Discursos Bento XVI 19815

AOS SEMINARISTAS DURANTE O ENCONTRO NA IGREJA DE SÃO PANTALEÃO Colónia, 19 de Agosto de 2005

19815

Amados Irmãos no episcopado
e no sacerdócio

Queridos seminaristas

Saúdo-vos com grande afecto, agradecendo-vos pelo vosso acolhimento festivo e sobretudo por terdes vindo, de numerosos países dos cinco continentes, a este encontro. Aqui somos verdadeiramente um reflexo da Igreja Católica presente no mundo. Agradeço antes de tudo ao seminarista, ao sacerdote e ao Bispo, que nos ofereceram o seu testemunho pessoal, e devo dizer que me comoveu profundamente conhecer as vias pelas quais o Senhor conduziu estas pessoas de modo inesperado e diferentemente dos seus próprios projectos. Obrigado, de coração. Estou feliz por este encontro. Desejei isto já foi dito que, na programação destes dias em Colónia, fosse inserido um encontro especial com os jovens seminaristas, para que a dimensão vocacional, que nas Jornadas Mundiais da Juventude desempenha um papel cada vez mais importante, se torne visível também aqui em todo o seu significado. A chuva que está a descer do céu mostra-se-nos parece-me também como uma bênção. Sois seminaristas, isto é, jovens que se encontram num tempo forte de busca de um relacionamento pessoal com Cristo, um encontro com Ele, na perspectiva de uma importante missão na Igreja. Porque o Seminário é isto: não tanto um lugar, mas exactamente um significativo tempo da vida de um discípulo de Jesus. Imagino a ressonância que devem ter dentro de vós as palavras do tema desta XX Jornada Mundial "Viemos adorá-lo" e a comovedora narração do buscar e encontrar por parte destes Sábios. Cada um à sua maneira pensemos nos três testemunhos que acabámos de escutar vê, como eles, uma estrela, põe-se a caminho, deve ainda enfrentar a obscuridade e pode alcançar a meta sob a guia de Deus. Esta página evangélica sobre os Magos que buscam e encontram, reveste-se para vós de um valor singular, exactamente porque estais cumprindo o percurso de discernimento e este é o verdadeiro caminho de verificação da chamada ao sacerdócio. Gostaria de me deter para reflectir convosco sobre isso.

Por que os Magos, de países longínquos, foram até Belém? A resposta está ligada ao mistério da "estrela" que eles viram "surgir" e que identificaram como a estrela do "rei dos Judeus", ou seja, como o sinal do nascimento do Messias (cf.
Mt 2,2). Portanto, a sua viagem foi motivada pela força de uma esperança que, na estrela, obtém a sua confirmação e recebe a sua guia até ao "rei dos Judeus", até à realeza do mesmo Deus. Porque é este o sentido do nosso caminho: servir a realeza de Deus no mundo. Os Magos partiram porque nutriam um grande desejo, que os levava a deixar tudo e a pôr-se a caminho. Era como se desde sempre esperassem aquela estrela. Como se aquela viagem estivesse desde sempre inscrita no seu destino, que agora finalmente se realizava. Caros amigos, é este o mistério da chamada, da vocação; mistério que abrange a vida de cada cristão, mas que se manifesta com maior evidência naqueles que Cristo convida a deixar tudo para segui-Lo mais de perto. O seminarista vive a beleza da chamada no momento que podemos definir como "enamorar-se". O seu ânimo está cheio de admiração que lhe faz dizer na oração: Senhor, por que exactamente eu? Mas o amor não tem um "por quê", é dom gratuito, ao qual se responde com o dom de si.

O seminário é tempo destinado à formação e ao discernimento. A formação, como bem sabeis, tem muitas dimensões, que convergem para a unidade da pessoa: ela compreende os âmbitos humano, espiritual e cultural. O seu objectivo mais profundo é fazer conhecer intimamente aquele Deus que em Jesus Cristo nos mostrou o seu rosto. Para isso, é necessário um profundo estudo da Sagrada Escritura como também da fé e da vida da Igreja, na qual a Escritura permanece como palavra viva. Tudo isto deve unir-se com os questionamentos da nossa razão e portanto com o contexto da vida humana de hoje. Este estudo, às vezes, pode parecer difícil, mas isso constitui uma parte insubstituível do nosso encontro com Cristo e da nossa chamada para anunciá-Lo. Tudo concorre para desenvolver uma personalidade coerente e equilibrada, capaz de assumir validamente, para depois realizar responsavelmente a missão presbiteral. O papel dos formadores é decisivo: a qualidade do presbitério numa Igreja particular depende em boa parte do seminário e, portanto, da qualidade dos responsáveis pela formação. Caros seminaristas, exactamente por isso com vivo reconhecimento rezamos hoje por todos os vossos superiores, professores e educadores, que sentimos espiritualmente presentes neste encontro. Peçamos ao Senhor que possam desempenhar do melhor modo a tarefa tão importante a eles confiada. O seminário é tempo de caminho, de busca, mas sobretudo de descoberta de Cristo. De facto, somente na medida em que faz uma experiência pessoal de Cristo, o jovem pode compreender verdadeiramente a sua vontade e em consequência a própria vocação. Quanto mais conheceis Jesus tanto mais o seu mistério vos atrai; quanto mais O encontrais tanto mais estais impulsionados a procurá-Lo. É um movimento do espírito que dura toda a vida, e que encontra no seminário uma estação repleta de promessas, a sua "primavera".

Chegados a Belém, os Magos "ao entrar na casa, viram o menino com Maria sua mãe, e prostrando-se o adoraram" (Mt 2,11). Eis finalmente o momento tão esperado: o encontro com Jesus. "Ao entrar na casa": esta casa representa, de certo modo, a Igreja. Para encontrar o Salvador, é preciso entrar na casa que é a Igreja. Durante o tempo de seminário na consciência do jovem seminarista acontece uma maturação particularmente significativa: ele não vê mais a Igreja "por fora", mas a sente por assim dizer "por dentro", como a sua "casa" porque é casa de Cristo, onde habita "Maria sua mãe". E é exactamente a Mãe a mostrar-lhe Jesus, seu Filho, a apresentá-lo, a fazer de certo modo com que toque nele, a tomá-lo nos braços. Maria ensina-lhe a contemplá-lo com os olhos do coração e a viver d'Ele. Em cada momento da vida de seminário pode-se experimentar esta amável presença de Nossa Senhora, que introduz cada um ao encontro com Cristo, no silêncio da meditação, na oração e na fraternidade. Maria ajuda a encontrar o Senhor sobretudo na Celebração eucarística, quando na Palavra e no Pão consagrado Ele se faz nosso alimento espiritual quotidiano.

"E prostrando-se o adoraram... e lhe ofereceram presentes em ouro, incenso e mirra" (Mt 2,11-12). É este o ápice de todo o itinerário: o encontro se faz adoração, conduz a um acto de fé e de amor que reconhece em Jesus, nascido de Maria, o Filho de Deus feito homem. Como não ver no gesto dos Magos a fé prefigurada de Simão Pedro e dos outros Apóstolos, a de Paulo e de todos os santos, de modo particular de santos seminaristas e sacerdotes que marcaram os dois mil anos de história da Igreja? O segredo da santidade é a amizade com Cristo e a adesão fiel à sua vontade. "Cristo é tudo para nós" dizia Santo Ambrósio; e São Bento exortava a nada antepor ao amor de Cristo. Cristo seja tudo para vós. A Ele, sobretudo vós, caros seminaristas, oferecei aquilo que tendes de mais precioso, como sugeria o venerado João Paulo II na sua mensagem para esta Jornada Mundial: o ouro da vossa liberdade, o incenso da vossa fervorosa oração, a mirra do vosso afecto mais profundo (cf. n. 4).

O seminário é tempo de preparação para a missão. Os Magos "voltaram" para o seu país e certamente deram testemunho do encontro com o Rei dos Judeus. Também vós, depois do longo e necessário itinerário formativo do seminário, sereis enviados para ser os ministros de Cristo; cada um de vós voltará entre as pessoas como alter Christus. Na viagem de volta, os Magos tiveram certamente que enfrentar perigos, cansaços, desânimos, dúvidas... Não havia mais a estrela a guiá-los! Porém, a luz estava dentro deles. A eles competia protegê-la e alimentá-la na constante memória de Cristo, do seu Rosto santo, do seu Amor inefável. Caros seminaristas! Se Deus quiser, um dia também vós, consagrados pelo Espírito Santo, iniciareis a vossa missão. Recordai-vos sempre das palavras de Jesus: "Permanecei no meu amor" (Jn 15,9). Se permanecerdes perto de Cristo, com Cristo e em Cristo, produzireis muito fruto, como Ele prometeu. Não fostes vós que o escolhestes acabámos de ouvir isto nos testemunhos mas ele escolheu a vós (cf. Jn 15,16). Eis o segredo da vossa vocação e da vossa missão! Ele deve ser conservado no coração imaculado de Maria, que vela com amor materno sobre cada um de vós. Recorrei amiúde e com confiança a Maria. A todos asseguro o meu afecto e a minha oração quotidiana, enquanto vos abençoo de coração.




POR OCASIÃO DO ENCONTRO ECUMÉNICO NO PALÁCIO EPISCOPAL DE COLÓNIA Sexta-feira, 19 de Agosto de 2005

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Estimados irmãos e irmãs!

Depois de um dia empenhativo concedei-me que permaneça sentado. Isto não significa que eu quero falar "ex cathedra". Peço desculpa também pelo atraso. Infelizmente as Vésperas exigiram mais tempo que o previsto e o trânsito foi mais lento de quanto se pudesse imaginar. Agora desejo expressar a alegria que sinto, por ocasião da minha visita à Alemanha, por poder encontrar-me convosco e saudar muito cordialmente a vós, representantes das outras Igrejas e Comunidades eclesiais. Sendo eu mesmo proveniente deste País, conheço bem a situação dolorosa que a ruptura da unidade na profissão da fé causou a tantas pessoas e famílias. Também por este motivo, imediatamente após a minha eleição para Bispo de Roma, como Sucessor do Apóstolo Pedro, manifestei o firme propósito de assumir a recuperação da unidade plena e visível dos cristãos como uma prioridade do meu Pontificado. Com isto quis prosseguir conscientemente os passos dos meus grandes Predecessores: de Paulo VI que, há já mais de quarenta anos, assinou o Decreto conciliar sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio, e de João Paulo II, que fez depois deste documento o critério inspirador do seu agir. A Alemanha, sem dúvida, no diálogo ecuménico, reveste um lugar de particular importância. Nós somos o País de origem da Reforma; mas a Alemanha é também um dos Países do qual partiu o movimento ecuménico do século XX. Após os fluxos migratórios do século passado, também cristãos das Igrejas ortodoxas e das antigas Igrejas do Oriente encontraram neste País uma nova pátria. Isto indubitavelmente favoreceu o confronto e o intercâmbio e assim existe agora entre nós um diálogo a três. Juntos nos alegramos ao verificar que o diálogo, com o passar do tempo, suscitou uma redescoberta da fraternidade e criou entre os cristãos das várias Igrejas e comunidades eclesiais um clima mais aberto e confiante. O meu venerado Predecessor na sua Encíclica Ut unum sint (1995) indicou precisamente nisto um fruto particularmente significativo do diálogo (cf. nn. 41s.; 64).

Penso que não existem dúvidas em considerar-nos verdadeiramente irmãos, que nos amamos e nos sentimos juntos testemunhas de Jesus Cristo. Esta fraternidade é em si, como penso, um fruto muito importante do diálogo, do qual nos devemos sentir felizes e que deveríamos continuar a praticar. A fraternidade entre os cristãos não é simplesmente um vago sentimento nem sequer nasce de uma forma de indiferença em relação à verdade. Ela está fundada, como Vossa Excelência acaba de dizer, sobre a realidade sobrenatural do único Baptismo, que nos insere no único Corpo de Cristo (cf.
1Co 12,13 Ga 3,28 Col 2,12). Juntamente confessamos Jesus Cristo como Deus e Senhor; juntos reconhecemo-lo como único mediador entre Deus e os homens (cf. 1Tm 2,5), realçando a nossa comum pertença a Ele (cf. Unitatis redintegratio UR 22 Ut unum sint, UUS 42). A partir deste fundamento essencial do Baptismo, que é uma realidade que provém d'Ele, uma realidade no ser e, depois, no professar, no crer e no agir, partindo deste fundamento decisivo, o diálogo deu os seus frutos e continuará a dá-los. Gostaria de mencionar o reexame, desejado por João Paulo II durante a sua primeira visita à Alemanha. Penso com um pouco de saudade naquela primeira visita. Pude estar presente quando nos encontrávamos juntos em Mogúncia, num círculo relativamente pequeno e autenticamente fraterno. Foram apresentadas questões e o Papa elaborou uma grande visão teológica, na qual a reciprocidade tinha um seu espaço. Daquele colóquio surgiu depois a Comissão a nível episcopal, isto é, eclesial, sob a responsabilidade eclesial que, com a ajuda dos teólogos levou por fim ao importante resultado da "Declaração comum sobre a doutrina da justificação", de 1999 das recíprocas condenações e a um acordo sobre questões fundamentais que desde o início do século XVI foram objecto de controvérsias. Além disso, é preciso recordar com gratidão os resultados constituídos pelas várias tomadas de posição comuns sobre importantes temas, como as questões fundamentais sobre a defesa da vida e a promoção da justiça e da paz.

Estou bem consciente de que muitos cristãos na Alemanha, e não só aqui, contam com ulteriores passos concretos de aproximação e também eu conto com ele. De facto, é o mandamento do Senhor, mas também o imperativo do momento presente, de continuar de modo convicto o diálogo a todos os níveis da vida da Igreja. Sem dúvida, isto deve realizar-se com sinceridade e realismo, com paciência e perseverança na fidelidade ao ditado da consciência, cientes de que é o Senhor que depois doa a unidade, que não somos nós quem a criamos, mas é Ele quem a doa, mas que devemos ir ao Seu encontro.

Não pretendo desenvolver aqui um programa para os temas imediatos do diálogo esta é tarefa dos teólogos em colaboração com os Bispos: os teólogos, com base no seu conhecimento do problema, os Bispos, a partir do seu conhecimento da situação concreta das Igrejas no nosso País e no mundo. Seja-me concedida apenas uma observação: disse que agora, depois do esclarecimento relativo à Doutrina da justificação, a eleboração das questões eclesiológicas e das questões relativas ao ministério é o obstáculo principal que deve ser superado. Em definitiva isto é verdadeiro, mas devo dizer também que não aprecio esta terminologia e de um certo ponto de vista esta delimitação do problema, porque parece que agora deveríamos debater sobre as instituições e não sobre a Palavra de Deus, como se devêssemos colocar no centro as nossas instituições e fazer uma guerra. Penso que desta forma o problema eclesiológico assim como o do "ministerium" não são enfrentados correctamente. A questão verdadeira é a presença da Palavra no mundo. A Igreja primitiva, no século II tomou uma tríplice decisão: antes de mais, estabelecer o cânone, realçando desta forma a soberania da Palavra e explicando que não é só o Antigo Testamento "hai graphai", mas que o Novo Testamento constitui com ele uma única Escritura e, desta forma, é para nós o nosso soberano verdadeiro. Mas, ao mesmo tempo, a Igreja formulou a sucessão apostólica, o ministério episcopal, consciente de que a Palavra e o testemunho caminham juntos, isto é, que a Palavra é viva e está presente graças unicamente à testemunha, e por assim dizer, dela recebe a sua interpretação, e reciprocamente a testemunha só é tal se testemunha a palavra. Por fim, a Igreja acrescentou como terceiro elemento a "regula fidei", como chave interpretativa. Penso que esta recíproca compenetração é objecto de dissensão entre nós, mesmo se estamos unidos sobre coisas fundamentais. Por conseguinte, quando falámos de eclesiologia e de ministério, deveríamos falar preferivelmente de entrelaçamento de palavras, testemunha e regra de fé e considerá-lo como questão eclesiológica e ao mesmo tempo, portanto, como questão da Palavra de Deus, da sua soberania e da sua humildade, porque o Senhor confia a sua Palavra à testemunha e concede-lhe a interpretação, que se deve confrontar sempre, contudo, com a "regula fidei" e com a seriedade da Palavra. Desculpai-me se expressei aqui uma opinião pessoal, mas parecia-me justo fazê-lo.

Depois, uma prioridade urgente no diálogo ecuménico é constituída pelas grandes questões éticas que o nosso tempo nos apresenta; neste campo, os homens de hoje em busca esperam justamente uma resposta comum da parte dos cristãos que, graças a Deus, em muitos casos encontraram.

Existem tantas declarações conjuntas da Conferência Episcopal Alemã e da Igreja Evangélica na Alemanha, pelas quais devemos estar gratos. Mas infelizmente isto nem sempre acontece. Devido a contradições neste campo o testemunho evangélico e a orientação ética que devemos aos fiéis e à sociedade perdem vigor, assumindo com frequência características vagas, e assim não cumprimos o dever de dar ao nosso tempo o testemunho necessário. As nossas divisões estão em contraste com a vontade de Jesus e fazem com que não sejamos fidedignos perante os homens. Penso que deveríamos empenhar-nos com renovada energia e dedicação a dar um testemunho comum no âmbito destes grandes desafios éticos do nosso tempo.

E agora perguntemo-nos: que significa restabelecer a unidade de todos os cristãos? Todos sabemos que existem numerosos modelos de unidade e vós sabeis também que a Igreja católica tem por objectivo a consecução da plena unidade visível dos discípulos de Jesus Cristo segundo a definição que dela fez o Concílio Ecuménico Vaticano II em vários dos seus documentos (cf. Lumen gentium LG 8 LG 13 Unitatis redintegratio UR 2 UR 4, etc.). Tal unidade subsiste, segundo a nossa convicção, na Igreja católica sem possibilidade de ser perdida (cf. Unitatis redintegratio UR 4); de facto, a Igreja não desapareceu totalmente do mundo. Contudo, esta unidade não significa aquilo a que se poderia chamar ecumenismo de volta: isto é, renegar e recusar a própria história da fé. Absolutamente não! Não significa uniformidade em todas as expressões da teologia e da espiritualidade, nas formas litúrgicas e na disciplina. Unidade na multiplicidade e multiplicidade na unidade: na Homilia para a solenidade dos Santos Pedro e Paulo, a 29 de Junho passado, revelei que plena unidade e verdadeira catolicidade, no sentido originário da palavra, caminham juntas. A condição necessária para que esta coexistência se realize é que o compromisso pela unidade se purifique e se renove continuamente, cresça e mature. O diálogo pode contribuir para esta finalidade. Ele é mais do que um intercâmbio de pensamentos, de um empreendimento académico: é um intercâmbio de dons (cf. Ut unum sint UUS 28), no qual as Igrejas e as Comunidades eclesiais podem pôr à disposição os seus tesouros (cf. Lumen gentium LG 8 LG 15 Unitatis redintegratio UR 3 UR 14s; Ut unum sint UUS 10-14). É precisamente graças a este compromisso que se pode prosseguir este caminho passo a passo até alcançar a unidade plena, quando, como diz a Carta aos Efésios, finalmente todos chegaremos "à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao homem adulto, à medida completa da plenitude de Cristo" (Ep 4,13). Sem dúvida, este diálogo pode desenvolver-se unicamente num contexto de espiritualidade sincera e coerente. Não podemos "fazer" a unidade apenas com as nossas forças. Só a podemos obter com o dom do Espírito Santo. Por isso, o ecumenismo espiritual, isto é, a oração, a conversão e a santificação da vida constituem o coração do encontro e do movimento ecuménico (cf. Unitatis redintegratio UR 8 Ut unum sint, nn. UUS 15s., UUS 21 etc.). Poder-se-ia dizer também: a melhor forma de ecumenismo consiste em viver segundo o Evangelho.

Desejo também eu, neste contexto, recordar o grande pioneiro da unidade, Padre Roger Schutz, que foi assassinado de maneira tão trágica. Conhecia-o pessoalmente desde há muito tempo, e mantinha com ele uma relação pessoal de amizade. Visitou-me com frequência e, como já disse em Roma, no dia da sua morte recebi uma carta sua que me permaneceu no coração porque, nela, realçava a sua adesão ao meu caminho e anunciava desejar visitar-me. Agora visita-nos do alto e fala-nos. Penso que deveríamos ouvi-lo, ouvir a partir de dentro o seu ecumenismo vivido espiritualmente e deixar-nos conduzir pelo seu testemunho de um ecumenismo interiorizado e espiritualizado.

Vejo um confortador motivo de optimismo no facto de que hoje se está a desenvolver uma espécie de "rede" de ligação espiritual entre católicos e cristãos das várias Igrejas e Comunidades eclesiais: cada um se compromete na oração, na revisão da própria vida, na purificação da memória, na abertura da caridade. O pai espiritual do ecumenismo, Paul Couturier, falou em relação a isto de um "claustro invisível", que reúne entre os seus muros estas almas apaixonadas de Cristo e da sua Igreja. Estou convencido de que, se um número crescente de pessoas se unir à oração do Senhor "para que todos sejam um" (Jn 17,21), uma tal oração em nome de Jesus não cairá no vazio (cf. Jn 14,13 Jn 15,7, etc.). Com a ajuda que vem do Alto, encontraremos, para as várias questões ainda abertas, soluções praticáveis, e no fim, quando e como Ele quiser, o desejo de unidade será concretizado. Agora caminhemos juntos ao logo deste caminho, conscientes de que caminhar juntos é uma forma de unidade. Demos graças a Deus por isto e peçamos que continue a guiar-nos a todos.




POR OCASIÃO DO ENCONTRO COM OS MUÇULMANOS Colónia, 20 de Agosto de 2005

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Queridos amigos muçulmanos

Para mim, é um motivo de grande alegria receber-vos e transmitir-vos a minha cordial saudação. Estou aqui para me encontrar com os jovens vindos de todas as regiões da Europa e do mundo. Os jovens são o futuro da humanidade e a esperança das nações. O meu amado Predecessor, o Papa João Paulo II, disse certo dia aos jovens muçulmanos reunidos no estádio de Casablanca (Marrocos): "Os jovens podem construir um futuro melhor, se colocarem em primeiro lugar a sua fé em Deus e depois se comprometerem na construção deste mundo novo, segundo o desígnio de Deus, com sabedoria e confiança" (Insegnamenti, VIII/2, 1985, pág. 500). É nesta perspectiva que me dirijo a vós, dilectos e estimados amigos muçulmanos, em vista de compartilhar convosco as minhas esperanças e para vos comunicar também as minhas solicitudes nestes momentos particularmente difíceis da história do nosso tempo.

Estou convicto de interpretar também o vosso pensamento quando colocais em evidência, entre as vossas preocupações, a solicitude que nasce da constatação do alastrante fenómeno do terrorismo.

64 Bem sei que muitos de vós negastes com determinação, também publicamente, em particular qualquer vínculo da vossa fé com o terrorismo, e que já o condenastes com clareza. Estou-vos grato por isto, uma vez que tal comportamento contribui para o clima de confiança de que temos necessidade. Em várias áreas do mundo continuam a repetir-se actos terroristas, que lançam pessoas no pranto e no desespero. Os ideadores e os programadores destes atentados demonstram que desejam envenenar os nossos relacionamentos e destruir a confiança, servindo-se de todos os meios, até mesmo da religião, para se oporem a todos os esforços de convivência pacífica e tranquila.

Graças a Deus, concordamos sobre o facto de que o terrorismo, de qualquer matriz que seja, constitui uma opção perversa e cruel, que viola o direito sacrossanto à vida e despreza os próprios fundamentos de toda a convivência civil. Se juntos conseguirmos extirpar dos corações o sentimento de rancor, contrastando qualquer forma de intolerância e opondo-nos a toda a manifestação de violência, também juntos seremos capazes de deter a onda de fanatismo cruel que põe em perigo a vida de numerosas pessoas, impedindo o progresso da paz no mundo. A tarefa é árdua, mas não impossível. Não obstante a sua própria fragilidade, o crente e todos nós, como cristãos e muçulmanos, somos crentes sabe que pode contar com o vigor espiritual da oração.

Prezados amigos, sem ceder às pressões negativas do ambiente, estou profundamente convencido de que devemos confirmar os valores do respeito recíproco, da solidariedade e da paz. A vida de cada ser humano é sacrossanta, tanto para os cristãos como para os muçulmanos. Dispomos de um grande espaço de acção, em que nos devemos sentir unidos no serviço aos valores morais fundamentais. A dignidade da pessoa e a defesa dos direitos, que brotam desta dignidade, devem constituir a finalidade de todos os projectos sociais e de cada esforço realizado em vista da sua actuação. É uma mensagem transmitida de maneira inconfundível pela voz baixa mas clara da consciência. Trata-se de uma mensagem que deve ser ouvida e fazer ouvir: se se extinguisse o seu eco nos corações, o mundo estaria exposto às trevas de uma nova barbárie. Somente no reconhecimento da centralidade da pessoa é possível encontrar uma comum base de entendimento, ultrapassando eventuais oposições culturais e neutralizando a força impetuosa das ideologias.

No encontro que tive, no passado mês de Abril, com os Delegados das Igrejas e das Comunidades eclesiais e com os Representantes das várias Tradições, eu disse: "Garanto-vos que a Igreja deseja dar continuidade à construção de pontes de amizade com os seguidores de todas as religiões, a fim de procurar o bem autêntico de todas as pessoas e da sociedade no seu conjunto" (Discurso de 25 de Abril de 2005, n. 4).

A experiência do passado ensina-nos que o respeito mútuo e a compreensão, infelizmente, nem sempre caracterizaram as relações entre os cristãos e os muçulmanos. Quantas páginas de história registram as batalhas e as guerras enfrentadas invocando, de ambas as partes, o nome de Deus, como se lutar contra o inimigo e matar o adversário pudessem ser do seu agrado. A lembrança destes tristes acontecimentos deveria encher-nos de vergonha, conscientes das atrocidades que foram cometidas em nome da religião. As lições do passado devem servir-nos para evitar a repetição dos mesmos erros. Nós queremos buscar os caminhos da reconciliação e aprender a viver no respeito pela identidade uns dos outros. Neste sentido, a tutela da liberdade religiosa constitui um imperativo constante, e o respeito pelas minorias um sinal inquestionável de autêntica civilização.

A este propósito, é sempre oportuno aquilo que os Padres do Concílio Vaticano II disseram acerca das relações com os muçulmanos: "A Igreja olha também com estima para os muçulmanos que adoram o Deus único, vivo e subsistente, misericordioso e todo-poderoso, criador do céu e da terra, que falou aos homens e a cujos desígnios ocultos eles procuram com toda a alma submeter-se, assim como a Deus se submeteu Abraão, cujo nome a fé islâmica com agrado pronuncia...

Embora ao longo dos séculos não poucas dissensões e inimizades tenham surgido entre os cristãos e os muçulmanos, o Santo Concílio exorta todos a que, esquecendo o passado, pratiquem sinceramente a mútua compreensão, defendam e promovam em comum a justiça social, os bens morais, a paz e a liberdade para todos os homens" (Declaração Nostrae aetate, n. 3). Estas palavras do Concílio Ecuménico Vaticano II permanecem para nós como a "Magna Charta" do diálogo convosco, dilectos amigos muçulmanos, e estou feliz por terdes falado connosco com o mesmo espírito, confirmando estas intenções.

Estimados amigos, vós representais algumas Comunidades muçulmanas existentes neste país onde nasci, estudei e vivi uma boa parte da minha vida. Foi precisamente por este motivo que desejei encontrar-me convosco. Vós orientais e educais os fiéis do Islão na fé muçulmana. O ensinamento é um veículo através do qual se comunicam ideias e convicções. A palavra é a vida-mestra na educação da mente. Por conseguinte, tendes uma grande responsabilidade na formação das novas gerações. É com gratidão que tomo conhecimento do espírito com que cultivais esta responsabilidade. Em conjunto nós, cristãos e muçulmanos, devemos enfrentar numerosos desafios que o nosso tempo nos apresenta. Não há espaço para a apatia nem justificações, e ainda menos para a parcialidade e o sectarismo. Não podemos acreditar no medo, nem no pessimismo. Pelo contrário, temos o dever de cultivar o optimismo e a esperança. O diálogo inter-religioso e intercultural entre os cristãos e os muçulmanos não pode reduzir-se a uma opção ocasional. Com efeito, ele constitui uma necessidade vital, da qual depende em boa parte o nosso próprio futuro. Os jovens, provenientes de muitas partes do mundo, estão aqui em Colónia como testemunhas vivas de solidariedade, de fraternidade e de amor. Dilectos e estimados amigos muçulmanos, é de todo o coração que vos formulo bons votos a fim de que o Deus misericordioso e compassivo vos proteja, vos abençoe e vos ilumine sempre. O Deus da paz conforte os nossos corações, alimente a nossa esperança e oriente os nossos passos pelos caminhos do mundo.

Obrigado!




VIGÍLIA DE ORAÇÃO COM OS JOVENS NA ESPLANADA DE MARIENFELD Sábado, 20 de Agosto de 2005

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Queridos jovens!

Na nossa peregrinação com os misteriosos Magos do Oriente chegámos àquele momento que São Mateus no seu Evangelho nos descreve assim: "entrando na casa (sobre a qual a estrela tinha parado), viram o Menino com Maria, sua Mãe. Prostrando-se, adoraram-n'O" (
Mt 2,11). O caminho exterior daqueles homens tinha terminado. Tinham chegado à meta. Mas a este ponto, começa para eles um novo caminho, uma peregrinação interior que altera toda a sua vida. Porque, certamente, tinham imaginado este rei recém-nascido de maneira diferente. Tinham-se detido precisamente em Jerusalém para obter do Rei local notícias acerca do Rei prometido que acabara de nascer. Sabiam que o mundo estava em desordem, e por isso o seu coração andava irrequieto.

Tinham a certeza de que Deus existe e que é um Deus justo e benigno. E talvez tenham ouvido falar também das grandes profecias com as quais os profetas de Israel anunciavam um Rei que estaria em íntima harmonia com Deus, e que em seu nome e por seu encargo teria restabelecido a ordem no mundo. Para procurar este Rei tinham-se posto a caminho: do fundo do seu coração andavam à procura do direito, da justiça que devia vir de Deus, e desejavam ouvir aquele Rei, prostrar-se aos seus pés e desta forma servir, eles mesmos, a renovação do mundo. Pertenciam àquele género de pessoas "que têm fome e sede de justiça" (Mt 5,6). Tinham seguido esta fome e esta sede na sua peregrinação tinham-se feito peregrinos em busca da justiça que esperavam de Deus, a fim de se poderem pôr ao seu serviço.

Mesmo se os outros homens, os que permaneceram em casa, os consideravam talvez utopistas e sonhadores, eles, ao contrário, eram pessoas com os pés no chão, e sabiam que para mudar o mundo é preciso ter poder. Por isso não podiam procurar o menino da promessa a não ser no palácio do Rei. Mas agora, inclinavam-se diante de um menino filho de gente pobre, e muito depressa vêm a saber que Herodes aquele Rei junto do qual tinham ido pretendia ameaçá-lo com o seu poder, de forma que a família só teria como alternativa a fuga e o exílio. O novo Rei, diante do qual se tinham prostrado em adoração, diferenciava-se muito da expectativa deles. Portanto, tinham que aprender que era diferente do modo como nós normalmente o imaginamos. Começou assim o seu caminho interior. Começou no mesmo momento em que se prostraram diante deste menino e o reconheceram como o Rei prometido. Mas eles ainda tinham que alcançar interiormente estes gestos jubilosos.

Deviam mudar a ideia que tinham acerca do poder, de Deus e do homem e, fazendo isto, deviam também eles mesmos mudar. Então vejamos: o poder de Deus é diferente do poder dos poderosos do mundo. A maneira de agir de Deus é diferente de como nós a imaginamos e de como gostaríamos de a impor também a Ele. Neste mundo, Deus não entra em concorrência com as formas terrenas do poder. Não contrapõe as suas divisões a outras divisões. Deus não envia a Jesus, no monte das oliveiras, doze legiões de anjos para o ajudarem (cf. Mt 26,53). Ele contrapõe ao poder rumoroso e prepotente deste mundo o poder inerme do amor, que na Cruz e depois sempre de novo no decorrer da história se submete, e contudo constitui a novidade divina que depois se opõe à injustiça e instaura o Reino de Deus. Deus é diferente é isto que agora reconhecem. E isto significa que eles mesmos devem tornar-se diferentes, devem aprender o estilo de Deus.

Tinham vindo para se porem ao serviço deste Rei, para modelarem a própria realeza sobre a sua. Eis o significado do seu gesto de obséquio, da sua adoração. Dela faziam parte também os presentes ouro, incenso e mirra oferendas que se faziam a um Rei considerado divino. A adoração possui um conteúdo e exige também uma doação. Ao querer, com o gesto da adoração, reconhecer neste menino o seu Rei a cujo serviço pretendiam colocar o próprio poder e as suas possibilidades, os homens provenientes do Oriente seguiam sem dúvida os vestígios justos.

Servindo-O e seguindo-O, desejavam servir, juntamente com ele, a causa da justiça e do bem no mundo. E nisto tinham razão. Mas agora aprendem que ela não pode ser realizada simplesmente por meio de ordens e do alto de um trono. Agora aprendem que se devem oferecer a si mesmos uma doação menor do que esta não è suficiente para este Rei. Agora aprendem que a sua vida deve conformar-se com este modo divino de exercer o poder, com esta forma de ser do próprio Deus. Devem tornar-se homens da verdade, do direito, da bondade, do perdão e da misericóridia.

Não voltarão a perguntar: Para que me serve isto? Ao contrário, deverão perguntar: Com que sirvo a presença de Deus no mundo? Devem aprender a perder-se a si mesmos e precisamente assim a encontrar-se a si mesmos. Ao irem embora de Jerusalém, devem continuar sobre as pegadas do verdadeiro Rei, no seguimento de Jesus.

Queridos amigos, perguntemo-nos o que significa tudo isto para nós. Porque o que acabámos de dizer sobre a natureza diversa de Deus, que deve orientar a nossa vida, parece bonito, mas permanece bastante superficial e vago. Por isso Deus deu-nos alguns exemplos. Os Magos que vieram do Oriente são apenas os primeiros de uma longa procissão de homens e mulheres que na sua vida procuraram constantemente com o olhar a estrela de Deus, que procuraram aquele Deus que está perto de nós, seres humanos, e nos indica o caminho. É a grande multidão de santos famosos ou desconhecidos mediante os quais o Senhor, ao longo da história, abriu diante de nós o Evangelho e folheou as suas páginas; ainda hoje Ele continua a fazer isto. Nas suas vidas, como num grande livro ilustrado, revela-se a riqueza do Evangelho. Eles são o rasto luminoso de Deus que Ele mesmo traçou e continua a traçar ao longo da história. O meu venerado predecessor, Papa João Paulo II que neste momento está connosco, beatificou e canonizou uma grande multidão de pessoas de épocas distantes e próximas. Nestas figuras ele quis demonstrar-nos como se faz para ser cristão; como se pode viver a própria vida de maneira justa viver segundo o modo de Deus. Os beatos e os santos foram pessoas que não procuraram de maneira obstinada a própria felicidade, mas simplesmente quiseram doar-se, porque foram alcançados pela luz de Cristo. Eles indicam-nos assim o caminho para nos tornarmos felizes, mostram-nos como se consegue ser pessoas verdadeiramente humanas. Nas vicissitudes da história eles foram os verdadeiros reformadores que tantas vezes a levantaram dos vales obscuros nos quais corre sempre de novo o perigo de precipitar; eles iluminaram-na sempre de novo quanto era necessário para dar a possibilidade de aceitar talvez no sofrimento a palavra pronunciada por Deus no final da obra da criação: "Viu que era coisa boa". Basta pensar em figuras como São Bento, São Francisco de Assis, Santa Teresa de Ávila, Santo Inácio de Loyola, São Carlos Borromeu, nos fundadores das Ordens religiosas do século XIX, que animaram e orientaram o movimento social, ou nos santos do nosso tempo Maximiliano Kolbe, Edith Stein, Madre Teresa, Padre Pio. Contemplando estas figuras aprendemos o que significa "adorar", e o que quer dizer viver segundo a medida do menino de Belém, segundo a medida de Jesus Cristo e do próprio Deus.

Dissemos que os santos são os verdadeiros reformadores. Agora gostaria de o expressar de modo mais radical: só dos Santos, só de Deus provém a verdadeira revolução, a mudança decisiva do mundo. No século que há pouco terminou vivemos as revoluções, cujo programa comum era não aguardar mais a intervenção de Deus, mas assumir totalmente nas próprias mãos o destino do mundo. Com isto, vimos que era sempre um ponto de vista humano e parcial a ser tomado como medida absoluta da orientação. A absolutização do que não é absoluto mas relativo chama-se totalitarismo. Não liberta o homem, mas priva-o da sua dignidade e escraviza-o. Não são as ideologias que salvam o mundo, mas unicamente dirigir-se ao Deus vivo, que é o nosso criador, a garantia da nossa liberdade, a garantia do que é deveras bom e verdadeiro. A verdadeira revolução consiste unicamente em dirigir-se sem reservas a Deus, que é a medida do que é justo e ao mesmo tempo é o amor eterno. E o que nos pode salvar a não ser o amor? Queridos amigos! Permiti que eu acrescente apenas mais duas breves reflexões. São muitos os que falam de Deus; em nome de Deus prega-se também o ódio e pratica-se a violência. Portanto, é importante descobrir o verdadeiro rosto de Deus. Os Magos do Oriente encontraram-no, quando se prostraram diante do Menino de Belém. "Quem Me vê, vê o Pai", dizia Jesus a Filipe (Jn 14,9). Em Jesus Cristo, que por nós permitiu que lhe trespassasem o seu coração, n'Ele apareceu o verdadeiro rosto de Deus. Segui-lo-emos juntos com a grande multidão de quantos nos precederam. Então caminharemos pela via justa.

Isto significa que não construímos para nós um Deus privado, um Jesus privado, mas que cremos e nos prostramos diante daquele Jesus que nos é mostrado pelas Sagradas Escrituras e que na grande procissão dos fiéis chamada Igreja se revela vivo, sempre connosco e, ao mesmo tempo, sempre diante de nós. Podemos criticar muito a Igreja. Nós sabemo-lo, e o próprio Senhor no-lo disse: ela é uma rede com peixes bons e peixes maus, um campo com trigo e erva daninha. O Papa João Paulo II, que nos numerosos beatos e santos nos mostrou o verdadeiro rosto da Igreja, pediu também perdão por tudo o que ao longo da história, devido às acções e às palavras dos homens de Igreja, aconteceu de mal. Desta forma ele mostrou também a nós a nossa verdadeira imagem e exortou-nos a entrar com todos os nossos defeitos e debilidades na procissão dos santos, que com os Magos do Oriente teve o seu início. No fundo, é confortador o facto de existir a erva daninha na Igreja. Assim, com todos os nossos defeitos podemos contudo ter a esperança de nos encontrarmos ainda no seguimento de Jesus, que chamou precisamente os pecadores. A Igreja é como uma família humana, mas é também ao mesmo tempo a grande família de Deus, mediante a qual Ele forma um espaço de comunhão e de unidade através de todos os continentes, culturas e nações. Por isso sentimo-nos felizes por pertencer a esta grande família que vemos aqui; sentimo-nos felizes por ter irmãos e amigos em todo o mundo. Experimentamos precisamente aqui, em Colónia, como é belo pertencer a uma família vasta como o mundo, que inclui o céu e a terra, o passado, o presente e o futuro e todas as partes da terra. Nesta grande comitiva de peregrinos caminhamos juntamente com Cristo, caminhamos com a estrela que ilumina a história.

"Entrando na casa viram o Menino com Maria, Sua mãe. Prostrando-se, adoraram-n'O" (Mt 2,11). Queridos amigos, esta não é uma história distante, que se verificou há muito tempo. Ela é presença. Aqui na hóstia sagrada Ele está diante de nós e no meio de nós. Como então, vela-se misteriosamente num santo silêncio e, como então, precisamente assim revela o verdadeiro rosto de Deus. Ele fez-se para nós grão de trigo que cai na terra e morre para dar muito fruto até ao fim do mundo (cf. Jn 12,24). Ele está presente como naquela época estava presente em Belém. Convida-nos para aquela peregrinação interior que se chama adoração. Coloquemo-nos agora a caminho para esta peregrinação e peçamos-Lhe que nos guie. Amém.





Discursos Bento XVI 19815