Ad Petri cathedram PT 46

Necessidade de orações especiais


46 Nós, portanto, para conservação da unidade da Igreja e aumento do redil de Cristo e do seu reino elevamos súplicas à benegnidade divina, dispensadora da luz celeste e de todos os bens, e exortamos também a orarem com perseverança todos os nossos irmãos e filhos em Cristo. O bom êxito do futuro Concílio Ecumênico, mais que da humana atividade e diligência, depende das ardentes orações elevadas por todos à porfia. Para elevarem estas súplicas a Deus, convidamos com afeto também aqueles que, embora não sendo deste redil, prestam a Deus a devida honra e sinceramente procuram obedecer aos seus preceitos.


47 Aumente e coroe esta esperança e estes nossos votos a oração sacerdotal de Cristo: "Pai Santo, guarda no teu nome aqueles que me deste, para que sejam uma só coisa, como nós... Santifica-os na verdade: a tua palavra ‚ verdade... Não peço por eles só, mas também por aqueles que por meio da sua palavra hão de crer em mim... para que sejam perfeitos na unidade..." (Jn 17,11 Jn 17,17 Jn 17,20 Jn 17,21 Jn 17,23).

Da concorde união dos espíritos nascem a paz e a alegria


48 Esta oração renovamo-la juntamente com o mundo católico a nós unido; e fazemo-lo não só animados da viva chama de amor para com todos os povos, mas também com espírito de sincera humildade evangélica. Conhecemos a pequenez da nossa pessoa, que Deus, não pelos nossos méritos, mas por oculto desígnio seu, se dignou elevar à dignidade de Sumo Pontífice. Por isso, a todos os nossos irmãos e filhos separados desta Cátedra de Pedro, repetimos as palavras: "Eu sou José, vosso irmão" (Gn 45,4). Vinde; "compreendei-nos" (2Co 7,2); não queremos outra coisa, não desejamos outra coisa, não pedimos a Deus outra coisa senão a vossa salvação, a vossa eterna felicidade. Vinde; desta suspirada unidade e concórdia, que deve ser alimentada pela caridade fraterna, nascerá grande paz; aquela paz "que supera todo o entendimento (Ph 4,7), porque desce do céu; aquela paz que, por meio do concerto angélico sobre o seu presépio, Cristo anunciou aos homens de boa vontade (cf. Lc Lc 2,4), e que depois da instituição da Eucaristia como sacramento e sacrifício, deu com estas palavras: "Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo dá " (Jn 14,27). Paz e alegria; sim também a alegria porque aqueles que pertencem real e eficazmente ao corpo místico de Cristo, que é a Igreja Católica, participam daquela vida, que da Cabeça divina deriva para todos os membros. Esta fará que todos os que obedecem aos preceitos e mandamentos do nosso Redentor possam gozar já nesta existência mortal aquela alegria que é o penhor e anúncio da eterna felicidade do céu.

A paz na alma deve ser operosa


49 Mas esta paz, esta felicidade, enquanto percorremos o árduo caminho nesta terra de exílio, é ainda imperfeita. Não é paz completamente tranqüila, de todo serena. É paz operosa, não ociosa nem inerte. Sobretudo é paz militante contra todo o erro, mesmo que dissimulado sob aparências de verdade, contra o atrativo e seduções do vício, e contra toda a espécie de inimigos da alma, que procuram enfraquecer, manchar e arruinar os bons costumes ou a nossa fé católica; e também contra os ódios, rivalidades, dissídios que a podem quebrar ou lacerar. Por isso, o Divino Redentor nos deu e recomendou a sua paz.


50 A paz, portanto, que devemos procurar e esforçar-nos por conseguir, deve ser a paz que não cede ao erro, que não se compromete de nenhum modo com fautores do erro, que não se entrega aos vícios e que evita toda a discórdia. É paz que exige, da parte dos que a desejam, a pronta renúncia às comodidades e vantagens próprias por causa da verdade e da justiça, segundo a recomendação evangélica: "Procurai primeiro o reino de Deus e a sua justiça..." (Mt 6,33).


51 A Bem-aventurada Virgem Maria, Rainha da paz, a cujo Coração Imaculado o nosso predecessor Pio XII, de imortal recordação, consagrou o gênero humano, consiga de Deus - como lhe pedimos fervorosamente - unidade concorde, paz verdadeira, operosa e militante, tanto aos nossos filhos em Cristo como a todos aqueles que, embora separados de nós, não podem deixar de amar a verdade, a unidade e a concórdia.



QUARTA PARTE


EXORTAÇÕES PATERNAIS


Aos bispos


52 Queremos agora com afeto paternal dirigir-nos a cada uma das várias categorias de pessoas na Igreja Católica. E em primeiro lugar "a nossa palavra dirige-se a vós" (2Co 6,11), veneráveis irmãos no Episcopado, da Igreja Oriental e Ocidental, que, como guias do povo cristão, suportais juntamente conosco, "o peso do dia e do calor" (cf. Mt Mt 20,12). Conhecemos a vossa diligência; conhecemos o zelo apostólico com que procurais cada um no seu território promover, fortalecer e estender a todos o Reino de Deus. Mas conhecemos tambêm as vossas angústias, conhecemos a tristeza que vos aflige por causa de tantos filhos que se afastam, enganados pelas falsas aparências dos erros; por causa da pobreza, que às vezes, impede às obras católicas de se desenvolverem entre vós; mas principalmente por causa da falta de sacerdotes, insuficientes em muitos lugares para as necessidades cada vez maiores. Confiai porém naquele, do qual vem "toda a dádiva excelente e todo o dom perfeito" (Jc 1,17); confiai em Jesus Cristo, dirigi-lhe súplicas fervorosas; sem ele "nada podeis fazer" (Jn 15,5); mas com a sua graça pode cada um de vós repetir aquela sentença do Apóstolo das gentes: "Tudo posso naquele que me conforta" (Ph 4,13).

"Satisfaça Deus todos os vossos desejos conforme as suas riquezas com a glória, em Cristo Jesus" (Ph 4,19), de modo que possais colher messe abundante e frutos copiosos do campo cultivado com o vosso trabalho e suor.

Ao clero


53 Dirigimo-nos com ânimo paterno também àqueles que militam em cada uma das classes do clero; quer sejam vossos próximos colaboradores, veneráveis irmãos, nas cúrias diocesanas; quer nos seminários vos prestem o serviço tão importante de instruir e educar a juventude eleita, chamada ao serviço de Deus; quer nas grandes cidades, nas vilas ou nas aldeias longínquas e solitárias, exerçam o cargo de pároco, tão difícil hoje, tão árduo e tão pesado. Procurem os mesmos - perdoem-nos se lho recordamos, pois esperamos que não será necessário - procurem mostrar-se respeitadores e obedientes ao seu Bispo, segundo as palavras de Santo Inácio de Antioquia: "Sujeitai-vos ao Bispo como a Jesus Cristo... É necessário, como já praticais, nada fazerdes sem o Bispo"; (19) "pois quem é de Deus e de Jesus Cristo está com o Bispo".(20) Lembrem-se ainda de que não têm apenas um cargo público, mas de que são principalmente ministros das coisas sagradas; por isso não ponham limite nos trabalhos, nas perdas de tempo e de bens materiais, nos gastos e nas incomodidades próprias, quando se trata de ilustrar as mentes com a luz divina, de, com o auxílio do alto e da caridade fraterna, dobrar as vontades obstinadas, e finalmente de promover e propagar o pacífico Reino de Jesus Cristo. Mais que no seu próprio esforço e trabalho confiem na graça divina, implorando-a todos os dias com orações fervorosas e instantes.

Aos religiosos


54 Saudamos também com coração de pai os religiosos que, tendo abraçado os vários estados de perfeição evangélica, vivem segundo as leis peculiares dos seus Institutos e obedecem a seus Superiores. Exortamo-los a que se dêem com toda a dedicação e forças a realizar aquilo que os seus Fundadores se propuseram ao dar-lhes as regras; de modo especial os exortamos a que fervorosamente se dêem à oração, às obras de penitência, à formação e educação da juventude, e ao alívio daqueles que de qualquer modo se vêem a braços com necessidades ou angústias.


55 Sabemos muito bem que não poucos desses estimados filhos, por causa das circunstâncias presentes, muitíssimas vezes são chamados ao trabalho pastoral, com vantagem da religião e da virtude cristã. A estes - embora esperemos que não precisem de nossa admoestação - exortamo-los insistentemente a que aos grandes méritos, que distinguiram as suas Ordens ou Institutos religiosos no passado, acrescentem a glória de corresponder de bom grado às necessidades presentes do povo, colaborando muito zelosamente com os outros sacerdotes, na medida das próprias possibilidades.

Aos missionários


56 A nossa mente voa agora para junto daqueles que deixaram a casa paterna e a pátria amada, e, sofrendo graves incômodos e superando grandes dificuldades, partiram para terras estrangeiras, e agora labutam naqueles longínquos campos de trabalho, para ensinar aos gentios a verdade evangélica e a virtude cristã, a fim de que em todos os povos "se propague a palavra de Deus e seja glorificada" (2Th 3,1). A eles está confiada, sem dúvida, missão importante em que devem colaborar todos os cristãos segundo as suas forças, quer com orações, quer dando auxílio material. Talvez nenhuma iniciativa seja tão agradável a Deus como esta que está intimamente ligada com a obrigação comum de propagar o Reino de Deus. Estes arautos do Evangelho consagram inteiramente a sua vida a Deus, para que a luz de Jesus Cristo ilumine todo o homem que vem a este mundo (cf. Jo Jn 1,9), para que a graça divina penetre e afervore as almas de todos e os leve sobrenaturalmente a viver vida digna, culta e cristã. Esses missionários não procuram os seus interesses, mas os de Jesus Cristo (cf. Fl Ph 2,21) e, seguindo generosamente a voz do Divino Redentor, podem aplicar a si mesmos a sentença do Apóstolo das gentes: "Nós desempenhamos as funções de embaixadores de Cristo" (2Co 5,20) e "embora vivendo na carne, não militamos segundo a carne" (2Co 10,3). A região a que se dirigiram para levar a luz da verdade evangélica consideram-na como segunda pátria e estimam-na com amor operoso; e embora cada um ame muito a sua terra querida, a sua própria diocese ou Instituto religioso, compreende e tem por certo que a este deve ser preferido o bem da Igreja universal, que se há de servir em primeiro lugar e com todos os meios.


57 Desejamos que todos estes amados filhos - e todos aqueles que naquelas regiões ajudam generosamente os missionários como catequistas ou de outro modo - saibam que estão presentes de modo especialíssimo ao nosso coração e que nós rezamos todos os dias por eles e pelas suas atividades; e que nós confirmamos também com a nossa autoridade e com igual amor tudo quanto os nossos predecessores de feliz memória, especialmente Pio XI (21) e Pio XII (22), oportunamente estabeleceram em suas Encíclicas.

Às religiosas


58 Nem queremos passar aqui em silêncio a respeito das virgens que pelos votos se consagraram a Deus para a ele só servirem e pelas místicas núpcias estarem intimamente unidas ao esposo divino. Elas - ou se entreguem à vida retirada nos claustros rezando e fazendo penitência ou se dediquem às obras externas do apostolado - não só podem cuidar muito mais facilmente da sua salvação, mas podem ainda ajudar muito a Igreja, tanto nas nações cristãs, como nas terras longínquas onde não brilhou ainda a luz do Evangelho. Oh! quanto não fazem estas religiosas! Oh! quantas e quão altas coisas realizam, que ninguém mais pode levar a cabo com a mesma dedicação virginal e maternal! E isso não em um mas em muitos campos de atividade: no ensino e educação da juventude; nas catequeses paroquiais; nos hospitais, onde podem cuidar dos enfermos e elevar-lhes as almas até Deus; nos asilos de velhos que podem tratar com caridade paciente, alegre e misericordiosa, sugerindo-lhes de modo admirável e suave desejos da vida eterna; finalmente nos orfanatos e hospitais infantis, fazendo as vezes de mães e tratando com amor materno esses órfãos ou abandonados que não têm pai nem mãe que os alimente, beije e abrace. As religiosas prestam ótimos serviços à Igreja Católica, à educação cristã e à prática das obras de misericórdia, mas também à sociedade civil; e conquistam uma coroa incorruptível que lhes será dada um dia no céu.

À Ação Católica e a todos os colaboradores no apostolado


59 Mas, como bem sabeis, veneráveis irmãos e diletos filhos, as necessidades dos homens no campo católico são hoje tão grandes e tão variadas, que o clero, os religiosos e as religiosas parecem insuficientes para as satisfazer.

Além disso, aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas não está aberto o acesso a todas as categorias de pessoas, e nem todos os caminhos lhes são acessíveis, pois muita gente os desconhece ou os evita, ou até, infelizmente, os despreza e aborrece.


60 Também por este grave e doloroso motivo, já os nossos predecessores chamaram os leigos para as fileiras do pacífico exército da Ação Católica, com a providencial intenção de estes virem ajudar a jerarquia eclesiástica no apostolado; aquilo que esta não pode fazer nas circunstências atuais, estes homens e mulheres católicos fazem-no generosamente, colaborando com os sagrados pastores e obedecendo-lhes sempre. E para nós grande consolação considerar o trabalho realizado até agora, mesmo em terras de missões, por estes auxiliares dos Bispos e dos sacerdotes. Acorreram de todas as idades e condições sociais, e labutaram com zelo e boa vontade para tornar conhecida a todos a verdade e para fazer sentir a todos o convite e atração da virtude.


61 Mas fica-lhes ainda vastíssimo campo de trabalho; são muitíssimos aqueles que precisam do seu exemplo luminoso, e do seu trabalho apostólico. Pretendemos tratar noutra ocasião, de modo mais amplo e completo, deste assunto que julgamos de gravíssima e suma importância. Entretanto alimentamos a esperança certa de que os militantes nas fileiras da Ação Católica ou nas inúmeras pias associações que florescem na Igreja, continuarão com toda a diligência tão necessária atividade: quanto maiores são as necessidades deste nosso tempo, tanto maiores devem ser os esforços, os cuidados, as diligências e o zelo. Estejam inteiramente unidos, porque, como muito bem sabem, a união faz a força; deixem de lado opiniäes particulares, sempre que se trate da causa da Igreja Católica, a qual deve ser a suprema e a mais importante de todas; e isto não somente no que diz respeito à doutrina sagrada, mas também às normas disciplinares da Igreja, normas que devem ser respeitadas sempre por todos. Em fileiras cerradas, e sempre unidos pela obediência à jerarquia católica, avancem para novas conquistas, sempre maiores; não se poupem a trabalhos, nem fujam de incômodos para fazer triunfar a causa da Igreja.


62 Mas, para que isto se consiga, procurem antes de tudo - como sem dúvida já estão persuadidos que deve ser - deixar-se impregnar da doutrina cristã, intelectual e moral. Só então serão capazes de dar aos outros aquilo que tiverem adquirido com o auxílio da graça divina. Dirigimos esta recomendação em primeiro lugar aos adolescentes e jovens. Eles têm generosidade que facilmente se inflama pelos nobres ideais, mas precisam mais do que ninguém de prudência, moderação e obediência aos Superiores. A estes amadíssimos filhos, esperança da Igreja, nos quais pomos tanta confiança, chegue a expressão viva da nossa gratidão e do nosso paternal afeto.

Aos aflitos e atribulados


63 Agora parecem subir até nós os gemidos dos que sofrem no corpo ou no espírito, ou se encontram em tais angústias econômicas que nem possuem uma casa digna de homens, nem encontram trabalho para ganhar os meios de sustentação para si próprios e para os filhos. Estas lamentações impressionam vivamente e comovem nosso coração, e, em primeiro lugar, queremos comunicar aos doentes, aos entrevados e aos velhos aquele conforto que vem do alto. Lembrem-se de que não temos aqui idade permanente, mas que buscamos a futura (cf. Hb He 3,14); lembrem-se que as dores desta vida mortal, que purificam, elevam, e nobilitam a alma, nos podem dar alegria eterna no céu; lembrem-se de que o Divino Redentor, para lavar-nos das manchas dos nossos pecados e purificar-nos, sofreu a morte de cruz e suportou de boa mente injúrias, suplícios e aflições crudelíssimas. Assim como ele, também nós todos somos chamados da cruz à luz, segundo a sua palavra: "Se alguém quiser vir após mim, abnegue-se a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias, e siga-me" (Lc 9,23); e terá um tesouro imperecível no céu (cf. Lc Lc 12,23).


64 Desejamos além disso - e estamos convencidos de que esta nossa exortação terá bom acolhimento - que os sacrifícios espirituais e corporais constituam não só degraus para cada um dos que sofrem para subir ao céu, mas contribuam também para a expiação dos pecados alheios, para o regresso ao seio da Igreja daqueles que dela infelizmente se separaram, e para o triunfo do nome cristão.

Aos pobres


65 Os mais desprovidos de bens materiais, que se queixam de grande pobreza, saibam antes de mais nada que nós sentimos grande dor com esta sorte que têm. E isto não só porque desejamos com coração paterno que a virtude cristã da justiça tenha a devida aplicação na questão social, e dirija e informe as relações mútuas das classes, mas também porque muito nos custa que os inimigos da Igreja abusem facilmente das injustas condições das pessoas necessitadas para atraí-las do seu lado com promessas enganosas e ilusões falsas.


66 Saibam estes nossos caríssimos filhos que a Igreja não é inimiga deles nem lhes desconhece os direitos; mas que os protege como mãe amorosa, e prega e inculca no campo social tal doutrina e tais normas que, se forem inteiramente postas em prática, farão desaparecer todo o gênero de injustiça e levarão a distribuição melhor e mais justa dos bens; (23) e também se fomentará uma colaboração amigável entre as várias classes, e cada indivíduo, poderá considerar-se e ser de fato concidadão duma mesma comunidade e irmão duma mesma família. E, se considerarmos com serenidade os melhoramentos que nos últimos tempos conseguiram os que vivem do trabalho diário, devemos confessar que isso se deve principalmente à eficaz atividade dos católicos na questão social, segundo as sábias normas e repetidas exortações dos nossos predecessores. Aqueles, portanto, que se dedicam a defender os direitos das classes mais abandonadas, já têm normas certas e seguras na doutrina social cristã; se estas se puserem devidamente em prática, oferecerão o meio de chegar a uma justa solução de todos os problemas. Nunca devem pois os cristãos dirigir-se aos propugnadores de doutrinas condenadas pela Igreja; é bem verdade que estes os atraem com falsas promessas, mas, onde quer que têm o governo na mão, tentam arrancar das mentes dos cidadãos o bem supremo das consciências - isto é, a fé cristã, a esperança cristã e os mandamentos cristãos - e debilitam ou destroem inteiramente aquilo que em nossos dias os homens civilizados justamente exaltam, a saber, a liberdade e a verdadeira dignidade devida à pessoa humana; e até procuram destruir os próprios fundamentos da civilização cristã. Portanto aqueles que querem permanecer fiéis a Cristo têm obrigação grave de consciência de evitar de todos os modos estes erros, já condenados pelos nossos predecessores, especialmente Pio XI e Pio XII de feliz recordação, e nós igualmente condenamos.


67 Sabemos que não poucos dos nossos filhos, menos favorecidos pela fortuna ou acabrunhados pela miséria, muitas vezes se queixam de nem todos os preceitos cristãos sobre a questão social terem sido até agora postos em prática. É pois necessário trabalharem com todo o empenho - não só os particulares, mas principalmente os governos - para que quanto antes, embora aos poucos, seja posta inteiramente em prática a doutrina social cristã, que os nossos predecessores tantas vezes, tão ampla e sapientemente, expuseram e estabeleceram e nós confirmamos. (24)

Aos refugiados e emigrantes


68 Não estamos menos preocupado com a sorte daqueles que, pela necessidade de procurar sustento ou pelas tristes condições de suas pátrias, e pelas perseguições contra a religião, foram obrigados a abandonar a terra natal. Quantos e quão grandes males e desventuras não devem estes sofrer, arrancados ao seu meio e à casa paterna e obrigados muitas vezes a viver na aglomeração das grandes cidades ou dos grandes centros industriais, com um teor de vida completamente novo e muitas vezes corruptor. Por causa dessas condições, freqüentemente acontece que muitos passam por crises perigosas e vão pouco a pouco afastando-se das sãs tradições religiosas da própria pátria. Acresce que muitas vezes os esposos são forçosamente separados um do outro, bem como os pais dos filhos, debilitando-se os laços e relaçäes da vida doméstica, não sem prejuízo da união da família.


69 Acompanhamos com coração paterno o trabalho dedicado e operoso daqueles sacerdotes, que, inflamados no amor de Jesus Cristo e obedecendo às normas e aos desejos da Santa Sé, como exilados voluntários, não poupam esforços para atender quanto podem ao bem espiritual e social destes filhos, fazendo-lhes sentir em toda a parte a caridade da Igreja, tanto mais presente e eficaz, quanto mais eles precisam de seu cuidado e auxílio.


70 De modo semelhante, temos presente e apreciamos os esforços realizados por várias nações nesta causa tão importante e também as iniciativas tomadas recentemente no campo internacional, para se resolver quanto antes este gravíssimo problema. Confiamos que tudo isso não só ajudará a conceder, com mais facilidade, maior entrada aos emigrantes, mas também a restabelecer a sociedade doméstica de pais e filhos; só esta poderá defender eficazmente o bem religioso, moral e econômico dos emigrantes, não sem benefício dos países que os recebem.

À Igreja perseguida


71 Enquanto exortamos todos os nossos filhos em Cristo a evitar os erros funestos, capazes de destruir a religião e a sociedade humana, vêm-nos à memória tantos veneráveis irmãos no episcopado, e diletos sacerdotes e fiéis, que se encontram no exílio, ou foram lançados em prisões ou campos de concentração, porque não quiseram faltar ao seu dever episcopal ou sacerdotal nem apostatar da fé católica.


72 Não queremos ofender a ninguém, antes pelo contrário queremos dar a todos o nosso perdão implorando o perdão de Deus. Mas a responsabilidade do nosso dever sagrado exige que protejamos, quanto podemos, os direitos desses irmãos e desses filhos, pedindo insistentemente que seja concedida a cada um a liberdade legítima, que é devida a todos, portanto também à Igreja de Deus. Os que seguem realmente a verdade e a justiça, e procuram o bem de todos os homens e países, não negam a liberdade, não a sufocam nem a oprimem; não precisam de recorrer a estes meios. Por isso, jamais se pode conseguir o verdadeiro progresso dos cidadãos por meio da força, da opressão dos espíritos e das consciências.


73 Principalmente se deve ter por certo o seguinte: descurando ou oprimindo os sagrados direitos de Deus e da religião, cedo ou tarde tremem e desabam os fundamentos da sociedade humana. Já o notava com agudeza o nosso predecessor de imortal memória, Leão XIII: "Segue-se... que a força das leis diminui e toda autoridade enfraquece, se repudiamos a regra suprema e eterna dos preceitos e das proibições de Deus". (25) Com essa sentença concorda a palavra de Cícero: "Vós, ó pontífices... cingis mais eficazmente a cidade com a religião do que com as muralhas".(26)


74 Considerando tudo isto, com o coração cheio de tristeza abraçamos a todos e a cada um daqueles que são impedidos de praticar a religião e muitas vezes "são perseguidos por amor da justiça" (Mt 5,10) e por causa do reino de Deus. Compartilhamos as suas dores, angústias e sofrimentos, e dirigimos preces ao céu para que desponte finalmente para eles a aurora de tempos melhores. Unam-se a nós nesta prece todos os nossos irmãos e filhos; e suba a Deus misericordioso, de todos os ângulos da terra, um coro imenso de súplicas, que faça descer abundante chuva de graças sobre estes membros doloridos do corpo místico de Cristo.

Exortações finais


75 Não pedimos somente orações aos nossos caríssimos filhos, pedimos-lhes também aquela renovação da vida cristã que, mais do que as próprias oraçäes, é capaz de nos tornar Deus propício, a nós e aos nossos irmãos. Com prazer repetimos a vós todos as palavras elevadas e belíssimas do Apóstolo das gentes: "...Tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso ou que de qualquer modo mereça louvor... o que aprendestes e herdastes, isso praticai" (Ph 4,8). "Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo" (Rm 13,14). Isto é: "Vós, como eleitos de Deus, santos e amados, revesti-vos de sentimento de compaixão, de bondade, humildade, mansidão, longanimidade, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente... Mas, sobre tudo isso, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição. E reine nos vossos corações a paz de Cristo, à qual fostes chamados em um só corpo" (CL 3,12-15).


76 Se portanto alguém teve a desgraça de se afastar do Divino Redentor por causa de suas faltas e pecados, pedimos-lhe encarecidamente que volte àquele que é o "Caminho, a Verdade e a Vida" (Jn 14,6); e se alguém está tíbio, frouxo, remisso e negligente, renove a sua fé e com a ajuda da graça divina alimente e consolide a virtude; finalmente se alguém, com o auxílio de Deus "é justo, justifique-se mais: e se é santo, santifique-se mais" (Ap 22,11).


77 Uma vez que hoje são tantos os que precisam de conselho, bom exemplo e também de auxílio por causa das condições tristíssimas em que se encontram, praticai todos, segundo as vossas forças e meios, as obras de misericórdia, que são muito agradáveis a Deus.


78 Se todos vos esforçardes por fazer tudo isso, brilhará com nova luz na Igreja o que está escrito tão belamente dos cristãos na Carta a Diogneto: "Estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Moram na terra, mas têm a pátria no céu. Observam as leis existentes, mas com o seu teor de vida superam as leis... São ignorados, e são condenados; levados à morte, recebem vida. São mendigos, e enriquecem a muitos; têm falta de tudo, e tudo lhes sobra. São desonrados, e nas desonras recebem glórias; perdem a fama, e recebem testemunho da própria justiça. São censurados e bendizem; são tratados afrontosamente, e prestam honras. Quando fazem o bem, são castigados como malfeitores; enquanto são castigados, alegram-se como quem recebe nova vida. Numa palavra: O que é a alma no corpo, isto são os cristãos no mundo".(27) Nestas belíssimas frases, há coisas que se podem aplicar de modo especial aos cristãos da chamada Igreja do silêncio. Por eles devemos todos de modo especialíssimo pedir a Deus, como recomendamos insistentemente ainda há pouco nas alocuções na Basílica de S. Pedro no dia de Pentecostes e na solene adoração da festa do Sacratíssimo Coração de Jesus.(28)


79 Esta renovação da vida cristã, esta vida virtuosa e santa, desejamo-la a todos vós e pedimos constantemente a Deus que vo-la conceda não só aos que perseveram firmes na unidade da Igreja, mas também àqueles que se esforçam por entrar nela, trazidos pelo amor da verdade e pela vontade sincera.

84. Seja preparação e penhor das graças do céu a bênção Apostólica, que vos damos a cada um de vós, veneráveis irmãos e diletos filhos, com paternal e vivo afeto.



Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 29 de junho, festa dos SS. Apóstolos Pedro e Paulo, no ano de 1959, primeiro do nosso Pontificado.



JOÃO PP XXIII


Notas

1. Carta Saepenumero considerantes. Acta Leonis XIII 3 (1883), p. 262.

2. Epist. Exeunte iam anno: Acta Leonis XIII 8 (1888), p. 396.

3. Encíclica Humanum Genus; Acta Leonis XIII 4 (1884), p. 53.

4. Epist. Praeclara gratulationis: Acta Leonis XIII 14 (1894) p. 210.

5. Epist. Permoti Nos: Acta Leonis XIII 15 (1895), p. 259.

6. Encíclica Rerum Novarum: Acta Leonis XIII 11 (1891), p.109.

7. Radiomensagem Natalícia de 1944. Discursos e radiomensagens de S.S Pio XII, vol. 6, p. 239. AAS 37(1945), p.14.

8. Radiomensagem ao 73° Congresso dos Católicos alemães. Ibid., vol. XI, p 189; AAS 41 (1949), p. 460.

9.AAS 23 (1931), pp. 393-394.

10. "Por uma sólida ordem social". Discursos e radiomensagens de S.S. Pio XII, vol. 7, p. 350.

11. Carta Inter graves; Acta Leonis XIII 11(1891), pp.143-144.

12. Cf. Pio XI, Encíclica Mortalium animos. De vera religionis unitate fovenda. AAS 20(1928), p. 5s.

13. Cf. J. H. Newman, Difficulties of Anglicans, vol. 1, lect. X, p. 261s.

14. Epist. 43, 5, Corp. Vind. III, 2, 594; cf: Epist. 40: PL 4, 345.

15. Cânon da Missa.

16. Cf. Hom. in mysticam caenam: PG 77,1027.

17. S. Aug., In Ps.32 Enarr. 2, 29: PL 36, 299.

18. Idem, In Ps. 82 Enarr. 2, 14: PL 37,1140.

19. Funk, Patres Apostolici I, 243-245; cf PG 5, 675.

20. Ibidem 267; cf: PG 5, 699.

21. Encíclica Rerum Ecclesiae: AAS 18(1826), p. 65s.

22. Encíclica Evangelii Praecones: AAS 43(1951), p. 497ss; e Encíclica Fidei Donum: AAS 49 (1957), p. 225ss.

23. Cf. Encíclica Quadragesimo Anno; AAS 23(1931), pp.196-198.

24. Cf. Pio XII, Discurso aos membros das Associações Cristäs dos Trabalhadores Italianos, 11 de março de 1945: AAS 37 (1945), pp. 71-72.

25. Epist. Exeunte iam anno, Acta Leonis XIII 8 (1888), p. 398.

26. De Natura Deorum III, 40.

27. Funk, Patres Apostolici, I, 399-401: PG 2,1174-1175.

28. Cf. AAS 51(1959), p. 420; L'Osservatore Romano, 18/19 de maio e 7 de junho de 1959.







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