Discursos Bento XVI 83

PALAVRAS NA CONCLUSÃO DO RITO DE BEATIFICAÇÃO DO CARDEAL D. CLEMENS AUGUST VON GALEN Domingo, 9 de Outubro de 2005


No final desta celebração, durante a qual o Cardeal Clemens August von Galen foi inscrito no álbum dos Beatos, tenho a alegria de me unir a vós, reunidos em grande número na Basílica de São Pedro, para prestar homenagem ao novo Beato. Transmito a minha cordial saudação aos venerados Irmãos Cardeais e Bispos, às ilustres Autoridades e a todos os presentes.

É com profundo afecto que saúdo os Bispos e os sacerdotes, os representantes da vida pública e os peregrinos vindos a Roma de Monastério e de toda a Alemanha. Uno-me com alegria a todos vós na veneração do novo Beato Clemens August von Galen. Todos nós, e em particular nós alemães, estamos gratos porque o Senhor nos concedeu esta grande testemunha da fé, que em tempos obscuros fez resplandecer a luz da verdade e manifestou a coragem de se opor ao poder da tirania. Mas devemos também perguntar-nos: de onde lhe veio esta intuição, numa época em que pessoas inteligentes eram como que cegas? E de onde lhe veio a força para se opor, num momento em que também os fortes se demonstraram fracos e torpes?

Hauriu intuição e coragem da fé, que lhe revelou a verdade, abriu o seu coração e os seus olhos. Mais do que os homens, ele temia a Deus, que lhe incutiu a coragem de fazer e de dizer aquilo que outros não ousavam dizer nem fazer. Assim, ele infunde-nos coragem, exorta-nos a viver de novo a fé nos dias de hoje e mostra-nos também como isto pode realizar-se nas coisas simples e humildes, e também nas grandes e profundas.

Recordamos o facto de que ele muitas vezes foi a pé em peregrinação à Mãe de Deus em Telgte, que introduziu a adoração perpétua a São Servásio, que muitas vezes no Sacramento da Penitência pediu e alcançou a graça do perdão.

Portanto, ele mostra-nos esta catolicidade simples, em que o Senhor se encontra connosco, em que abre o nosso coração e nos doa o discernimento dos espíritos, a coragem da fé e da alegria de sermos salvos.

84 Demos graças a Deus por esta grande testemunha da fé e rezemos a fim de que nos ilumine e nos guie. Beato Cardeal von Galen, precisamente nesta hora, intercede por nós, pela Igreja na Alemanha e no mundo inteiro.

Amém!

ENCONTRO DE CATEQUESE E ORAÇÃO COM AS CRIANÇAS DA PRIMEIRA COMUNHÃO Praça de São Pedro

Sábado, 15 de Outubro de 2005



Andrea: "Caro Papa, que recordação tens do dia da tua Primeira Comunhão?".

Antes de tudo, gostaria de dizer obrigado por esta festa da fé que me ofereceis, pela vossa presença e alegria. Agradeço e saúdo o abraço que tive de um de vós, um abraço que simbolicamente vale para vós todos, naturalmente. Quanto à pergunta, recordo-me bem do dia da minha Primeira Comunhão. Era um lindo domingo de Março de 1936, portanto, há 69 anos. Era um dia de sol, a igreja muito bonita, a música, eram muitas coisas bonitas das quais me lembro. Éramos cerca de trinta crianças, meninos e meninas, da nossa pequena cidade com não mais de 500 habitantes. Mas, no centro das minhas recordações alegres e bonitas está o pensamento o mesmo já foi dito pelo vosso porta-voz que compreendi que Jesus tinha entrado no meu coração, tinha feito visita justamente a mim. E com Jesus, Deus mesmo está comigo. Isto é um dom de amor que realmente vale mais do que tudo que pode ser dado pela vida; e assim estava realmente cheio de uma grande alegria porque Jesus tinha vindo até mim. E entendi que então começava uma nova etapa da minha vida, tinha 9 anos, e que então era importante permanecer fiel a este encontro, a esta Comunhão. Prometi ao Senhor, por quanto podia: "Gostaria de estar sempre contigo" e pedi-lhe: "Mas, sobretudo permanece comigo". E assim fui em frente na minha vida. Graças a Deus, o Senhor tomou-me sempre pela mão, guiou-me também nas situações difíceis. E dessa forma, a alegria da Primeira Comunhão foi o início de um caminho realizado juntos. Espero que, também para todos vós, a Primeira Comunhão que recebestes neste Ano da Eucaristia seja o início de uma amizade com Jesus para toda a vida. Início de um caminho juntos, porque caminhando com Jesus vamos bem e a vida se torna boa.

Livia: "Santo Padre, antes do dia da minha Primeira Comunhão confessei-me. Depois, confessei-me outras vezes. Mas, gostaria de te perguntar: devo confessar-me cada vez que recebo a Comunhão? Mesmo quando cometo os mesmos pecados? Porque eu sei que são sempre os mesmos".

Diria duas coisas: a primeira, naturalmente, é que não te deves confessar sempre antes da Comunhão, se não cometeste pecados graves que necessitam ser confessados. Portanto, não é preciso confessar-te antes de cada Comunhão eucarística. Este é o primeiro ponto. É necessário somente no caso em que cometes um pecado realmente grave, que ofendes profundamente Jesus, de forma que a amizade é destruída e deves começar novamente. Apenas neste caso, quando se está em pecado "mortal", isto é, grave, é necessário confessar-se antes da Comunhão. Este é o primeiro ponto. O segundo: embora, como disse, não é necessário confessar-se antes de cada Comunhão, é muito útil confessar-se com uma certa regularidade. É verdade, geralmente, os nossos pecados são sempre os mesmos, mas fazemos limpeza das nossas habitações, dos nossos quartos, pelo menos uma vez por semana, embora a sujidade é sempre a mesma. Para viver na limpeza, para recomeçar; se não, talvez a sujeira não possa ser vista, mas se acumula. O mesmo vale para a alma, por mim mesmo, se não me confesso a alma permanece descuidada e, no fim, fico satisfeito comigo mesmo e não compreendo que me devo esforçar para ser melhor, que devo ir em frente. E esta limpeza da alma, que Jesus nos dá no Sacramento da Confissão, ajuda-nos a ter uma consciência mais ágil, mais aberta e também de amadurecer espiritualmente e como pessoa humana. Portanto, duas coisas: confessar é necessário somente em caso de pecado grave, mas é muito útil confessar regularmente para cultivar a pureza, a beleza da alma e ir aos poucos amadurecendo na vida.

Andrea: "A minha catequista, ao preparar-me para o dia da minha Primeira Comunhão, disse-me que Jesus está presente na Eucaristia. Mas como? Eu não o vejo!".

Sim, não o vemos, mas existem tantas coisas que não vemos e que existem e são essenciais. Por exemplo, não vemos a nossa razão, contudo temos a razão. Não vemos a nossa inteligência e temo-la. Não vemos, numa palavra, a nossa alma e todavia ela existe e vemos os seus efeitos, pois podemos falar, pensar, decidir, etc... Assim também não vemos, por exemplo, a corrente eléctrica, mas sabemos que existe, vemos este microfone como funciona; vemos as luzes. Numa palavra, precisamente, as coisas mais profundas, que sustentam realmente a vida e o mundo, não as vemos, mas podemos ver, sentir os efeitos. A electricidade, a corrente não as vemos, mas a luz sim. E assim por diante. Desse modo, também o Senhor ressuscitado não o vemos com os nossos olhos, mas vemos que onde está Jesus, os homens mudam, tornam-se melhores. Cria-se uma maior capacidade de paz, de reconciliação, etc... Portanto, não vemos o próprio Senhor, mas vemos os efeitos: assim podemos entender que Jesus está presente. Como disse, precisamente as coisas invisíveis são as mais profundas e importantes. Vamos, então, ao encontro deste Senhor invisível, mas forte, que nos ajuda a viver bem.

Giulia: "Santidade, dizem-nos que é importante ir à Missa aos domingos. Nós iríamos com gosto mas, frequentemente, os nossos pais não nos acompanham porque aos domingos dormem, o pai e a mãe de um amigo meu trabalham numa loja e nós, geralmente, vamos fora da cidade visitar os avós. Podes dizer-lhes uma palavra para que entendam que é importante ir à Missa juntos, todos os domingos?".

85 Claro que sim, naturalmente, com grande amor, com grande respeito pelos pais que, certamente, têm muitas coisas a fazer. Contudo, com o respeito e o amor de uma filha, pode-se dizer: querida mãe, querido pai, seria tão importante para todos nós, também para ti, encontrarmo-nos com Jesus. Isto enriquece-nos, traz um elemento importante para a nossa vida. Juntos encontramos um pouco de tempo, podemos encontrar uma possibilidade. Talvez até onde mora a avó há uma possibilidade. Numa palavra diria, com grande amor e respeito pelos pais, diria-lhes: "Entendei que isto não é importante só para mim, não o dizem somente os catequistas, é importante para todos nós; e será uma luz do domingo para toda a nossa família".

Alessandro: "Para que serve ir à Santa Missa e receber a Comunhão para a vida de todos os dias?".

Serve para encontrar o centro da vida. Nós vivemos entre tantas coisas. E as pessoas que não vão à igreja não sabem que lhes falta precisamente Jesus. Sentem, contudo, que falta algo na sua vida. Se Deus permanece ausente na minha vida, se Jesus não faz parte da minha vida, falta-me um guia, falta-me uma amizade essencial, falta-me também uma alegria que é importante para a vida. A força também de crescer como homem, de superar os meus vícios e de amadurecer humanamente. Portanto, não vemos imediatamente o efeito de estar com Jesus quando vamos à Comunhão; vê-se com o tempo. Assim como, no decorrer das semanas, dos anos, se sente cada vez mais a ausência de Deus, a ausência de Jesus. É uma lacuna fundamental e destrutiva. Poderia falar agora facilmente dos países onde o ateísmo governou por anos; como as almas foram destruídas, e também a terra; e assim podemos ver que é importante, aliás, diria, fundamental, nutrir-se de Jesus na comunhão. É Ele que nos dá a luz, nos oferece a guia para a nossa vida, uma guia da qual temos necessidade.

Anna: "Caro Papa, poderias explicar-nos o que Jesus queria dizer quando disse ao povo que o seguia: "Eu sou o pão da vida"?".

Então deveríamos talvez, antes de tudo, esclarecer o que é o pão. Hoje nós temos uma cozinha requintada e rica de diversíssimos pratos, mas nas situações mais simples o pão é o fundamento da nutrição e se Jesus se chama o pão da vida, o pão é, digamos, a sigla, uma abreviação para todo o nutrimento. E como temos necessidade de nos nutrir corporalmente para viver, assim como o espírito, a alma em nós, a vontade, tem necessidade de se nutrir. Nós, como pessoas humanas, não temos somente um corpo, mas também uma alma; somos seres pensantes com uma vontade, uma inteligência, e devemos nutrir também o espírito, a alma, para que possa amadurecer, para que possa alcançar realmente a sua plenitude. E, por conseguinte, se Jesus diz eu sou o pão da vida, quer dizer que Jesus próprio é este nutrimento da nossa alma, do homem interior do qual temos necessidade, porque também a alma deve nutrir-se. E não bastam as coisas técnicas, embora sejam muito importantes. Temos necessidade precisamente desta amizade de Deus, que nos ajuda a tomar decisões justas. Temos necessidade de amadurecer humanamente. Por outras palavras, Jesus nutre-nos a fim de que nos tornemos realmente pessoas maduras e a nossa vida se torne boa.

Adriano: "Santo Padre, disseram-nos que hoje faremos a Adoração Eucarística. O que é? Como se faz? Poderias explicar-nos isto? Obrigado".

Então, o que é a adoração, como se faz, veremos imediamente, porque tudo está bem preparado: faremos algumas orações, cânticos, a genuflexão e estamos assim diante de Jesus. Mas, naturalmente, a tua pergunta exige uma resposta mais profunda: não só como fazer, mas o que é a adoração. Eu diria: adoração é reconhecer que Jesus é meu Senhor, que Jesus me mostra o caminho a tomar, me faz entender que vivo bem somente se conheço a estrada indicada por Ele, somente se sigo a via que Ele me mostra. Portanto, adorar é dizer: "Jesus, eu sou teu e sigo-te na minha vida, nunca gostaria de perder esta amizade, esta comunhão contigo". Poderia também dizer que a adoração na sua essência é um abraço com Jesus, no qual eu digo: "Eu sou teu e peço-te que estejas também tu sempre comigo".


PALAVRAS NO FINAL DO ENCONTRO


Caríssimos jovens e moças, irmãos e irmãs, no fim deste belo encontro, só mais uma palavra: obrigado.

Obrigado por esta festa de fé.

Obrigado por este encontro entre nós e com Jesus.

E obrigado, é claro, a quantos fizeram com que esta festa fosse possível: os catequistas, os sacerdotes, as religiosas, a todos vós.

86 Repito no final, as palavras do início de todas as liturgias e digo-vos: "A paz esteja convosco", isto é, o Senhor esteja convosco e, assim, a vida seja boa. Bom domingo, boa noite e até à próxima com o Senhor. Muito obrigado!




A UMA DELEGAÇÃO DO INSTITUTO PARA OS DIREITOS DO HOMEM DE AUSCHWITZ Domingo, 16 de Outubro de 2005


Senhoras e Senhores

Saúdo-vos cordialmente e sinto-me feliz por receber hoje os membros do Auschwitzer Menschenrechts-Institut, dirigido pelo Cardeal Macharski. Sinto-me feliz de modo particular por poder distinguir com o Prémio João Paulo II para os direitos do homem D. Václav Mály e o Professor Stefan Wilkanowicz.

Este prémio, que é conferido a personalidades excepcionais, que se comprometem em diversas partes do mundo pelos direitos do homem, pretende contribuir para chamar a atenção sobre todas estas situações nas quais a dignidade do homem é violada e reinam a violência e a subjugação. Este apelo adquire tanta mais força quanto mais se eleva de uma cidade que teve que viver o terror e o sofrimento de milhões de vítimas inocentes do ódio.

O meu amado predecessor, o Papa João Paulo II, jamais se cansou de condenar com veemência as injustiças, a desigualdade e as necessidades materiais e morais suportadas pelas pessoas individualmente e por inteiros povos. Por este motivo o prémio tem o seu nome.

Saúdo-vos cordialmente. Sinceras congratulações aos premiados. A todos abençoo de coração.

ENTREVISTA BENTO XVI

À TELEVISÃO POLONESA

Domingo, 16 de outubro de 2005




Santo Padre muito obrigado por nos ter concedido esta breve entrevista por ocasião do Dia do Papa, que se celebra na Polónia. Em 16 de Outubro de 1978, o cardeal Karol Wojityla tornou-se Papa e, a partir daquele dia, João Paulo II, durante mais de 26 anos, como Sucessor de Pedro como o é Vossa Santidade, guiou a Igreja, juntamente com os bispos e os cardeais. Entre os cardeais encontrava-se também Vossa Santidade, pessoa muito apreciada e estimada pelo seu predecessor; pessoa da qual João Paulo II escreveu no livro “Levantai-vos! Vamos” e aqui cito: ”Agradeço a Deus pela presença e a ajuda do cardeal Ratzinger. É um amigo fiel", escreveu João Paulo II.

Entrevistador: - Santo Padre, como é que iniciou esta amizade e quando é que Vossa Santidade conheceu o cardeal Karol Wojtyla.

Bento XVI: "Pessoalmente, conheci-o apenas nos dois pré-conclave e conclave de 1978. Naturalmente, tinha ouvido falar do cardeal Wojtyla, inicialmente, sobretudo, no contexto da correspondência entre bispos polacos e alemães, em 1965. Os cardeais alemães tinham-me referido como era grandíssimo o mérito e o contributo do arcebispo de Cracóvia, e que era precisamente a alma desta correspondência realmente histórica. De amigos universitários, tinha ouvido falar da sua filosofia e da grandeza da sua figura de pensador. Mas, como disse, o encontro pessoal, a primeira vez, foi no conclave de 1978. Desde o início, senti uma grande simpatia e, graças a Deus e sem mérito, o cardeal daquele tempo ofereceu-me, desde o início, a sua amizade. Sou grato por esta confiança que me concedeu, sem méritos da minha parte. Sobretudo, vendo-o rezar, vi e não só compreendi, vi que era um homem de Deus. Esta era a impressão fundamental: um homem que vive com Deus, antes, em Deus. Depois, impressionou-me a cordialidade sem preconceitos, com a qual se encontrou comigo. Nestes encontros do pré-conclave dos cardeais, várias vezes tomou a palavra e ali tive também a possibilidade de sentir a estatura do pensador. Sem grandes palavras, tinha assim, nascido uma amizade que brota do coração, e logo depois da sua eleição, o Papa chamou-me várias vezes a Roma, para colóquios, e no fim nomeou-me Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé."

87 Entrevistador: - Portanto, não foi uma surpresa esta nomeação e esta convocação a Roma?

Bento XVI: "Para mim, era um pouco difícil, porque desde o inicio do meu episcopado, em Munique, com a solene consagração a bispo, na catedral de Munique, para mim era uma obrigação, quase um matrimónio com esta diocese, e tinham também sublinhado que, após decénios, eu era o primeiro bispo natural da diocese. Portanto, sentia-me muito obrigado e ligado a esta diocese. Havia depois, uma série de problemas difíceis, à espera de uma resposta, e não queria deixar a diocese com problemas por resolver. De tudo isto discuti com o Santo Padre, com grande abertura e com esta confiança que tinha o Santo Padre, que era muito paterno comigo. Portanto, deixou-me tempo para reflectir, ele próprio queria reflectir. No fim, convenceu-me, porque esta era a vontade de Deus. Desta maneira, podia aceitar esta chamada e esta responsabilidade grande, nada fácil, que, em si, superava as minhas capacidades. Mas, confiando na benevolência paterna do Papa e guiado pelo Espírito Santo, podia dizer sim."

Entrevistador: - Esta experiência durou mais de 20 anos…

Bento XVI: "Sim, cheguei em Fevereiro de 1982 e durou até à morte do Papa em 2005."

Entrevistador:- Santo Padre, na sua opinião quais são os pontos mais significativos do Pontificado de João Paulo II?

Bento XVI: "Eu diria que podemos ter dois pontos de vista: um ad extra - ao mundo -, e um ad intra - à Igreja. No que diz respeito ao mundo, parece-me que o Santo Padre, com os seus discursos, a sua pessoa, a sua presença, a sua capacidade de convencer, criou uma nova sensibilidade pelos valores morais, pela importância da religião no mundo. Isto fez com que se criasse uma nova abertura, uma nova sensibilidade pelos problemas da religião, pela necessidade da dimensão religiosa no homem e, sobretudo, cresceu – de maneira inimaginável – a importância do Bispo de Roma – que é o porta-voz da cristandade. Todos os cristãos reconheceram – não obstante as diferenças e não obstante o seu não reconhecimento do Sucessor de Pedro– que é ele o porta-voz da cristandade. Mas também para a não-cristandade e para as outras religiões, era ele o porta-voz dos grandes valores da humanidade. Deve também ser referido que conseguiu criar um clima de diálogo entre as grandes religiões e um sentido de responsabilidade comum que todos temos pelo mundo, mas também que as violências e as religiões são incompatíveis, e que, juntos, devemos procurar os caminhos da paz, numa responsabilidade comum pela humanidade. Dirijamos agora a atenção para a situação da Igreja. Eu diria que, antes de tudo, soube entusiasmar a juventude por Cristo. Esta é uma coisa nova, se pensarmos na juventude de 68 e dos anos setenta. Que a juventude se tenha entusiasmado por Cristo e pela Igreja e também por valores difíceis, podia consegui-lo somente uma personalidade com aquele carisma; somente ele podia, dessa maneira, mobilizar a juventude do mundo pela causa de Deus e pelo amor de Cristo. Na Igreja criou – penso – um novo amor pela Eucaristia. Estamos ainda no Ano da Eucaristia, desejado por ele, com tanto amor; criou um novo sentido para a grandeza da Misericórdia Divina; e aprofundou também muito, o amor por Nossa Senhora, e assim, guiou-nos a uma interiorização da fé e, ao mesmo tempo, a uma maior eficiência. Naturalmente - devemos referir, como bem sabemos - também o quanto foi essencial o seu contributo para as grandes mudanças ocorridas no mundo em 1989, para a queda do chamado socialismo real."

Entrevistador: - Durante os seus encontros pessoais e os colóquios com João Paulo II o que é que mais impressionava Vossa Santidade? Poderia contar-nos os seus últimos encontros, talvez deste ano, com João Paulo II?

Bento XVI: "Sim. Os últimos dois encontros tive-os, o primeiro na Policlínica “Gemelli”, por volta de 5-6 de Fevereiro; e o segundo, no dia antes da sua morte, no seu quarto. No primeiro encontro, o Papa sofria visivelmente, mas estava plenamente lúcido e muito presente. Eu tinha ido simplesmente para um encontro de trabalho, porque precisava de algumas suas decisões. O Santo Padre - embora sofrendo - seguia com grande atenção o que eu dizia. Com poucas palavras, comunicou-me as suas decisões, deu-me a sua bênção, saudou-me em alemão, dando-me a sua inteira confiança e a sua amizade. Para mim, foi muito comovente ver, dum lado, como o seu sofrimento estivesse em união com o Senhor sofredor, como levasse o seu sofrimento com o Senhor e pelo Senhor; e do outro, ver como resplandecesse de uma serenidade interior e de uma lucidez completa. O segundo encontro foi no dia antes da sua morte; visivelmente, sofria muito mais e estava circundado de médicos e de amigos: Estava ainda muito lúcido, deu-me a sua bênção. Já não podia falar muito. Para mim, esta sua paciência no sofrimento foi um grande ensinamento, sobretudo conseguir ver e sentir como estava nas mãos de Deus e como se abandonasse à vontade de Deus. Não obstante as dores visíveis, estava sereno, porque estava nas mãos do Amor Divino."

Entrevistador: - Sua Santidade, muitas vezes nos seus discursos evoca a figura de João Paulo II, e de João Paulo II diz que era um grande Papa, um predecessor saudoso e venerado. Recordamos sempre as palavras de Vossa Santidade na Missa de 20 de Abril passado, palavras dedicadas precisamente a João Paulo II. Foi Vossa Santidade que disse – e aqui cito – parece que ele me leva pela mão, vejo os seus olhos risonhos e sinto as suas palavras, que naquele momento dirige a mim em particular: não tenhas medo! Santo Padre, uma pergunta, afinal muito pessoal: continua a advertir a presença de João Paulo II, e se assim é, de que maneira?

Bento XVI: "Certamente. Começo por responder à primeira parte da sua pergunta. Inicialmente, falando da herança do Papa, tinha-me esquecido de falar de tantos documentos que ele nos deixou – 14 Encíclicas, tantas Cartas Pastorais e tantos outros - e tudo isto representa um património riquíssimo que ainda não foi assimilado suficientemente na Igreja. Eu considero precisamente como minha missão essencial e pessoal não emanar tantos novos documentos, mas fazer de maneira que estes documentos sejam assimilados, porque são um tesouro riquíssimo, são uma interpretação autêntica do Vaticano II. Sabemos que o Papa era o homem do Concilio, que tinha assimilado interiormente o espírito e a letra do Concilio e, com estes textos, faz-nos compreender verdadeiramente, o que queria e aquilo que não queria o Concilio. Ajuda-nos a ser verdadeiramente, Igreja do nosso tempo e do tempo futuro. Agora, venho à segunda parte da sua pergunta. O Papa esteve sempre perto de mim, com os seus textos: eu sinto-o e vejo-o falar, e posso estar em diálogo contínuo com o Santo Padre, porque com estas palavras fala sempre comigo; conheço também a origem de muitos textos, recordo os diálogos que tivemos sobre um ou outro texto. Posso continuar o diálogo com o Santo Padre. Naturalmente, esta proximidade através das palavras é uma proximidade não só com os textos, mas com a pessoa: por detrás dos textos sinto o próprio Papa. Um homem que vai para o Senhor, não se afasta: cada vez mais sinto que um homem que vai para o Senhor, se aproxima ainda mais, e sinto que, no Senhor, está ao meu lado, enquanto eu estou perto do Senhor, estou perto do Papa e ele agora ajuda-me a estar perto do Senhor, e procuro entrar na sua atmosfera de oração, de amor do Senhor, de amor de Nossa Senhora, e entrego-me às suas orações. Existe, assim, um diálogo permanente e também um estar próximos, de uma maneira nova, de uma maneira muito profunda."

Entrevistador: - Santo Padre, agora esperamo-lo na Polónia. Muitos perguntam quando é que o Papa virá à Polónia.

88 Bento XVI: "Sim, a intenção de ir à Polónia, se Deus quiser, se os tempos o permitirem, existe. Falei com Mons. Dziwisz acerca da data e disseram-me que Junho seria o período mais idóneo. Tudo está obviamente por organizar, com as instâncias competentes. Neste sentido é uma palavra provisória, mas parece que talvez o próximo mês de Junho, se o Senhor o permitir, poderia ir a Polónia."

Entrevistador: - Santo Padre, em nome de todos os telespectadores, agradeço-lhe de todo o coração, por esta entrevista. Obrigado, Santo Padre.

Bento XVI: "Obrigado a Você!"





AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL

DA ETIÓPIA E DA ERITRÉIA POR OCASIÃO DA VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM" Segunda-feira, 17 de Outubro de 2005


Queridos Irmãos Bispos

Saúdo-vos com alegria, Bispos da Etiópia e da Eritreia, por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum, e agradeço-vos as amáveis palavras que me foram dirigidas em vosso nome pelo Arcebispo D. Berhaneyesus Souraphiel, Presidente da vossa Conferência Episcopal. É particularmente oportuno que este encontro se realize aqui, no Pontifício Colégio Etíope, no momento em que estais a celebrar o 75º aniversário de inauguração deste edifício. A sede do Colégio dentro da Cidade do Vaticano constitui um sinal eloquente dos íntimos vínculos de comunhão que unem a Igreja nos vossos países à Sé de Roma. Vós sois herdeiros de uma antiga e venerável tradição de testemunho cristão, cujas sementes foram lançadas quando o ministro da Rainha etíope pediu para ser baptizado (cf. Ac 8,27). Ao longo dos últimos séculos, os povos do Chifre da África acolheram missionários europeus, cuja obra fortaleceu os vínculos entre a Sé de Pedro e a Igreja local. É-me grato observar que hoje, os católicos nos vossos territórios continuam a proclamar em uníssono a fé apostólica, que foi transmitida "para que o mundo creia" (cf . Jn 17,21).

Efectivamente, o testemunho comum que ofereceis, para além de todas as divisões políticas e étnicas, tem um papel vital a desempenhar na promoção do alívio e da reconciliação na perturbada região em que viveis. Quando existe um compromisso genuíno no seguimento de Cristo, "o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jn 14,6), as dificuldades e os mal-entendidos de qualquer tipo podem ser superados, porque nele Deus reconciliou o mundo consigo mesmo (cf. 2Co 5,19) e nele todas as pessoas conseguem encontrar a resposta às suas mais profundas aspirações. Encorajo-vos de modo particular a manifestardes, de todas as formas que puderdes, a vossa solidariedade para com os vossos irmãos e irmãs que sofrem na Somália, onde a instabilidade política torna quase impossível viver com a dignidade que pertence de maneira específica a cada pessoa humana. Como autênticos mestres da fé, ajudai o vosso povo a compreender que não pode haver paz sem justiça, nem justiça sem perdão (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2002). Deste modo, sereis verdadeiros filhos do vosso Pai que está no Céu (cf. Mt 5,45).

Nos vossos países, onde os católicos constituem uma exígua minoria, a obra do diálogo ecuménico adquire uma urgência particular, e sinto-me feliz pelo facto de a vossa Conferência Episcopal estar a enfrentar este desafio. Independentemente dos obstáculos que podeis encontrar, não deixeis de desempenhar esta tarefa vital. Entre os cristãos, a fraternidade genuína não é um simples sentimento, nem comporta a indiferença pela verdade. Ela está arraigada no sacramento do Baptismo, que nos torna a todos membros do Corpo de Cristo (cf. 1Co 12,13 Ep 4,4-6).

Dado que o progresso ecuménico depende também de uma boa formação teológica, ele deveria ser fortemente encorajado pelo estabelecimento de uma Universidade Católica na Etiópia, e dou graças a Deus pelo facto de que as longas negociações acerca deste projecto recentemente produziram os seus frutos. O ecumenismo prático, sob a forma de empreendimentos humanitários conjuntos, servirá também para aprofundar os laços de comunhão no vosso esforço em vista de irdes, com a misericórdia cristã, ao encontro dos enfermos, dos famintos, dos refugiados, das pessoas deslocadas e das vítimas da guerra.

Como sabeis, recentemente tive a alegria de celebrar a Jornada Mundial da Juventude, com uma multidão de jovens do mundo inteiro. Nos vossos países, onde cerca de metade da população tem menos de vinte anos de idade, também vós encontrais numerosas oportunidades para tirar proveito da vitalidade e do entusiasmo da nova geração. Com os seus ideais, a sua energia e o seu desejo de se comprometer profundamente em prol de tudo aquilo que é bom e verdadeiro, os jovens têm necessidade de ser ajudados a descobrir que a amizade com Cristo lhes oferece tudo o que eles procuram (cf. Homilia na inauguração do Pontificado, 24 de Abril de 2005).

Encorajai-os a empreender a aventura do discipulado e ajudai-os a reconhecer e a responder com generosidade, se Deus os chamar para O servir no sacerdócio e na vida religiosa. Enquanto presto homenagem ao trabalho realizado por gerações de missionários incluindo alguns de vós aqui presentes rezo ao mesmo tempo a fim de que as sementes que lançastes continuem a produzir frutos numa rica colheita de vocações autóctones.

89 A vossa visita a Roma tem lugar nos dias conclusivos do presente Ano da Eucaristia. No momento em que termino as minhas observações neste dia, exorto-vos a aprofundar a vossa devoção pessoal a este grandioso mistério, mediante o qual Cristo se entrega totalmente a nós, para nos alimentar e para nos transformar à sua semelhança. O vosso povo experimentou a miséria, a opressão e a guerra. Ajudai-o a descobrir na Eucaristia o acto central de transformação, o único que pode verdadeiramente renovar o mundo, transformando a violência em amor, a escravidão em liberdade e a morte em vida (cf. Homilia por ocasião da XX Jornada Mundial da Juventude, 21 de Agosto de 2005). Confio-vos, assim como os vossos sacerdotes, os diáconos, os religiosos, as religiosas e os fiéis leigos à intercessão de Maria, mulher eucarística, enquanto vos concedo a todos a minha Bênção Apostólica, como penhor de graça e de fortaleza em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

SAUDAÇÃO

NO FIM DO CONCERTO OFERECIDO

EM SUA HONRA NA SALA PAULO VI Quinta-feira, 20 de Outubro de 2005

Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Minhas Senhoras e meus Senhores!

No final do concerto, desejo saudar cordialmente todos os que o prepararam e executaram, assim como quantos, com a sua presença, honraram esta interessante manifestação artística e musical.

Gostaria de expressar profundo agradecimento a quantos nos ofereceram este dom por todos apreciado.

Agradeço antes de tudo ao Sr. Christian Thielemann, Director-Geral, e a todos os componentes da Orquestra Filarmónica de Munique da Bavária, cuja mestria musical é sempre motivo de renovado entusiasmo. Expresso de igual modo o meu agradecimento ao Athestis Chorus, formado por cantores profissionais constantemente seleccionados com base no repertório a ser executado, para corresponder sempre às expectativas mais exigentes de qualidade musical. Por fim, agradeço de coração aos Regensburger Domspaztzen e ao seu Director, e ao Maestro do Coro da Catedral, Roland Büchner. Sinto-me orgulhoso e grato por que este magnifico coro, que pode vangloriar uma ininterrupta tradição milenária, foi guiado durante trinta anos com paixão pelo meu irmão Georg e agora, sob a orientação de Roland Büchner, está de novo em óptimas mãos. A minha gratidão faz-se extensiva a quantos contribuíram para a organização e realização deste importante acontecimento musical, filmado pela Bayerischer e pelo Saarländischer Rundfunk, em colaboração com a Columbia Artists e Unitel.

Estendendo um amplo arco de Palestrina até Richard Wagner, de Wolfgang Amadeus Mozart até Giuseppe Verdi e Hans Pfitzner, vós fizestes-nos experimentar algo da grande criatividade musical que, sem dúvida, sempre foi alimentada pelas raízes cristãs da Europa. Mesmo se Wagner, Pfitzner, Verdi nos levam a novas áreas da experiência da realidade, permanece contudo sempre presente e eficaz o fundamento comum do espírito europeu formado pelo cristianismo. Também neste concerto, mais uma vez, pudemos experimentar, como uma música de alto nível nos purifique e nos eleve, numa palavra, nos faça sentir a grandeza e a beleza de Deus.

E precisamente por terem ajudado também a nós a elevar o espírito a Deus, renovo em nome dos presentes um cordial agradecimento aos valorosos orquestrais, aos cantores e aos idealizadores e realizadores deste concerto. Faço votos por que a harmonia do canto e da música, que não conhece barreiras sociais e religiosas, represente um constante convite para os crentes e para todas as pessoas de boa vontade a procurar juntas a linguagem universal do amor que torna os homens capazes de construir um mundo de justiça e de solidariedade, de esperança e de paz. Com estes votos, invoco sobre cada um a assistência divina, enquanto abençoo de coração a todos vós aqui presentes e a quantos seguem o concerto através da rádio e da televisão.



SAUDAÇÃO DURANTE O ENCONTRO COM OS PADRES SINODAIS


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