Discursos Bento XVI 150

DISCURSO DO BENTO XVI AOS DIRIGENTES E FUNCIONÁRIOS DO INSPECTORADO GERAL DE SEGURANÇA PÚBLICA JUNTO AO VATICANO Sala Clementina

Quinta-feira, 14 de Janeiro de 2006



Senhor Prefeito
Senhor Delegado
Senhor Dirigente
Prezados Funcionários e Agentes

O encontro do Papa convosco, queridos amigos, que com dedicação e profissionalidade vos pondes ao serviço dos peregrinos e vos preocupais em garantir a segurança na Praça de São Pedro e nos arredores do Vaticano, representa uma bonita tradição, que se renova todos os anos.

Além disso, o dia de hoje constitui uma ocasião oportuna para trocarmos os cordiais e ardentes bons votos no início do novo ano que, espero, seja tranquilo e profícuo para todos. É com alegria que vos recebo pela primeira vez como Sucessor do Apóstolo Pedro, embora no passado, quase quotidianamente, eu tivesse a possibilidade de me encontrar convosco na Praça ou nos arredores, podendo constatar sempre pessoalmente como é meritório o vosso não fácil trabalho.

Portanto, é com afecto que dirijo a cada um de vós as minhas sinceras boas-vindas e saudações, que de bom grado faço extensivas às vossas respectivas famílias e a todas as pessoas que vos são queridas. Em particular, gostaria de cumprimentar o vosso Dirigente-Geral, Dr. Vincenzo Caso, que há poucos meses preside ao Inspectorado, enquanto lhe agradeço as amáveis expressões que me dirigiu em nome dos presentes e de todos os que fazem parte da vossa singular comunidade de trabalho. Quereria transmitir uma saudação especial também ao Prefeito, Sr. Salvatore Festa.

Vós sois garantes da ordem e da segurança: uma tarefa que exige preparação técnica e profissional, unida a não pouca paciência, vigilância constante, cortesia e espírito de sacrifício.

151 Todos os que trabalham nos vários departamentos da Santa Sé, os peregrinos e os turistas que vêm aqui para se encontrar com o Papa ou para rezar em São Pedro, sabem que podem contar com a vossa assistência discreta e eficaz. Para eles, sois "anjos da guarda" silenciosos e atentos, que velam dia e noite sobre esta área. Como deixar de recordar, por exemplo, o grande esforço envidado pelo vosso Inspectorado e pela Polícia, com a ajuda de vários componentes das Forças Armadas Italianas e de outros organismos, nos exigentes dias da enfermidade, do falecimento e do funeral do amado Papa João Paulo II?

Fostes igualmente eficazes por ocasião da minha eleição à Sé de Pedro. Aproveito o hodierno encontro para renovar o meu agradecimento mais sincero, tanto meu como dos meus colaboradores, a todos aqueles que, em tais circunstâncias, ofereceram a sua contribuição para que tudo se realizasse na ordem e na tranquilidade, e o mundo inteiro pôde admirar a eficácia da organização preparada.

Isto leva a considerar como é importante trabalhar sempre em harmonia e com a sincera cooperação da parte de todos. As famílias, as comunidades, as várias organizações, as nações e o próprio mundo seriam melhores se, como num corpo sadio e bem estruturado, cada membro cumprisse com consciência e altruísmo a tarefa que lhe é própria, pequena ou grande que seja.

Estimados amigos, abramos o coração a Cristo e acolhamos com confiança o seu Evangelho, preciosa regra de vida para que se coloca à procura do verdadeiro sentido da existência humana.

Peçamos ajuda à Virgem Maria a fim de que, como Mãe amorosa, proteja cada um de vós, as vossas famílias e o vosso trabalho, e vele sobre a Itália durante este ano de 2006, há pouco começado. Com tais sentimentos, invoco sobre vós e os vossos entes queridos a copiosidade das dádivas celestiais, enquanto de coração concedo a todos uma especial Bênção Apostólica.



AO RABINO-CHEFE DE ROMA,

DR. RICCARDO DI SEGNI Segunda-feira, 16 de Janeiro de 2006



Ilustre Rabino-Chefe
Queridos amigos, Shalom!

"Javé é a minha força e o meu canto, Ele foi a minha salvação" (Ex 15,2): assim entoava Moisés com os filhos de Israel, quando o Senhor salvou o seu povo através do mar. Ao mesmo tempo, Isaías cantava: "Sim, Deus é a minha salvação! Eu confio e nada tenho a temer, porque a minha força e o meu canto é Javé: Ele é a minha salvação!" (12, 2). A vossa visita traz-me muita alegria e leva-me a renovar convosco este mesmo cântico de gratidão pela salvação alcançada. O povo de Israel foi libertado várias vezes das mãos dos inimigos, e nos séculos do anti-semitismo, nos momentos dramáticos da Shoá, a mão do Todo-Poderoso sustentou-o e guiou-o. A predileção do Deus da Aliança acompanhou-o sempre, infundindo-lhe força para superar as provações. Desta amorosa atenção divina pode dar testemunho também a vossa comunidade hebraica, presente na cidade de Roma há mais de dois mil anos.

A Igreja Católica está próxima de vós e é vossa amiga. Sim, nós amamos-vos e não podemos deixar de vos amar, por causa dos Padres: para eles, vós sois nossos irmãos caríssimos e predilectos (cf. Rm 11,28). Depois do Concílio Vaticano II, foram crescendo a estima e a confiança recíprocas. Desenvolveram-se contactos cada vez mais fraternos e cordiais, que se intensificaram ao longo do Pontificado do meu venerado Predecessor João Paulo II.

Em Cristo, nós participamos da vossa própria herança recebida dos Padres, para servir o Todo-Poderoso "de comum acordo" (So 3,9), enxertados no único tronco santo (cf. Is 6,13 Rm 11,16) do Povo de Deus. Isto torna-nos, a nós cristãos, conscientes de que juntamente convosco temos a responsabilidade de cooperar para o bem de todos os povos, na justiça e na paz, na verdade e na liberdade, na santidade e no amor. À luz desta missão comum, não podemos deixar de denunciar e combater com decisão o ódio e as incompreensões, as injustiças e as violências que continuam a semear preocupações na alma dos homens e das mulheres de boa vontade. Neste contexto, como não nos sentirmos amargurados e preocupados pelas renovadas manifestações de anti-semitismo, que por vezes se verificam?

152 Ilustre Senhor Rabino-Chefe, a guia espiritual da comunidade hebraica romana foi-lhe confiada há pouco tempo; Vossa Excelência assumiu esta responsabilidade, alicerçado na sua experiência de estudioso e de médico, que compartilhou alegrias e sofrimentos de muita gente. Formulo-lhe de coração os meus votos ardentes pela sua missão e asseguro-lhe a estima e a amizade cordial, tanto minha como dos meus colaboradores. São numerosas as urgências e os desafios que, em Roma e no mundo, nos interpelam a darmo-nos as mãos e a unirmos os nossos corações em iniciativas de solidariedade concreta, de tzedek (justiça) e de tzedekah (caridade). Juntos, podemos colaborar na transmissão da chama do Decálogo e da esperança às jovens gerações.

O Eterno vele sobre Vossa Excelência e sobre toda a comunidade hebraica de Roma! Nesta singular circunstância, faço minha a prece do Papa Clemente I, invocando as bênçãos do Céu sobre todos vós: "Concedei a concórdia e a paz a todos os habitantes da terra, assim como as concedestes aos nossos pais, quando vos invocaram piedosamente na fé e na verdade" (Aos Coríntios, 60, 3). Shalom!


A UMA DELEGAÇÃO ECUMÉNICA DA FINLÂNDIA Quinta-feira, 19 de Janeiro de 2006


Estimado Bispo Heikka
Prezado Bispo Wróbel
Ilustres amigos da Finlândia

É com alegria que vos dou as boas-vindas, membros da delegação ecuménica da Finlândia, por ocasião da hodierna celebração da festa de Santo Henrique, vosso Padroeiro.

É-me grato recordar que durante muitos anos o meu amado predecessor, o Papa João Paulo II, recebeu com alegria e gratidão os participantes na peregrinação anual a Roma, que já se tornou uma expressão dos nossos contactos estreitos e do nosso fecundo diálogo ecuménico. Tais visitas constituem uma ocasião para dar continuidade ao nosso trabalho concreto, assim como para aprofundar o "ecumenismo espiritual" (cf. Ut unum sint UUS 21), que anima os cristãos divididos, a estimarem tudo quanto já os une.

A actual Comissão para o diálogo entre os luteranos e os católicos na Finlândia e na Suécia está alicerçada sobre o cumprimento substancial da Declaração Conjunta sobre a Justificação. No contexto específico dos países nórdicos, a Comissão continua a estudar os progressos e as implicações práticas desta Declaração Conjunta. Deste modo, procura abordar as diferenças ainda existentes entre os luteranos e os católicos, no que diz respeito a determinadas questões de fé e de vida eclesial, dando ao mesmo tempo um testemunho ardente da verdade do Evangelho.

Durante estes dias da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, estamos particularmente conscientes de que a unidade é uma graça, e que temos necessidade de pedir constantemente esta dádiva ao Senhor. A nossa esperança é certa na sua promessa: "Digo ainda mais: se dois de vós na terra estiverem de acordo sobre qualquer coisa que quiserem pedir, isto lhes será concedido pelo meu Pai que está no céu. Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles" (Mt 18,19-20).

Demos graças a Deus por tudo o que já foi alcançado até hoje nas relações católico-luteranas e oremos para que Ele nos cumule com o seu Espírito, que nos orienta para a plenitude da verdade e do amor.



À COMUNIDADE DO ALMO COLÉGIO

CAPRÂNICA DE ROMA


153
Sexta-feira, 20 de Janeiro de 2006


Senhor Cardeal
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Presbiterado
Dilectos Alunos
do Almo Colégio Caprânica

É-me grato acolher-vos nesta Audiência especial, na vigília da memória litúrgica de Santa Inês, vossa Padroeira celestial. Encontro-me convosco pela primeira vez, depois da minha eleição à Cátedra do Apóstolo Pedro, e de bom grado aproveito o ensejo para dirigir uma cordial saudação a todos vós. Desejo saudar, em primeiro lugar, o Cardeal Camillo Ruini e os demais Prelados, que fazem parte da Comissão Episcopal anteposta ao vosso Colégio; saúdo o Reitor, Mons. Ermenegildo Manicardi, e os outros formadores; saúdo-vos a vós, queridos jovens, que vos preparais para exercer o ministério sacerdotal. Vós encontrais-vos num período muito importante da vossa vida, num momento propício para o crescimento humano, cultural e espiritual.
Amados jovens, na organização do Colégio, tudo vos ajuda a preparar-vos oportunamente para a futura missão pastoral: a oração, o recolhimento, o estudo, a vida comunitária e o apoio aos formadores. Podeis beneficiar do facto de que o vosso Seminário, rico de história, se encontra inserido na vida da Diocese de Roma, e que o compromisso e o orgulho da família capranicense consistiu sempre em alimentar um forte vínculo de fidelidade ao Bispo de Roma. A possibilidade de frequentar os estudos teológicos nesta nossa Cidade oferece-vos, também a vós, uma singular oportunidade de crescimento e de abertura às exigências da Igreja universal. Durante estes anos, tendes a preocupação de valorizar cada ocasião para dar testemunho eficaz do Evangelho no meio dos homens do nosso tempo.

Para corresponder às expectativas da sociedade moderna, para cooperar na vasta acção evangelizadora que compromete todos os cristãos, são necessários sacerdotes preparados e corajosos que, sem ambições nem temores, mas persuadidos da Verdade evangélica, se preocupem em primeiro lugar por anunciar Cristo e, em seu nome, estejam prontos a debruçar-se sobre os sofrimentos humanos, fazendo experimentar o conforto do amor de Deus e o calor da família eclesial a todos, sobretudo aos pobres e a quantos vivem em situações de dificuldade.

Como bem sabeis, isto comporta um amadurecimento humano e, ao mesmo tempo, uma adesão diligente à verdade revelada, que o Magistério da Igreja propõe com fidelidade, e um sério compromisso na santificação pessoal e no exercício das virtudes, especialmente da humildade e da caridade; é necessário alimentar também a comunhão com os vários componentes do Povo de Deus, para que em todos aumente a consciência de que fazem parte do único Corpo de Cristo, membros uns dos outros (cf.
Rm 12,4-6). Caros amigos, para que tudo isto possa realizar-se, convido-vos a manter o olhar fixo em Cristo, autor e aperfeiçoador da fé (cf. Hb He 12,2). Com efeito, quanto mais permanecerdes em comunhão com Ele, tanto mais sereis capazes de seguir fielmente as suas pegadas, de tal maneira que, "na caridade que é o laço da perfeição" (Col 3,14), amadureça o vosso amor pelo Senhor, sob a guia do Espírito Santo. Diante dos vossos olhos tendes testemunhos de sacerdotes zelosos, que ao longo dos anos o vosso "Almo" Colégio incluiu entre os seus alunos, presbíteros que difundiram tesouros de ciência e de bondade na Vinha do Senhor. Segui o seu exemplo!

Dilectos amigos, o Papa acompanha-vos com a oração, pedindo que o Senhor vos conforte e vos cumule de dons copiosos. Interceda por vós Santa Inês que, quando era jovem, resistindo a adulações e ameaças, escolheu como seu tesouro a "pérola" preciosa do Reino e amou Cristo até ao martírio. A Virgem Maria faça com que possais dar frutos abundantes de boas obras, para glória do Senhor e para o bem da santa Igreja. Em penhor de tais votos, concedo-vos carinhosamente, a vós e a toda a comunidade capranicense, a Bênção Apostólica que de bom grado faço extensiva a quantos vos são queridos.




AOS PARTICIPANTES NO ENCONTRO PROMOVIDO PELO PONTIFÍCIO CONSELHO "COR UNUM"


154
Segunda-feira, 23 de Janeiro de 2006


Eminências, Excelências
Senhores e Senhoras!

A excursão cósmica, na qual Dante na sua "Divina Comédia" quis envolver o leitor, termina diante da Luz perene que é o próprio Deus, diante daquela Luz que ao mesmo tempo é "o amor que move o sol e as outras estrelas" (Par. XXXIII, v. 145). Luz e amor são uma só coisa. São o primordial poder criador que move o universo. Se estas palavras do Paraíso de Dante deixam transparecer o pensamento de Aristóteles, que via no eros o poder que move o mundo, o olhar de Dante contudo entrevê uma coisa totalmente nova e inimaginável pelo filósofo grego. Não só que a Luz eterna se apresenta em três círculos aos quais ele se dirige com densos versículos que conhecemos: "Ó eterna Luz que repousas só em Ti; a Ti só entendes e, por Ti entendida, respondes ao amor que te sorri!" (Par., XXXIII, vv. 124-126). Na realidade, ainda mais surpreendente do que esta revelação de Deus como círculo trinitário de conhecimento e de amor é a percepção de um rosto humano o rosto de Jesus Cristo que para Dante aparece no círculo central da Luz. Deus, Luz infinita cujo mistério incomensurável o filósofo grego intuíra, este Deus tem um rosto humano e podemos acrescentar um coração humano. Nesta visão de Dante mostra-se, por um lado, a continuidade entre a fé cristã em Deus e a pesquisa desenvolvida pela razão e pelo mundo das religiões; mas ao mesmo tempo aparece também a novidade que supera qualquer pesquisa humana a novidade que só o próprio Deus nos podia revelar: a novidade de um amor que estimulou Deus a assumir um rosto humano, aliás assumir carne e sangue, o inteiro ser humano. O eros de Deus não é apenas uma força cósmica primordial; é amor que criou o homem e nos inclina para ele, como o bom Samaritano se inclinou para o homem ferido e derrubado, o qual jazia na berma da estrada que descia de Jerusalém para Jericó.

A palavra "amor" hoje está tão desgastada, consumida e abusada que quase se teme deixá-la aflorar aos próprios lábios. Contudo é uma palavra primordial, expressão da realidade primordial; nós não podemos simplesmente abandoná-la, mas devemos retomá-la, purificá-la e conduzi-la ao seu esplendor originário, para que possa iluminar a nossa vida e guiá-la para a recta via. Foi esta consciência que me levou a escolher o amor como tema da minha primeira Encíclica. Pretendo tentar dizer ao nosso tempo e à nossa existência algo do que Dante na sua visão recapitulou de modo audacioso. Ele narra uma "vista" que "se corroborava" enquanto ele olhava e mudava interiormente (cf. Par., XXXIII, vv. 112-114). Trata-se precisamente disto: que a fé se torne uma visão-compreensão que nos transforma. Era meu desejo ressaltar a centralidade da fé em Deus naquele Deus que assumiu um rosto humano e um coração humano. A fé não é uma teoria que se pode fazer própria ou também pôr de lado. É uma coisa muito concreta: é o critério que decide o nosso estilo de vida. Numa época na qual a hostilidade e a avidez se tornaram superpotências, uma época na qual assistimos ao abuso da religião até à apoteose do ódio, a única racionalidade neutra não é capaz de nos proteger. Precisamos do Deus vivo, que nos amou até à morte.

Assim, nesta Encíclica, os temas "Deus", "Cristo" e "Amor" estão unidos como guia central da fé cristã. Desejava mostrar a humanidade da fé, da qual o eros faz parte o "sim" do homem à sua corporeidade criada por Deus, um "sim" que no matrimónio indissolúvel entre homem e mulher encontra a sua forma radicada na criação. E ali acontece que também o eros se transforma em "ágape" que o amor pelo outro já não se procura a si mesmo, mas se torna preocupação pelo outro, disposição para o sacrifício por ele e também abertura à doação de uma nova vida humana. O ágape cristão, o amor pelo próximo no seguimento de Cristo não é algo de alheio, colocado ao lado ou até contra o eros; ao contrário, no sacrifício que Cristo fez de si pelo homem encontrou uma nova dimensão que, na história da dedicação caritativa dos cristãos aos pobres e aos que sofrem, se desenvolveu cada vez mais.

Uma primeira leitura da Encíclica poderia talvez suscitar a impressão que ela se divida em duas partes entre si pouco ligadas: a primeira parte teórica, que fala da essência do amor, e uma segunda que trata a caridade eclesial, as organizações caritativas. Contudo, a mim interessava precisamente a unidade dos dois temas que, se forem vistos como uma única coisa, serão bem compreendidos. Primeiro, era preciso tratar a essência do amor como se apresenta a nós na luz do testemunho bíblico. Partindo da imagem cristã de Deus, era necessário mostrar como o homem é criado para amar e como este amor, que inicialmente se mostra sobretudo como eros entre homem e mulher, deve depois transformar-se interiormente em ágape, em doação de si ao outro e isto precisamente para responder à verdadeira natureza do eros. Sobre esta base devia-se depois esclarecer que a essência do amor de Deus e do próximo descrito na Bíblia é o centro da existência cristã, é o fruto da fé. Mas sucessivamente, numa segunda parte, era preciso ressaltar que o acto totalmente pessoal da ágape nunca pode permanecer uma coisa apenas individual, mas ao contrário deve tornar-se também um acto essencial da Igreja como comunidade: isto é, tem também necessidade da forma institucional que se expressa no agir comunitário da Igreja. A organização eclesial da caridade não é uma forma de assistência social que se acrescenta casualmente à realidade da Igreja, uma iniciativa que se poderia deixar também para outros. Ao contrário, ela faz parte da natureza da Igreja. Como o Logos divino corresponde ao anúncio humano, a palavra da fé, assim o Ágape, que é Deus, deve corresponder ao ágape da Igreja, a sua actividade caritativa. Esta actividade, além do primeiro significado muito concreto de ajudar o próximo, possui essencialmente também o de comunicar aos outros o amor de Deus, que nós próprios recebemos. Ela deve tornar visível de qualquer forma o Deus vivo. Deus e Cristo na organização caritativa não devem ser palavras alheias; na realidade elas indicam a fonte originária da caridade eclesial. A força da Caritas depende da força da fé de todos os membros e colaboradores.

O espectáculo do homem que sofre toca o nosso coração. Mas o compromisso caritativo tem um sentido que supera a simples filantropia. É o próprio Deus que nos estimula profundamente a aliviar a miséria. Assim, em resumo, é Ele mesmo que nós levamos ao mundo que sofre. Quanto mais consciente e claramente o levamos como doação, tanto mais eficazmente o nosso amor mudará o mundo e despertará a esperança uma esperança que supera a morte e só assim é verdadeira esperança para o homem. Desejo a bênção do Senhor para a vossa reunião.


À COMISSÃO PREPARATÓRIA DA III ASSEMBLEIA ECUMÉNICA EUROPEIA Quinta-feira, 26 de Janeiro de 2006

Amados irmãos e irmãs!

É com alegria que vos dou as boas-vindas e agradeço a vossa presença. Saúdo cada um de vós, saúdo as Conferências episcopais, as comunidades e os organismos ecuménicos da Europa. Dirijo uma saudação especial aos Presidentes do Conselho das Conferências episcopais da Europa e da Conferência das Igrejas europeias e agradeço-lhes porque quiseram fazer-se intérpretes dos vossos sentimentos fraternos. A vossa visita é uma ulterior ocasião para realçar os vínculos de comunhão que nos ligam em Cristo, e renovar a vontade de trabalhar juntos para que se alcance quanto antes a unidade plena.

155 Hoje sinto-me particularmente feliz por me encontrar de novo convosco depois de ter participado ontem na Basílica de São Paulo no encerramento da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Vós quisestes iniciar a peregrinação ecuménica europeia, que terá o seu ápice na assembleia de Sibiu, na Roménia, em Setembro de 2007, precisamente aqui em Roma, onde tiveram lugar a pregação e o martírio dos apóstolos Pedro e Paulo. E isto é significativo como nunca porque os Apóstolos foram os primeiros a anunciar aquele Evangelho que, como cristãos, somos chamados a proclamar e a testemunhar à Europa de hoje. É precisamente para dar maior eficiência a este anúncio que nós desejamos proceder com coragem no caminho da busca da plena comunhão. O tema que escolhestes para este itinerário espiritual "A luz de Cristo a todos ilumina. Esperança de renovação e unidade na Europa" indica que esta é a verdadeira prioridade para a Europa: comprometer-se para que a luz de Cristo resplandeça e ilumine com renovado vigor os passos do Continente europeu no início do novo milénio. Faço votos por que cada etapa desta peregrinação seja marcada pela luz de Cristo e que a próxima Assembleia Ecuménica Europeia possa contribuir para tornar mais conscientes os cristãos dos nossos Países sobre o dever de testemunhar a fé no actual contexto cultural, muitas vezes marcado pelo relativismo e pela indiferença. Este é um serviço indispensável que se deve prestar à Comunidade Europeia, que nestes anos alargou os seus confins.

De facto, para que o processo de unificação que a Europa iniciou seja frutuoso, precisa redescobrir as suas raízes cristãs, dando espaço aos valores éticos que fazem parte do seu amplo e consolidado património espiritual. Compete a nós, discípulos de Cristo, a tarefa de ajudar a Europa a tomar consciência desta sua peculiar responsabilidade na assembleia dos povos. Contudo, a presença dos cristãos só será incisiva e iluminadora se tivermos a coragem de percorrer com decisão o caminho da reconciliação e da unidade. Ressoa-me na mente a interrogação que o meu amado Predecessor João Paulo II fez na homilia durante a celebração ecuménica por ocasião da primeira Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, a 7 de Dezembro de 1991: "Na Europa a caminho rumo à unidade política podemos porventura admitir que seja precisamente a Igreja de Cristo um factor de desunião e de discórdia? Não seria este um dos escândalos maiores do nosso tempo?" (Insegnamenti, XIV/2, 1991, pág. 1330). Como é importante encontrar em Cristo a luz para progredir de modo concreto rumo à unidade! Este esforço é exigido de todos, queridos representantes das Igrejas e das Comunidades eclesiais na Europa, para que todos tenham uma responsabilidade específica no que se refere ao caminho ecuménico dos cristãos no nosso Continente e no resto do mundo. Depois da queda do muro, que dividia os Países do Oriente e do Ocidente na Europa, é mais fácil o encontro entre os povos; há mais oportunidades para aumentar o conhecimento e a estima recíproca, com um mútuo e enriquecedor intercâmbio de dons; sente-se a necessidade de enfrentar unidos os grandes desafios do momento, começando pela modernidade e pela secularização. A experiência demonstra amplamente que o diálogo sincero gera confiança, elimina os receios e os preconceitos, elimina as dificuldades e abre ao confronto sereno e construtivo.

Queridos amigos, no que me diz respeito renovo aqui a vontade decidida, manifestada no início do meu pontificado, de assumir como compromisso prioritário o de trabalhar sem poupar energias pela reconstrução da unidade plena e visível de todos os seguidores de Cristo. Agradeço-vos mais uma vez a vossa agradável visita e peço a Deus que acompanhe com o seu Espírito os vossos esforços para preparar a próxima Assembleia Ecuménica Europeia em Sibiu. O Senhor abençoe as vossas famílias, as Comunidades, as Igrejas e quantos em todas as regiões da Europa se proclamam discípulos de Cristo.




AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM" Sexta-feira, 27 de Janeiro de 2006


Senhor Cardeal
Amados Irmãos no Episcopado!

Sinto-me feliz por vos dirigir as minhas fraternas saudações, no momento em que realizais a vossa visita ad limina Apostolorum. Ao vir fortalecer os vínculos de comunhão com o Bispo de Roma, e através dele, com todo o Colégio episcopal, desejais manifestar a vossa afeição, assim como a de todos os fiéis, ao Sucessor de Pedro. Faço votos por que a vossa oração comum junto dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, e que os vossos encontros com a Cúria Romana vos dêem alegria e conforto no vosso ministério e um renovado impulso. Expresso a minha gratidão ao Senhor Cardeal Etsou, que me fez partícipe das vossas alegrias e preocupações de pastores. Saúdo com afecto os pastores e os fiéis das províncias eclesiásticas de Quinxassa, Mbandaka-Bikoro e de Kananga, nas quais tendes o cargo de edificar o Corpo de Cristo e de guiar o povo de Deus. No momento em que os católicos da República Democrática do Congo, juntamente com todas as pessoas de boa vontade, se preparam para viver importantes acontecimentos para o futuro da sua nação, gostaria de manifestar a minha proximidade espiritual, elevando ao Senhor uma fervorosa oração para que eles perseverem, com esperança firme, na edificação da paz e da fraternidade!

Nestes últimos anos, o vosso país viveu ao ritmo de conflitos mortais que deixaram cicatrizes profundas na memória dos povos. Durante esta tragédia, que atingiu sobretudo o Leste do vosso país, tivestes a preocupação de denunciar, através de mensagens vigorosas, os vexames cometidos, chamando os responsáveis a dar provas de responsabilidade e de coragem, para que as populações vivam na paz e na segurança. Encorajo a Conferência Episcopal, num trabalho concertado e audacioso, a permanecer vigilante para acompanhar os progressos em curso.

Os tempos fortes da vida eclesial ritmaram estes anos. Vossa Eminência, Senhor Cardeal, recordou o Grande Jubileu da Encarnação. Mencionou também o ano de 2005, durante o qual foi celebrado o décimo aniversário da publicação da Exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Africa. Ao convocar esta Assembleia, o Papa João Paulo II desejava promover uma solidariedade pastoral orgânica no continente africano, para que a Igreja transmita uma mensagem de fé, de esperança e de caridade crível a todos os homens de boa vontade, para um renovado impulso missionário das Igrejas particulares. No momento em que algumas dioceses celebram o centenário da sua evangelização, faço votos por que cada um de vós se comprometa a analisar a questão central da proposta do Evangelho, para chegar às consequências pastorais para a vida das comunidades locais, a fim de que o fervor apostólico dos pastores e dos fiéis seja renovado e que a reconstrução moral, espiritual e material una as comunidades numa só família, sinal de fraternidade para os vossos contemporâneos.

É dedicando cada vez mais atenção às chamadas do Espírito e numa intimidade sempre mais estreita com Cristo que a Igreja cumpre a sua missão profética de anunciar o Evangelho com coragem e entusiasmo. Esta missão, para a qual o Senhor ressuscitado chama os seus discípulos, os quais não a podem evitar, compete-vos de modo especial, queridos Irmãos no Episcopado, porque "a actividade evangelizadora do Bispo, que visa conduzir os homens à fé ou fortalecê-los nela, constitui uma exímia manifestação da sua paternidade" (Pastores gregis ).

Por conseguinte, encorajo-vos mediante o exemplo e a probidade da vossa vida estreitamente unida a Cristo, a proclamar incansavelmente o Evangelho de Cristo e a deixar-vos renovar por Ele, recordando-vos que a Igreja vive do Evangelho, tirando dele constantemente as orientações para o seu caminho. O Evangelho não pode esclarecer em profundidade as consciências e transformar a partir de dentro as culturas, se cada fiel não se deixa arrebatar na sua vida pessoal e comunitária pela Palavra de Cristo, que convida, mediante uma conversão autêntica e duradoura, a dar uma resposta de fé pessoal e adulta, em vista de uma fecundidade social e de uma fraternidade entre todos. Que a vossa caridade, humildade e simplicidade de vida sejam também para os vossos sacerdotes e fiéis um testemunho estimulante, para que todos progridam na verdade pelo caminho da santidade.

156 Ressaltastes a necessidade de trabalhar numa evangelização dos fiéis em profundidade. As Comunidades eclesiais vivas, presentes em todas as partes das vossas dioceses, reflectem bem esta evangelização de proximidade que os torna fiéis cada vez mais adultos na sua fé, num espírito de fraternidade evangélica segundo o qual todos se esforçam por reflectir juntos sobre os diversos aspectos da vida eclesial, sobretudo a oração, a evangelização, a atenção aos mais pobres e o autofinanciamento das paróquias. Estas comunidades constituem também um precioso baluarte contra a ofensiva das seitas, que se aproveitam da credulidade dos fiéis e os enganam propondo-lhes uma falsa visão da salvação e do Evangelho, e uma moral adaptável.

Nesta perspectiva, encorajo-vos a vigiar com extrema atenção sobre a qualidade da formação permanente dos responsáveis por estas comunidades, sobretudo os catequistas, dos quais elogio a dedicação e o espírito eclesial, e a fazer com que eles disponham de condições espirituais, intelectuais e materiais que lhes permitam cumprir do melhor modo possível a sua missão, sob a responsabilidade dos Pastores. Dedicai também atenção a que as Comunidades eclesiais vivas sejam verdadeiramente missionárias, preocupando-se não só por acolher o Evangelho de Cristo, mas também por dar testemunho dele diante dos homens. Alimentados pela Palavra de Cristo e pelos Sacramentos da Igreja, os fiéis encontrarão a alegria e a força necessárias para o testemunho corajoso da esperança cristã. Sobretudo, neste tempo particularmente decisivo para a vida do vosso país, recordai aos fiéis a urgência que lhes compete de assumir a renovação da ordem temporal, chamando-os a "exercer sobre o tecido social uma influência que leve a transformar não só as mentalidades, mas também as próprias estruturas da sociedade, de modo que aí se espelhem melhor os desígnios de Deus acerca da família humana" (Ecclesia in Africa ).

O meu pensamento dirige-se afectuosamente para todos os vossos sacerdotes, diocesanos e membros de Institutos, colaboradores da ordem episcopal, estabelecidos por Cristo como ministros ao serviço do povo de Deus e de todos os homens. Conheço as condições difíceis nas quais muitos deles exercem a sua missão e agradeço-lhes o serviço com frequência heróico, em vista do crescimento espiritual das suas comunidades. Mediante a vossa presença estável nas vossas dioceses, manifestai-lhes a vossa proximidade, desenvolvendo uma capacidade de diálogo confiante em relação a elas estando sempre atentos ao seu crescimento humano, intelectual e espiritual, para que sejais, mediante a busca da santidade no exercício do vosso próprio ministério, educadores autênticos da fé e modelos de caridade para os fiéis.

Compete-vos também exortar os vossos sacerdotes à excelência na vida espiritual e moral, recordando-lhes em particular o vínculo único que associa o sacerdote a Cristo e cujo celibato sacerdotal, vivido na castidade perfeita, manifesta a profundidade e ao carácter vital. Vigiai também sobre a sua formação permanente para que possam entrar cada vez mais profundamente no mistério de Cristo. Possam esclarecer a consciência dos fiéis e edificar comunidades cristãs sólidas e missionárias tendo as suas raízes e o seu centro na Eucaristia, que presidem em nome de Cristo.
"Todos os presbíteros participam de tal maneira com os Bispos no mesmo e único sacerdócio e ministério de Cristo que a unidade de consagração e missão requer a sua comunhão hierárquica com a Ordem episcopal" (Presbyterorum ordinis
PO 7). Nesta perspectiva, encorajo-vos também a desenvolver sempre mais os vínculos de comunhão no seio do vosso presbitério diocesano.

Como assinalastes nos vossos relatórios quinquenais, a insistência dos conflitos por vezes afectou negativamente a unidade deste presbitério, favorecendo o desenvolvimento do tribalismo e de lutas de poder nefastas para a edificação do Corpo de Cristo, e fontes de confusão para os fiéis. Exorto cada um a reencontrar esta profunda fraternidade sacerdotal que é própria dos ministros ordenados, para que realizem a unidade que atrai os homens a Cristo. Encorajai os vossos sacerdotes e estimularem-se mutuamente na prática da caridade fraterna, propondo-lhes sobretudo certas formas de vida comunitária, para os ajudar a crescer juntos em santidade na fidelidade à sua vocação e missão, em plena comunhão convosco.

Compete-vos dedicar um apoio particular à qualidade da formação dos futuros sacerdotes. Convosco, dou graças pela generosidade de numerosos jovens que, tendo ouvido a chamada de Cristo para O servir como sacerdotes na Igreja, são admitidos para prosseguir o seu discernimento nos seminários. É importante trata-se de uma exigência pastoral para o Bispo, primeiro representante de Cristo na formação sacerdotal que a Igreja exerça cada vez mais a sua grave responsabilidade no acompanhamento e no discernimento das vocações sacerdotais.

Isto é válido sobretudo para as escolhas de formadores, com os quais me congratulo pelo trabalho exigente, em redor dos quais, sob a autoridade do reitor, se edifica a comunidade do seminário. Que a sua maturidade humana e espiritual, o seu amor à Igreja e a sua sabedoria pastoral os ajude a exercer com rectidão e segurança a bela missão de verificar as capacidades espirituais, humanas e intelectuais dos candidatos ao sacerdócio. Para concluir, faço minhas as observações com que os Padres sinodais expressaram justamente as aptidões fundamentais requeridas em vista de um ministério sacerdotal fecundo: "Será nossa preocupação formar os futuros sacerdotes nos verdadeiros valores culturais dos respectivos países, educando-os no sentido da honestidade, responsabilidade e fidelidade à palavra dada (...) de forma que sejam sacerdotes espiritualmente sólidos, disponíveis, dedicados à causa do Evangelho, e capazes de administrar com transparência os bens da Igreja e de levar uma vida simples, em conformidade com o seu ambiente" (Ecclesia in Africa ).

Amados Irmãos no Episcopado, no final do nosso encontro, convido-vos a ter esperança. Há mais de um século, a Boa Nova é anunciada na vossa terra. Dou graças ao Senhor pelo trabalho generoso de todos os artífices de evangelização, entre os quais numerosos missionários, que permitiram a implantação e o crescimento da vossa Igreja. Hoje, exorto-vos a prosseguir corajosamente a evangelização que os vossos predecessores lançaram. Igreja de Deus na República Democrática do Congo, nunca percas a alegria de dar a conhecer o Evangelho de Cristo Salvador! Que as vossas comunidades, amparadas pelas testemunhas da fé no vosso país, sobretudo a beata Marie-Clémentine Anuarite Nengapeta e a beata Isidore Bakanja, sejam sinais proféticos de uma humanidade renovada por Cristo, humanidade livre do rancor e do receio. Ao confiar-vos à protecção materna da Virgem Maria, concedo-vos de bom grado uma afectuosa Bênção Apostólica, assim como aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas, aos catequistas e a todos os fiéis leigos das vossas dioceses.





Discursos Bento XVI 150