Discursos Bento XVI 70

AO 1º GRUPO DE BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DO MÉXICO POR OCASIÃO DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Quinta-feira, 8 de Setembro de 2005


Queridos Irmãos no Episcopado!

Manifesto-vos a minha profunda alegria ao receber-vos, por ocasião da visita ad Limina para venerar os túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo e fortalecer também os vínculos de comunhão com o Sucessor de Pedro. Agradeço as palavras que me dirigiu D. José Fernández Arteaga, Arcebispo de Chihuahua, em nome de todos vós, Pastores das províncias eclesiásticas de Durango, Guadalajara e Hermosillo. Desejo agora reflectir sobre alguns pontos de especial interesse para a Igreja que peregrina no México.

Os momentos de encontro entre os Bispos são uma ocasião propícia para viver e aprofundar a unidade. Neste sentido, a Conferência do Episcopado Mexicano também está chamada a ser um sinal vivo da comunhão eclesial, orientada para facilitar o ministério dos Bispos e fortalecer a colegialidade. Hoje mais do que nunca é necessário juntar forças e trocar experiências porque, como realçou o Concílio Vaticano II, "os Bispos não raro estão impedidos de exercer frutuosa e devidamente o seu ministério, se não tornarem cada dia mais estreita a sua colaboração com os outros Bispos" (Christus Dominus CD 37). Por conseguinte, estimulo-vos a prosseguir este caminho de comunhão para uma acção mais eficaz e frutífera.

A nação mexicana surgiu como encontro de povos e culturas cuja fisionomia permaneceu marcada pela presença viva de Jesus Cristo e pela mediação de Maria, "Mãe do verdadeiro Deus por quem se vive" (Nican Mopohua). A riqueza do "Acontecimento de Guadalupe" uniu numa realidade nova pessoas, histórias e culturas diferentes, através das quais o México foi maturando a sua identidade e missão.

Hoje o México vive um processo de transição caracterizado pelo surgimento de grupos que, por vezes de modo mais ou menos ordenado, procuram novos espaços de participação e representação. Muitos deles defendem com particular vigor a reivindicação a favor dos pobres e dos excluídos do desenvolvimento, particularmente dos indígenas. Os profundos anseios por consolidar uma cultura e instituições democráticas, económicas e sociais que reconheçam os direitos humanos e os valores culturais do povo, devem encontrar um eco e uma resposta iluminadora na acção pastoral da Igreja.

A preparação para o Grande Jubileu contribuiu para que os católicos mexicanos conhecessem, aceitassem e amassem a sua história como povo e como comunidade crente. Desejo recordar aqui a exortação do meu predecessor: "os indivíduos e os povos têm necessidade de uma espécie de "purificação da memória", a fim de que os males de ontem não voltem a repetir-se. Não se trata de esquecer o sucedido, mas de o reler com sentimentos novos, aprendendo precisamente das experiências sofridas quesóo amor constrói, enquanto o ódio produz devastação e ruínas" (João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz, n. 3, 1 de Janeiro de 1997).

71 Trata-se de um desafio que exige uma formação integral, em todos os âmbitos da Igreja, que ajude cada fiel a viver o Evangelho nas diversas dimensões da vida. Só assim se pode dizer a razão da nossa esperança (cf. 1P 3,15). As formas tradicionais de viver a fé, transmitidas de maneira sincera e espontânea através dos costumes e ensinamentos familiares, devem maturar numa opção pessoal e comunitária. Esta formação é particularmente necessária para os jovens que, ao deixar de frequentar a comunidade eclesial depois dos sacramentos de iniciação, se encontram perante uma sociedade marcada por um crescente pluralismo cultural e religioso. Além disso, enfrentam, por vezes muito sós e desorientados, correntes de pensamento segundo as quais, sem necessidade de Deus e até contra Deus, o homem alcança a plenitude através do poder tecnológico, político e económico. Vê-se por isso a necessidade de acompanhar os jovens e convocá-los com entusiasmo para que, integrados de novo na comunidade eclesial, assumam o compromisso de transformar a sociedade como exigência fundamental do seguimento de Cristo.

De igual modo, as famílias necessitam de um acompanhamento adequado para poder descobrir e viver a sua dimensão de "igreja doméstica". O pai e a mãe precisam de receber uma formação que os ajude a ser os "primeiros evangelizadores" dos seus filhos; só assim poderão realizar-se como primeira escola da vida e da fé. Mas unicamente o conhecimento dos conteúdos da fé jamais substitui a experiência do encontro pessoal com o Senhor. A catequese nas paróquias e o ensino da religião e da moral nas escolas de inspiração cristã, assim como o testemunho vivo de quantos O encontraram e O transmitem, com a finalidade de suscitar o desejo de O seguir e servir com todo o coração e alma, devem favorecer esta experiência de conhecimento e de encontro com Cristo.

Uma manifestação da riqueza eclesial é a existência de mais de quatrocentos Institutos de vida consagrada, principalmente femininos, sendo muitos deles fundados no México, que evangelizam em todo o país e em diversos ambientes, culturas e lugares. Muitos deles dedicam-se a todos os níveis da educação, particularmente nalgumas universidades; outros trabalham entre os mais pobres unindo a evangelização e a promoção humana; em hospitais; em meios de comunicação social; no campo da arte e das humanidades; acompanhando a formação espiritual e profissional de pessoas do mundo da economia e das empresas. A isto deve ser acrescentada uma maior participação dos fiéis leigos através de diversas iniciativas que realçam a sua vocação e missão na sociedade. Existe também a presença de movimentos laicais nacionais e internacionais que promovem a renovação da vida matrimonial e familiar, assim como uma maior vivência comunitária.

A Igreja no México reflecte o pluralismo da própria sociedade, plasmada em muitas e diversas realidades, algumas muito boas e prometedoras e outras mais complexas. Perante isto, e no respeito pelas realidades locais e regionais, os Bispos devem favorecer processos pastorais orgânicos que dêem mais sentido às orientações derivadas de uma mera tradição ou costume. Estes processos devem antes de tudo integrar as directrizes do Concílio com os desafios pastorais que as diversas instituições concretas apresentam.

A sociedade actual interroga e observa a Igreja, exigindo coerência e intrepidez na fé. Sinais visíveis de credibilidade serão o testemunho de vida, a unidade dos crentes, o serviço aos pobres e a promoção incansável da sua dignidade. Na tarefa evangelizadora devemos ser criativos, sempre em fidelidade com a Tradição da Igreja e do seu magistério. Devido ao facto de nos encontrarmos numa nova cultura marcada pelos meios de comunicação social, a Igreja no México deve beneficiar, neste âmbito, da colaboração dos seus fiéis, da preparação de tantos homens de cultura e das oportunidades que as instituições públicas concedem em matéria dos mencionados meios (cf. João Paulo II, Ecclesia in America ). Colocar o rosto de Cristo nesse ambiente mediático exige um sério esforço formativo e apostólico que não pode ser esquecido, necessitando também da contribuição de todos.

Queridos Irmãos, celebramos hoje a festa da Natividade da Santíssima Virgem Maria. Unidos num só coração e numa só alma, recomendo-vos aos seus cuidados maternos, juntamente com os sacerdotes, comunidades religiosas e fiéis das vossas dioceses. Levai a todos a saudação e a expressão do amor do Papa, enquanto vos concedo com afecto a minha Bênção Apostólica.




AO 2º GRUPO DE BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DO MÉXICO EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Quinta-feira, 15 de Setembro de 2005


Queridos Irmãos no Episcopado

Enche-me de grande alegria receber-vos por ocasião da visita ad Limina, com a qual manifestais a vossa comunhão e amor ao Sucessor de Pedro. Agradeço a D. Alberto Suaréz Inda, Arcebispo de Morélia, a sua cordial saudação em vosso nome, Pastores das circunscrições eclesiásticas de Monterrey, Morélia e São Luís de Potosí.

O México tem diante de si o desafio de transformar as suas estruturas sociais para que se sintonizem com a dignidade da pessoa e com os seus direitos fundamentais. Nesta tarefa estão chamados a colaborar os católicos, que constituem a maior parte da sua população, descobrindo o seu compromisso de fé e o sentido unitário da sua presença no mundo. Porque, ao contrário, "o divórcio entre a fé que professam e a vida diária de muitos deve ser apontado entre os erros mais graves do nosso tempo" (Gaudium et spes GS 43).

Continua a ser motivo de grande preocupação o facto de que em alguns ambientes, pelo anseio de poder, se tenham deteriorado as formas sadias de convivência e da gestão da vida pública, e, além disso, se tenham incrementado os fenómenos da corrupção, a impunidade, a infiltração do narcotráfico e do crime organizado. Tudo isto conduz a diversas formas de violência, indiferença e desprezo do valor inviolável da vida. Em relação a isto, na Exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in America são denunciados claramente os "pecados sociais" da nossa época, os quais realçam "uma crise profunda devido à perda do sentido de Deus e à ausência dos princípios morais que devem orientar a vida de cada homem. Sem referências morais cai-se na avidez desenfreada de riqueza e de poder, que ofusca qualquer visão evangélica da realidade social" (cf. n. 56).

72 Também no México se vive com frequência uma situação de pobreza. Verifica-se em muitos fiéis, sem dúvida, uma fé em Deus, um sentido religioso acompanhado de expressões ricas em humanidade, hospitalidade, irmandade e solidariedade. Estes valores são postos em perigo com a migração para o estrangeiro, onde muitos trabalham em condições precárias, num estado de indefesa e enfrentado com dificuldade num contexto cultural diferente da sua idiossincrasia social e religiosa. Quando os emigrantes encontram bom acolhimento numa comunidade eclesial, que os acompanha na sua inserção na nova realidade, torna-se um fenómeno de certo modo positivo e inclusivamente favorece a evangelização de outras culturas.

Aprofundando o tema da migração, a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a América ajudou a descobrir que, acima dos factores económicos e sociais, existe uma apreciável unidade que provém de uma fé comum, que favorece a comunhão fraterna e solidária. Isto é fruto das diversas formas de presença e de encontro com Jesus Cristo vivo, que se verificaram na história da América. Portanto, a mobilidade humana é uma prioridade pastoral nas relações de cooperação com as Igrejas da América do Norte.

Muitos baptizados, influenciados por numerosas propostas de pensamento e de costumes, são indiferentes aos valores do Evangelho e inclusivamente vêem-se obrigados a comportamentos contrários à visão cristã da vida, o que dificulta a pertença a uma comunidade eclesial. Mesmo confessando-se católicos, vivem de facto afastados da fé, abandonando as práticas religiosas e perdendo progressivamente a própria identidade de crentes, com consequências morais e espirituais de diversa índole. Este desafio pastoral estimulou-vos, queridos Irmãos, a procurar soluções não só para assinalar os erros que tais propostas contêm e defender os conteúdos da fé, mas sobretudo, para propor a riqueza transcendental do cristianismo como acontecimento que dá um verdadeiro sentido à vida e uma capacidade de diálogo, escuta e colaboração com todos.

Tudo isto, juntamente com a actividade das seitas e dos novos grupos religiosos na América, em vez de vos deixar indiferentes, estimulará as vossas Igrejas particulares a oferecer aos fiéis uma atenção religiosa mais personalizada, consolidando as estruturas de comunhão e propondo uma religiosidade popular purificada, a fim de tornar mais viva a fé de todos os católicos (cf. ibid., 73).


A formação responsável da fé dos católicos é uma tarefa prioritária, a fim de os ajudar a viver com alegria e ousadia no mundo. "O horizonte para que deve tender todo o caminho pastoral é a santidade" (Novo millennio ineunte
NM 30). Esta é uma tarefa prioritária da evangelização permanente dos baptizados. Por isso, a catequese, juntamente com o ensino da religião e da moral, deve fundamentar cada vez melhor a experiência e o conhecimento de Jesus Cristo através do testemunho vivo de quantos o encontraram, com a finalidade de suscitar o anseio de o seguir e servir com todo o coração e alma. "Mas é muito importante que tudo o que com a ajuda de Deus nos propusermos, esteja profundamente radicado na contemplação e na oração. O nosso tempo é vivido em contínuo movimento, que muitas vezes chega à agitação, caindo-se facilmente no risco de "fazer por fazer"" (ibid., 15).

Tudo isto implica, na prática pastoral, a necessidade de rever as nossas mentalidades, atitudes e comportamentos, e ampliar os nossos horizontes, comprometendo-nos a partilhar e trabalhar com entusiasmo para responder às grandes interrogações do homem de hoje. Como Igreja missionária, todos estamos chamados a compreender os desafios que a cultura pós-moderna apresenta à nova evangelização do Continente. O diálogo da Igreja com a cultura do nosso tempo é vital para a própria Igreja e para o mundo.

Antes de terminar, peço ao Senhor que este encontro consolide a vossa unidade como Pastores da Igreja no México. Ao mesmo tempo, peço-vos que transmitais a minha afectuosa saudação aos sacerdotes, às comunidades religiosas, aos agentes de pastoral e a todos os fiéis diocesanos, animando-os a dar sempre um testemunho autêntico de vida cristã na sociedade actual.

Recomendo a Nossa Senhora e Mãe de Guadalupe o vosso trabalho pastoral, e concedo-vos com alegria a minha Bênção Apostólica.




DURANTE A AUDIÊNCIA AOS RABINOS-CHEFES DE ISRAEL Quinta-feira, 15 de Setembro de 2005


Ilustres Senhores

É de coração aberto que vos dou as boas-vindas hoje aqui, enquanto manifesto o meu apreço pelo facto de que a vossa visita pretende enfatizar os resultados positivos que derivaram da Declaração Nostra aetate, do Concílio Vaticano II, cujo 40º aniversário estamos a comemorar precisamente neste ano. Considero a vossa visita como um ulterior passo em frente no processo de edificação de relações religiosas ainda mais profundas entre os católicos e os judeus, um itinerário que recebeu um novo impulso e energia da Nostra aetate e das numerosas formas de contacto, de diálogo e de cooperação, que tiveram a sua origem nos princípios e no espírito daquele documento. A Igreja continua a realizar todos os esforços para implementar a visão do Concílio, de uma nova época de melhores compreensão, respeito e solidariedade entre nós.

73 A Nostra aetate demonstrou que constitui um marco ao longo do caminho rumo à reconciliação entre os cristãos e o povo hebreu. Ela deixa claro que "os judeus continuam ainda, por causa dos Patriarcas, a ser muito amados de Deus, cujos dons e vocação não conhecem arrependimento" (n. 4).

Hoje, temos o dever de continuar a buscar formas de assumir tal responsabilidade, da qual pude falar durante a minha recente visita à sinagoga de Colónia: "A responsabilidade de transmitir a chama da esperança, que por Deus foi concedida tanto aos judeus como aos cristãos, a fim de que "nunca mais" as forças do mal tenham poder, e para que as futuras gerações, com o auxílio de Deus, possam estar aptas a construir um mundo mais justo e pacífico, em que todos os homens tenham direitos iguais e igualdade em casa" (Discurso de Bento XVI à Comunidade judaica de Colónia, a 19.8.2005).

Os olhos do mundo voltam-se constantemente para a Terra Santa, a Terra que é considerada santa para os judeus, os cristãos e os muçulmanos. Infelizmente, a nossa atenção é chamada com demasiada frequência pelos actos de violência e de terror, uma causa de imenso sofrimento para todas as pessoas que ali vivem. É nosso dever continuar a insistir para que a religião e a paz caminhem juntas.

Nesta ocasião, dirijo o meu pensamento também às comunidades cristãs residentes na Terra Santa, e que ali constituem uma presença e um testemunho vivos desde o início da Cristandade, através de todas as vicissitudes da história. Hoje, estes irmãos e irmãs na fé estão a enfrentar novos e crescentes desafios. Enquanto nos sentimos felizes pelo facto de que as relações diplomáticas entre a Santa Sé e o Estado de Israel têm levado a formas de cooperação mais sólidas e estáveis, esperamos ansiosamente o cumprimento do Acordo Fundamental sobre as problemáticas ainda à espera de uma solução.

Estimados Rabinos-Chefes, como líderes religiosos, colocamo-nos diante de Deus com uma séria responsabilidade pelo ensinamento que transmitimos e pelas decisões que tomamos. Que o Senhor nos ajude a servir a grande causa da promoção da sacralidade da vida do homem e da salvaguarda da dignidade humana de cada pessoa, de tal maneira que a justiça e a paz possam prosperar no mundo.


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO PARA OS BISPOS NOMEADOS NO ÚLTIMO ANO Segunda-feira, 19 de Setembro de 2005


Queridos Irmãos no Episcopado!

Saúdo-vos com grande afecto e com os votos que Cristo Ressuscitado fez aos Apóstolos: "A paz esteja convosco!". No início do vosso ministério episcopal viestes em peregrinação ao Túmulo de São Pedro para renovar a fé, para reflectir acerca das vossas responsabilidades de Sucessores dos Apóstolos e para expressar a vossa comunhão com o Papa.

As jornadas de estudo organizadas para os Bispos recentemente nomeados já se tornaram um encontro tradicional e oferecem-vos a oportunidade de reflectir sobre alguns aspectos importantes do ministério episcopal num intercâmbio fraterno de pensamentos e experiências. Este encontro insere-se nas iniciativas da formação permanente do Bispo, que foi desejada pela Exortação Apostólica "Pastores gregis". Se numerosos motivos obrigam o Bispo a um compromisso de actualização, com mais razão é útil que ele tenha, no início da sua missão, a possibilidade de desempenhar uma adequada reflexão sobre os desafios e problemas que o esperam. Estes dias permitem também que vos conheçais pessoalmente e que façais uma experiência concreta daquele afecto colegial que deve animar o vosso ministério.

Agradeço ao Cardeal Giovanni Battista Re ter-se feito intérprete dos vossos sentimentos. Saúdo cordialmente D. Antonio Vegliò, Secretário da Congregação para as Igrejas Orientais, e sinto-me feliz pelo facto de os Bispos de rito oriental terem aderido a esta iniciativa juntamente com os Irmãos de rito latino, prevendo também especiais momentos de encontro na mencionada Congregação para as Igrejas Orientais.

Ao dar os primeiros passos no serviço episcopal já vos apercebestes de quanto são necessárias a humilde confiança em Deus e a coragem apostólica, que nasce da fé e do sentido de responsabilidade do Bispo. Disto estava consciente o Apóstolo Paulo que, diante do trabalho pastoral, punha toda a sua esperança unicamente no Senhor reconhecendo que a sua força provinha só d'Ele. De facto, afirmava: "De tudo sou capaz naquele que me dá a força" (Ph 4,13). Queridos Irmãos, cada um de vós deve ter a certeza de que no desempenho do ministério nunca está sozinho, porque o Senhor o acompanha com a sua graça e a sua presença, como nos recorda a Constituição dogmática Lumem gentium na qual é reafirmada a presença de Cristo Salvador na pessoa e na acção ministerial do Bispo (cf. n. 21).

74 Entre as vossas tarefas desejo realçar a de Mestres da fé. O anúncio do Evangelho está na base da Igreja e do seu desenvolvimento no mundo, como também do crescimento na fé dos irmãos. Os Apóstolos tiveram plena consciência da importância primária deste seu serviço: a fim de poder estar à total disposição do ministério da palavra escolheram os diáconos e destinaram-nos ao serviço da caridade (cf. Ac 6,2-4). Como Sucessores dos Apóstolos, queridos Irmãos, sois doctores fidei, autênticos doutores que anunciam ao povo, com a mesma autoridade de Cristo, a fé em que se deve crer e viver. Aos fiéis confiados aos vossos cuidados pastorais deveis fazer redescobrir a alegria da fé, a alegria de ser pessoalmente amados por Deus, que deu o seu Filho Jesus para a nossa salvação. De facto, crer consiste como bem sabeis sobretudo em confiar-se a Deus que nos conhece e nos ama pessoalmente, e aceitar a Verdade que Ele revelou em Cristo com aquela atitude confiante que nos leva a ter confiança n'Ele, Revelador do Pai. Apesar das nossas debilidades e dos nossos pecados, Ele ama-nos e este seu amor dá sentido à nossa vida e à vida do mundo.

A resposta de Deus exige aquele caminho interior que leva o crente a encontrar-se com o Senhor. Este encontro só é possível se o homem for capaz de abrir o seu coração a Deus, que fala na profundidade da consciência. Isto requer interioridade, silêncio, vigilância, atitudes que vos convido, além de vivê-las pessoalmente, a propô-las também aos vossos irmãos, procurando predispor iniciativas oportunas de tempos e lugares que ajudem a descobrir a primazia da vida espiritual.

Na passada festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, entreguei à Igreja o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, síntese fiel e segura do texto precedente mais vasto. Hoje, entrego idealmente a cada um de vós estes dois documentos fundamentais da fé da Igreja, para que sejam ponto de referência do vosso ensinamento e sinal da comunhão de fé que vivemos. O género dialógico do Compêndio do Catecismo da Igreja Católica e o uso das imagens desejam ajudar cada fiel a colocar-se pessoalmente diante da chamada de Deus que ressoa na consciência para instaurar um diálogo íntimo e pessoal com Ele; um diálogo que se alarga à comunidade na oração litúrgica, traduzindo-se em fórmulas e ritos não privados de uma sua beleza que favorece a contemplação dos mistérios de Deus. A lex credendi torna-se assim lex orandi.

Exorto-vos a estar próximos dos vossos sacerdotes, mas também dos numerosos catequistas das vossas dioceses, que colaboram no vosso ministério: cheguem a cada um deles, através de vós, a minha saudação e o meu encorajamento. Comprometei-vos a fim de que o Ano da Eucaristia, que está a chegar ao fim deixe no coração dos irmãos o desejo de radicar cada vez mais toda a sua vida na Eucaristia. Que a Eucaristia seja, também para vós, a força inspiradora do vosso ministério pastoral. O mesmo modo de celebrar a Missa da parte do Bispo alimenta a fé e a devoção dos próprios sacerdotes e fiéis. E cada Bispo, como "primeiro dispensador dos mistérios de Deus" é, na diocese, responsável da Eucaristia: isto é, tem a tarefa de vigiar por uma digna e decorosa celebração da Eucaristia e de promover o culto eucarístico. Cada Bispo deve depois dedicar um cuidado particular à participação dos fiéis na Missa dominical, na qual ressoa a Palavra de vida e Cristo mesmo se torna presente sob as espécies do pão e do vinho. Além disso, a Missa permite que os fiéis alimentem o sentido também comunitário da fé.

Queridos Irmãos, tende grande confiança na graça e sabei infundir esta confiança nos vossos colaboradores, para que a pérola preciosa da fé resplandeça sempre, seja guardada, defendida e transmitida na sua pureza. Sobre cada um de vós e sobre as vossas dioceses invoco a protecção de Maria, enquanto concedo de coração a cada um a minha Bênção.




AO SENHOR LUIS FELIPE BRAVO MENA NOVO EMBAIXADOR DO MÉXICO JUNTO DA SANTA SÉ 23 de Setembro de 2005


Senhor Embaixador

É com prazer que o recebo neste acto solene no qual me apresenta as Cartas que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República do México junto da Santa Sé.

Ao dar-lhe as minhas cordiais boas-vindas agradeço-lhe as amáveis palavras que me dirigiu, assim como a deferente saudação do Senhor Presidente, Dr. Vicente Fox, ao qual correspondo pedindo-lhe que lhe transmita os meus melhores votos de paz e bem-estar para todo o povo mexicano.
Desde quando, em 1992, foram estabelecidas as relações diplomáticas entre o México e a Santa Sé, verificaram-se notáveis progressos, num clima de respeito recíproco e de colaboração, que beneficiaram ambas as partes. Isto estimula a continuar a trabalhar, a partir da própria autonomia e competências, tendo como objectivo prioritário a promoção integral das pessoas, que são cidadãs da Nação, sendo a grande maioria filhos da Igreja católica.

Neste sentido, como Vossa Excelência realçou, um Estado democrático leigo é todo aquele que protege a prática religiosa dos seus cidadãos, sem preferências nem contradições. Por outro lado, a Igreja considera que nas sociedades modernas e democráticas pode e deve haver plena liberdade religiosa. Num Estado leigo são os cidadãos que, na prática da sua liberdade, dão um determinado sentido religioso à vida social. Além disso, um Estado moderno deve servir e proteger a liberdade dos cidadãos e também a prática religiosa que eles escolherem, sem qualquer tipo de restrição ou coacção como expressaram muitos documentos do magistério eclesiástico e, recentemente, o Episcopado mexicano no comunicado "Para uma autêntica liberdade religiosa no México"."Não se trata foi dito de um direito da Igreja como instituição, mas de um direito de cada pessoa, de cada povo e de cada nação" (10/8/2005).

75 Face ao laicismo crescente, que pretende reduzir a vida religiosa dos cidadãos ao âmbito privado, sem nenhuma manifestação social e pública, a Igreja sabe muito bem que a mensagem cristã fortalece e ilumina os princípios básicos de toda a convivência, como o dom sagrado da vida, a dignidade da pessoa juntamente com a igualdade e inviolabilidade dos seus direitos, o valor irrenunciável do matrimónio e da família que não se pode equiparar nem confundir com outras formas de uniões humanas. A instituição familiar precisa de um apoio especial, porque no México, como noutros Países, vai diminuindo progressivamente a sua vitalidade e o seu papel fundamental, não só devido aos intercâmbios culturais, mas também ao fenómeno da emigração, com as consequentes e graves dificuldades de diversa índole, sobretudo para as mulheres, as crianças e os jovens.

Deve ser dedicada uma atenção especial ao narcotráfico, que causa graves danos à sociedade. A esse respeito, é preciso reconhecer o esforço contínuo realizado até agora pelo Estado e por algumas organizações sociais na luta contra esta terrível chaga que mina a segurança e a saúde pública. Não devemos esquecer que uma das raízes do problema é a grande desigualdade económica, que não permite o justo desenvolvimento de grande parte da população, levando muitos jovens a serem as primeiras vítimas de dependências, ou atraindo-os com a sedução do dinheiro fácil procedente do narcotráfico e do crime organizado. Por isso, é urgente que todos reúnam os seus esforços para erradicar este mal mediante a difusão dos autênticos valores humanos e a construção de uma verdadeira cultura da vida. A Igreja oferece toda a sua colaboração neste campo.

Ao considerar a história do México verifica-se o amplo pluralismo das suas populações indígenas, que se esforçaram durante séculos para preservar os seus valores ancestrais e tradicionais. Como disse o meu querido predecessor, o Papa João Paulo II, na canonização do índio Juan Diego na Basílica de Guadalupe, "O México precisa dos seus indígenas e os indígenas precisam do México!". De facto, é necessário favorecer, hoje como nunca, a sua integração respeitando os seus costumes e as formas de organização das suas comunidades, que lhes permita o desenvolvimento da sua cultura e os torne capazes de se abrirem, sem perder a sua identidade, aos desafios do mundo globalizado. Por isso, estimulo os responsáveis das instituições públicas a favorecer, partindo de uma igualdade efectiva dos direitos, a participação activa dos povos indígenas na marcha e no progresso do País. É uma aspiração justa e irrenunciável, cuja realização será a base da paz, que é fruto da justiça.

Não posso deixar de mencionar também as próximas eleições de 2006, que são uma oportunidade e um desafio para consolidar os progressos significativos da democratização do País. É desejável que o processo eleitoral contribua para fortalecer a ordem democrática, orientando-a decididamente para o desenvolvimento de políticas inspiradas no bem comum e na promoção integral de todos os cidadãos, dando especial atenção sobretudo aos mais débeis e desprotegidos. Referiram-se a isto os Bispos mexicanos na sua Mensagem para o início da fase eleitoral. O seu título, Fortalecer a democracia reconstruindo a confiança dos cidadãos, indica muito bem as necessidades do momento actual.

Sem dúvida, a actividade política no México deve continuar a ser exercida como um serviço efectivo à Nação, com a finalidade de promover e garantir as condicções necessárias para que os cidadãos possam desenvolver a sua vida nas melhores condições possíveis. Deve ser fomentado o respeito da verdade, a vontade de favorecer o bem geral, a defesa da liberdade, a justiça e a convivência, em vista do Estado de Direito. É amplo o processo mediante o qual os povos se exercitam na co-responsabilidade própria da democracia. Por isso, são importantes os esforços governamentais, assim como os de muitas instituições civis e religiosas, de universidades e associações, orientados para fomentar uma cultura de participação na sociedade mexicana. A unificação do tecido social também se fortalece quando se apresentam objectivos nobres aos povos e se colocam ao seu alcance os meios para os cumprir. Por isso, no âmbito democrático, é urgente promover a criação de centros de formação ética e política nos quais se aprendam e assimilem os direitos e deveres que competem a quantos desejam dedicar-se ao serviço de todos os cidadãos.

Senhor Embaixador, ao concluir este agradável encontro renovo a Vossa Excelência e à sua distinta família as minhas cordiais boas-vindas, formulando os melhores votos pelo êxito da missão que agora inicia em benefício dos bons relacionamentos existentes entre o México e a Santa Sé. Peço fervorosamente a Nossa Senhora de Guadalupe que proteja o querido povo mexicano para que continue a progredir pelos caminhos da solidariedade e da paz.




AO TERCEIRO GRUPO DE BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DO MÉXICO EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sexta-feira, 23 de Setembro de 2005



Queridos irmãos no Episcopado

Alegro-me por vos receber hoje, Pastores da Igreja de Deus, que viestes das sedes metropolitanas de Jalapa, México, Puebla e Tlalnepantla, e das dioceses sufragâneas, para realizar a visita ad Limina, venerável instituição que contribui para manter vivos os vínculos estreitos de comunhão que unem cada Bispo ao Sucessor de Pedro. A vossa presença aqui faz-me sentir também próximo dos sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis das vossas Igrejas particulares. Agradeço as amáveis palavras do Senhor Cardeal Norberto Rivera Carrera, Arcebispo de México, com as quais expressou o vosso afecto e estima, fazendo-me partícipe das vossas preocupações e projectos pastorais. Correspondo-lhe pedindo ao Senhor que nas vossas dioceses e em todo o México se incremente sempre a fé, a esperança, a caridade e o testemunho valoroso de todos os cristãos.

Amparados pela força das promessas do Senhor e pela assistência do seu Espírito, estais chamados, como sucessores dos Apóstolos, a ser os primeiros a levar a cabo a missão por Ele confiada à sua Igreja. Tanto individualmente como de modo colegial realizais uma análise constante da sociedade mexicana, porque estais conscientes de que o ministério vos estimula a valorizar as realidades temporais para as iluminar a partir da fé. Em relação a isto, o Bispo contempla vigilante os fiéis e toda a sociedade partindo da perspectiva do Evangelho. Ao ouvir "o que o Espírito diz às Igrejas" (Ap 2,7), sentis o dever de fazer um discernimento sereno sobre as diversas circunstâncias, as iniciativas ou a passividade, que lamentavelmente atingem por vezes o povo de Deus, mas sem descuidar os graves problemas e as aspirações mais profundas da sociedade.

O centro da República Mexicana é a região onde se estabeleceram os antigos povos indígenas e onde a acção missionária da Igreja teve início, expandindo-se às restantes regiões. A vida urbana está marcada pela convivência de múltiplas culturas e costumes dos seus habitantes. Nas grandes cidades encontram-se importantes centros da vida económica, universitária e cultural, assim como as instituições políticas e legislativas, de onde irradiam a sua influência a toda a nação. Ao mesmo tempo, nelas, a vida é complexa devido às diversas classes sociais às quais a pastoral diocesana deve servir sem discriminação, preocupando-se de modo prioritário por quantos se encontram em situações de pobreza extrema, solidão ou marginalização. Todos estes grupos sociais forjam o rosto urbano e constituem um contínuo desafio à tarefa pastoral, cuja planificação deve incluir também os irmãos que emigram, cada vez em maior número, do ambiente rural para o urbano, em busca de uma vida mais digna. Esta realidade, com os seus problemas oprimentes, há-de suscitar a sensibilidade dos seus Pastores. Como nos recorda o Concílio Vaticano II, "é, por isso, necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanças e aspirações, e o seu carácter tantas vezes dramático" (Gaudium et spes GS 4).


Discursos Bento XVI 70