2Macabeus (CNB) 1




Cartas aos judeus do Egito

 1ª carta: a festa da Dedicação

1 1 Aos irmãos judeus no Egito, saúdam e desejam bem-estar seus irmãos judeus de Jerusalém e da região da Judéia. 2 Que Deus vos cumule de benefícios e se recorde de sua aliança com Abraão, Isaac e Jacó, seus servos fiéis. 3 Que ele vos conceda a todos a disposição para prestar-lhe culto e cumprir a sua vontade com um coração grande e ânimo­ resoluto. 4 Que ele vos abra o co­ração à sua lei e a seus preceitos e vos conceda a paz. 5 Ele escute vossas orações, reconcilie-se convosco e não vos abandone na adversidade. 6 Quanto a nós, aqui estamos orando por vós. 7 Durante o reinado de Demétrio, no ano cento e sessenta e nove, nós, judeus, vos escrevemos no meio da tribulação e violência que irrompeu sobre nós nestes anos, desde quando Jasão e seus partidários desertaram da terra santa e do reino, 8 queimando o portal do templo e derramando sangue inocente. Mas nós oramos ao Senhor e fomos atendidos. E assim pudemos novamente oferecer sacrifícios e farinha fina, e acender as lâmpadas e apresentar os pães. 9 Agora, pois, celebrai os dias da festa das Tendas do mês de Casleu, 10 no ano cento e oitenta e oito.

 2ª carta: a morte de Antíoco e o fogo do templo

Os habitantes de Jerusalém e da Judéia, o conselho dos anciãos e Judas, a Aristóbulo, mestre do rei Ptolomeu e pertencente à linhagem dos sacerdotes ungidos, bem como aos judeus que estão no Egito, saudações e votos de saúde. 11 Libertados por Deus de graves perigos, nós lhe rendemos grandiosas ações de graças por termos podido enfrentar o rei. 12 Pois foi ele quem fez desaparecerem os que combateram contra a cidade santa. 13 De fato, quando estavam na Pérsia o seu chefe, e o exército sob o seu comando, aparentemente irresistível, foram todos trucidados no templo de Nanéia, graças a um estratagema dos sacerdotes da deusa. 14 Pois Antíoco viera ao lugar sob pretexto de desposar a deusa, ele com seus amigos, a fim de apoderar-se das muitas riquezas a título de dote. 15 Tendo os sacerdotes de Nanéia exposto essas riquezas, ele entrou, com poucos companheiros, para dentro do santuário. Foi quando os sacerdotes fecharam o templo, mal entrara Antíoco. 16 E, por uma abertura secreta no forro, fulminaram o príncipe arremessando-lhe pedras. Esquartejaram-no, bem como aos companheiros. E, cortando as cabeças deles, lançaram-nos para fora. 17 Em tudo seja bendito o nosso Deus, que entrega à morte os que cometem impiedade.
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Estando nós para celebrar a purificação do templo, no dia vinte e cinco do mês de Casleu, julgamos necessário informar-vos a respeito, a fim de que vós também celebreis essa festa das Tendas. Celebrai também a memória do fogo que nos foi dado quando Neemias, tendo reedificado o templo e o altar, ofereceu sacrifícios. 19 De fato, quando nossos pais foram levados cativos para a Pérsia, os sacerdotes de então, tementes a Deus, tomaram do fogo do altar secretamente e o ocultaram na cavidade de um poço desativado. Ali o conservaram em segurança, de tal ma­neira que ninguém ficou saben­do do lugar. 20 Tendo-se passado muitos anos, quando pareceu bem a Deus, Neemias, enviado pelo rei da Pérsia, mandou que procurassem o fogo os descendentes daqueles sacerdotes que o haviam escondido. 21 Como nos contaram, eles não encontraram o fogo, mas uma água espessa. Neemias mandou-os tirar um pouco dessa água e trazê-la. Colocados os sacrifícios sobre o altar, Neemias mandou que os sacerdotes aspergissem, com aquela água, a lenha e o que estava sobre ela. 22 Feito isso, e chegado o momento em que o sol, antes encoberto por nuvens, tornou a brilhar, acendeu-se um grande fogaréu, a ponto de todos ficarem maravilhados. 23 Enquanto se consumia o sacrifício, os sacerdotes oravam, a saber, os sacerdotes e to­dos os presentes: Jônatas entoava e os outros,­ inclusive Nee­mias, respondiam. 24 A oração foi a seguinte: “Senhor, Senhor Deus, Criador de todas as coisas, terrível e forte, justo e misericordioso, o único Rei, o único bom, 25 o único generoso e único justo, todo-pode­roso e eterno, que salvas Israel de todo mal, que fizeste de nossos pais teus escolhidos e os santificaste, 26 recebe este sacrifício por todo o povo de Israel e guarda e santifica a tua he­rança. 27 Reúne os nossos irmãos dispersos, liberta os que estão escravizados aos pagãos, olha para os desprezados e abominados, e reconheçam as nações que tu és o nosso Deus! 28 Castiga os que nos oprimem e com soberba nos ultrajam. 29 Estabelece o teu povo no teu lugar santo, como o disse Moisés”.
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Entretanto, os sacerdotes cantavam hinos ao som da harpa. 31 Depois, tendo-se consumado o sacrifício, Neemias ordenou que se derramasse o resto da água sobre as pedras maiores, da base do altar. 32 Feito isso, acendeu-se uma grande chama, logo absorvida pela luz que resplandecia do altar. 33 Quando se divulgou o acontecido, contaram ao rei dos persas como, no lugar onde os sacerdotes deportados haviam escondido o fogo sagrado, ali aparecera a água com a qual os com­panheiros de Neemias haviam purificado­ as oferendas do sacrifício. 34 Então o rei, cer­cando o lugar, construiu ali um templo, depois de comprovado o fato. 35 E aos seus favo­ritos, o rei concedia parte dos muitos lucros que dali auferia. 36 Os companheiros de Nee­mias deram a esse lugar o nome de Néftar, que significa “Purificação”, mas por muitos é chamado de Neftai.

2 1 Encontra-se, nos documentos, que o profeta Jeremias ordenou aos que iam ser deportados, que tomassem do fogo, como já foi mencionado. 2 Além disso, confiando-lhes a Lei, o Profeta recomendou aos deportados que não se esquecessem dos mandamentos do Senhor. E que, à vista das estátuas­ de ouro e prata e dos ornamentos de que es­tavam revestidas, não se deixassem desviar em seus pensamentos.
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E ainda, dizendo outras coisas semelhantes, exortava-os a que não deixassem a Lei afastar-se do seu coração. 4 No documento estava também que o profeta, advertido por um oráculo, ordenou que o acompanhassem com a Tenda e a Arca até chegarem ao monte onde Moisés tinha subido e de onde vira a herança de Deus. 5 Ali chegando, Jeremias en­controu um abrigo em forma de gruta, on­de introduziu a Tenda, a Arca e o altar dos perfumes. Depois, obstruiu a entrada. 6 Alguns dos seus companheiros quiseram aproximar-se, para marcar o caminho com sinais, mas não puderam reconhecê-lo. 7 Ao saber disso, Jeremias censurou-os, dizendo: “O lugar ficará desconhecido, até que Deus restaure a unidade do seu povo e manifeste a sua misericórdia. 8 Então o Senhor mostrará de novo estas coisas, e aparecerá a glória do Senhor assim como a Nuvem, tal como se manifestava no tempo de Moisés e quando Salomão orou, para que o lugar santo fosse grandiosamente consagrado”. 9 De fato, essa manifestação ocorreu quando o rei, dotado de sabedoria, ofereceu o sacri­fício da dedicação e da conclusão do templo.­ 10 Como Moisés orava ao Senhor, e o fogo des­cia do céu e consumia os sacrifícios, as­sim também Salomão orou. E o fogo, descendo do céu, consumiu os holocaustos. 11 Moi­sés havia dito: “Por não se ter dele co­mido, o sacrifício pelo pecado foi consumido”. 12 Da mesma forma, também Salomão celebrou os oito dias.
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Também nos documentos e memórias de Neemias eram narradas estas mesmas coisas. Além disso, informa-se que ele, fundando uma biblioteca, reuniu os livros referentes aos reis e aos profetas, os livros de Davi e as cartas dos reis sobre as oferendas. 14 Da mesma forma, também Judas recolheu tudo o que se perdera durante a guerra que nos sobreveio, e isso está em nossas mãos. 15 Se, pois, desejais ler esses escritos, enviai pessoas que possam levá-los até vós.
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Nós vos escrevemos esta carta na iminência de celebrar a purificação do templo. Fareis, bem, portanto, em celebrar estes dias. 17 Deus salvou todo o seu povo e a todos resti­tuiu a herança, o reino, o sacerdócio e a santi­ficação, 18 como o havia prometido na Lei. Por isso, nele esperamos que tenha logo com­paixão de nós e que, de todos os lugares de­baixo do céu, nos reúna no lugar santo. Pois foi Ele que nos arrancou de grandes perigos e purificou o lugar santo.

Prefácio do Autor

19 Os fatos referentes a Judas Macabeu e a seus irmãos, a purificação do grandioso templo e a consagração do altar; 20 as guerras­ con­tra Antíoco Epífanes e seu filho Eupátor; 21 as aparições vindas do céu em favor dos que generosamente realizaram façanhas?pe­lo judaísmo, os quais, embora poucos, reconquistaram todo o país, pondo em fuga?as hordas bárbaras; 22 o fato de recuperarem o templo, afamado em toda a terra, de liber­ta­rem a cidade e de restabelecerem as leis que estavam para serem abo­lidas, tendo-lhes sido propício o Senhor com toda a sua clemência: 23 todos esses acontecimentos, expostos por Jasão de Cirene em cinco livros, pro­curamos sintetizá-los num só compêndio.
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De fato, considerando a quantidade dos números e a dificuldade que existe, por causa da abundância da matéria, para os que desejam adentrar-se nos relatos desta his­tó­ria, 25 tivemos o cuidado de proporcionar satisfação para os que pretendam apenas ler, facilidade para os que se interessem em confiar os fatos à sua memória, e utilidade, enfim, a todos os que procederem à leitura.­ 26 Para nós mesmos, que empreendemos este trabalho com o fim de sintetizar, não foi ta­refa leve a que assumimos, mas um empreendimento cheio de vigílias e suor. 27 Como não é fácil o encargo de quem pre­para um banquete e procura a utilidade dos outros, contudo, de boa mente enfrenta­remos o trabalho em favor do proveito de muitos. 28 Ao autor deixaremos a descrição acurada de cada pormenor, nós mesmos procurando conseguir a forma da brevidade. 29 Assim como o arquiteto de uma nova casa deve responsabilizar-se por toda a estrutura, ao passo que aquele que se encarrega de pintá-la e decorá-la deve procurar os materiais adequados para a sua ornamentação, da mesma forma penso que é o nosso caso. 30 De fato, ao autor compete penetrar no assunto, fazer a seleção das palavras­ e discorrer mais curiosamente sobre cada pormenor da história. 31 Ao que resume, porém, deve-se conceder que procure a brevidade no expressar-se e evite a exposição detalhada dos fatos. 32 Daqui, pois, começaremos a narração, só isto acrescentando ao que já foi dito: seria simplório alongar-se antes da história, para depois resumir a própria história.


A conversão de Heliodoro

 Vinda de Heliodoro a Jerusalém

3 1 A cidade santa vivia na mais completa paz e os mandamentos eram observados­ da melhor maneira possível, por causa da pie­dade do sumo sacerdote Onias e da sua in­transigência contra o mal. 2 Os próprios reis respeitavam o lugar santo e honravam o templo com os dons mais esplêndidos. 3 Tanto assim que Seleuco, rei da Ásia, provia com suas rendas pessoais a todas as despesas necessárias para as liturgias dos sacrifícios. 4 Ora, certo Simão, do clã de Belga, investido no cargo de superintendente do templo, entrou em desacordo com o sumo sacerdote a respeito da administração dos mercados da cidade. 5 Não conseguindo prevalecer sobre Onias, foi ter com Apolônio de Tarso, que naquela ocasião era o governador da Celes­síria e da Fenícia. 6 E contou-lhe que a câmara do Tesouro em Jerusalém estava repleta de riquezas incríveis, a ponto de ser incalculável a quantidade do dinheiro aí depositado. E que esse dinheiro não tinha proporção alguma com as despesas dos sacrifícios, sendo portanto possível fazer cair tudo sob o do­mínio do rei.
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Entrevistando-se então com o rei, Apolô­nio informou-o sobre as riquezas que lhe haviam sido denunciadas. E o rei, escolhendo Heliodoro, superintendente dos seus negócios, enviou-o com ordens de se apoderar desse dinheiro. 8 Heliodoro pôs-se logo a caminho, aparentemente para uma viagem de inspeção às cidades da Celessíria e da Fenícia, mas de fato a fim de dar cumprimento ao projeto do rei.
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Tendo chegado a Jerusalém, foi muito bem recebido pelo sumo sacerdote. Falou-lhe então da informação recebida e manifestou claramente o objetivo da sua vinda, perguntando a seguir se as coisas eram realmente assim. 10 O sumo sacerdote fez-lhe ver que os depósitos eram das viúvas e dos órfãos, 11 embora uma parte pertencesse a Hircano, filho de Tobias, homem muito ilustre. Nada, portanto, do que, com calúnias, informara o ímpio Simão. Havia, no total, quatrocentos talentos de prata e duzentos de ouro. 12 Por outro lado, de modo algum se poderia defraudar os que haviam confiado na santidade do Lugar e na sagrada inviolabilidade do templo, honrado no mundo inteiro.
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Heliodoro, porém, em vista das ordens recebidas do rei, insistiu firmemente em que esses bens deviam ser transferidos para o tesouro real. 14 Tendo fixado uma data, apresentou-se para dirigir o inventário das riquezas. Entretanto, não era pequena a consternação em toda a cidade. 15 Os sacerdotes, prostrando-se diante do altar com as vestes sagradas, invocavam no céu Aquele que havia promulgado a lei sobre o depósito, a fim de que con­servasse intactos esses bens em favor dos que os tinham depositado. 16 Quem observasse o rosto do sumo sacerdote sentia ferir-se o próprio coração, a tal ponto o olhar e a alteração da sua cor revelavam a dor profunda de sua alma. 17 Verdadeiro pavor se derramara sobre ele, um estremecimento do corpo, de tal modo que era visível, aos que o observavam, a dor do seu coração. 18 Muitos saíam em bandos de suas casas, fazendo rogações públicas, por causa do ultraje que ameaçava o lugar santo. 19 As mulheres, cingidas de pano grosseiro sob os seios, aglomeravam-se nas ruas. Também as moças, que ficavam segregadas, acorriam, umas, aos portais; outras, subiam aos muros; outras, ainda, olhavam pelas janelas: 20 todas, porém, estendendo as mãos para o céu, fa­ziam­ sua súplica. 21 Era comovente ver a prostração da multidão tão multiforme, e a ansie­dade do sumo sacerdote, reduzido a tal angús­tia. 22 Todos, pois, invocavam o Senhor todo-poderoso para que, com toda a segurança, conser­vas­se intactos os depósitos daqueles que os haviam depositado em confiança. 23 De sua par­te, Heliodoro dispunha-se a executar o que fora decretado.

 Castigo e conversão de Heliodoro

24 No mesmo lugar, estando ele com seus guardas junto à câmara do Tesouro, o Senhor dos espíritos e de todo o poder fez uma grande demonstração de força: todos os que tinham ousado entrar, aterrorizados pelo poder de Deus, sentiram-se desfalecer e entrar­ em pânico. 25 De fato, apareceu-lhes um ca­valo, ricamente encilhado, montado por terrível cavaleiro. O cavalo avançou impetuosamente contra Heliodoro, lançando-lhe as patas dianteiras. O cavaleiro parecia ter ar­mas de ouro. 26 Apareceram também outros dois jovens de força extraordinária, belís­si­mos na aparência e com vestes magníficas. Eles cercaram Heliodoro e puseram-se a chi­coteá-lo sem parar, de ambos os lados, causando-lhe muitos ferimentos. 27 Ele caiu de repente por terra. Envolto em densa escu­ridão, tiveram de levantá-lo e car­regá-lo nu­ma padiola. 28 Assim, aquele que tinha inva­dido com tantos guardas e capangas o mencionado Tesouro, agora carregavam-no para fora, incapaz de valer-se do auxílio das armas e reconhecendo abertamente o poder de Deus. 29 Ele, por efeito do poder divino, ja­zia mudo e sem qualquer esperança de sal­vação, 30 enquanto os outros bendiziam o Senhor, que glorificava o seu lu­gar santo. As­sim, o templo, pouco antes repleto de te­mor e perturbação, regurgitava agora de alegria e júbilo, ante a manifestação do Senhor­ todo-poderoso. 31 Logo, porém, alguns dos amigos de He­liodoro come­çaram a pedir a Onias que invocasse o Altís­simo, para que concedesse a graça da vida a quem se encontrava reduzido, sem dúvida, ao último alento. 32 O sumo sacerdote, então, receando­ que o rei pudesse pensar que alguma ação criminosa tinha sido praticada pelos judeus contra Heliodoro, ofere­ceu um sacrifício pe­la saúde do homem. 33 Enquanto o sumo sacerdote oferecia o sacrifício de propiciação, os mesmos jovens, revestidos das mesmas ves­tes, apareceram de novo a Heliodoro. E as­sim lhe falaram: “Agradece muito ao su­mo sacerdote Onias, pois é por causa dele que o Senhor te concede a graça da vida. 34 Quanto a ti, açoitado pelo céu, anuncia a to­dos o grande poder de Deus!” E logo, di­tas estas palavras, desapareceram.
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O próprio Heliodoro, tendo oferecido um sacrifício ao Senhor e fazendo grandes promessas Àquele que lhe tinha concedido continuar em vida, despediu-se de Onias e voltou, com o seu exército, para junto do rei. 36 A todos dava testemunho das obras do sumo Deus, obras que ele vira com seus próprios olhos. 37 Quando o rei lhe perguntou quem seria apto a ser enviado ainda uma vez a Jerusalém, He­liodoro respondeu: 38 “Se tens um inimigo,­ ou conspirador contra a ordem pública, envia-o para lá: tu o receberás de volta moído de pancadas, se porventura conseguir escapar! De fato, há naquele lugar verdadeiramente uma força de Deus. 39 Aquele que tem a sua habitação no céu, é sentinela e protetor­ desse lugar: ele fere e extermina os que de lá se aproximem com más intenções”. 40 Assim se passaram as coisas com Heliodoro e a preservação do tesouro do templo.
Antíoco Epífanes e a propaganda helenista

 Abusos de Simão

4 1 O referido Simão, que tinha sido o de-lator do tesouro do templo e de sua terra­ natal, continuava caluniando Onias, como se este houvesse instigado Heliodoro e fosse o causador desses males. 2 Assim, ousava chamar de conspirador contra a ordem pública aquele que era o benfeitor da cidade, o protetor da sua gente e fervoroso cumpri­dor das leis. 3 Essa hostilidade cresceu a tal ponto que até assassinatos foram cometidos­ por alguns daqueles que eram partidários de Simão. 4 Considerando, então, o perigo dessa rivalidade e vendo que Apolônio, filho de Me­nesteu e governador da Celes­síria e da Fenícia, ainda fomentava a maldade de Simão, 5 Onias foi ter com o rei. E isto, não como acusador de seus concida­dãos, mas tendo em vista o interesse comum e o individual de toda a população. 6 Pois ele estava percebendo que, sem uma intervenção do rei, não era mais possível alcançar a paz na vida pública, nem Simão haveria de pôr termo à sua loucura.

 Jasão introduz o helenismo

7 Entretanto, Seleuco morreu. E Antíoco, cognominado Epífanes, subiu ao trono. Foi quando Jasão, irmão de Onias, começou a disputar o cargo de sumo sacerdote. 8 Numa audiência, prometeu ao rei trezentos e sessenta talentos, \doze toneladas, de prata e ainda, de outras rendas, mais oitenta talentos, \quase três toneladas.9 Além disso, comprometeu-se a passar para o rei outros cento e cinqüenta talentos, \cinco toneladas, se lhe fosse concedido, pela autoridade real, estabelecer uma praça de esportes e uma escola para jovens, além de inscrever os habitantes de Jerusalém como cidadãos de Antioquia. 10 Obtido o consentimento do rei, Jasão tomou posse do cargo e logo começou a fazer os seus irmãos de raça adotarem o estilo de vida dos gregos. 11 Suprimiu os privilégios reais benignamente concedidos aos judeus por intermédio de João, pai de Eupólemo, o mesmo que depois chefiou a embaixada com o objetivo de estabelecer amizade e aliança com os romanos. E, abolindo as instituições legítimas dos judeus, introduziu costumes depravados. 12 Imediatamente construiu a pra­ça de esportes, logo abaixo da cidadela e, constrangendo os melhores dos jovens, conduziu-os ao uso do chapéu chamado pétaso. 13 Chegara-se, assim, ao auge do hele­nismo, à exaltação do estilo de vida dos estrangeiros, por causa da inaudita contaminação de Jasão, esse ímpio e não sumo sacerdote. 14 Os próprios sacerdotes já não se mostravam dedicados às funções do altar. Antes, desprezando o templo e descuidando-se dos sacrifícios, corriam a tomar parte na iníqua distribuição de óleo no estádio, após o sinal do gongo. 15 Assim, não davam mais valor às tradições nacionais, achando muito mais importantes as glórias gregas. 16 Por esse motivo,­ uma perigosa emulação os dominava: aqueles cujos costumes eles promoviam e a quem queriam ser semelhantes em tudo, acabaram por se tornar seus inimigos e carrascos. 17 De fato, não é pouca coisa agir im­piamente contra as leis divinas. Mas isso o demonstrará o episódio seguinte.
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Celebravam-se em Tiro as competições esportivas que se fazem de cinco em cinco anos, estando presente o rei. 19 O abominável Jasão enviou alguns espectadores antioque­nos de Jerusalém, com a quantia de trezentas dracmas de prata para o sacrifício em honra de Hércules. Os próprios portadores, porém, pediram que não se usasse esse dinheiro para o sacrifício, por não ser conveniente, mas se empregasse em outra despesa. 20 Desta forma, segundo quem o enviara, o dinheiro foi empregado no sacrifício para Hércules; no entanto, segundo os portadores, destinou-se à construção de navios a remo.
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Quando Apolônio, filho de Menesteu, foi enviado ao Egito, por ocasião da subida ao trono do rei Filométor, Antíoco soube que tinha sido excluído dos projetos políticos desse rei. Garantindo então a própria segurança, passou por Jope e dirigiu-se a Jerusalém. 22 Recebido magnificamente por Jasão e por toda a cidade, fez a sua entrada à luz de tochas e ao som de aclamações. Depois, voltou para a Fenícia com o seu exército.

 Menelau torna-se sumo sacerdote

23 Depois de três anos, Jasão enviou Me­nelau, irmão do já mencionado Simão, com a incumbência de levar as quantias ao rei e apresentar-lhe relatórios sobre assuntos urgentes. 24 Menelau, porém, tendo agradado ao rei, apresentando-se com aparência de grandeza, conseguiu para si o sumo sacerdócio, oferecendo trezentos talentos de prata a mais do que Jasão. 25 A seguir, tendo re­cebido do rei a nomeação, voltou, mas sem trazer coisa alguma digna do sacerdócio. Ao contrário, tinha em si as manhas de um ti­rano cruel e o furor de um animal selvagem. 26 Quanto a Jasão, que havia suplantado seu próprio irmão, sendo agora suplantado por outrem, foi expulso para a região dos amo­nitas, onde se refugiou. 27 O próprio Menelau, por um lado, assumira o pontificado; por outro, não tomava providências quanto ao dinheiro prometido ao rei. 28 Isto, apesar da cobrança que lhe fazia Sóstrato, comandante da cidadela, ao qual cabia a cobrança dos tributos. Por esse motivo, ambos foram convocados pelo rei. 29 Menelau, então, deixou Lisímaco, seu irmão, como sucessor no sumo sacerdócio, enquanto Sóstrato deixava em seu lugar Crates, comandante dos mercenários de Chipre.

 Assassinato de Onias

30 Estando assim as coisas, aconteceu que os habitantes de Tarso e de Malos se revoltaram, porque suas cidades tinham sido entregues como dote a Antioquide, concubina do rei. 31 Partindo às pressas, para acalmá-los, o rei deixou em seu lugar exclusivamente Andrônico, um dos seus altos dignitários. 32 Menelau, então, convencido de que esta era a sua oportunidade, roubou alguns objetos de ouro do templo e os deu de presente ao citado Andrônico, além de vender outros em Tiro e pelas cidades vizinhas. 33 Tendo tomado conhecimento seguro desses fatos, Onias os censurava, estando já refugiado no recinto inviolável de Dafne, perto de Antioquia. 34 Por isso é que Menelau, dirigindo-se secretamente a Andrônico, insistia com ele para que eliminasse Onias. De fato, Andrônico foi visitar Onias. E, dando a sua palavra, com astúcia conseguiu que Onias lhe desse as mãos, estendendo-as ele também, com juramento. A seguir, embora despertasse suspeitas, convenceu-o a sair do seu asilo, e imediatamente mandou matá-lo, sem qualquer consideração pela justiça. 35 Por esse motivo, não só os judeus mas também muitos dentre as outras nações, ficaram indignados e se revoltaram com a notícia da morte injusta desse homem. 36 Quando o rei voltou das regiões da Cilícia, foram ter com ele os judeus da capital, junto com os gregos que também se queixavam da violência, reclamando de que Onias tinha sido morto sem motivo. 37 An­tíoco ficou profundamente contristado e, lastimando o fato, chegou a derramar lágrimas por causa da sabedoria e grande modera­ção do falecido. 38 A seguir, vivamente indig­nado, mandou despojar Andrônico da sua púrpura e rasgar-lhe as vestes. Depois, fez que o conduzissem por toda a cidade, até o lugar exato onde ele havia cometido a sua impiedade contra Onias. E ali despachou do mundo este assassino sacrílego, retribuin­do-lhe o Senhor com o castigo merecido.

 Morte de Lisímaco

39 Nesse meio tempo, muitos furtos sacrílegos tinham sido cometidos por Lisímaco em Jerusalém, por instigação de Menelau. Tendo-se espalhado a notícia, a multidão se ajuntou contra Lisímaco, quando já muitos objetos de ouro tinham sido desviados. 40 Como o povo se revoltasse, cheio de ira, Lisímaco ar­mou cerca de três mil homens e começou uma iníqüa repressão. Comandava essas tropas um certo Aurano, homem avançado em idade e não menos em loucura. 41 Tomando conhecimento das intenções de Lisímaco, alguns do povo começaram a pegar em pedras, outros em porretes, outros ainda lançaram mão das cinzas do altar ali perto, atirando-os confusamente contra os homens que protegiam Lisímaco. 42 Assim é que feriram a muitos, ma­taram alguns e obrigaram todos a fugir. Quanto ao próprio ladrão sacrílego, conseguiram matá-lo perto da câmara do Tesouro.

 Menelau é absolvido

43 Sobre esses fatos foi instaurado um processo contra Menelau. 44 Por ocasião da vinda do rei a Tiro, três emissários do conselho dos anciãos pleitearam, junto a ele, a própria causa. 45 Vendo-se já perdido, Menelau prometeu somas avultadas a Ptolomeu, filho de Dorimeno, para que persuadisse o rei em seu favor. 46 Foi quando Ptolomeu, levando o rei para uma galeria externa, a pretexto de fazê-lo tomar um pouco de ar, conseguiu que ele mudasse de parecer. 47 E assim o rei absolveu das acusações a Menelau, que era o causador de toda essa barbárie, e condenou à morte aqueles infelizes. Eram pessoas que, se tivessem pleiteado sua causa diante dos bárbaros citas, teriam sido reconhecidos como inocentes. 48 A injusta condenação foi imediatamente executada contra aqueles que tinham apenas procurado defender a cidade, o povo e os objetos sagrados. 49 Por esse mo­tivo, até os habitantes de Tiro, indignados com tal perversidade, providenciaram magni­ficamente o necessário para os seus funerais. 50 Quanto a Menelau, graças à ganância dos poderosos, permaneceu no poder, crescendo em maldade e tornando-se o pior adversário dos seus concidadãos.

 Segunda campanha de Antíoco IV no Egito

5 1 Por esse tempo, Antíoco estava preparando a sua segunda expedição contra o Egito. 2 Aconteceu então que, durante quase quarenta dias, apareceram, correndo pelo ar, cavaleiros com vestes douradas, armados de lanças, organizados em pelotões e empunhando espadas. 3 Viam-se esquadrões de ca­valaria em formação cerrada, ataques e contra-ataques de um e de outro lado, movimentos de escudos e multidão de lanças, arremessos de dardos e cintilações dos ornamentos de ouro, enfim, couraças de todo tipo. 4 Por isso, todos suplicavam que essa aparição fosse de bom agouro.

 Ataque de Jasão e repressão de Epífanes

5 Tendo surgido o boato de que Antíoco ha­via morrido, Jasão tomou consigo não menos de mil homens e, de surpresa, atacou a cidade. Postos em fuga os que defendiam os muros e já consumando-se a tomada da cida­de, Menelau refugiou-se na cidadela. 6 Quanto a Jasão, foi impiedosa a matança que promoveu dos próprios conterrâneos, sem compreender que era a pior das desgraças essa vitória sobre os próprios coirmãos. Pelo contrário, ele parecia estar triunfando de inimigos, e não de compatriotas. 7 Acabou, porém, não conseguindo firmar-se no poder. O resultado foi a humilhação que lhe veio por causa da sua revolta, e a fuga, novamente, para a região dos amonitas. 8 Por último, tocou-lhe uma sorte infeliz: aprisionado por Aretas, rei dos árabes, teve de fugir, de cidade em cidade, expulso por todos, detestado como após­tata das leis e execrado como algoz de sua pátria e de seus concida­dãos, e afinal enxotado para o Egito. 9 Assim, aquele que havia banido tantos de sua pátria, veio a perecer no exílio. De fato, dirigira-se aos espartanos, com a esperança de aí encontrar abrigo, em razão do comum parentesco. 10 E ele, que havia deixado tantos sem sepultura, morreu sem ser chorado nem sepultado, e sem poder compar­tilhar da sepultura de seus antepassados.

 Antíoco saqueia o Templo e volta a Antioquia

11 Chegando ao rei Antíoco a notícia desses fatos, ele concluiu que a Judéia estava abandonando a aliança feita. Por isso, voltando furioso do Egito, apoderou-se da cidade à força das armas. 12 E ordenou aos soldados que matassem sem piedade os que lhes caíssem nas mãos e trucidassem os que procuravam escapar em suas casas. 13 Houve as­sim uma terrível matança de jovens e de ve­lhos, massacre de mulheres e seus filhos, extermínio de moças e de crianças. 14 No es­paço desses três dias, oitenta mil foram as vítimas: quarenta mil sucumbindo aos golpes e, não menos que os trucidados, os que foram vendidos como escravos!
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Não contente com isso, Antíoco teve a ousadia de penetrar no templo mais santo de toda a terra, tendo por guia Menelau, esse traidor das leis e da pátria. 16 Com as mãos cri­minosas tocou nos vasos sagrados. E as oferendas dos outros reis, ali depositadas para engrandecimento, glória e honra do lugar santo, surripiou-as com suas mãos sacrílegas. 17 Tal foi a arrogância de Antíoco, que não se dava conta de que era por causa dos pecados dos habitantes da cidade que o Senhor ficara um pouco irritado: era por isso que acontecera esta sua indiferença para com o lugar santo. 18 De fato, se eles não se tivessem envolvido em tantos pecados, também esse homem, ao dar o primeiro passo, teria sido imediatamente barrado de sua audácia a chicotadas, como acontecera com Helio­doro, enviado pelo rei Seleuco para fiscalizar o Tesouro. 19 Contudo, não foi por causa do Lugar que o Senhor escolheu a nação, mas sim, por causa da nação, o Lugar. 20 Por isso é que o Lugar, havendo participado das desgraças aconte­cidas ao povo, tomou parte depois em suas venturas. E, abandonado enquanto durou a cólera do Todo-poderoso, novamente, pela reconciliação do grande Soberano, foi restaurado em toda a sua glória.
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Quanto a Antíoco, depois de ter carregado do templo mil e oitocentos talentos, partiu­ às pressas para Antioquia. Na sua soberba­, e na exaltação do seu coração, ele imaginava-se capaz de navegar em terra firme e de ca­minhar no meio do mar. 22 Entretanto, incumbidos de maltratarem a nação, deixou alguns superintendentes no país: em Jerusalém, Filipe, frígio de raça, de índole mais bárbara ainda que aquele que o nomeou; 23 no monte Garizim, Andrônico; e, além deles, Menelau, que oprimia seus próprios conci­dadãos ainda mais duramente que os outros.

 Intervenção de Apolônio

24 O rei enviou ainda o comandante-chefe Apolônio com um exército, cerca de vinte e dois mil homens, com a ordem de trucidar to­dos os que estavam na força da idade e ven­der, como escravos, as mulheres e os mais?jo­vens. 25 Chegando, pois, a Jerusalém, e aparen­tando intenções de paz, Apolônio esperou até o santo dia do sábado. Depois, surpre­en­dendo os judeus em repouso, ordenou que seus soldados desfilassem com as armas. 26 Então, aos que haviam saído para apreciar o espetáculo, massacrou-os todos. E ainda, en­trando o exército na cidade, abateu imensa multidão. 27 Judas, porém, chamado também Macabeu, fugira para o deserto com outros nove homens, passando a viver aí como os animais selvagens, nas montanhas. Resis­tiam alimentando-se apenas de ervas, evitando tudo o que pudesse torná-los impuros.


Perseguição religiosa: os mártires

 Instalação dos cultos pagãos

6 1 Não muito tempo depois, o rei enviou um seu delegado, ateniense, com a missão de forçar os judeus a abandonar as leis dos seus antepassados e a não se governar mais pelas leis de Deus. 2 Mandou-o também profanar o templo de Jerusalém, dedicando-o a Júpiter Olímpico, e o do monte Garizim, como o pediam os habitantes do lugar, dedicando-o a Júpiter Hospitaleiro. 3 Terrível, e intolerável para todos, esta enxurrada de males! 4 Pois o templo ficou repleto da devassidão e das orgias dos pagãos, que aí se divertiam com prostitutas e nos pórticos sagrados mantinham relações com as mulheres, além de levarem para den­tro o que não era lícito. 5 O próprio altar es­tava repleto das oferendas proibidas, reprovadas pelas leis. 6 Não se podia celebrar o sábado, nem guardar as festas tradicionais, nem simplesmente se declarar judeu. 7 Era-se conduzido com amarga violência ao banquete sacrifical que se realizava cada mês, no dia aniversário do rei. E, ao chegarem as festas de Dionísio, era-se obrigado a acompanhar a procissão em honra desse deus, com ramos de hera na cabeça. 8 Além disso, por sugestão dos habitantes de Ptolemaida, foi publicado um decreto para as cidades gregas vizinhas, a fim de que nelas se procedesse da mesma forma contra os judeus, obrigando-os aos sa­cri­fícios­. 9 Quanto aos que não aceitassem pas­sar para os costumes gregos, que os matassem. Podia-se prever a calamidade que es­tava para começar. 10 Assim, duas mulheres foram denuncia­das por terem circun­cidado seus filhos. Depois de fazê-las percorrer publicamente a cidade com os filhinhos ao colo, lançaram-nas muralha abaixo. 11 Outros haviam-se reunido em cavernas vizinhas, para aí celebrarem às escondidas o sábado. Denunciados a Filipe, foram entre­gues às chamas, não ousando, por motivo religioso, esboçar qualquer reação, pela glória do santíssimo dia.

 Sentido providencial da perseguição

12 Agora, aos que lerem este livro, exorto a que não se desconcertem com tais calamida­des, mas pensem que esses castigos aconteceram não para ruína, mas para correção da nossa gente. 13 De fato, não deixar impunes por longo tempo os que agem impia­mente, mas logo atingi-los com castigos, é sinal de grande benevolência. 14 Pois não é como com as outras nações, que o Senhor espera com pa­ciência para puni-las, quando elas cheguem ao cúmulo dos seus pecados. Assim, conosco, ele decidiu 15 castigar-nos, sem esperar que nossos pecados chegassem ao extremo. 16 Por isso, jamais retirou de nós a sua misericórdia: ainda quando corrija com desventuras, ele não abandona seu povo. 17 Bastem estas observações como advertência. Em poucas palavras, voltemos à narrativa.

 O martírio de Eleazar

18 Eleazar era um dos mais eminentes escribas, homem de idade avançada, mas com rosto de traços ainda belos. Queriam obrigá-lo a comer carne de porco, forçando-o a abrir a boca. 19 Mas ele, preferindo morte gloriosa­ a uma vida em desonra, encaminhou-se espontaneamente para o suplício. 20 Antes, porém, cuspiu, tal como deveriam fazer os que têm a coragem de rejeitar aquilo que não é lícito comer, nem por amor à própria vida. 21 Os que presidiam esse ímpio sacrifício, tomando-o à parte, pediam-lhe, pela antiga amizade com ele, que mandasse vir carne permitida, que ele mesmo tivesse preparado, fingindo comer da carne sacrifical prescrita pelo rei. 22 Assim agindo, ficaria livre da morte e gozaria da benevolência deles, graças à antiga amizade que os unia. 23 Eleazar, porém, tomou uma nobre resolução, digna da sua idade, do prestígio que lhe conferia a velhice, da cabeleira branca adqui­rida com honra, da conduta excelente desde a infância, e digna sobretudo da santa legislação estabelecida por Deus. E, coerentemente, respondeu que o mandassem logo para o mundo dos mortos. 24 E continuou: “Não é digno da nossa idade o fingimento. Isto levaria muitos jovens a se persuadirem de que Eleazar, aos noventa anos, passou?pa­ra os costumes pagãos. 25 E por causa do meu fingimento, por um pequeno resto de vida, eles seriam enganados por mim, enquanto, de minha parte, eu só ganharia mancha e desprezo para a minha velhice. 26 De resto, se no presente eu escapasse da penalidade humana, não conseguiria, nem vivo nem depois de morto, fugir às mãos do Todo-poderoso. 27 Por isso, partindo da vida agora, com coragem, eu me mostrarei digno­ da mi­nha velhice. 28 E aos jovens deixarei o exem­plo de como se deve morrer honrosa­mente, com prontidão e valentia, pelas vene­ráveis e santas leis”. Dito isto, encaminhou-se decididamente para o suplício. 29 Os que o conduziam, mudaram em raiva a benevolência antes demonstrada, considerando que eram de um louco as suas palavras. 30 Começando a morrer, sob a força dos golpes, disse entre gemidos: “O Senhor, que tem a santa ciência­, sabe que eu, podendo escapar da morte, estou suportando cruéis dores em meu corpo ao ser flagelado, mas sofro-as de boa vontade em minha alma, por causa do seu temor”. 31 Foi assim que ele partiu desta vida, deixando sua morte como exemplo de coragem e memorial de virtude, não só para os jovens, mas para a grande maioria do seu povo.


2Macabeus (CNB) 1