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Espiritualidade mariana

Do perfil marial da Igreja recebe a espiritualidade do Bispo igual conotação. A imagem da Igreja nascente que vê Maria, unida aos Apóstolos e aos discípulos de Jesus na oração unânime e perseverante, na expectativa do Espírito Santo, exprime o vínculo indissolúvel que liga Nossa Senhora aos Sucessores dos Apóstolos.106 Enquanto mãe, dos fiéis como dos pastores, modelo e imagem da Igreja,107 Maria apóia o Bispo no seu esforço interior de conformação com Cristo e no seu serviço eclesial. Na escola de Maria, o Bispo a contemplar a face de Cristo encontra consolação para realizar a sua missão eclesial e forças para anunciar o Evangelho da Salvação.

A materna intercessão de Maria acompanha a oração confiante do Bispo para mais profundamente penetrar nas verdades da fé e guardá-la tão íntegra e pura como esteve no coração de Nossa Senhora,108 para reavivar a sua confiante esperança que já vê realizada na « Mãe de Jesus glorificada no corpo e na alma »109 e alimentar a sua caridade para que o amor materno de Maria anime toda a missão apostólica do Bispo.

Em Maria, que « brilha diante do Povo de Deus, que é peregrino na terra »,110 o Bispo contempla o que é a Igreja no seu mistério, 111 vê já alcançada a perfeição da santidade para a qual ele deve caminhar com todas as suas forças e apresenta-a como modelo de íntima união com Deus aos fiéis a ele confiados.

Maria, « mulher eucarística »,112 ensina ao Bispo como oferecer todos os dias a sua vida na celebração eucarística. No altar, o Bispo fará seu o fiat com que Nossa Senhora se ofereceu a si mesma no feliz momento da Anunciação e na hora dolorosa aos pés da cruz de seu Filho.

Será precisamente a Eucaristia, « fonte e apogeu de toda a evangelização »,113 à qual estão intimamente unidos os Sacramentos, 114 a fazer com que a devoção marial do Bispo seja exemplarmente referida à Liturgia, onde a Virgem ocupa uma especial presença na celebração dos mistérios da salvação e é para toda a Igreja o exemplar modelo da escuta e da oração, da oferta e da maternidade espiritual.


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A oração

A fecundidade espiritual do ministério do Bispo depende da intensidade da sua vida de união com o Senhor. É pela oração que um Bispo deve obter luz, força e conforto para a sua actividade pastoral. A oração é para um Bispo como o bastão a que se apóia na sua caminhada de cada dia. O Bispo que reza não perde a coragem perante as mais graves dificuldades, porque sente Deus a seu lado e encontra refúgio, serenidade e paz nos seus braços paternos. Abrindo-se assim a Deus com confiança, abre-se com maior generosidade ao próximo, tornando-se capaz de construir a história segundo o projecto divino. A consciência deste dever comporta que o Bispo celebre diariamente a Eucaristia e reze a Liturgia das Horas, pratique a adoração da Sagrada Eucaristia diante do sacrário, reze o Rosário e medite com frequência na Palavra de Deus e na lectio divina.115 Estes meios alimentam a sua fé e a vida segundo o Espírito, necessária para viver em plenitude a caridade pastoral no dia a dia do exercício do ministério, na comunhão com Deus e na fidelidade à sua missão.


II. AS VIRTUDES DO BISPO


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O exercício das virtudes teologais

É evidente que a santidade à qual o Bispo é chamado exige a prática das virtudes, em primeiro lugar as teologais, porque por sua natureza dirigem o homem directamente para Deus. O Bispo, homem de fé, esperança e caridade, regulará a sua vida pelos conselhos evangélicos e pelas bem-aventuranças (cf. Mt Mt 5,1-12), para que também ele, como foi ordenado aos Apóstolos (cf. Act Ac 1,8), possa ser testemunha de Cristo diante dos homens, documento verdadeiro e eficaz, fiel e credível da graça divina, da caridade e das outras realidades sobrenaturais.


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A caridade pastoral

A vida do Bispo, onerada por tantos pesos e exposta ao risco da dispersão por causa da múltipla diversidade das ocupações, encontra a sua unidade interior e a fonte das suas energias na caridade pastoral que justamente deve chamar-se o vínculo da perfeição episcopal, sendo como que o fruto da graça e do carácter do sacramento do Episcopado.116 « Santo Agostinho define a totalidade deste ministério episcopal como amoris officium. Isto cria a certeza de que na Igreja nunca virá a faltar a caridade pastoral de Jesus Cristo ».117 A caridade pastoral do Bispo é a alma do seu apostolado. « Não se trata apenas de uma existentia, mas de uma pro-existentia, isto é, de uma vida que se inspira no modelo supremo, Cristo Senhor, consumando-se inteiramente na adoração do Pai e no serviço dos irmãos ».118

Inflamado por esta caridade, seja o Bispo conduzido à piedosa contemplação e imitação de Jesus Cristo e do seu desígnio de salvação. A caridade pastoral une o Bispo a Jesus Cristo, à Igreja, ao mundo que importa evangelizar, e torna-o apto a servir de embaixador de Cristo (cf. 2Co 5,20) com decoro e competência, a empenhar-se todos os dias pelo clero e povo a ele confiados, oferecendo-se como vítima sacrificial em favor dos irmãos.119 Tendo aceitado a missão de pastor com a perspectiva não da tranquilidade mas do trabalho,120 o Bispo exercerá a sua autoridade no espírito de serviço e a tomará como uma vocação para servir toda a Igreja com as mesmas disposições do Senhor.121

O Bispo deverá dar o maior exemplo de caridade fraterna e de sentido colegial amando e ajudando espiritual e materialmente o Bispo coadjutor, auxiliar ou emérito, o presbitério diocesano, os diáconos e os fiéis, sobretudo os mais pobres e carecidos. A sua casa estará aberta como o estará o seu coração para acolher, aconselhar, exortar e consolar. A caridade do Bispo estender-se-á aos Pastores das Dioceses vizinhas, sobretudo as que pertencem à mesma metrópole e aos Bispos que mais precisem de atenção.122


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A fé e o espírito de fé

O Bispo é homem de fé, conforme o que afirma a Sagrada Escritura acerca de Moisés que, ao conduzir o povo desde o Egipto para a terra prometida, « manteve-se firme como se visse o invisível » (He 11,27).

O Bispo tudo julgue, tudo realize, tudo suporte à luz da fé, e interprete os sinais dos tempos (cf. Mt Mt 16,4) para descobrir o que o Espírito Santo transmite às Igrejas em ordem à salvação eterna (cf. Ap 2,7). Será disto capaz se alimentar a razão e o coração « com as palavras da fé e da boa doutrina » (1Tm 4,6) e se cultivar com diligência o seu saber teológico, aumentando-o sempre mais com doutrinas seguras, antigas e novas, numa total sintonia em matéria de fé e de costumes com o Pontífice Romano e com o Magistério da Igreja.


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A esperança em Deus, fiel às suas promessas

Apoiado pela fé em Deus, que é « garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se vêem » (He 11,1), o Bispo esperará de Deus todo o bem e porá a máxima confiança na divina Providência. Repetirá com São Paulo : « De tudo sou capaz naquele que me dá a força » (Ph 4,13), recordando os santos Apóstolos e os antigos Bispos que, apesar de sofrerem grandes dificuldades e obstáculos de toda a espécie, todavia pregaram o Evangelho divino com todo o desassombro (cf. Act Ac 4,29-31 Ac 19,8 Ac 28,31).

A esperança, que « não engana » (Rm 5,5), estimula no Bispo o espírito missionário que o levará a enfrentar as tarefas apostólicas com engenho, a levá-las por diante com firmeza e a realizá-las com perfeição. O Bispo sabe, de facto, ter sido enviado por Deus, senhor da História (cf. 1Tm 1,17), para edificar a Igreja no lugar e nos « tempos e momentos que o Pai fixou com a sua autoridade » (Ac 1,7). Daqui vem igualmente o saudável optimismo que o Bispo viverá pessoalmente e, a bem dizer, irradiará nos outros, sobretudo nos seus colaboradores.


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A prudência pastoral

No apascentar do rebanho a si confiado, presta ao Bispo uma ajuda imensa a virtude da prudência, a qual é sabedoria prática e arte de bom governo, que requer actos oportunos e adequados à realização do plano divino da salvação e à obtenção do bem das almas e da Igreja, postergando qualquer consideração meramente humana.

É, pois, necessário que o Bispo modele a sua forma de governar conforme a sabedoria divina, a qual o ensina a ter em conta os aspectos eternos das coisas, e conforme a prudência evangélica que o faça ter sempre presentes, com habilidade de arquitecto (cf. 1Co 3,10) as variáveis exigências do Corpo de Cristo.

Como pastor prudente, mostre-se o Bispo pronto a assumir as suas responsabilidades e a favorecer o diálogo com os fiéis ; a fazer valer as suas atribuições, mas também a respeitar os direitos dos outros na Igreja. A prudência fá-lo-á conservar as legítimas tradições da sua Igreja particular, mas ao mesmo tempo fará dele um promotor do louvável progresso e um zeloso pesquisador de novas iniciativas, embora salvaguardando a necessária unidade. Desta forma, a comunidade diocesana seguirá pelo caminho de uma sã continuidade e de uma devida adaptação às novas legítimas exigências.

A prudência pastoral levará o Bispo a ter presente a imagem pública que ele oferece e a que surge nos meios de comunicação social, bem como a avaliar a oportunidade da sua presença em determinados lugares ou reuniões sociais. Consciente da sua função, tendo presente as expectativas que ele suscita e o exemplo que deve dar, o Bispo com todos usará de cortesia, boas maneiras, cordialidade e afabilidade, como sinal da sua paternidade e fraternidade.


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A fortaleza e a humildade

Porque, como escreve São Bernardo, « a prudência é mãe da fortaleza123 – Fortitudinis matrem esse prudentiam » – também se exige ao Bispo o exercício desta. De facto, ele precisa de ser paciente no suportar das adversidades pelo Reino de Deus, como também de ser corajoso e firme nas decisões tomadas segundo as rectas normas. É pela fortaleza que o Bispo não hesitará em dizer com os Apóstolos : « Não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos » (Ac 4,20). E sem nenhum receio de perder o favor dos homens,124 não hesitará em agir corajosamente no Senhor contra toda a forma de prevaricação e de prepotência.

A fortaleza deve ser temperada com a mansidão, segundo o modelo daquele que é « manso e humilde de coração » (Mt 11,29). Ao guiar os fiéis, o Bispo procure harmonizar o ministério da misericórdia com a autoridade do governo, a mansidão com a força, o perdão com a justiça, consciente de que « certas situações, de facto não se vencem com a aspereza e a dureza, nem com modos arrogantes, mas antes com o ensinamento em vez do comando, com a advertência em vez da ameaça ».125

Ao mesmo tempo, o Bispo deve actuar com a humildade que nasce do conhecimento da sua própria fraqueza, a qual – como afirma São Gregório Magno – é a primeira virtude.126 De facto, ele sabe que precisa da compaixão dos irmãos, como todos os outros cristãos, e tal como eles é obrigado a preocupar-se pela sua própria salvação « com temor e tremor » (Ph 2,12). Além disso, o quotidiano zelo pastoral, que oferece ao Bispo maiores possibilidades de tomar decisões com discrição pessoal, apresenta-lhe igualmente ocasiões de erro, ainda que de boa fé. Isto faz com que ele esteja aberto ao diálogo com os outros e propenso a pedir e a aceitar os conselhos de outros, sempre disposto a aprender.


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A obediência à vontade de Deus

Cristo que se fez « obediente até à morte e morte de cruz » (Ph 2,8), cujo alimento foi a vontade do Pai (cf. Jo Jn 4,34), está constantemente diante dos olhos do Bispo como o mais alto exemplo daquela obediência que foi causa da nossa justificação (cf. Rm Rm 5,19).

Conformando-se a Cristo, o Bispo presta um magnífico serviço à unidade e à comunhão eclesial e, com a sua conduta, mostra que na Igreja ninguém pode legitimamente mandar nos outros se antes não se oferecer a si mesmo como exemplo de obediência à Palavra de Deus e à autoridade da Igreja.127


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O celibato e a perfeita continência

O celibato, prometido solenemente antes de receber as Ordens Sacras, exige ao Bispo que viva a continência « por amor do reino dos céus » (Mt 19,12), seguindo os passos de Jesus virgem, de modo a demonstrar a Deus e à Igreja o seu amor indivisível e a sua total disponibilidade para o serviço, e a oferecer ao mundo um luminoso testemunho do Reino futuro.128

Também pela mesma razão, confiando na ajuda divina, o Bispo praticará de bom grado a mortificação do coração e do corpo, não só como exercício de disciplina ascética, mas também e sobretudo para trazer sempre em si mesmo « a morte de Jesus » (2Co 4,10). Enfim, com o seu exemplo e a sua palavra, com a sua acção paterna e vigilante, o Bispo não pode ignorar ou descurar o empenho de oferecer ao mundo a verdade duma Igreja santa e casta, nos seus ministros e nos seus fiéis. Nos casos em que se verifiquem situações de escândalo, em especial da parte dos ministros da Igreja, o Bispo deve ser forte e decidido, justo e sereno nas suas intervenções. Nesses casos lamentáveis, o Bispo deve intervir rapidamente, segundo as normas canónicas estabelecidas, quer para o bem espiritual das pessoas envolvidas, quer para a reparação do escândalo, quer para a protecção e a ajuda às vítimas. Actuando deste modo e vivendo em perfeita castidade, o pastor precede o seu rebanho como Cristo, o Esposo que deu a sua vida por nós e que a todos deixou o exemplo de um amor límpido e virginal e, por isso mesmo, também fecundo e universal.


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A pobreza afectiva e efectiva

Para dar testemunho do Evangelho diante do mundo e diante da comunidade cristã, o Bispo deve seguir com os factos e com as palavras o eterno Pastor, o qual, « sendo rico, se fez pobre por nós, para nos enriquecer com a sua pobreza » (2Co 8,9).129 Portanto, o Bispo deverá ser e mostrar-se pobre, será infatigavelmente generoso na esmola e levará uma vida modesta que, sem tirar dignidade à sua função, tenha porém em conta as condições socio-económicas dos seus filhos. Como exorta o Concílio, procure evitar tudo o que possa de alguma forma levar os pobres a afastarem-se, e mais ainda que os outros discípulos do Senhor, trate de eliminar nas coisas pessoais toda a sombra de vaidade. Prepare a sua residência de tal maneira que ninguém a possa considerar inacessível e, mesmo sendo de muito humilde condição, não sentir-se à vontade nela.130 Simples na postura, procure ser afável com todos e nunca ceda a favoritismos com o pretexto do património ou da condição social.

Comporte-se como pai com toda a gente, mas especialmente com as pessoas de condição humilde, pois sabe que, tal como Jesus (cf. Lc Lc 4,18), foi ungido com o Espírito Santo e enviado principalmente para anunciar o Evangelho aos pobres. « Nesta perspectiva de partilha e de simplicidade, o Bispo administra os bens da Igreja como o « bom pai de família » e zela para que eles sejam aplicados segundo os fins próprios da Igreja : o culto de Deus, o sustento dos ministros, as obras de apostolado, as iniciativas de caridade para com os pobres ».131

Oportunamente fará o seu testamento dispondo que, se alguma coisa lhe resta como proveniente do altar, volte inteiramente para o altar.


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Exemplo de santidade

O apelo à santidade exige que o Bispo cultive seriamente a vida interior, com os meios de santificação que são úteis e necessários a qualquer cristão e especialmente a um homem consagrado pelo Espírito Santo para governar a Igreja e para difundir o Reino de Deus. Antes de mais, procurará cumprir fiel e infatigavelmente os deveres do seu ministério episcopal,132 como caminho da sua vocação para a santidade. O Bispo, como chefe e modelo dos presbíteros e dos fiéis, receberá exemplarmente os sacramentos que lhe são necessários para alimentar a sua vida espiritual como o são para qualquer membro da Igreja. Em particular, o Bispo fará do Sacramento da Eucaristia, que celebrará diariamente de preferência na forma comunitária, o centro e a fonte do seu ministério e da sua santificação. Procurará recorrer com frequência ao Sacramento da Penitência para reconciliar-se com Deus e ser ministro da reconciliação no Povo de Deus.133 Caso adoeça e se encontre em perigo de vida, será solícito em receber a Unção dos Enfermos e o santo Viático, com solenidade e participação do clero e do povo, para comum edificação.

Mensalmente procurará reservar um tempo adequado para o retiro espiritual e anualmente para os exercícios espirituais.

Assim a sua vida, apesar dos muitos compromissos e actividades, estará solidamente baseada no Senhor e encontrará no próprio exercício do ministério episcopal o caminho da santificação.


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Os dotes humanos

No exercício do seu poder sagrado, o Bispo deve revelar-se cheio de humanidade, como Jesus, que é perfeito homem. Por isso, no seu comportamento devem brilhar aquelas virtudes e os dotes humanos que brotam da caridade e que são justamente apreciados na sociedade. Tais dotes e virtudes humanas são uma ajuda à prudência pastoral e permitem-lhe traduzir-se em actos de sapiente cura de almas e de bom governo.134

Entre estes dotes sejam referidos : uma humanidade profunda, um espírito bondoso e leal, um carácter constante e sincero, uma inteligência aberta e clarividente, sensível às alegrias e aos sofrimentos alheios, uma grande capacidade de autodomínio, delicadeza, tolerância e discrição, uma saudável propensão para o diálogo e a escuta, uma permanente disposição para o serviço.135 Estas qualidades devem ser sempre cultivadas pelo Bispo, fazendo-as progredir constantemente.


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O exemplo dos santos Bispos

Durante o seu ministério, o Bispo seguirá o exemplo dos santos Bispos cuja vida, doutrina e santidade podem iluminar e orientar o seu caminho espiritual. Entre os numerosos santos pastores, terá como guias, a partir dos Apóstolos, os grandes Bispos dos primeiros séculos da Igreja, os fundadores das Igrejas particulares, as testemunhas da fé em tempos de perseguição, os grandes restauradores das Dioceses depois das perseguições e das calamidades, os que se prodigalizaram pelos pobres e doentes construindo hospícios e hospitais, os fundadores de Ordens e Congregações religiosas, sem esquecer os seus antecessores na Diocese que brilharam pela santidade de vida. Para que seja conservada sempre viva a memória dos Bispos eminentes no exercício do seu ministério, o Bispo aplicar-se-á, com o presbitério ou a Conferência Episcopal, em dar a conhecer aos fiéis a figura dos mesmos por meio de biografias actualizadas e, se for esse o caso, em introduzir os seus processos de canonização.136


III. A FORMAÇÃO PERMANENTE DO BISPO


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O dever da formação permanente

O Bispo sentirá como seu próprio empenho o dever da formação permanente que acompanha todos os fiéis, em cada período e condição das suas vidas, bem como a cada nível de responsabilidade eclesial.137 O dinamismo do sacramento da Ordem, a vocação e missão episcopal, bem como o dever de seguir com atenção os problemas e as questões concretas da sociedade a evangelizar, pedem ao Bispo que cresça em cada dia para a plenitude da maturidade de Cristo (cf. Ef Ep 4,13), para que também através do testemunho da sua maturidade humana, espiritual e intelectual na caridade pastoral, em torno da qual deve centrar-se o itinerário formativo do Bispo, resplandeça cada vez mais luminosa a caridade de Cristo e a solicitude da Igreja para com todos os homens.


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Formação humana

Enquanto pastor do Povo de Deus, o Bispo alimentará constantemente a sua formação humana, estruturando a sua personalidade episcopal com o dom da graça, segundo as virtudes humanas já lembradas. A maturação de tais virtudes é necessária para que o Bispo aprofunde a sua sensibilidade humana, as suas capacidades de acolhimento e de escuta, de diálogo e de encontro, de conhecimento e de partilha, de modo que torne a sua humanidade mais rica, mais autêntica e simples, em que transpareça a própria sensibilidade do Bom Pastor. Como Cristo, o Bispo deve ser capaz de oferecer a mais genuína e perfeita humanidade para compartilhar a vida quotidiana dos seus fiéis e participar nas suas horas de alegria e de sofrimento.

A mesma maturidade de coração e de humanidade é exigida ao Bispo para exercer a sua autoridade episcopal que, como a de um bom pai, é verdadeiro serviço para a unidade e a perfeita ordem da família dos filhos de Deus.

O exercício da autoridade pastoral exige do Bispo a constante busca de um recto equilíbrio de todas as componentes da sua personalidade e do sentido de realismo para saber discernir e decidir serena e livremente, apenas tendo em vista o bem comum e o bem das pessoas.


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Formação espiritual

O caminho da formação humana do Bispo está intrinsecamente unido à sua maturidade espiritual pessoal. A missão santificadora do Bispo exige-lhe que assimile e viva a vida nova da graça baptismal e a do ministério pastoral a que foi chamado pelo Espírito Santo, na permanente conversão e na partilha cada vez mais profunda dos sentimentos e das atitudes de Jesus Cristo.

A contínua formação espiritual permitirá ao Bispo animar a pastoral com o verdadeiro espírito de santidade, promovendo o universal apelo à santidade, do qual ele deve ser o infatigável sustentáculo.


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Formação intelectual e doutrinal

O Bispo, ciente de ser na Igreja particular o moderador de todo o ministério da Palavra138 e de ter recebido o ministério de arauto da fé, de doutor autêntico e de testemunha da divina e católica verdade, deverá aprofundar a sua preparação intelectual através do estudo pessoal e da actualização cultural séria e empenhada. De facto, o Bispo deve saber captar e avaliar as correntes de pensamento, as tendências antropológicas e científicas do nosso tempo para as avaliar e responder, à luz da Palavra de Deus e na fidelidade à doutrina e disciplina da Igreja, às novas questões que surgem da sociedade.

A actualização teológica será necessária ao Bispo para aprofundar a insondável riqueza do mistério revelado, guardar e expor fielmente o depósito da fé, manter uma relação de respeitosa e fecunda colaboração com os teólogos. Esse diálogo permitirá novos aprofundamentos do mistério cristão na sua verdade mais profunda, um entendimento cada vez mais vivo da Palavra de Deus, e descobrir os métodos e as linguagens mais apropriadas para a sua apresentação ao mundo contemporâneo. Através da actualização teológica, o Bispo poderá fundamentar da forma sempre mais adequada a sua função de magistério para iluminar o Povo de Deus. O conhecimento teológico actualizado permitirá também ao Bispo velar para que as várias propostas teológicas apresentadas sejam conformes com os conteúdos da Tradição, rejeitando as objecções e as deformações da sã doutrina.


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Formação pastoral

A formação permanente do Bispo inclui também a dimensão pastoral que conclui e confere determinados conteúdos e exactas características aos outros aspectos da formação do Bispo. O caminho da Igreja que vive no mundo exige que o Bispo esteja atento aos sinais dos tempos e actualize os estilos e os comportamentos, de modo que a sua acção pastoral seja mais eficaz e responda às exigências da sociedade.

A formação pastoral exige ao Bispo o discernimento evangélico da situação sociocultural, momentos de auscultação, comunhão e diálogo com o seu presbitério, sobretudo com os párocos que, por sua missão, podem detectar com maior sensibilidade as mudanças e as exigências da evangelização. Será precioso para o Bispo trocar experiências com eles, verificar métodos e avaliar novas medidas pastorais. A contribuição e o diálogo com peritos em pastoral e em ciências sociopedagógicas ajudarão o Bispo na sua formação pastoral, tal como o ajudarão o conhecimento e o aprofundamento da lei, dos textos e do espírito da liturgia.

Os quatro aspectos da formação permanente – humana, espiritual, intelectual-doutrinal e pastoral – embora complementares, devem ser procurados de forma unitária pelo Bispo. De facto, toda a formação tem por fim um mais profundo conhecimento do rosto de Cristo e uma comunhão do Bispo com o Bom Pastor, de forma que os fiéis contemplem no rosto do Bispo as qualidades que são um dom da graça e que, na proclamação das Bem-aventuranças, correspondem como que a um auto-retrato de Cristo : o rosto da pobreza, da mansidão e da paixão pela justiça ; o rosto misericordioso do Pai e do homem pacífico e pacificador, construtor da paz ; o rosto da pureza de quem olha constantemente e apenas para Deus, revivendo a compaixão de Jesus com os aflitos ; o rosto da fortaleza e da alegria interior de quem é perseguido por causa da verdade do Evangelho.


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Os meios da formação permanente

Tal como os outros membros do Povo de Deus são os primeiros responsáveis pela sua formação, assim também o Bispo deverá sentir como seu dever o de estimular-se pessoalmente pela sua constante formação integral. Devido a esta sua missão na Igreja, deverá dar sobretudo neste campo o exemplo aos fiéis que olham para ele como modelo do discípulo que se coloca na escola de Cristo para o seguir com permanente fidelidade no caminho da verdade e do amor, moldando a sua humanidade com a graça da comunhão divina. Pela sua formação permanente, o Bispo aplicará os meios que a Igreja sempre sugeriu e que são indispensáveis para caracterizar a espiritualidade do Bispo e, de modo mais geral, para confiar na graça. A comunhão com Deus na oração diária dará a serenidade de espírito e a prudente inteligência que levarão o Bispo a acolher as pessoas com paterna disponibilidade e a avaliar com a necessária ponderação as várias questões do governo pastoral.

O exercício de uma intensa humanidade sapiente, equilibrada, jubilosa e paciente será facilitado pelo repouso necessário. A exemplo do próprio Jesus, que convidava os Apóstolos a repousar depois das fadigas do ministério (cf. Mc Mc 6,31), não deverão faltar no dia a dia do Bispo suficientes horas de repouso, periodicamente um dia livre e algum tempo de férias anuais, conforme as normas estabelecidas pela disciplina da Igreja.139 O Bispo deverá ter presente que o próprio Deus, no final da obra da criação, repousou ao sétimo dia (cf. Gn Gn 2,2).

Entre os meios para a sua formação permanente, o Bispo deverá privilegiar o estudo dos documentos doutrinais e pastorais do Pontífice Romano, da Cúria Romana, da Conferência Episcopal e dos Bispos seus irmãos, não só para estar em comunhão com o Sucessor de Pedro e com a Igreja universal, mas também para daí tirar orientação para o seu trabalho pastoral e para saber esclarecer os fiéis perante as grandes questões que a sociedade contemporânea põe constantemente aos cristãos. O Bispo deverá seguir, por meio do estudo, o caminho da teologia, a fim de aprofundar o conhecimento do mistério cristão, como para avaliar, discernir e vigiar sobre a pureza e a integridade da fé. Com igual empenho, o Bispo acompanhará as correntes culturais e sociais do pensamento, a fim de compreender « os sinais dos tempos » e avaliá-los à luz da fé, do património do pensamento cristão e da filosofia perenemente válida.

Com especial solicitude o Bispo participará, enquanto possível, nos encontros de formação organizados pelas várias instâncias eclesiais, desde os que a Congregação para os Bispos organiza anualmente para os Prelados ordenados nesse ano, aos organizados pelas Conferências Episcopais nacionais ou regionais ou pelos seus Conselhos internacionais.

São igualmente ocasiões para a formação permanente do Bispo os encontros do presbitério diocesano que ele mesmo organiza juntamente com os seus colaboradores na Igreja particular ou as outras iniciativas culturais através das quais é lançada a semente da verdade no campo do mundo. Sobre alguns temas de maior importância, o Bispo não deixará de prever momentos prolongados de auscultação e de diálogo com peritos, numa comunhão de experiências, de métodos, de novos meios de pastoral e de vida espiritual.

O Bispo jamais deverá esquecer que a vida de comunhão com os outros membros do Povo de Deus, a vida da Igreja no dia a dia e o contacto com os presbíteros e os fiéis representam sempre momentos em que o Espírito fala ao Bispo, recordando-lhes a sua vocação e missão e formando-lhes o coração através da vida viva da Igreja. Por isso mesmo, o Bispo deverá colocar-se numa atitude de auscultação de quanto o Espírito diz à Igreja e na Igreja.


Capítulo IV

O MINISTÉRIO DO BISPO


NA IGREJA PARTICULAR


« Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado,

governando-o não à força, mas de boa vontade, tal como

Deus quer; não por um mesquinho espírito de lucro, mas com zelo;

não com um poder autoritário sobre a herança do Senhor, mas

como modelos do rebanho. E, quando o supremo Pastor

se manifestar, então recebereis a coroa imperecível da glória »(1P 5,2-4).



I. PRINCÍPIOS GERAIS SOBRE O GOVERNO PASTORAL DO BISPO

55.: Alguns princípios fundamentais

No exercício do ministério pastoral, o Bispo diocesano deixar-se-á guiar por alguns princípios fundamentais que caracterizam a sua forma de agir e informam a sua própria vida. Estes princípios permanecem válidos para lá das circunstâncias de lugar e de tempo e são o sinal da solicitude pastoral do Bispo para com a Igreja particular que lhe foi confiada e para com a Igreja universal de que é corresponsável enquanto membro do Colégio dos Bispos tendo à cabeça o Pontífice Romano.


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O princípio trinitário

O Bispo não esquece que foi colocado no governo da Igreja de Deus em nome do Pai, cuja imagem torna presente ; em nome de Jesus Cristo seu Filho, pelo qual foi constituído mestre, sacerdote e pastor ; em nome do Espírito Santo que dá vida à Igreja.140 O Espírito Santo apóia constantemente a sua missão pastoral141 e salvaguarda a soberania única de Cristo. Tornando presente o Senhor, realizando a sua palavra, a sua graça e a sua lei, o ministério do Bispo é um serviço aos homens que ajuda a conhecer e a seguir a vontade do Senhor único de toda a humanidade.


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O princípio da verdade

Enquanto mestre e doutor autêntico da fé, o Bispo faz da verdade revelada o centro da sua acção pastoral e o primeiro critério com que avalia opiniões e propostas que surgem quer da comunidade cristã, quer da sociedade civil. Ao mesmo tempo, ilumina com a luz da verdade o caminho da comunidade humana, dando-lhe esperança e certezas. A Palavra de Deus e o Magistério da tradição viva da Igreja são pontos de referência irrecusáveis não só para o ensinamento do Bispo, mas também para o seu governo pastoral. O bom governo exige ao Bispo que procure pessoalmente com todas as suas forças a verdade e que se empenhe em aperfeiçoar o seu ensinamento e a cuidar não tanto da quantidade mas sobretudo da qualidade das suas declarações. Desta forma evitará o risco de adoptar soluções pastorais que sejam meramente formais, mas não correspondentes à essência e à realidade dos problemas. A pastoral é autêntica quando ancorada na verdade.


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O princípio da comunhão

No exercício do ministério pastoral, o Bispo sente-se e comporta-se como « visível princípio e fundamento »142 da unidade da sua Diocese, mas sempre com a alma e com a acção virados para a unidade de toda a Igreja Católica. Promoverá a unidade de fé, de amor e de disciplina, de modo que a sua Diocese se sinta como parte viva de todo o Povo de Deus. Na promoção e busca da unidade, esta será proposta não como uniformidade estéril mas ligada à legítima variedade que o Bispo é também chamado a tutelar e a promover. A comunhão eclesial levará o Bispo a buscar sempre o bem comum da Diocese, recordando que este está subordinado ao da Igreja universal e que, por sua vez, o bem da Diocese prevalece sobre o das comunidades particulares. Para não dificultar o legítimo bem particular, preocupe-se o Bispo em ter um conhecimento perfeito do bem comum da Igreja particular, um conhecimento a actualizar e a verificar através do contacto com o Povo de Deus que lhe está confiado, do conhecimento das pessoas, do estudo, das sondagens sócio-religiosas, dos conselhos de pessoas prudentes e do constante diálogo com os fiéis, dado que as situações estão actualmente sujeitas a rápidas mudanças.



Apostolorum successores PT 35