Discursos Bento XVI 162

DURANTE A CELEBRAÇÃO DO XIV DIA MUNDIAL DO DOENTE Sábado, 11 de Fevereiro de 2006



Amados irmãos e irmãs

É com grande alegria que hoje vim encontrar-me convosco e que vos agradeço a calorosa hospitalidade. A minha saudação dirige-se de modo especial a vós, queridos doentes, que estais reunidos aqui na Basílica de São Pedro, e gostaria de a tornar extensiva a todos os enfermos que estão a acompanhar-nos através da rádio e da televisão, e a quantos não têm esta possibilidade, mas estão unidos a nós mediante os vínculos mais profundos do espírito, na fé e na oração. Saúdo o Cardeal Camillo Ruini, que presidiu à Eucaristia, e o Cardeal Francesco Marchisano, Arcipreste desta Basílica Vaticana. Cumprimento os demais Bispos e sacerdotes presentes. Estou grato à UNITALSI e à Opera Romana Pellegrinaggi, que prepararam e organizaram o presente encontro, com a participação de numerosos voluntários. Dirijo o meu pensamento também ao outro lado do planeta, na Austrália, onde na cidade de Adelaide teve lugar, já há várias horas, a celebração conclusiva do Dia Mundial do Doente, presidida pelo meu Enviado, o Cardeal Javier Lozano Barragán, Presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde.

Há 14 anos a data de 11 de Fevereiro, memória litúrgica de Nossa Senhora de Lurdes, tornou-se também o Dia Mundial do Doente. Todos nós sabemos que, junto da Gruta de Massabielle, a Virgem manifestou a ternura de Deus para com as pessoas que sofrem. Esta ternura, este amor cheio de desvelos, faz-se sentir de modo muito vivo no mundo, precisamente no dia da festividade de Nossa Senhora de Lurdes, voltando a actualizar na liturgia, e especialmente na Eucaristia, o mistério de Cristo Redentor do homem, cuja primícia é a Virgem Imaculada. Apresentando-se a Bernadete como Imaculada Conceição, Maria Santíssima veio recordar ao mundo moderno, que corria o risco de o esquecer, o primado da Graça divina, mais forte que o pecado e a morte. E eis que o lugar da sua aparição, a Gruta de Massabielle em Lurdes, se tornou um ponto de atracção para todo o Povo de Deus, de forma especial para quantos se sentem oprimidos e sofredores no corpo e no espírito. "Vinde a mim todos vós que estais cansados de carregar o peso do vosso fardo e Eu vos darei descanso" (Mt 11,28), disse Jesus. Em Lurdes, Ele continua a repetir este convite, através da mediação maternal de Maria, a todos aqueles que a Ela recorrem com confiança.

Dilectos irmãos, no corrente ano, juntamente com os meus colaboradores do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, quisemos colocar no âmago da atenção as pessoas atingidas pelas enfermidades mentais. "A saúde mental e a dignidade humana": este foi o tema do Congresso que teve lugar em Adelaide, em que se aprofundaram os aspectos científicos e, ao mesmo tempo, éticos e pastorais. Todos nós sabemos como Jesus se apresentava ao homem na sua integridade, para o purificar completamente, no corpo, na psique e no espírito. Com efeito, a pessoa humana é um único ser, e as várias dimensões podem e devem distinguir-se, mas são inseparáveis. Assim, também a Igreja se propõe considerar sempre as pessoas como tais, e é esta concepção que qualifica as instituições católicas de assistência à saúde, bem como o estilo dos agentes médicos que nelas trabalham. Neste momento, penso de modo particular nas famílias que têm no seu seio uma pessoa enferma de mente, e vivem a dificuldade e os vários problemas que isto comporta.

Sentimo-nos próximos de todas estas situações, com a oração e com as inúmeras iniciativas que a Comunidade eclesial toma em todas as partes do mundo, especialmente onde a legislação é carente, onde as estruturas públicas são insuficientes e onde as calamidades naturais ou, infelizmente, as guerras e os conflitos armados produzem graves traumas psíquicos nas pessoas. Trata-se de formas de pobreza que interpelam a caridade de Cristo, Bom Samaritano, e da Igreja, indissoluvelmente unida a Ele, no serviço à humanidade que sofre.

A todos os médicos, enfermeiros e demais agentes que trabalham no campo da saúde, a todos os voluntários comprometidos neste sector, hoje gostaria de entregar simbolicamente a Encíclica Deus caritas est, com os bons votos de que o amor de Deus seja sempre vivo nos seus corações, de forma a animar o seu trabalho quotidiano, os projectos, as iniciativas e sobretudo as suas relações com as pessoas doentes. Agindo em nome da caridade e segundo o estilo da caridade, vós prezados amigos, ofereceis a vossa contribuição preciosa também para a evangelização, porque o anúncio do Evangelho tem necessidade de sinais coerentes que o corroborem. E estes sinais falam a linguagem do amor universal, uma linguagem compreensível para todos.

Daqui a pouco, criando o clima espiritual de Lurdes, apagar-se-ão as luzes da Basílica e acenderemos as nossas velas, símbolo de fé e de invocação fervorosa a Deus. O cântico da Ave-Maria de Lurdes convidar-nos-á a ir espiritualmente até à Gruta de Massabielle, aos pés da Virgem Imaculada. Com fé profunda, desejamos apresentar-lhe a nossa condição humana, as nossas enfermidades, sinal da necessidade que todos nós temos enquanto nos colocamos a caminho nesta peregrinação terrena de ser salvos pelo seu Filho Jesus Cristo. Que Maria conserve viva a nossa esperança a fim de que, fiéis ao ensinamento de Cristo, renovemos o compromisso de aliviar os irmãos nas suas enfermidades. O Senhor faça com que ninguém, no momento da necessidade, permaneça sozinho e abandonado mas, ao contrário, possa viver também na doença, segundo a dignidade humana. Com estes sentimentos, concedo do íntimo do coração a Bênção Apostólica a todos vós, doentes, agentes no campo da saúde e voluntários.



AOS ESCRITORES E COLABORADORES

DA REVISTA "CIVILTÀ CATTOLICA" Sexta-feira, 17 de Fevereiro de 2006

163 Queridos Escritores
do Colégio da Civiltà Cattolica!

Sinto-me feliz por vos receber juntamente com todos os que de várias formas colaboram convosco. Conheço e aprecio a obra que a Revista desempenha ao serviço da Igreja desde 1850, quando o meu Predecessor de venerada memória, o beato Pio IX, a instituiu "de modo perpétuo", dotando-a de um particular Estatuto, com o qual é estabelecido um vínculo especial com a Santa Sé. Há nisto a expressão de uma particular confiança em relação à Revista por parte dos Pontífices meus Predecessores, assim como o apelo à vossa fidelidade em relação às directrizes da SantaSé.

Apesar da atormentada mudança das situações históricas, este vínculo nunca faltou, como mostram as confirmações de benevolência que os Romanos Pontífices expressaram à Revista nos seus 155 anos de vida. De facto, em tais documentos emerge o interesse com que eles seguiram e seguem o trabalho da Civiltà Cattolica, reconhecendo a sua utilidade pelo bem da Igreja e apreciando a sua fidelidade constante às directrizes do Magistério.

Neste nosso tempo no qual o Senhor Jesus chama a sua Igreja a anunciar com renovado impulso o Evangelho de salvação, contudo não podemos evitar a busca de novas abordagens à situação na qual vivem hoje os homens e as mulheres, para lhes apresentar de formas eficazes o anúncio da BoaNova. Por conseguinte, a Civiltà Cattolica, para ser fiel à sua natureza e à sua tarefa não deixará de se renovar continuamente, lendo correctamente os "sinais dos tempos". Na realidade, hoje vai-se afirmando cada vez mais uma cultura que se caracteriza pelo relativismo individualista e pelo cientismo positivista; por conseguinte, uma cultura que tende para se fechar a Deus e à sua lei moral, embora nem sempre é prejudicialmente contrária ao cristianismo. Por isso, é grande o esforço que os católicos estão chamados a fazer para desenvolver o diálogo com a cultura de hoje e abri-la aos valores perenes da Transcendência.

Trata-se de um esforço no qual o crente se serve dos instrumentos oferecidos pela fé e pela razão: instrumentos à primeira vista pouco adequados, mas que são tornados eficientes pelo poder de Deus, que segue caminhos distantes do poder e do sucesso. Por outro lado, não se deve esquecer que hoje no mundo existem também muitos sinais de esperança, fruto da acção do Espírito na história. Eles são, por exemplo, a nova sensibilidade aos valores religiosos da parte de tantos homens e mulheres, a renovada atenção em relação à Sagrada Escritura, o respeito dos direitos humanos em medida muito superior ao que acontecia num passado recente, a vontade de diálogo com as outras religiões. Em particular, a fé em Jesus pode ajudar muitos a captar o sentido da vida e da aventura humana, oferecendo-lhes aqueles pontos de referência que muitas vezes faltam num mundo tão frenético e desorientado.

Eis então onde se situa a missão de uma revista de cultura como a Civiltà Cattolica: participar no debate cultural contemporâneo, quer para propor, de maneira séria e ao mesmo tempo divulgadora, as verdades da fé cristã de modo claro e ao mesmo tempo fiel ao Magistério da Igreja, quer para defender sem espírito polémico a verdade, por vezes deformada com acusações sem fundamento à comunidade eclesial. Gostaria de indicar o Concílio Vaticano II como farol no caminho que a Civiltà Cattolica está chamada a percorrer. As riquezas doutrinais e pastorais que ele contém e, sobretudo, a inspiração de fundo ainda não foram assimiladas plenamente pela comunidade cristã, mesmo se transcorreram 40 anos depois da sua conclusão. Sem dúvida ele deu à Igreja um impulso capaz de a renovar e de a predispor para responder de maneira adequada aos problemas novos que a cultura contemporânea apresenta aos homens e às mulheres do nosso tempo. Por outro lado, o Vaticano II foi integrado por numerosos documentos doutrinais e pastorais, que a Santa Sé e as Conferências Episcopais de muitas nações publicaram acerca dos problemas que surgiram recentemente. Eles constituem uma fonte sempre viva na qual a Civiltà Cattolica se pode inspirar para o seu trabalho. Trata-se de divulgar e apoiar a acção da Igreja em todos os campos da sua missão. A Revista deve dedicar um empenho particular à difusão da Doutrina social da Igreja, um dos temas que durante os seus 155 anos de vida tratou mais amplamente.

Desejo concluir este nosso encontro confirmando a confiança que a Santa Sé tem na vossa Revista, na certeza de que todos os seus redactores e colaboradores, a exemplo de quantos os precederam, saibam corresponder a esta confiança com fidelidade jubilosa e espírito de serviço.

Ao confiar a Maria, Sede da Sabedoria, a obra da Civiltà Cattolica, concedo a todos vós, redactores e colaboradores da Revista, assim como a todos os seus leitores afeiçoados, uma especial Bênção Apostólica.






DURANTE A AUDIÊNCIA AOS DIÁCONOS DE ROMA Sábado, 18 de Fevereiro de 2006


Queridos Diáconos romanos

164 Estou particularmente feliz por este encontro hodierno, que se realiza no 25º aniversário do restabelecimento do Diaconato permanente na Diocese de Roma. Saúdo com carinho o Cardeal Vigário, a quem agradeço as palavras que, em nome de todos, me dirigiu. Saúdo também o Bispo D. Vincenzo Apicella, até agora Encarregado do Centro Diocesano para o Diaconato permanente, e Mons. Francesco Peracchi, Delegado do Cardeal Vigário, que há anos acompanha a vossa formação. Apresento a cada um de vós e às respectivas famílias as minhas mais cordiais boas-vindas.

Num famoso trecho da sua Carta aos Filipenses, o Apóstolo Paulo afirma que Cristo "se esvaziou a si mesmo, assumindo a condição de servo" (2, 7). Ele, Cristo, é o exemplo que devemos contemplar. No Evangelho, Ele disse aos seus discípulos que veio "não para ser servido, mas para servir" (cf.
Mt 20,28). Em particular, durante a Última Ceia, depois de ter novamente explicado aos Apóstolos que estava no meio deles "como aquele que serve" (Lc 22,27), realizou o gesto humilde, reservado aos escravos, de lavar os pés aos Doze, dando assim o exemplo para que os seus discípulos pudessem imitá-lo no serviço e no amor recíproco. A união com Cristo, a cultivar através da oração, a vida sacramental e de modo particular a adoração eucarística, é da máxima importância para o vosso ministério a fim de que ele possa realmente dar testemunho do amor de Deus. Com efeito, como escrevi na Encíclica Deus caritas est, por Deus "o amor pode ser "mandado", porque antes nos é dado" (n. 14). Dilectos Diáconos, acolhei com alegria e gratidão o amor que o Senhor nutre por vós e que derrama nas vossas vidas, e com generosidade transmiti aos homens aquilo que gratuitamente recebestes. A Igreja de Roma tem uma longa tradição no serviço aos pobres da cidade. Ao longo destes anos surgiram novas formas de pobreza: efectivamente, muitas pessoas perderam o sentido da vida e não possuem uma verdade sobre a qual construir a sua existência; numerosos jovens pedem para encontrar homens que saibam ouvi-los e aconselhá-los nas dificuldades da vida. Ao lado da pobreza material, encontramos também uma pobreza espiritual e cultural. A nossa Diocese, consciente de que o encontro com Cristo "dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo" (Deus caritas est ), está dedicando uma atenção particular ao tema da transmissão da fé.

Prezados Diáconos, agradeço-vos os serviços que, com grande generosidade, desempenhais em numerosas actividades paroquiais de Roma, dedicando-vos de modo particular à pastoral baptismal e familiar. Ensinando o Evangelho de Cristo, que vos foi confiado pelo Bispo no dia da vossa ordenação, vós ajudais os pais que pedem o baptismo para os seus filhos, a aprofundarem o mistério da vida divina que nos foi doada e o da Igreja, a grande família de Deus, enquanto aos noivos que desejam celebrar o sacramento do matrimónio, anunciai a verdade sobre o amor humano, explicando desta forma que "o matrimónio baseado num amor exclusivo e definitivo se torna o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e vice-versa" (Deus caritas est ).

Muitos de vós desempenhais uma actividade de trabalho nos escritórios, nos hospitais e nas escolas: em tais ambientes, sois chamados a ser servidores da Verdade. Anunciando o Evangelho, podereis transmitir a Palavra capaz de iluminar e dar significado ao trabalho do homem, ao sofrimento dos doentes, e ajudareis as novas gerações a descobrir a beleza da fé cristã. Deste modo, sereis Diáconos da Verdade que liberta, enquanto conduzireis os habitantes desta cidade rumo ao encontro com Jesus Cristo. Acolher o Redentor na própria vida constitui, para o homem, uma fonte de profunda alegria, um júbilo que pode infundir a paz até nos momentos de provação. Por conseguinte, sede servidores da Verdade para vos tornardes portadores da alegria que Deus deseja transmitir a cada um dos homens.

Porém, não é suficiente anunciar a fé apenas com as palavras porque, como recorda o Apóstolo Tiago, a fé "sem as obras, está completamente morta" (2, 17). Por conseguinte, é necessário acompanhar o anúncio do Evangelho com o testemunho concreto da caridade, que "para a Igreja... não é uma espécie de actividade de assistência social... mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável da sua própria essência" (Deus caritas est ). A prática da caridade pertence desde o início ao ministério diaconal: os sete, de quem falam os Actos dos Apóstolos, foram eleitos para servir à mesa. Vós, que pertenceis à Igreja de Roma, sois os herdeiros de uma longa tradição, que encontra no Diácono Lourenço uma figura singularmente bonita e luminosa. Existem muitos pobres, com frequência provenientes de países muito distantes da Itália, que batem às portas das comunidades paroquiais em ordem a pedir uma ajuda necessária para superar momentos de grave dificuldade. Acolhei estes irmãos com grande cordialidade e disponibilidade e procurai, na medida do possível, ajudá-los nas suas necessidades, recordando-vos sempre das palavras do Senhor: "Todas as vezes que fizestes isto a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizestes" (Mt 25,40). Manifesto o meu agradecimento a todos aqueles dentre vós que se encontram comprometidos neste silencioso e quotidiano testemunho da caridade. Efectivamente, através do vosso serviço também os pobres sentem que fazem parte da grande família dos filhos de Deus, que é a Igreja.

Estimados Diáconos romanos, vivendo e testemunhando a caridade infinita de Deus, que o vosso ministério possa colocar-se sempre ao serviço da edificação da Igreja como comunhão. No vosso trabalho, recebeis o apoio do carinho e da oração das vossas famílias. A vossa vocação é uma graça particular para a vossa vida familiar, que deste modo é chamada a abrir-se cada vez mais ao acolhimento da vontade do Senhor e das necessidades da Igreja. O Senhor recompense a disponibilidade com que as vossas esposas e os vossos filhos vos acompanham no vosso serviço a toda a comunidade eclesial.

Maria, a humilde serva do Senhor que ofereceu o Salvador ao mundo, e o Diácono Lourenço, que amou o Senhor a ponto de lhe entregar a própria vida, vos acompanhem sempre com a sua intercessão. Com estes sentimentos, concedo de coração a cada um de vós a Bênção Apostólica que, de bom grado, torno extensiva a quantos vos são queridos e a todos aqueles com quem vos encontrais no cumprimento do vosso ministério.




AO SENHOR ALI ACHOUR NOVO EMBAIXADOR DE MARROCOS JUNTO À SANTA SÉ Segunda-feira, 20 de Fevereiro de 2006

Senhor Embaixador

É-me grato receber Vossa Excelência por ocasião da apresentação das Cartas que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário de Marrocos junto da Santa Sé.

Agradeço-lhe as gentis palavras que Vossa Excelência me dirigiu e as amáveis saudações que Sua Majestade o Rei Mohammed VI me transmitiu por seu intermédio. Retribuo, comunicando a minha estima pela tradição de hospitalidade e de compreensão que, desde há séculos, caracteriza as relações do Reino de Marrocos com a Igreja Católica; agradecer-lhe-ia se assegurasse a Sua Majestade os meus votos ardentes pela sua pessoa, e também pela felicidade e a prosperidade do nobre povo marroquino.

165 O Senhor Embaixador informou-me acerca dos esforços envidados pelo seu país, que acaba de celebrar o quinquagésimo aniversário da sua independência, para progredir rumo a um porvir moderno, democrático e próspero. Não podemos deixar de nos alegrar por tais progressos, que deveriam permitir a todos os Marroquinos viver na segurança e na dignidade, de tal maneira que cada um possa participar activamente na vida social e política do país. Com efeito, uma democracia autêntica exige o consenso sobre um certo número de valores essenciais, como a dignidade transcendente da pessoa humana, o respeito pelos direitos do homem, o "bem comum" como finalidade e critério de regulação da vida política (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 407).

Por outro lado, uma colaboração cada vez mais estreita entre os países da bacia do Mediterrâneo, já empreendida há vários anos, deve permitir enfrentar com determinação e perseverança não apenas as questões relativas à segurança e à paz em tal região, mas também o problema do desenvolvimento das sociedades e das pessoas, com uma nova tomada de consciência do dever de solidariedade e de justiça. Por este motivo o Mediterrâneo é chamado, mais do que nunca, a ser um lugar de encontro e de diálogo entre os povos e entre as culturas.

Entre os graves problemas que os países da bacia do Mediterrâneo devem enfrentar, o fenómeno migratório constitui um dado sensível nas relações entre os Estados. Os migrantes provenientes de regiões menos favorecidas e em busca de melhores condições de vida vêm cada vez mais numerosos bater às portas da Europa, o que lança na ilegalidade um número sempre crescente dos mesmos e que por vezes cria situações que põem gravemente em dúvida a dignidade e a segurança das pessoas. Assim, é necessário que as instituições dos países de recepção ou de trânsito velem a fim de não os considerar como uma mercadoria ou como uma simples força de trabalho, e de respeitar os seus direitos fundamentais e a sua dignidade humana. A situação precária de muitos estrangeiros deveria favorecer a solidariedade entre as nações interessadas, em vista de contribuir para o desenvolvimento dos países de origem dos migrantes. Com efeito, estes problemas não podem ser resolvidos por políticas exclusivamente nacionais. É mediante uma colaboração cada vez mais intensa entre todos os países interessados que progredirá eficazmente a busca de soluções para estas dolorosas situações.

O Senhor Embaixador ressaltou a contribuição do seu país para a consolidação do diálogo entre as civilizações, as culturas e as religiões. Por sua vez, no contexto internacional que actualmente conhecemos, a Igreja Católica está convencida de que, para favorecer a paz e a compreensão entre os povos e entre os homens, é necessário e urgente que as religiões e os seus símbolos sejam respeitados, e que os fiéis não se tornem objecto de provocações que ferem o seu progresso e os seus sentimentos religiosos.

Entretanto, a intolerância e a violência jamais podem ser justificadas como respostas às ofensas, porque não constituem respostas compatíveis com os princípios sagrados da religião; eis por que motivo não se pode deixar de deplorar as acções daqueles que se aproveitam deliberadamente da ofensa causada aos sentimentos religiosos para fomentar gestos de violência, ainda mais quando isto se produz em vista de finalidades alheias à religião. Para os crentes, assim como para todos os homens de boa vontade, o único caminho que pode conduzir à paz e à fraternidade é o do respeito pelas convicções e pelas práticas religiosas dos outros, a fim de que, de maneira recíproca em todas as sociedades, seja realmente assegurado a cada um o exercício da religião livremente escolhida.

Por seu intermédio, Senhor Embaixador, gostaria de dirigir também uma calorosa saudação aos membros da comunidade católica em Marrocos e aos seus Pastores. Que eles aspirem a viver com alegria a sua vocação cristã, testemunhando com uma generosidade cada vez maior o amor de Deus por todos os homens, numa colaboração fecunda entre todos!

No momento em que Vossa Excelência começa a sua missão junto da Santa Sé, formulo-lhe os meus melhores votos pela nobre tarefa que o aguarda. Nos meus colaboradores, o Senhor Embaixador encontrará sempre o acolhimento atento e a compreensão cordial de que poderá ter necessidade.

Sobre Vossa Excelência, a sua família, os seus colaboradores, o povo marroquino e os seus dirigentes, invoco do íntimo do coração as Bênçãos do Altíssimo!




AO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA "FUNDAÇÃO JOÃO PAULO II PARA O SAHEL" Segunda-feira, 20 de Fevereiro de 2006

Queridos amigos da Fundação
João Paulo II para o Sahel

166 Estou feliz por vos acolher a vós e a todos os que colaboram com as diversas actividades da Fundação, e saúdo em particular D. Jean-Pierre Bassène, Bispo de Kolda no Senegal, Presidente do Conselho de Administração.

A Fundação João Paulo II para o Sahel nasceu da solidariedade dos fiéis, especialmente da Alemanha, que responderam com generosidade ao apelo de Uagadugu, lançado pelo meu Venerado Predecessor a favor dos povos do Sahel, que então tinham de enfrentar as consequências de uma dramática estiagem. Confiada à responsabilidade dos Bispos dos países envolvidos na luta contra a desertificação dessa região da África, a Fundação desenvolveu-se plenamente como uma obra de Igreja, mostrando, através de numerosíssimos projectos apoiados e postos em acção há mais de vinte anos, que o amor pelo próximo, que é tarefa de cada fiel mas também da inteira comunidade eclesial (cf. Deus caritas est ), deve exprimir-se através de gestos concretos. Encorajo-vos a prosseguir com determinação, graças aoapoioactivo do Pontifício Conselho "Cor Unum", esta obra de fraternidade cristã, que é um serviço ao homem na sua totalidade e que contribui também para o diálogo inter-religioso e para a revelação do amor de Deus pelos habitantes dessa terra. É, portanto, parte integrante da acção evangelizadora.

Ao confiar-vos à intercessão da Virgem Maria, Rainha da África, concedo de todo coração a vós, a todos os colaboradores da Fundação e aos povos do Sahel, uma particular e afectuosa Bênção Apostólica.




AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DO SENEGAL, MAURITÂNIA, CABO VERDE E GUINÉ-BISSAU EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM" Segunda-feira, 20 de Fevereiro de 2006

Amados Irmãos no Episcopado

Sinto-me feliz por vos receber, no momento em que estais a realizar a vossa peregrinação aos túmulos dos Apóstolos, para confirmar a vossa comunhão com o Sucessor de Pedro e para consolidar os vínculos de fé e de unidade entre as vossas Igrejas particulares e a Igreja de Roma, e também com todo o corpo eclesial.

Agradeço ao Presidente da vossa Conferência Episcopal, D. Jean Noël Diouf, Bispo de Tambacounda, a apresentação que fez acerca das realidades da Igreja na vossa região. Através de vós, Pastores da Igreja que está no Senegal, na Mauritânia, na Guiné-Bissau e em Cabo Verde, uno-me de coração e com as orações aos povos sobre os quais presidis com o vosso cuidado pastoral. Que Deus abençoe os artífices de paz e de fraternidade que, nos vossos países, entretecem relações de confiança e de apoio mútuo entre as comunidades humanas e religiosas.

As vossas Igrejas particulares apresentam uma grande variedade de situações humanas e eclesiais, que às vezes tornam difícil uma boa harmonização do trabalho dos Pastores. Para cumprir a missão que vós recebestes do Senhor e para lhe oferecer uma fecundidade apostólica cada vez maior, os vínculos efectivos de comunhão permanecem essenciais. Assim, participando nos encontros da vossa Conferência Episcopal, vós encontrais não apenas um apoio para o exercício do ministério episcopal, mas manifestais concretamente que o Bispo não é um homem sozinho, uma vez que se encontra sempre e incessantemente com aquele que o Senhor escolheu como Sucessor de Pedro e com os seus irmãos no Episcopado.

Caminhando com o seu povo, o Bispo deve suscitar, orientar e coordenar a acção evangelizadora, a fim de que a fé aumente e se difunda entre os homens. Nesta perspectiva, o Evangelho deve ser plenamente enraizado na cultura dos vossos povos. O retorno a certas práticas da religião tradicional, que por vezes constatais entre os cristãos, deve levar a procurar os instrumentos apropriados para reavivar e fortalecer a fé à luz do Evangelho e para consolidar os fundamentos teológicos das vossas Igrejas particulares, aproveitando ao mesmo tempo o melhor da identidade africana. Com efeito, mediante o seu Baptismo, o cristão não deve considerar-se como que excluído da vida do seu povo ou da sua família, mas a sua existência deve permanecer em total harmonia com os compromissos por ele assumidos; portanto, isto comporta necessariamente algumas rupturas com os costumes da sua vida passada, porque o Evangelho constitui um dom que lhe é oferecido, que provém do alto.

Para viver na fidelidade aos compromissos baptismais, cada um deve dispor de uma sólida formação na fé, a fim de fazer face aos novos fenómenos da vida contemporânea, como o desenvolvimento da urbanização, o desemprego de numerosos jovens, as seduções materialistas de todos os tipos, ou a influência de ideias provenientes de todos os horizontes. O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica já oferece a todos os fiéis uma exposição renovada e segura das verdades da fé da Igreja Católica, permitindo assim que cada um possa realizar com toda a clareza os vários gestos, em sintonia com o compromisso cristão.

Estimados Irmãos no Episcopado, nesta difícil tarefa de evangelização, os vossos sacerdotes são colaboradores generosos, que encorajo cordialmente nos seus compromissos apostólicos. Desejo sentidamente que a sua formação inicial e permanente os transforme em homens equilibrados, humana e espiritualmente, capazes de responder aos desafios que devem enfrentar, tanto na sua vida pessoal como pastoral. Assim, enquanto se reserva à formação humana e intelectual o lugar que lhe compete, é necessário preocupar-se em dar-lhes uma sólida formação espiritual, para revigorar a sua vida de intimidade com Deus na oração e na contemplação, e para lhes permitir discernir a presença e a acção do Senhor nas pessoas que são confiadas ao seu cuidado pastoral.

167 Na medida em que eles fizerem uma autêntica experiência pessoal de Cristo, serão capazes de acolher com generosidade a exigência do dom de si mesmos a Deus e aos outros, e de o realizar no serviço humilde e desinteressado da caridade. Para favorecer a harmonia na Igreja e contribuir para o seu dinamismo missionário, formulo votos a fim de que os membros dos Institutos de Vida Consagrada, dos quais aprecio com reconhecimento o serviço constante que têm prestado à missão nas vossas dioceses, mantenham relações de confiança e de colaboração com os Pastores, vivendo uma profunda comunhão, não somente no interior de cada uma das comunidades, mas com a Igreja diocesana e universal. Na fidelidade à sua vocação particular, possa cada Instituto manifestar sempre que as suas obras são em primeiro lugar uma expressão da fé no amor de Deus e que é inserindo este amor no âmago da vida que ele responde concretamente às necessidades dos homens!

Uma das tarefas através das quais a Igreja na vossa região manifesta o amor ao próximo de modo mais visivelmente possível é o seu compromisso em ordem ao desenvolvimento social. Numerosas estruturas eclesiais permitem que as vossas comunidades se ponham eficazmente ao serviço dos mais pobres, sinal da sua consciência que o amor ao próximo, arraigado no amor a Deus, é constitutivo da vida cristã. Assim, "toda a actividade da Igreja é manifestação de um amor que procura o bem integral do homem" (Deus caritas est ). Todavia, o cristianismo não deve ser reduzido, por isso, a uma sabedoria puramente humana, nem se pode confundir com um serviço social, porque se trata de um serviço espiritual. No entanto, para o discípulo de Cristo, o exercício da caridade não pode constituir um instrumento ao serviço do proselitismo, porque o amor é gratuito (cf. ibid., n. 31).

Vós exerceis o serviço à humanidade, frequentemente em colaboração com homens e mulheres que não compartilham a fé cristã, nomeadamente os muçulmanos. Os esforços assim envidados, em vista de um encontro na verdade dos fiéis de diferentes tradições religiosas, contribuem para a realização concreta do bem autêntico das pessoas e da sociedade. É imperativo aprofundar cada vez mais os relacionamentos fraternais entre as comunidades, a fim de favorecer um desenvolvimento harmonioso da sociedade, no reconhecimento da dignidade de cada pessoa e permitindo a todos o livre exercício da sua própria religião.

Esta tarefa de favorecer o desenvolvimento harmonioso da sociedade reveste-se de particular urgência na Guiné-Bissau, cuja população, no meio de não pequenas tensões e dilacerações, aguarda ainda por um correcto encaminhamento das estruturas políticas e administrativas, consolidando a sua operacionalidade e funcionamento ao serviço de uma sociedade onde todos possam ser artífices de um projecto comum. Sei que a Igreja local se encontra em primeira linha na promoção do diálogo e da cooperação entre todas as componentes da Nação; através da palavra iluminada da fé, do testemunho constante de fidelidade ao Evangelho e do generoso serviço pastoral, continuai a ser, amados Pastores, pontos de segura referência e orientação para todos os vossos compatriotas.

Alargando agora o olhar aos vários países, vejo que uma das prioridades pastorais das vossas dioceses é a família cristã, e justamente! Sem ela, faltaria a unidade básica de vida e de construção àquela "Família de Deus", que a Igreja no vosso continente reconheceu e se propôs ser, na Assembleia sinodal de 1994. Ela não poderá considerar-se realmente inserida ou encarnada, enquanto o ideal cristão de vida familiar não tiver criado raízes no seio do povo africano. O caminho para isso passa, não por mudanças que subvertam o núcleo central da doutrina sacramental e familiar da Igreja, mas por uma fidelidade radical dos esposos à vida abraçada no Baptismo e na recondução ao Evangelho de Jesus Cristo do matrimónio africano tradicional, dado relevante das culturas locais.

Estas, para alcançarem a sua medida mais alta, precisam do encontro com Cristo, mas também Ele espera por este encontro para o evento da Encarnação chegar à sua plenitude, dando a "estatura completa" (
Ep 4,13) ao Corpo de Cristo, que é a Igreja. Esta, assumindo os valores das diversas culturas, torna-se aquela noiva adornada com as suas jóias, de que fala o profeta Isaías (cf. 61, 10); é assim também que me apraz ver-vos, amadas dioceses desta Conferência Episcopal. Adornai-vos das vossas jóias melhores para Cristo Senhor!

Amados Irmãos no Episcopado, ao concluirmos o nosso encontro, confio cada uma das vossas comunidades à Virgem Maria, Rainha da África. Transmiti a calorosa saudação do Papa e os seus encorajamentos aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas, aos catequistas e a todos os fiéis leigos das vossas dioceses. Deus permita que todos sejam testemunhas fiéis do seu amor aos homens! Do íntimo do coração, concedo a todos vós uma afectuosa Bênção Apostólica.







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