 1R 11,41), os três primeiros reis de Israel. Também os Salmos apresentam o significado bíblico dos quarenta anos, como por exemplo o Salmo 95, do qual ouvimos um trecho: «Se ouvísseis hoje a sua voz: “Não endureçais os vossos corações como em Meribá, como no dia de Massá no deserto, quando os vossos pais me provocaram e me puseram à prova, apesar de terem visto as minhas obras. Durante quarenta anos essa geração desgostou-me, e Eu disse: é um povo de coração obstinado, que não compreendeu os meus caminhos!”» (vv. Ps 95,7-10).

No Novo Testamento Jesus, antes de começar a vida pública, retira-se no deserto por quarenta dias, sem comer nem beber (cf. Mt 4,2): alimenta-se da Palavra de Deus, que utiliza como arma para derrotar o diabo. As tentações de Jesus evocam as que o povo judeu enfrentou no deserto, mas que não soube vencer. Quarenta são os dias durante os quais Jesus ressuscitado instrui os seus, antes de subir ao Céu e enviar o Espírito Santo (cf. Ac 1,3).

Com este recorrente número quarenta é descrito um contexto espiritual que permanece actual e válido, e a Igreja, precisamente mediante os dias do período quaresmal, tenciona conservar o seu valor perdurável e fazer com que a sua eficácia esteja presente. A liturgia cristã da Quaresma tem a finalidade de favorecer um caminho de renovação espiritual, à luz desta longa experiência bíblica e sobretudo para aprender a imitar Jesus, que nos quarenta dias transcorridos no deserto ensinou a vencer a tentação com a Palavra de Deus. Os quarenta anos da peregrinação de Israel no deserto apresentam atitudes e situações ambivalentes. Por um lado, eles são a estação do primeiro amor com Deus e entre Deus e o seu povo, quando Ele falava ao seu coração, indicando-lhe continuamente o caminho a percorrer. Deus tinha, por assim dizer, feito morada no meio de Israel, precedia-o dentro de uma nuvem ou de uma coluna de fogo, providenciava cada dia à sua alimentação, fazendo descer o maná e brotar a água da rocha. Portanto, os anos que Israel passou no deserto podem ser vistos como o tempo da eleição especial de Deus e da adesão a Ele por parte do povo: o tempo do primeiro amor. Por outro lado, a Bíblia mostra também mais uma imagem da peregrinação de Israel no deserto: é inclusive o tempo das tentações e dos maiores perigos, quando Israel murmura contra o seu Deus e gostaria de voltar ao paganismo e constrói para si os próprios ídolos, porque sente a exigência de venerar um Deus mais próximo e tangível. É também o tempo da revolta contra o Deus grande e invisível.

Esta ambivalência, tempo da proximidade especial de Deus — tempo do primeiro amor — e tempo da tentação — tentação da volta ao paganismo — encontramo-la de modo surpreendente no caminho terreno de Jesus, naturalmente sem qualquer compromisso com o pecado. Depois do baptismo de penitência no Jordão, no qual assume sobre Si o destino do Servo de Deus que renuncia a Si mesmo e vive pelos outros e insere-se entre os pecadores para assumir sobre si o pecado do mundo, Jesus vai ao deserto para aí permanecer por quarenta dias em profunda união com o Pai, repetindo assim a história de Israel, todos aqueles ritmos de quarenta dias ou anos aos quais me referi. Esta dinâmica é uma constante na vida terrena de Jesus, que procura sempre momentos de solidão para rezar ao seu Pai e permanecer em íntima comunhão, em íntima solidão com Ele, em comunhão exclusiva com Ele, e depois voltar para o meio do povo. Mas neste tempo de «deserto» e de encontro especial com o Pai, Jesus encontra-se exposto ao perigo e é acometido pela tentação e pela sedução do Maligno, que lhe propõe um caminho messiânico diferente, distante do desígnio de Deus, porque passa através do poder, do sucesso e do domínio, e não através do dom total na Cruz. Eis a alternativa: um messianismo de poder, de sucesso, ou um messianismo de amor, de doação de si.

Esta situação de ambivalência descreve inclusive a condição da Igreja a caminho no «deserto» do mundo e da história. Neste «deserto» nós, crentes, temos certamente a oportunidade de fazer uma profunda experiência de Deus, que fortalece o espírito, confirma a fé, alimenta a esperança e anima a caridade; uma experiência que nos torna partícipes da vitória de Cristo sobre o pecado e sobre a morte mediante o Sacrifício de amor na Cruz. Mas o «deserto» é também o aspecto negativo da realidade que nos circunda: a aridez, a pobreza de palavras de vida e de valores, o secularismo e a cultura materialista, que fecham a pessoa no horizonte mundano da existência, subtraindo-o a qualquer referência à transcendência. Este é também o ambiente em que o céu acima de nós está obscuro, porque coberto com as nuvens do egoísmo, da incompreensão e do engano. Não obstante isto, também para a Igreja contemporânea o tempo do deserto pode transformar-se em tempo de graça, porque temos a certeza de que até da rocha mais dura Deus pode fazer brotar a água viva que sacia e revigora.

Caros irmãos e irmãs, nestes quarenta dias que nos conduzirão à Páscoa de Ressurreição podemos encontrar nova coragem para aceitar com paciência e com fé todas as situações de dificuldade, de aflição e de prova, na consciência de que das trevas o Senhor fará nascer o novo dia. E se formos fiéis a Jesus, seguindo-O no caminho da Cruz, o mundo luminoso de Deus, o mundo da luz, da verdade e da alegria ser-nos-á como que restituído: será a nova aurora criada pelo próprio Deus. Bom caminho de Quaresma para todos vós!

Saudação

A minha saudação amiga para o grupo escolar da Lourinhã e todos os peregrinos presentes de língua portuguesa. A Virgem Maria tome cada um pela mão e vos acompanhe durante os próximos quarenta dias que servem para vos conformar ao Senhor ressuscitado. A todos desejo uma boa e frutuosa Quaresma!


Praça de São Pedro

Quarta-feira, 7 de Março de 2012

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Queridos irmãos e irmãs,

Numa série de catequeses precedentes falei sobre a oração de Jesus e não gostaria de concluir esta reflexão sem meditar brevemente acerca do tema do silêncio de Jesus, tão importante na relação com Deus.

Na Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini fiz referência ao papel que o silêncio adquire na vida de Jesus, sobretudo no Gólgota: «Aqui vemo-nos colocados diante da “Palavra da cruz” (cf.
1Co 1,18). O Verbo emudece, torna-se silêncio de morte, porque se “disse” até calar, nada retendo do que nos devia comunicar» (n. 12). Diante deste silêncio da cruz, são Máximo, o Confessor, põe nos lábios da Mãe de Deus a seguinte expressão: «Fica sem palavras a Palavra do Pai, o qual fez todas as criaturas que falam; sem vida estão os olhos apagados daquele por cuja palavra e por cujo aceno se move tudo o que tem vida» (A vida de Maria, n. 89: Textos marianos do primeiro milénio, 2, Roma 1989, p. 253).

A cruz de Cristo não mostra somente o silêncio de Jesus como sua última palavra ao Pai, mas revela também que Deus fala por meio do silêncio: «O silêncio de Deus, a experiência da distância do Omnipotente e Pai é etapa decisiva no caminho terreno do Filho de Deus, Palavra encarnada. Suspenso no madeiro da cruz, o sofrimento que lhe causou tal silêncio fê-lo lamentar: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34 Mt 27,46). Avançando na obediência até ao último suspiro de vida, na obscuridade da morte, Jesus invocou o Pai. A Ele entregou-se no momento da passagem, através da morte, para a vida eterna: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46)» (Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini, 21). A experiência de Jesus na cruz é profundamente reveladora da situação do homem que reza e do ápice da oração: depois de ter ouvido e reconhecido a Palavra de Deus, devemos medir-nos também com o silêncio de Deus, expressão importante da própria Palavra divina.

A dinâmica de palavra e silêncio, que caracteriza a oração de Jesus em toda a sua existência terrena, sobretudo na cruz, diz respeito também à nossa vida de oração, em duas direcções.

A primeira é a que se refere ao acolhimento da Palavra de Deus. É necessário o silêncio interior e exterior, para que tal palavra possa ser ouvida. E este é um ponto particularmente difícil para nós, no nosso tempo. Com efeito, a nossa é uma época na qual não se favorece o recolhimento; aliás, às vezes a impressão é de que as pessoas têm medo de se separar, mesmo por um instante, do rio de palavras e de imagens que marcam e enchem os dias. Por isso, na já mencionada Exortação Verbum Domini recordei a necessidade de nos educarmos para o valor do silêncio: «Redescobrir a centralidade da Palavra de Deus na vida da Igreja significa também redescobrir o sentido do recolhimento e da tranquilidade interior. A grande tradição patrística ensina-nos que os mistérios de Cristo estão ligados ao silêncio e só nele é que a Palavra pode encontrar morada em nós, como aconteceu em Maria, mulher inseparável da Palavra e do silêncio» (n. 66). Este princípio — que sem silêncio não se sente, não se ouve, não se recebe uma palavra — é válido sobretudo para a oração pessoal, mas também para as nossas liturgias: para facilitar uma escuta autêntica, elas devem ser também ricas de momentos de silêncio e de acolhimento não verbal. É sempre válida a observação de santo Agostinho: Verbo crescente, verba deficiunt — «Quando o Verbo de Deus cresce, as palavras do homem faltam» (cf. Sermo 288, 5: pl 38, 1307; Sermo 120, 2: pl 38, 677). Os Evangelhos apresentam com frequência, sobretudo nas escolhas decisivas, Jesus que se retira totalmente sozinho num lugar afastado das multidões e dos próprios discípulos para rezar no silêncio e viver a sua relação filial com Deus. O silêncio é capaz de escavar um espaço interior no nosso íntimo, para ali fazer habitar Deus, para que a sua Palavra permaneça em nós, a fim de que o amor por Ele se arraigue na nossa mente e no nosso coração, e anime a nossa vida. Portanto, a primeira direcção: voltar a aprender o silêncio, a abertura à escuta, que nos abre ao próximo, à Palavra de Deus.

Porém, há uma segunda importante relação do silêncio com a oração. Com efeito, não há apenas o nosso silêncio para nos dispor à escuta da Palavra de Deus; muitas vezes, na nossa oração, encontramo-nos diante do silêncio de Deus, experimentamos quase um sentido de abandono, parece-nos que Deus não ouve e não responde. Mas este silêncio de Deus, como aconteceu também para Jesus, não marca a sua ausência. O cristão sabe bem que o Senhor está presente e escuta, mesmo na escuridão da dor, da rejeição e da solidão. Jesus garante aos discípulos e a cada um de nós que Deus conhece bem as nossas necessidades, em qualquer momento da nossa vida. Ele ensina aos discípulos: «Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que usam vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que necessitais, antes que vós lho peçais» (Mt 6,7-8): um coração atento, silencioso e aberto é mais importante que muitas palavras. Deus conhece-nos no íntimo, mais do que nós mesmos, e ama-nos: e saber isto deve ser suficiente. Na Bíblia, a experiência de Job é particularmente significativa a este propósito. Em pouco tempo, este homem perde tudo: familiares, bens, amigos e saúde; até parece que a atitude de Deus no que se lhe refere é a do abandono, do silêncio total. E no entanto Job, na sua relação com Deus, fala com Deus, clama a Deus; na sua oração, não obstante tudo, conserva intacta a sua fé e, no fim, descobre o valor da sua experiência e do silêncio de Deus. E assim no final, dirigindo-se ao Criador, pode concluir: «Eu tinha ouvido falar de ti, mas agora são os meus olhos que te vêem» (Jb 42,5): todos nós conhecemos Deus quase só por ter ouvido falar dele, e quanto mais abertos permanecemos ao seu e ao nosso silêncio, tanto mais começamos a conhecê-lo realmente. Esta confiança extrema que se abre ao encontro profundo com Deus amadureceu no silêncio. São Francisco Xavier rezava, dizendo ao Senhor: eu amo-te, não porque podeis conceder-me o paraíso, ou condenar-me ao inferno, mas porque Vós sois o meu Deus. Amo-vos porque Vós sois Vós!

Aproximando-nos da conclusão das reflexões sobre a oração de Jesus, voltam à mente alguns ensinamentos do Catecismo da Igreja Católica: «O drama da oração é-nos plenamente revelado no Verbo que se faz carne e habita entre nós. Procurar compreender a sua oração através do que as suas testemunhas nos dizem dela no Evangelho, é aproximar-nos do Santo Senhor Jesus como da sarça ardente: primeiro, contemplando-O a Ele próprio em oração; depois, escutando como Ele nos ensina a rezar para, finalmente, conhecermos como é que Ele atende a nossa oração» (CEC 2598). E como é que Jesus nos ensina a rezar? No Compêndio do Catecismo da Igreja Católica encontramos uma resposta clara: «Jesus ensina-nos a rezar, não só com a oração do Pai-Nosso» — certamente o acto central do ensinamento do modo como rezar — «mas também com a sua própria oração. Assim, para além do conteúdo, ensina-nos as disposições requeridas para uma verdadeira oração: a pureza do coração que procura o Reino e perdoa aos inimigos; a confiança audaz e filial que se estende para além do que sentimos e compreendemos; a vigilância que protege o discípulo da tentação» (n. 544).

Percorrendo os Evangelhos vimos como o Senhor é, para a nossa oração, interlocutor, amigo, testemunha e mestre. Em Jesus revela-se a novidade do nosso diálogo com Deus: a oração filial, que o Pai espera dos seus filhos. E de Jesus aprendemos como a oração constante nos ajuda a interpretar a nossa vida, a fazer as nossas escolhas, a reconhecer e a acolher a nossa vocação, a descobrir os talentos que Deus nos concedeu, a cumprir diariamente a sua vontade, único caminho para realizar a nossa existência.

Para nós, muitas vezes preocupados com a eficácia funcional e com os resultados concretos que alcançamos, a prece de Jesus indica que temos necessidade de parar, de viver momentos de intimidade com Deus, «desapegando-nos» da confusão de todos os dias, para ouvir, para ir à «raiz» que sustenta e alimenta a vida. Um dos momentos mais bonitos da oração de Jesus é precisamente quando Ele, para enfrentar doenças, dificuldades e limites dos seus interlocutores, se dirige ao seu Pai em oração e assim ensina a quantos estão ao seu redor onde é necessário procurar a fonte para ter esperança e salvação. Já recordei, como exemplo comovedor, a oração de Jesus no túmulo de Lázaro. O evangelista João narra: «Quando tiraram a pedra Jesus, erguendo os olhos para o céu, disse: “Pai, dou-te graças por me teres atendido. Eu já sabia que sempre me atendes, mas Eu disse isto por causa das pessoas que me rodeiam, para que venham a crer que Tu me enviaste”. Dito isto, bradou em alta voz: “Lázaro, vem para fora!”» (Jn 11,41-43). Mas o ponto mais alto de profundidade na oração ao Pai, Jesus alcança-o no momento da Paixão e Morte, quando pronuncia o extremo «sim» ao desígnio de Deus e mostra como a vontade humana encontra o seu cumprimento precisamente na adesão plena à vontade divina, e não na oposição. Na oração de Jesus, no seu brado na Cruz, confluem «todas as desolações da humanidade de todos os tempos, escrava do pecado e da morte, todas as súplicas e intercessões da história da salvação... E eis que o Pai as acolhe e atende, para além de toda a esperança, ao ressuscitar o seu Filho. Assim se cumpre e se consuma o drama da oração na economia da criação e da salvação» (Catecismo da Igreja Católica CEC 2606).

Caros irmãos e irmãs, peçamos com confiança ao Senhor para viver o caminho da nossa oração filial, aprendendo quotidianamente do Filho Unigénito que se fez homem por nós como deve ser o modo de nos dirigirmos a Deus. As palavras de são Paulo, sobre a vida cristã em geral, são válidas também para a nossa oração: «Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades nem a altura, nem o abismo nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em nosso Senhor Jesus Cristo» (Rm 8,38-39).
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Saudação do Santo Padre ao Sínodo Arménio

Prezados Irmãos e Irmãs, agora desejo saudar com afecto fraterno Sua Beatitude Nerses Bedros XIX Tarmouni, Patriarca da Cilícia dos Arménios católicos, e os Bispos vindos a Roma de vários Continentes para a celebração do Sínodo. Manifesto-lhes a sincera gratidão pela fidelidade ao património da sua veneranda tradição cristã e ao Sucessor do Apóstolo Pedro, fidelidade que sempre os sustentou nas inúmeras provações da história. Acompanho com a oração fervorosa e com a Bênção apostólica os trabalhos sinodais, formulando votos para que possam favorecer ainda mais a comunhão e o entendimento entre os Pastores, de modo que eles saibam orientar com renovado impulso evangélico os católicos arménios pelas sendas de um testemunho generoso e alegre de Cristo e da Igreja. Enquanto confio o Sínodo arménio à intercessão materna da Santíssima Mãe de Deus, dirijo o meu pensamento orante às Regiões do Médio Oriente, encorajando todos os Pastores e fiéis a perseverar com esperança nos graves sofrimentos que afligem aquelas queridas populações. O Senhor vos abençoe. Obrigado!

Saudação aos peregrinos

Queridos peregrinos vindos do Brasil e de outros países de língua portuguesa: sede bem-vindos! Pedi sempre confiadamente ao Senhor de poder viver o caminho da vossa oração filial, aprendendo diariamente de Jesus como deveis dirigir-vos a Deus. E que as Suas bênçãos desçam sobre vós e vossas famílias!


Praça de São Pedro

Quarta-feira, 14 de Março de 2012

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Queridos irmãos e irmãs,

Com a Catequese de hoje, gostaria de começar a falar sobre a oração nos Actos dos Apóstolos e nas Cartas de São Paulo. São Lucas transmitiu-nos, como sabemos, um dos quatro Evangelhos, dedicado à vida terrena de Jesus, mas deixou-nos também aquilo que foi definido o primeiro livro sobre a história da Igreja, isto é, os Actos dos Apóstolos. Nestes dois livros um dos elementos recorrentes é precisamente a oração, a de Jesus e a de Maria, dos discípulos, das mulheres e da comunidade cristã. O caminho inicial da Igreja é ritmado, antes de tudo, pela obra do Espírito Santo, que transforma os Apóstolos em testemunhas do Ressuscitado até à efusão do sangue, e pela rápida difusão da Palavra de Deus rumo ao Oriente e ao Ocidente. Todavia, antes que o anúncio do Evangelho se propague, Lucas cita o episódio da Ascensão do Ressuscitado (cf.
Ac 1,6-9). Aos discípulos o Senhor confia o programa da sua existência votada à evangelização e diz: «Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria, e até aos confins da terra» (Ac 1,8). Em Jerusalém os Apóstolos, se tornaram em Onze devido à traição de Judas Iscariotes, estão reunidos em casa para rezar, e é precisamente na oração que esperam o dom prometido por Cristo Ressuscitado, o Espírito Santo.

Neste contexto de expectativa, entre a Ascensão e o Pentecostes, são Lucas menciona pela última vez Maria, a Mãe de Jesus, e os seus familiares (cf. v. Ac 1,14). A Maria dedicou o início do seu Evangelho, do anúncio do Anjo ao nascimento e à infância do Filho de Deus que se fez homem. Com Maria começa a vida terrena de Jesus, e com Maria têm início também os primeiros passos da Igreja; em ambos os momentos, o clima é a escuta de Deus e o recolhimento. Portanto, hoje gostaria de meditar sobre esta presença orante da Virgem no grupo dos discípulos, que serão a primeira Igreja nascente. Maria acompanhou com discrição todo o caminho do seu Filho durante a vida pública, até aos pés da Cruz, e agora continua a acompanhar, com uma prece silenciosa, o caminho da Igreja. Na Anunciação, na casa de Nazaré, Maria recebe o Anjo de Deus, está atenta às suas palavras, acolhe-as e responde ao desígnio divino, manifestando a sua plena disponibilidade: «Eis a serva do Senhor: faça-se em mim segundo a tua vontade» (cf. Lc 1,38). Precisamente pela atitude interior de escuta, Maria é capaz de ler a própria história, reconhecendo com humildade que é o Senhor quem age. Em visita à prima Isabel, Ela irrompe numa oração de louvor e de alegria, de celebração da graça divina, que encheu o seu coração e a sua vida, tornando-a Mãe do Senhor (cf. Lc 1,46-55). Louvor, acção de graças e alegria: no cântico do Magnificat, Maria não olha só para aquilo que Deus realizou nela, mas também para quanto Ele fez e faz continuamente na história. Num célebre comentário ao Magnificat, Santo Ambrósio convida a ter o mesmo espírito na oração, e escreve: «Esteja em cada um a alma de Maria, para enaltecer o Senhor; esteja em cada um o espírito de Maria para exultar em Deus» (Expositio Evangelii secundum Lucam 2, 26: PL 15, 1561).

Ela também está presente no Cenáculo, em Jerusalém, na «sala de cima, no lugar onde se encontravam habitualmente» os discípulos de Jesus (cf. Ac 1,13), num clima de escuta e de oração, Ela está presente, antes que as portas se abram de par em par e eles comecem a anunciar Cristo Senhor a todos os povos, ensinando a observar tudo o que Ele tinha ordenado (cfr. Mt 28,19-20). As etapas do caminho de Maria, da casa de Nazaré à de Jerusalém, através da Cruz onde o Filho lhe confia o apóstolo João, são marcadas pela capacidade de manter um clima perseverante de recolhimento, para meditar cada acontecimento no silêncio do seu Coração, diante de Deus (cf. Lc 2,19-51) e na meditação perante Deus, compreender também a vontade de Deus e tornar-se capaz de a aceitar interiormente. A presença da Mãe de Deus com os Onze, depois da Ascensão, não é então uma simples anotação histórica de algo do passado, mas adquire um significado de grande valor, porque com eles Ela partilha aquilo que há de mais precioso: a memória viva de Jesus, na oração; compartilha esta missão de Jesus: conservar a memória de Jesus e assim conservar a sua presença.

A última menção de Maria nos dois escritos de são Lucas está inserida no dia de sábado: o dia do descanso de Deus depois da Criação, o dia do silêncio depois da Morte de Jesus e da expectativa da sua Ressurreição. E é neste episódio que se arraiga a tradição de Santa Maria no Sábado. Entre a Ascensão do Ressuscitado e o primeiro Pentecostes cristão, os Apóstolos e a Igreja reúnem-se com Maria para esperar com Ela o dom do Espírito Santo, sem o qual não podemos tornar-nos testemunhas. Ela que já o recebeu para gerar o Verbo encarnado, compartilha com toda a Igreja a expectativa do mesmo dom, para que no coração de cada crente «se forme Cristo» (cf. Ga 4,19). Se não há Igreja sem Pentecostes, também não há Pentecostes sem a Mãe de Jesus, porque Ela viveu de modo único aquilo que a Igreja experimenta todos os dias sob a acção do Espírito Santo. São Cromácio de Aquileia comenta assim a anotação dos Actos dos Apóstolos: «Portanto, a Igreja congregou-se na sala de cima juntamente com Maria, Mãe de Jesus, e com os seus irmãos. Por conseguinte, não se pode falar de Igreja, se não estiver presente Maria, Mãe do Senhor... A Igreja de Cristo encontra-se onde se anuncia a Encarnação de Cristo através da Virgem, e onde os Apóstolos, que são irmãos do Senhor, pregam ali ouve-se o Evangelho» (Sermo 30, 1: SC 164,135).

O Concílio Vaticano II quis ressaltar de modo particular este vínculo, que se manifesta visivelmente na oração conjunta de Maria e dos Apóstolos, no mesmo lugar, à espera do Espírito Santo. A Constituição dogmática Lumen gentium afirma: «Tendo sido do agrado de Deus não manifestar solenemente o mistério da salvação humana antes que viesse o Espírito prometido por Cristo, vemos que, antes do dia de Pentecostes, os Apóstolos “perseveravam unanimemente na oração, com as mulheres, Maria Mãe de Jesus e os seus irmãos» (Ac 1,14), implorando Maria, com as suas orações, o dom daquele Espírito, que já descera sobre si na Anunciação» (LG 59). O lugar privilegiado de Maria é a Igreja, onde é «saudada como membro eminente e inteiramente singular... seu tipo e exemplar perfeitíssimo na fé e na caridade» (ibid., LG 53).

Então, venerar a Mãe de Jesus na Igreja significa aprender dela a ser comunidade que reza: esta é uma das características essenciais da primeira descrição da comunidade cristã, delineada nos Actos dos Apóstolos (cf. Ac 2,42). Muitas vezes, a oração é determinada por situações de dificuldade, por problemas pessoais que nos levam a dirigir-nos ao Senhor para receber luz, consolação e ajuda. Maria convida a abrir as dimensões da oração, a dirigir-nos a Deus não só na necessidade, nem só para nós mesmos, mas de modo unânime, perseverante e fiel, com «um só coração e uma só alma» (cf. Ac 4,32).

Caros amigos, a vida humana atravessa várias fases de passagem, com frequência difíceis e exigentes, que requerem escolhas inadiáveis, renúncias e sacrifícios. A Mãe de Jesus foi posta pelo Senhor em momentos decisivos da história da salvação, e soube responder sempre com plena disponibilidade, fruto de um vínculo profundo com Deus amadurecido na oração assídua e intensa. Entre a sexta-feira da Paixão e o domingo da Ressurreição, a Ela foi confiado o discípulo predilecto e, com ele, toda a comunidade dos discípulos (cf. Jn 19,26). Entre a Ascensão e o Pentecostes, Ela encontra-se com e na Igreja em oração (cf. Ac 1,14). Mãe de Deus e Mãe da Igreja, Maria exerce esta sua maternidade até ao fim da história. Confiemos-lhe cada fase da nossa existência pessoal e eclesial, também a da nossa passagem final. Maria ensina-nos a necessidade da oração e indica-nos que só com um vínculo constante, íntimo e cheio de amor com o seu Filho podemos sair da «nossa casa», de nós mesmos, com coragem, para alcançar os confins do mundo e anunciar em toda a parte o Senhor Jesus, Salvador do mundo. Obrigado!

Saudação

Amados peregrinos de língua portuguesa, especialmente os grupos paroquiais de São José e Cosminho, sede bem-vindos! Que esta peregrinação ao túmulo dos Apóstolos fortaleça, nos vossos corações, o sentir e o viver em Igreja, sob o terno olhar da Virgem Mãe! Com Ela, aprendei a ler os sinais de Deus na História, para serdes construtores de uma nova humanidade. Como encorajamento e penhor de graças, dou-vos a minha Bênção!


Praça de São Pedro

4 de Abril de 2012: Viagem Apostólica ao México e à República de Cuba


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