Discursos Bento XVI 145

AO CORPO DIPLOMÁTICO ACREDITADO JUNTO À SANTA SÉ PARA A APRESENTAÇÃO DOS BONS VOTOS DE ANO NOVO Segunda-feira, 9 de Janeiro de 2006


Excelências
Senhoras e Senhores

É com alegria que vos acolho a todos para este tradicional encontro do Papa com o Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé. Depois da celebração das grandes festas cristãs do Natal e da Epifania, a Igreja vive ainda desta alegria: é uma grande alegria, porque provém da presença do Emanuel Deus-connosco mas é também uma alegria interior, porque é vivida no contexto doméstico da Sagrada Família, cuja história simples e exemplar a Igreja volta a percorrer nestes dias, associando-se intimamente a ela; ao mesmo tempo, trata-se de uma alegria que é necessário comunicar, porque o verdadeiro júbilo não pode permanecer isolado, sem se debilitar nem apagar. Portanto, a todos vós, Senhoras e Senhores Embaixadores, aos Povos e aos Governos que vós representais dignamente, às vossas queridas famílias e aos vossos Colaboradores, dirijo os meus bons votos de alegria cristã. Que ela seja a alegria da fraternidade universal trazida por Cristo, um júbilo rico de valores verdadeiros e aberto à partilha generosa. Que ela vos acompanhe e cresça cada dia do ano que há pouco começou.

Senhoras e Senhores Embaixadores, o vosso Decano expressou os votos do Corpo Diplomático, interpretando com amabilidade os vossos sentimentos. Dirijo os meus agradecimentos a ele e a vós. Ele mencionou também alguns dos numerosos e graves problemas que agitam o mundo de hoje.

Eles são o objecto da vossa solicitude, assim como da Santa Sé e da Igreja Católica no mundo inteiro, solidária para com todo o sofrimento, toda a esperança e todo o esforço que acompanha o caminho do homem. Assim, sentimo-nos como que unidos numa missão conjunta, que nos coloca sempre diante de desafios novos e formidáveis. Todavia, nós enfrentamo-los com confiança, na vontade de nos ajudarmos mutuamente cada qual segundo a sua própria tarefa orientados para as grandes metas comuns.

Eu disse "a nossa missão conjunta". E qual é ela, senão a paz? A Igreja não faz outra coisa, a não ser propagar a mensagem de Cristo, que veio como escreve o Apóstolo Paulo na Carta aos Efésios para anunciar a paz àqueles que estavam distantes e aos que estavam próximos (cf. 2, 17).

146 E vós, eminentes representantes diplomáticos dos vossos povos, em virtude da vossa condição (cf. Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas, 18 de Abril de 1961, art. 3, 1, e) tendes, entre outras, esta nobre tarefa: promover relações internacionais amistosas. É precisamente delas que a paz se alimenta.

A paz constatamos dolorosamente permanece impedida, ferida ou ameaçada em numerosas partes do mundo. Qual é o caminho rumo à paz? Na mensagem que dirigi para a celebração do Dia Mundial da Paz deste ano, julguei poder afirmar: "Sempre que o homem se deixa iluminar pelo esplendor da verdade, empreende quase naturalmente o caminho da paz" (n. 3). Na verdade, a paz.

Considerando a situação do mundo de hoje onde, paralelamente a funestos cenários de conflitos armados, abertos ou latentes, ou apenas aparentemente mitigados, pode-se graças a Deus relevar um esforço corajoso e tenaz em favor da paz por parte de muitos homens e de numerosas instituições, e gostaria, como um encorajamento fraterno, de propor determinadas reflexões, que apresento em alguns simples enunciados.

O primeiro: o compromisso pela verdade é a alma da justiça. Aquele que está comprometido na verdade não pode deixar de rejeitar a lei do mais forte, que vive de mentira e que, a níveis nacional e internacional, muitas vezes manchou de tragédias a história dos homens. A mentira reveste-se frequentemente com uma verdade aparente, mas na realidade é sempre selectiva e tendenciosa, orientada de maneira egoísta para uma instrumentalização do homem e, em última análise, para a sua submissão. Certos sistemas políticos do passado, mas não só do passado, são uma triste prova disto. Do lado oposto situam-se a verdade e a veracidade, que levam ao encontro do outro, ao seu reconhecimento e ao entendimento: pelo esplendor que lhe é próprio o splendor veritatis a verdade não pode deixar de se propagar; e o amor pela verdade está, pelo seu dinamismo intrínseco, totalmente voltado para uma compreensão imparcial e equitativa, e para a partilha, apesar de todos os géneros de dificuldade.

A vossa experiência de diplomatas não pode deixar de confirmar que, mesmo nas relações internacionais, a busca da verdade consegue pôr em evidência as diversidades até nos seus matizes mais subtis, e as exigências que disto derivam, e por isso também os limites a respeitar e a não ultrapassar, para a protecção de todos os interesses legítimos das partes. Esta mesma busca da verdade leva-vos também a afirmar com força aquilo que todos têm em comum, que pertence à própria natureza das pessoas, de todos os povos e de todas as culturas, e que deve ser igualmente respeitado. Quando estes aspectos, distintos e complementares a diversidade e a igualdade são conhecidos e reconhecidos, então os problemas podem resolver-se e as dissensões apaziguar-se segundo a justiça; a harmonia profunda e duradoura é possível. Mas enquanto um destes aspectos for desprezado ou não for considerado, surgem a incompreensão, o conflito, a tentação da violência e dos abusos de poder.

Com uma evidência quase exemplar, estas considerações parecem-me aplicáveis a este ponto nevrálgico do cenário mundial, que permanece a Terra Santa. O Estado de Israel deve poder existir pacificamente, em conformidade com as normas do direito internacional; o Povo palestino deve igualmente poder desenvolver com tranquilidade as suas instituições democráticas, em vista de um futuro livre e próspero.

Tais considerações podem ser aplicadas de maneira mais vasta no contexto mundial actual, onde se fala com razão do perigo de um embate de civilizações. Este perigo é tornado mais pungente pelo terrorismo organizado, que já se estende a nível planetário. As suas causas são numerosas e complexas; as causas ideológicas e políticas, unidas a concepções religiosas aberrantes, não são as menores. O terrorismo não hesita em atingir pessoas inocentes, sem qualquer distinção, ou em pôr em prática chantagens desumanas, suscitando o pânico de populações inteiras, com a finalidade de obrigar os responsáveis políticos a satisfazer os objectivos dos próprios terroristas. Nenhuma circunstância pode justificar esta actividade criminosa, que cobre de infâmia quem a perpetra e que é ainda mais condenável quando se esconde por detrás do escudo de uma religião, rebaixando assim ao nível da sua cegueira e da sua perversão moral, a pura verdade de Deus.

O compromisso pela verdade, por parte dos diplomatas, tanto a nível bilateral como multilateral, pode oferecer uma contribuição essencial, pelas diversidades inegáveis que caracterizam os povos das diferentes partes do mundo e as suas culturas podem reunir-se não só numa coexistência tolerante, mas num projecto de humanidade mais elevada e mais rica. Ao longo dos séculos passados, os intercâmbios culturais entre o judaísmo e o helenismo, entre o mundo romano, o mundo germânico e o mundo eslavo, assim como entre o mundo árabe e o mundo europeu, fecundaram a cultura e favoreceram as ciências e as civilizações. Devia ser novamente assim hoje e numa medida ainda maior! dado que de facto as possibilidades de intercâmbio e de compreensão recíproca são muito mais favoráveis. Eis por que motivo é necessário, em primeiro lugar, desejar que hoje sejam suprimidos todos os obstáculos ao acesso à informação pela imprensa e pelos meios informáticos modernos, e que além disso se intensifiquem os intercâmbios entre professores e estudantes das disciplinas humanistas das universidades das diversas regiões culturais.

O segundo enunciado, que gostaria de propor, é o seguinte: o compromisso pela verdade dá fundamento e vigor ao direito à liberdade. A grandeza singular do ser humano tem a sua raiz última nisto: o homem pode conhecer a verdade. E o homem quer conhecê-la. Mas a verdade só pode ser alcançada na liberdade. Isto vale para todas as verdades, como ressalta a história das ciências; mas isto é verdadeiro de maneira eminente para as verdades em que está em jogo o homem enquanto tal, as verdades do espírito: as que dizem respeito ao bem e ao mal, às grandes finalidades e perspectivas da vida, à relação com Deus. Pois não se podem alcançá-las, sem delas haurir profundas consequências para a conduta da própria vida. E uma vez feitas livremente suas, estas verdades em seguida têm necessidade de espaços de liberdade para poderem ser vividas em todas as dimensões da vida humana.

É aqui que se insere naturalmente a actividade de todos os Estados, assim como a actividade diplomática entre os Estados. Nos desenvolvimentos actuais do direito internacional, compreende-se com uma sensibilidade crescente que nenhum Governo pode eximir-se do dever de garantir aos seus cidadãos as condições de liberdade apropriadas, sem comprometer, por isso mesmo, a sua credibilidade como interlocutor nas questões internacionais. E isto é justo: pois na salvaguarda dos direitos inerentes da pessoa enquanto tal, internacionalmente garantidos, não se pode deixar de valorizar de maneira prioritária o espaço reservado aos direitos à liberdade no interior de cada Estado, bem como na vida pública e privada, tanto nas relações económicas e políticas, como nas culturais e religiosas.

A este propósito, bem sabeis, Senhoras e Senhores Embaixadores, que a actividade da Santa Sé está, por natureza, orientada para a promoção, nos diversificados sectores em que a liberdade deve realizar-se, do aspecto da liberdade religiosa. Infelizmente, em certos Estados, mesmo entre os que podem orgulhar-se também de tradições culturais plurisseculares, esta liberdade longe de ser garantida, chega a ser gravemente violada, em particular no que se refere às minorias. A respeito disto, gostaria de recordar simplesmente o que foi estabelecido com clareza na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Os direitos humanos fundamentais são os mesmos em todas as latitudes; e entre eles, um lugar de primeiro plano deve ser reconhecido ao direito à liberdade religiosa, porque diz respeito à relação humana mais importante, à relação com Deus. A todos os responsáveis pela vida das Nações, gostaria de dizer: se não tendes medo da verdade, não deveis temer a liberdade. A Santa Sé, que pede em toda a parte condições de verdadeira liberdade para a Igreja Católica, pede-o também a vós.

147 Quereria citar um terceiro enunciado: o compromisso pela verdade abre o caminho ao perdão e à reconciliação. À conexão indispensável entre o compromisso pela verdade e pela paz, levanta-se uma objecção: as diferentes convicções sobre a verdade dão lugar a tensões, incompreensões e debates, tanto mais fortes quanto mais profundas são as próprias convicções. Ao longo da história, elas deram lugar a violentas oposições, a conflitos sociais e políticos, e até a guerras de religião.

Isto é verdade, e não se pode negar; mas teve lugar sempre em função de uma série de causas concomitantes, que pouco ou quase nada têm a ver com a verdade, nem com a religião, e sempre porque de facto se deseja tirar proveito de meios na realidade inconciliáveis com o puro compromisso pela verdade, ou com o respeito pela liberdade exigida pela verdade. E naquilo que lhe diz respeito de maneira específica, a Igreja Católica condena os graves erros cometidos no passado, tanto por parte dos seus membros como das suas instituições; ela não hesitou em pedir perdão. O compromisso pela verdade exige-o.

O pedido de perdão e a oferta do perdão, que é igualmente devida porque para todos é válida a admoestação de nosso Senhor: "Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra" (cf.
Jn 8,7) são os elementos indispensáveis para a paz. A memória permanece purificada, o coração tranquilizado e torna-se límpido o olhar sobre aquilo que a verdade exige para desenvolver pensamentos de paz. Não posso deixar de recordar as palavras esclarecedoras de João Paulo II: "Não há paz sem justiça, não há justiça sem perdão" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 2002). Com humildade e com grande amor, repito-o aos responsáveis das Nações, em particular daquelas onde as feridas físicas e morais dos conflitos são mais candentes, e onde a necessidade da paz é mais urgente. O meu pensamento volta-se espontaneamente para a terra onde nasceu Jesus Cristo, o Príncipe da Paz, que teve palavras de paz e de perdão para todos; volta-se para o Líbano, cuja população deve reencontrar, também com a ajuda da solidariedade internacional, a sua vocação histórica em favor da colaboração sincera e fecunda entre as comunidades de diferentes credos; volta-se para todo o Médio Oriente, em particular o Iraque, berço de grandes civilizações, enlutada quotidianamente ao longo destes anos por actos terroristas sangrentos. Volta-se para a África, e sobretudo para os países da Região dos Grandes Lagos, onde ainda se ressentem as trágicas consequências das guerras fratricidas dos anos passados; volta-se para as populações indefesas do Darfur, atingidas por uma ferocidade abominável, com perigosas repercussões internacionais; volta-se para muitas outras terras, em diversas partes do mundo, que são teatro de conflitos sangrentos.

Entre as grandes tarefas da diplomacia, é sem dúvida necessário incluir a de levar todas as partes em conflito a compreenderem que, se amam a verdade, não podem deixar de reconhecer os seus erros e não somente os dos outros nem rejeitar abrir-se ao perdão, pedido e concedido. O compromisso pela verdade que eles certamente têm a peito convida-os à paz, através do perdão. O sangue derramado não clama pela vingança, mas exorta ao respeito pela vida e pela paz. Diante desta exigência fundamental da humanidade, possa a Comissão de consolidação da paz, recentemente criada pela ONU, responder-lhe com eficácia, graças à cooperação cheia de boa vontade por parte de todos.

Senhoras e Senhores Embaixadores, gostaria de vos apresentar o último enunciado: o compromisso pela paz abre a novas esperanças. É quase a conclusão lógica daquilo que procurei ilustrar até aqui. Porque o homem é capaz da verdade! É-o, a respeito dos grandes problemas do ser, assim como dos grandes problemas do agir: no campo individual e nas relações sociais, tanto a nível de um povo como de toda a humanidade. A paz, à qual o seu compromisso pode e deve levá-lo, não é somente o silêncio das armas; muito mais, ela é uma paz que favorece a formação de novos dinamismos nas relações internacionais, dinamismos que, por sua vez, se transformam em factores de manutenção da própria paz. E não são tais, se não correspondem à verdade do homem e da sua dignidade. E este é o motivo pelo qual não se pode falar de paz, quando o homem não dispõe sequer do que é indispensável para viver com dignidade. Penso aqui nas incontáveis multidões de pessoas que sofrem de fome. A sua não é uma paz, ainda que tais populações não estejam em guerra: elas são vítimas inocentes da guerra. Assim, vêm espontaneamente ao espírito as imagens perturbadoras dos grandes campos de pessoas deslocadas ou de refugiados em diversas partes do mundo reunidos em condições precárias para fugir de condições ainda piores, mas necessitados de tudo. Não são porventura estes seres humanos nossos irmãos e irmãs? Não vieram os seus filhos ao mundo com as mesmas expectativas legítimas de felicidade dos outros? O meu pensamento volta-se também para todos os que, de condições de vida indignas são levados a emigrar para longe da sua pátria e dos seus entes queridos, na esperança de uma vida mais humana. Não podemos esquecer a chaga do tráfico de pessoas, que permanece uma vergonha para o nosso tempo.

Diante destas "urgências humanitárias", da mesma forma que de outros problemas dramáticos do homem, numerosas pessoas de boa vontade, diversas instituições internacionais e organizações não governamentais não permaneceram inactivas. Mas pede-se um maior esforço por parte de todos os diplomatas, para reconhecerem na verdade e para superarem com coragem e generosidade os obstáculos que ainda se opõem a soluções eficazes e dignas do homem. E a verdade deseja que nenhum dos Estados progredidos se exima das suas responsabilidades e do seu dever de assistência, haurindo com maior generosidade dos seus próprios recursos. Com base nos dados estatísticos disponíveis, pode-se afirmar que menos de metade das imensas quantias globalmente destinadas aos armamentos será mais do que suficiente para que o imenso exército de pobres seja tirado da indigência, e de maneira estável. Isto interpela a consciência humana. Para as populações que vivem abaixo do limite de pobreza, mais em função de situações que dependem das relações internacionais políticas, comerciais e culturais do que em função de circunstâncias incontroladas, o nosso compromisso comum na verdade pode e deve oferecer novas esperanças.

Senhoras e Senhores Embaixadores

No nascimento de Cristo, a Igreja vê realizar-se a profecia do salmista: "Amor e fidelidade encontram-se, a Justiça e a Paz abraçam-se. A Fidelidade brotará da terra e a Justiça inclinar-se-á do céu" (85 [84], 11-12). No seu comentário destas palavras inspiradas, o grande Santo Agostinho, Padre da Igreja, fazendo-se intérprete da fé de toda a Igreja, escreve: "A Verdade brotou da terra: Cristo, que disse: Eu sou a Verdade, nasceu da Virgem" (Sermão para o Natal, n. 185).

É desta verdade que a Igreja vive sempre; e é desta verdade que ela se ilumina e regozija de modo totalmente particular neste momento do seu ano litúrgico. E, à luz desta verdade, as minhas palavras querem ser, diante de vós e para vós que representais a maioria das nações do mundo, um testemunho e ao mesmo tempo um desejo: na verdade, a paz!

Neste espírito, formulo-vos a todos os meus bons votos mais cordiais de um feliz ano.



AOS ADMINISTRADORES DA REGIÃO DO LÁCIO,

DO MUNICÍPIO E DA PROVÍNCIA DE ROMA Sala Clementina

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Quinta-feira, 12 de Janeiro de 2006



Ilustres Senhores e Senhoras!

Sinto-me feliz por vos receber para a tradicional troca de bons votos no início deste novo ano, que é também o primeiro do meu ministério de Bispo de Roma e Pastor universal da Igreja. De facto, esta é a ocasião propícia para confirmar e reavivar aqueles vínculos, que maturaram e se consolidaram através de milénios de história, que intercorrem entre o Sucessor de Pedro e a Cidade de Roma, a sua província e a região do Lácio. Apresento a minha cordial e deferente saudação ao Presidente da Junta regional do Lácio, Senhor Pietro Marrazzo, ao Presidente da Câmara Municipal de Roma, Deputado Walter Veltroni, e ao Presidente da Província de Roma, Senhor Enrico Gasbarra, agradecendo-lhes as gentis palavras que me dirigiram, também em nome das Administrações por eles guiadas. Juntamente com eles, saúdo os Presidentes das respectivas Assembleias e todos vós aqui reunidos.

Sinto, em primeiro lugar, a necessidade de fazer chegar, através de vós, a expressão do meu afecto e da minha solicitude pastoral a todos os cidadãos e aos habitantes de Roma e do Lácio. Faço-o recorrendo às palavras pronunciadas pelo meu amado Predecessor, o Servo de Deus João Paulo II, por ocasião da sua Visita ao Capitólio, a 15 de Janeiro de 1998: "O Senhor confiou-te, Roma, a tarefa de ser no mundo "prima inter Urbes", farol de civilização e de fé. Está à altura do teu passado glorioso, do Evangelho que te foi anunciado, dos Mártires e dos Santos que fizeram grande o teu nome. Abre a Cristo, Roma, as riquezas do teu coração e da tua história milenária.

Não temas, Ele não humilha a tua liberdade nem a tua grandeza. Ele ama-te e deseja tornar-te digna da tua vocação civil e religiosa, para que continues a prodigalizar os tesouros de fé, de cultura e de humanidade aos teus filhos e aos homens do nosso tempo" (Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XXI/1, 1998, p. 119). As populações de Roma e do Lácio mostraram com evidência extraordinária e comovedora, nos meses da doença e da morte de João Paulo II, a intensidade da sua resposta de amor ao amor do Papa. Desejo, nesta circunstância, manifestar a minha gratidão mais profunda a vós, distintas Autoridades, e às Instituições que representais pelo grande contributo que soubestes oferecer ao acolhimento de milhões de pessoas, que vieram a Roma de todas as partes do mundo, para prestar a extrema saudação ao saudoso Pontífice e depois também por ocasião da minha eleição à Sé de Pedro.

Na verdade, Roma e o Lácio, como também a Itália e a humanidade inteira, viveram naqueles dias uma profunda experiência espiritual, de fé e de oração, de fraternidade e de redescoberta dos bens que tornam digna e rica de significado a nossa vida. Uma tal experiência não deve permanecer sem frutos no âmbito da comunidade civil, das suas tarefas e das suas múltiplas responsabilidades e relações. Penso em particular naquele terreno bastante sensível, e decisivo tanto para a formação e a felicidade das pessoas como para o futuro da sociedade, que é representado pela família. Há três anos a Diocese de Roma colocou a família no centro do seu compromisso pastoral, para a ajudar a enfrentar os motivos de crise e de desconfiança amplamente presentes no nosso contexto cultural, tomando uma consciência mais clara e convicta da própria natureza e das suas tarefas. De facto, como disse a 6 de Junho passado, falando ao Congresso que a Diocese dedicou a estas temáticas, "matrimónio e família não são, na realidade, uma construção sociológica casual, fruto de particulares situações históricas e económicas. Ao contrário, a questão da justa relação entre o homem e a mulher mergulha as suas raízes dentro da essência mais profunda do ser humano e só pode encontrar a sua resposta a partir daqui". Por conseguinte, eu acrescentava: "O matrimónio como instituição não é, portanto, uma ingerência indevida da sociedade ou da autoridade, a imposição de uma forma exterior; ao contrário, é uma exigência intrínseca do pacto de amor conjugal". Não se trata aqui de normas peculiares da moral católica, mas de verdades elementares que dizem respeito à nossa humanidade comum: respeitá-las é fundamental para o bem da pessoa e da sociedade. Elas interpelam também as vossas responsabilidades de Administradores públicos e as vossas competências normativas, numa dupla direcção. Por um lado, são oportunas como nunca estas providências que podem apoiar os jovens casais na formação da família e a própria família na geração e educação dos filhos: a este propósito vêm imediatamente à memória problemas, como o preço das casas, dos infantários e das escolas maternas para as crianças mais pequenas. Por outro, é um grave erro obscurecer o valor e as funções da família legítima fundada no matrimónio, atribuindo a outras formas de união impróprias reconhecimentos jurídicos, dos quais não há, na realidade, qualquer exigência social efectiva.

A tutela da vida humana nascente requer igual atenção e compromisso: é necessário ter a preocupação por que não faltem ajudas concretas às gestantes que se encontram em condições de dificuldade e evitar a introdução de fármacos que escondam de qualquer forma a gravidade do aborto, como opção contra a vida. Numa sociedade que envelhece tornam-se sempre mais relevantes a assistência aos idosos e todas as problemáticas complexas relativas aos cuidados da saúde dos cidadãos. Desejo encorajar-vos nos esforços que estais a fazer nestes âmbitos e realçar que, no âmbito da saúde, os contínuos progressos científicos e tecnológicos, assim como o compromisso pela limitação dos custos, devem ser promovidos, mantendo bem firme o princípio superior da centralidade da pessoa do doente. Merecem uma particular atenção os numerosos casos de sofrimento e de doença psíquica, também para não deixar sem ajudas adequadas as famílias que não raro se encontram a dever fazer face a situações bastante difíceis. Congratulo-me pelo desenvolvimento que tiveram nestes anos as várias formas de colaboração entre as Administrações públicas de Roma, da Província e da Região e os organismos de voluntariado eclesial, na obra destinada a aliviar as pobrezas velhas e novas que infelizmente afligem uma grande parte da população, e em particular muitos imigrantes.

Distintas Autoridades, garanto-vos a minha proximidade e a minha oração quotidiana, pelas vossas pessoas e pelo desempenho das vossas obras de responsabilidade. O Senhor ilumine os vossos propósitos de bem e vos conceda a força para os concretizar. Com estes sentimentos, concedo de coração a cada um de vós a Bênção Apostólica, que faço extensiva de bom grado às vossas famílias e a quantos vivem e trabalham em Roma, na sua Província e em todo o Lácio.




AOS MEMBROS DO CAMINHO NEOCATECUMENAL Sala Paulo VI

Quinta-feira, 12 de Janeiro de 2006



Amados irmãos e irmãs

149 Obrigado de coração por esta vossa visita, que me oferece a oportunidade de transmitir uma especial saudação também aos outros membros do Caminho Neocatecumenal espalhado por muitas regiões do mundo. Dirijo o meu pensamento a cada um dos presentes, a começar pelos venerados Cardeais, Bispos e sacerdotes. Saúdo os responsáveis do Caminho Neocatecumenal: o Senhor Kiko Argüello, a quem agradeço as palavras que me dirigiu em vosso nome; a Senhora Carmen Hernández; e o Padre Mário Pezzi. Saúdo os seminaristas, os jovens e especialmente as famílias que se preparam para receber um especial "envio" missionário e assim partir para diversas nações, sobretudo da América Latina.

Trata-se de uma tarefa que se insere no contexto da nova evangelização, onde precisamente a família desempenha um papel mais importante do que nunca. Vós pedistes que a mesma vos fosse conferida pelo Sucessor de Pedro, como já aconteceu com o meu venerado Predecessor João Paulo II, no dia 12 de dezembro de 1994, porque a vossa acção apostólica deseja colocar-se no coração da Igreja, em total sintonia com as suas directrizes e em comunhão com as Igrejas particulares onde ireis trabalhar, valorizando plenamente a riqueza dos carismas que o Senhor suscitou através dos iniciadores do Caminho. Prezadas famílias, o crucifixo que haveis de receber será o vosso inseparável companheiro de caminho, enquanto proclamareis com a vossa acção missionária que somente em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, há salvação. Dele sereis testemunhas mansas e jubilosas, percorrendo com simplicidade e pobreza os caminhos de todos os continentes, sustentados pela oração incessante e pela escuta da palavra de Deus, e alimentados pela participação na vida litúrgica das Igrejas particulares para as quais sois enviados.

A importância da liturgia e, em particular, da Santa Missa na evangelização foi salientada várias vezes pelos meus Predecessores, e a vossa longa experiência pode confirmar muito bem que a centralidade do mistério de Cristo, celebrado nos ritos litúrgicos, constitui um caminho privilegiado e indispensável para construir comunidades cristãs vivas e perseverantes. Precisamente para ajudar o Caminho Neocatecumenal a tornar ainda mais incisiva a sua acção evangelizadora, em comunhão com todo o Povo de Deus, recentemente a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos promulgou, em meu nome, algumas normas relativas à celebração eucarística, depois do período de experiência concedido pelo Servo de Deus João Paulo II. Estou persuadido de que estas normas, que retomam quanto está previsto nos livros litúrgicos aprovados pela Igreja, serão atentamente observadas por vós. Graças à adesão fiel a cada uma das directrizes da Igreja, tornareis ainda mais eficaz o vosso apostolado, em plena sintonia e comunhão com o Papa e com os Pastores de todas as dioceses. Agindo desta forma, o Senhor continuará a abençoar-vos com copiosos frutos pastorais.

Com efeito, ao longo destes anos pudestes realizar muitas coisas, e numerosas vocações ao sacerdócio e à vida consagrada nasceram no interior das vossas comunidades. Hoje, todavia, dirigimos a nossa atenção particularmente às famílias. Mais de duzentas delas estão prestes a ser enviadas em missão; trata-se de famílias que partem sem grandes ajudas humanas, mas que contam em primeiro lugar com a assistência da Providência divina. Prezadas famílias, com a vossa história vós podeis dar testemunho do facto que o Senhor não abandona quantos confiam nele. Continuai a difundir o Evangelho da vida. Onde quer que a vossa missão vos conduzir, deixai-vos iluminar pela consoladora palavra de Jesus: "Em primeiro lugar, buscai o Reino de Deus e a sua justiça, e Deus vos dará, em acréscimo, todas estas coisas"; e em seguida: "Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá já as suas preocupações" (
Mt 6,33-34).

Num mundo que procura certezas humanas e seguranças terrenas, demonstrai que Cristo é a rocha sólida sobre a qual construir o edifício da própria existência, e que a confiança depositada nele nunca é vã. A Sagrada Família de Nazaré vos proteja e vos sirva de modelo. Asseguro a minha oração por vós e por todos os membros do Caminho Neocatecumenal, enquanto concedo carinhosamente a cada um a Bênção Apostólica.






AOS SEDIÁRIOS PONTIFÍCIOS Sala do Consistório

Sexta-feira, 13 de Janeiro de 2006


Queridos amigos

É com prazer que vos acolho e dirijo a cada um a minha cordial saudação, que faço extensiva às vossas gentis esposas, juntamente com os bons votos de todo o bem para o ano que há pouco teve início. Tenho a oportunidade de vos ver quase quotidianamente, no cumprimento do meu ministério, de maneira especial quando recebo personalidades e grupos. Porém, a ocasião hodierna é propícia para me encontrar com todos vós em conjunto, num clima familiar, para vos expressar o meu apreço e o meu reconhecimento pela contribuição que ofereceis para a realização ordenada das audiências e das celebrações pontifícias. Diligência, cortesia e discrição são as características que vos devem distinguir no vosso trabalho, manifestando de maneira concreta o vosso amor pela Igreja e a vossa dedicação ao Sucessor de Pedro.

A função do Sediário pontifício é antiga, e ao longo dos séculos evoluiu em conformidade com diversas modalidades, ligadas aos usos e às necessidades dos tempos, e foi consolidando-se com a afirmação do papel singular da Igreja de Roma e do seu Bispo. Como recorda a própria denominação, a vossa tarefa está desde sempre ligada à Sé de Pedro. Com efeito, do Colégio dos Sediários tem-se notícia a partir do século XIV. Eles eram adidos a várias tarefas, e dependiam do Prefeito dos Sacros Palácios Apostólicos ou do Mordomo, tarefas estas que, não obstante de modo diverso, perduram substancialmente até aos dias de hoje.

Estimados amigos, tudo isto deve levar-vos a ver na vossa actividade, para além dos seus aspectos transitórios e caducos, o valor do vínculo com a Sé de Pedro. Portanto, o vosso trabalho insere-se num contexto onde tudo deve falar a todos da Igreja de Cristo, e deve fazê-lo de maneira coerente, imitando Aquele que "não veio para ser servido. Ele veio para servir e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos" (Mc 10,45). É nesta perspectiva que devem ser vistas as recentes reformas levadas a cabo pelos meus venerados Predecessores, em particular pelo Papa Paulo VI, a quem coube a prática das novas instâncias conciliares. O cerimonial foi simplificado, em vista de uma maior sobriedade, que seja mais conforme com a mensagem cristã e com as exigências dos tempos.

150 Prezados amigos, formulo votos a fim de que possais ser sempre, tanto no Vaticano como em casa, na paróquia e em cada ambiente, pessoas disponíveis e atentas ao próximo. Trata-se de um ensinamento precioso para os vossos filhos e netos, que do vosso exemplo hão-de aprender como o facto de estar ao serviço da Santa Sé comporta em primeiro lugar uma mentalidade e um estilo de vida cristão. No clima familiar deste nosso encontro, desejo assegurar uma oração especial pelas vossas intenções e pelas preces dos vossos entes queridos, invocando sobre todos a protecção materna de Maria Santíssima e de São Pedro. O Senhor vos ajude a cumprir sempre o vosso trabalho, em espírito de fé e de amor sincero pela Igreja. A vós aqui presentes, assim como aos vossos entes queridos, concedo de todo o coração a Bênção Apostólica.




Discursos Bento XVI 145