Catecismo Igreja Catól. 315

Resumindo:


315 Na criação do mundo e do homem, Deus deu o primeiro e universal testemunho do seu amor omnipotente e da sua sabedoria e fez o primeiro anúncio do seu «desígnio amoroso», o qual tem como finalidade a nova criação em Cristo.


316 Embora a obra da criação seja particularmente atribuída ao Pai, é igualmente verdade de fé que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são o único e indivisível princípio da criação.


317 . Só Deus criou o Universo, livremente, directamente, sem qualquer ajuda.


318 Nenhuma criatura possui o poder infinito necessário para «criar», no sentido próprio da palavra: quer dizer; para produzir e dar o ser ao que de modo algum o possuía (chamar à existência «ex nihilo» a partir do nada) (159).


319 . Deus criou o mundo para manifestar e comunicar a sua glória. Que as criaturas partilhem da sua verdade, da sua bondade e da sua beleza – eis a glória, para a qual Deus as criou.


320 Deus, que criou o universo, mantém-no na existência pelo seu Verbo; «o Filho tudo sustenta com a sua palavra poderosa» (He 1,3) e pelo seu Espírito criador que dá a vida.


321 A divina Providência consiste nas disposições pelas quais Deus conduz, com sabedoria e amor; todas as criaturas, para o seu último fim.


322 Cristo convida-nos a abandonarmo-nos filialmente à Providência do Pai dos céus (160); o apóstolo São Pedro retoma o seu pensamento ao dizer: «Lançai sobre Deus toda a vossa inquietação porque Ele vela por vós» (1P 5,7)(161).


323 A Providência divina também age pela acção das criaturas. Aos seres humanos, Deus permite-lhes cooperar livremente com os seus desígnios.


324 A permissão divina do mal físico e do mal moral é um mistério, que Deus esclarece por seu Filho Jesus Cristo, morto e ressuscitado para vencer o mal. A fé dá-nos a certeza de que Deus não permitiria o mal, se do próprio mal não fizesse sair o bem, por caminhos que só na vida eterna conheceremos plenamente.

159. Cf. Sagrada Congregação de Estudos, Decreto (27 Julho 1914):
DS 3624.
160. Cf. Mt 6,26-34
161. Cf. Ps 55,23



PARÁGRAFO 5

CÉU E A TERRA


325 O Símbolo dos Apóstolos professa que Deus é «Criador do céu e da terra» (162). E o Símbolo Niceno-Constantinopolitano explicita: «... de todas as coisas, visíveis e invisíveis» (163).


326 Na Sagrada Escritura, a expressão «céu e terra» significa: tudo o que existe, a criação inteira. Indica também o laço que, no interior da criação, ao mesmo tempo une e distingue céu e terra: «a terra» é o mundo dos homens (164); «o céu» ou «os céus» pode designar o firmamento (165), mas também o «lugar» próprio de Deus: «Pai nosso que estais nos céus» (Mt 5,16)(166), e, por conseguinte, também «o céu» que é a glória escatológica. Finalmente, a palavra «céu» indica o «lugar» das criaturas espirituais – os anjos – que rodeiam Deus.


327 A profissão de fé do quarto Concílio de Latrão afirma que Deus, «desde o princípio do tempo, criou do nada ao mesmo tempo uma e outra criatura, a espiritual e a corporal, isto é, os anjos e o mundo terrestre. Depois criou a criatura humana, que participa das duas primeiras, formada, como é, de espírito e corpo» (167).

162.
DS 30
163. DS 150
164. Cf. Ps 115,16
165. Cf. Ps 19,2
166. Cf. Ps 115,16
167. IV Concílio de Latrão, Cap. I. De fide catholica: DS 800 Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. I: DS 3002 e Paulo VI, Sollemnis Professio fìdei, 8: AAS 60 (1968) 436.

I. Os anjos


A EXISTÊNCIA DOS ANJOS UMA VERDADE DE FÉ


328 A existência dos seres espirituais, não-corporais, a que a Sagrada Escritura habitualmente chama anjos, é uma verdade de fé. O testemunho da Escritura é tão claro como a unanimidade da Tradição.

QUEM SÃO OS ANJOS?


329 Santo Agostinho diz a respeito deles: «Angelus [...] officii nomen est, non naturae. Quaeris nomen naturae, spiritus est; quaeris officium, angelus est: ex eo quod est, spiritus est: ex eo quod agit, angelus –Anjo é nome de ofício, não de natureza. Desejas saber o nome da natureza? Espírito. Desejas saber o do ofício? Anjo. Pelo que é, é espírito: pelo que faz, é anjo (anjo = mensageiro)» (168). Com todo o seu ser, os anjos são servos e mensageiros de Deus. Pelo facto de contemplarem «continuamente o rosto do meu Pai que está nos céus» (Mt 18,10), eles são «os poderosos executores das suas ordens, sempre atentos à sua palavra» (Ps 103,20).


330 Enquanto criaturas puramente espirituais, são dotados de inteligência e vontade: são criaturas pessoais (169) e imortais (170). Excedem em perfeição todas as criaturas visíveis. O esplendor da sua glória assim o atesta (171).

168. Santo Agostinho, Enarratio in Psalmum, 103, 1, 15: CCL 40, 1488 (PL 37, 1348-1349).
169. Cf. Pio XII, Enc. Humani generis:
DS 3891
170. Cf. Lc 20,36
171. Cf. Da 10,9-12


CRISTO «COM TODOS OS SEUS ANJOS»


331 Cristo é o centro do mundo dos anjos (angélico). Estes pertencem-Lhe: «Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os [seus] anjos...» (Mt 25,31). Pertencem-Lhe, porque criados por e para Ele: «em vista d'Ele é que foram criados todos os seres, que há nos céus e na terra, os seres visíveis e os invisíveis, os anjos que são os tronos, senhorias, principados e dominações. Tudo foi criado por seu intermédio e para Ele» (Col 1,16), E são d'Ele mais ainda porque Ele os fez mensageiros do seu plano salvador: «Não são eles todos espíritos ao serviço de Deus, enviados a fim de exercerem um ministério a favor daqueles que hão-de herdar a salvação?» (He 1,14).


332 Ei-los, desde a criação (172) e ao longo de toda a história da salvação, anunciando de longe ou de perto esta mesma salvação, e postos ao serviço do plano divino da sua realização: eles fecham o paraíso terrestre (173); protegem Lot (174), salvam Agar e seu filho (175), detêm a mão de Abraão (176) pelo seu ministério é comunicada a Lei (177), são eles que conduzem o povo de Deus (178), anunciam nascimentos (179) e vocações (180) assistem os profetas (181) – para não citar senão alguns exemplos. Finalmente, é o anjo Gabriel que anuncia o nascimento do Precursor e o do próprio Jesus (182).


333 Da Encarnação à Ascensão, a vida do Verbo Encarnado é rodeada da adoração e serviço dos anjos. Quando Deus «introduziu no mundo o seu Primogénito, disse: Adorem-n'O todos os anjos de Deus» (He 1,6). O seu cântico de louvor, na altura do nascimento de Cristo, nunca deixou de se ouvir no louvor da Igreja: «Glória a Deus [...]» (Lc 2,14).Eles protegem a infância de Jesus (183), servem-n'O no deserto (184) e confortam-n'O na agonia (185) no momento em que por eles poderia ter sido salvo das mãos dos inimigos (186) como outrora Israel (187). São ainda os anjos que «evangelizam» (188), anunciando a Boa-Nova da Encarnação (189) e da Ressurreição (190) de Cristo. E estarão presentes aquando da segunda vinda de Cristo, que anunciam (191), ao serviço do seu juízo (192).

172. Cf. Jb 38,7, onde os anjos são chamados «filhos de Deus».
173. Cf. Gn 3,24
174. Cf. Gn 19
175. Cf. Gn 21,17
176. Cf. Gn 22,11
177. Cf. Ac 7,53
178. Cf. Ex 23,20-23
179. Cf. Jg 13
180. Cf. Jg 6,11-24
181. Cf. 1R 19,5,
182. Cf. Lc 1,11 Lc 1,26
183. Cf. Mt 1,20 Mt 2,13 Mt 2,19,
184. Cf. Mc 1,13 Mt 4,11
185. Cf. Lc 22,43
186. Cf. Mt 26,53
187. Cf. 2M 10,29-30 2M 11,8
188. Cf. Lc 2,10
189. Cf. Lc 2,8-14
190. Cf. Mc 16,5-7
191. Cf. Ac 1,10-11
192. Cf. Mt 13,41 Mt 24,31 Lc 12,8-9,




OS ANJOS NA VIDA DA IGREJA


334 Daqui resulta que toda a vida da Igreja beneficia da ajuda misteriosa e poderosa dos anjos (193).


335 Na sua liturgia, a Igreja associa-se aos anjos para adorar a Deus três vezes santo (194); invoca a sua assistência (como na oração "In paradisum deducant te angeli – conduzam-te os anjos ao paraíso" da Liturgia dos Defuntos (195), ou ainda no «Hino querubínico» da Liturgia bizantina (196), e festeja de modo mais particular a memória de certos anjos (São Miguel, São Gabriel, São Rafael e os Anjos da Guarda).


336 Desde o seu começo (197) até à morte (198), a vida humana é acompanhada pela sua assistência (199) e intercessão (200). «Cada fiel tem a seu lado um anjo como protector e pastor para o guiar na vida» (201). Desde este mundo, a vida cristã participa, pela fé, na sociedade bem-aventurada dos anjos e dos homens, unidos em Deus.

193. Cf.
Ac 5,18-20 Ac 8,26-29 Ac 10,3-8 Ac 12,6-11 Ac 27,23-25
194. Cf. Oração eucarística. «Santo»: (editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970). p. 392) [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 452].
195. Ordo exsequiarum, 50, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1969), p. 23 [Ed. portuguesa: Celebração das Exéquias. Braga, Conferência Episcopal Portuguesa – Editorial A.O., 1984, n. 77, p. 71].
196. Liturgia Byzantina sancti Ioannis Chrysostomi, Hymnus cherubinorum: Liturgies Eastern and Western, ed. F. E. Brightman (Oxford 1896) p. 377.
197. Cf. Mt 18,10
198. Cf. Lc 16,22
199. Cf. Ps 34,8 Ps 91,10-13,
200. Cf. Jb 33,23-24 Za 1,12 Tb 12,12
201. São Basílio Magno, Adversus Eunomium 3, 1; SC 305,148 (PG 29,656)


II. O mundo visível


337 Foi o próprio Deus que criou o mundo visível, com toda a sua riqueza, a sua diversidade e a sua ordem. A Sagrada Escritura apresenta a obra do Criador, simbolicamente, como uma sequência de seis dias «de trabalho» divino, que terminam no «repouso» do sétimo dia (202). O texto sagrado ensina, a respeito da criação, verdades reveladas por Deus para a nossa salvação (203), as quais permitem «conhecer a natureza última e o valor de todas as criaturas e a sua ordenação para a glória de Deus» (204).


338 Nada existe que não deva a sua existência a Deus Criador: Omundo começou quando foi tirado do nada pela Palavra de Deus: todos os seres existentes, toda a Natureza, toda a história humana radicam neste acontecimento primordial: é a própria génese, pela qual o mundo foi constituído e o tempo começado (205).


339 Cada criatura possui a sua bondade e perfeição próprias. Acerca de cada uma das obras dos «seis dias» está escrito: «E Deus viu que era bom». «Foi em virtude da própria criação que todas as coisas foram estabelecidas segundo a sua consistência, a sua verdade, a sua excelência própria, com o seu ordenamento e leis específicas» (206). As diferentes criaturas, queridas pelo seu próprio ser, reflectem, cada qual a seu modo, uma centelha da sabedoria e da bondade infinitas de Deus. É por isso que o homem deve respeitar a bondade própria de cada criatura, para evitar o uso desordenado das coisas, que despreza o Criador e traz consigo consequências nefastas para os homens e para o seu meio ambiente.


340 A interdependência das criaturas é querida por Deus. O sol e a lua, o cedro e a florzinha, a águia e o pardal: o espectáculo das suas incontáveis diversidades e desigualdades significa que nenhuma criatura se basta a si mesma. Elas só existem na dependência umas das outras, para se completarem mutuamente, no serviço umas das outras.


341 A beleza do Universo: A ordem e a harmonia do mundo criado resultam da diversidade dos seres e das relações existentes entre si. O homem descobre-as progressivamente como leis da natureza. Elas suscitam a admiração dos sábios. A beleza da criação reflecte a beleza infinita do Criador, a qual deve inspirar o respeito e a submissão da inteligência e da vontade humanas.


342 A hierarquia das criaturas é expressa pela ordem dos «seis dias», indo do menos perfeito para o mais perfeito. Deus ama todas as suas criaturas (207) e cuida de cada uma, até dos passarinhos. No entanto, Jesus diz: «[Vós] valeis mais do que muitos passarinhos» (Lc 12,7), e ainda: «Um homem vale muito mais que uma ovelha» (Mt 12,12).


343 O homem é o ponto culminante da obra da criação. A narrativa inspirada exprime essa realidade, fazendo nítida distinção entre a criação do homem e a das outras criaturas (208).


344 Existe uma solidariedade entre todas as criaturas pelo facto de todas terem o mesmo Criador e todas serem ordenadas para a sua glória:

«Louvado sejas meu Senhor, com todas as tuas criaturas,
especialmente o meu senhor irmão Sol,
o qual faz o dia e por ele nos alumia
E ele é belo e radiante com grande esplendor:
de Ti. Altíssimo, nos dá ele a imagem [...]

Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água,
que é tão útil e humilde,
e preciosa e casta [...]

Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra,
que nos sustenta e governa,
e produz variados frutos,
com flores coloridas, e verduras [...]

Louvai e bendizei a meu Senhor,
e dai-lhe graças e servi-o
com grande humildade» (219).


345 O «Sábado» – fim da obra dos «seis dias». O texto sagrado diz que «Deus concluiu, no sétimo dia, a obra que fizera» e que assim «se completaram o céu e a terra»; e no sétimo dia Deus «descansou» e santificou e abençoou este dia (Gn 2,1-3). Estas palavras inspiradas são ricas de salutares ensinamentos:


346 Na criação, Deus estabeleceu uma base e leis que permanecem estáveis (210) sobre as quais o crente pode apoiar-se com confiança, e que serão para ele sinal e garantia da fidelidade inquebrantável da Aliança divina (211). Por seu lado, o homem deve manter-se fiel a esta base e respeitar as leis que o Criador nela inscreveu.


347 A criação foi feita em vista do Sábado e, portanto, do culto e da adoração de Deus. O culto está inscrito na ordem da criação (212) – «Operi Dei nihil preponatur – Nada se anteponha à obra de Deus (ao culto divino)» – diz a Regra de São Bento (213) indicando assim a justa ordem das preocupações humanas.


348 O Sábado está no coração da Lei de Israel. Guardar os Mandamentos é corresponder à sabedoria e à vontade de Deus, expressas na sua obra da criação.


349 O oitavo dia. Mas para nós, um dia novo surgiu: o dia da Ressurreição de Cristo. O sétimo dia acaba a primeira criação. O oitavo dia começa a nova criação. A obra da criação culmina, assim, na obra maior da Redenção. A primeira criação encontrou o seu sentido e cume ria nova criação em Cristo, cujo esplendor ultrapassa o da primeira (214).

202. Cf.
Gn 1,1-2 Gn 1,4.
203. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, DV 11, AAS 58 (1966) 823.
204. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 36, AAS 57 (1965) 41.
205. Cf. Santo Agostinho, De genesi contra Manichaeos, 1, 2, 4: PL 36, 175.
206. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 36, AAS 58 (1966) 1054.
207. Cf. Ps 145,9
208. Cf. Gn 1,26
209. São Francisco de Assis. Cântico das criaturas: Opuscula sancti Patris Francisci Assisiensis, ed C. Esser (Grottaferrata 1978) p. 84-86 [Fontes Franciscanas, l Braga, Editorial Franciscana, 1994) p. 77-78].
210. Cf. He 4,3-4
211. Cf. Jr 31,35-37 Jr 33,19-26
212. Cf. Gn 1,14
213. São Bento, Regula. 43. 3: CSEL 75, 106 (PL 66, 675).
214. Cf. Vigília Pascal, oração depois da primeira leitura: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 276 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 304].

Resumindo:


350 Os anjos são criaturas espirituais que glorificam a Deus sem cessar e servem os seus planos salvíficos em relação às outras criaturas: «Ad omnia bona nostra cooperantur angeli – Os anjos prestam a sua cooperação a tudo quanto diz respeito ao nosso bem» (215).

215. São Tomás de Aquino, Summa theologiae,
I 114,3, ad 3: Ed. Leon. 5, 535.

351 Os anjos assistem a Cristo, seu Senhor. Servem-n'O de modo particular no cumprimento da sua missão salvífica em relação aos homens.


352 A Igreja venera os anjos, que a ajudam na sua peregrinação terrestre e protegem todo o género humano.


353 Deus quis a diversidade das suas criaturas e a sua bondade própria, a sua interdependência e a sua ordem. Destinou todas as criaturas materiais para o bem do género humano. O homem, e através dele toda a criação, tem como destino a glória de Deus.


354 . Respeitar as leis inscritas na criação e as relações derivantes da natureza das coisas, é princípio de sabedoria e fundamento da moral.

PARÁGRAFO 6

O HOMEM


355 «Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus. Ele o criou homem e mulher» (Gn 1,27). O homem ocupa um lugar único na criação: é «à imagem de Deus» (I); na sua própria natureza, une o mundo espiritual e o mundo material (II); foi criado «homem e mulher» (III); Deus estabeleceu-o na sua amizade (IV).

I. «A imagem de Deus»


356 De todas as criaturas visíveis, só o homem é «capaz de conhecer e amar o seu Criador» (216); é a «única criatura sobre a terra que Deus quis por si mesma» (217); só ele é chamado a partilhar, pelo conhecimento e pelo amor, a vida de Deus. Com este fim foi criado, e tal é a razão fundamental da sua dignidade:

«Qual foi a razão de terdes elevado o homem a tão alta dignidade? Foi certamente o incomparável amor com que Vos contemplastes a Vós mesmo na vossa criatura e Vos enamorastes dela; porque foi por amor que a criastes, foi por amor que lhe destes um ser capaz de apreciar o vosso bem eterno» (218).


357 Porque é «à imagem de Deus», o indivíduo humano possui a dignidade de pessoa: ele não é somente alguma coisa, mas alguém. É capaz de se conhecer, de se possuir e de livremente se dar e entrar em comunhão com outras pessoas. E é chamado, pela graça, a uma Aliança com o seu Criador, a dar-Lhe uma resposta de fé e amor que mais ninguém pode dar em seu lugar.


358 Deus tudo criou para o homem (219) mas o homem foi criado para servir e amar a Deus, e para Lhe oferecer toda a criação:

«Qual é, pois, o ser que vai chegar à existência rodeado de tal consideração? É o homem, grande e admirável figura vivente, mais precioso aos olhos de Deus que toda a criação; é o homem, para quem existem o céu e a terra e o mar e a totalidade da criação, e a cuja salvação Deus deu tanta importância, que, por ele, nem ao seu próprio Filho poupou. Porque Deus não desiste de tudo realizar, para fazer subir o homem até Si e fazê-lo sentar à sua direita» (220).


359 «Na realidade, só no mistério do Verbo Encarnado é que verdadeiramente se esclarece o mistério do homem» (221):

«São Paulo ensina-nos que dois homens estão na origem do género humano: Adão e Cristo. [...] O primeiro Adão, diz ele, foi criado como um ser humano que recebeu a vida; o segundo é um ser espiritual que dá a vida. O primeiro foi criado pelo segundo, de Quem recebeu a alma que o faz viver. [...] O segundo Adão gravou a sua imagem no primeiro, quando o modelou. Por isso, veio a assumir a sua função e o seu nome, para que não se perdesse aquele que fizera à sua imagem. Primeiro e último Adão: o primeiro teve princípio; o último não terá fim. Por isso é que o último é verdadeiramente o primeiro, como Ele mesmo diz: "Eu sou o Primeiro e o Último"» (222).


360 Graças à comunidade de origem, o género humano forma uma unidade. Deus «fez, a partir de um só homem todo o género humano para habitar sobre toda a face da terra» (Ac 17,26) (223):

«Maravilhosa visão, que nos faz contemplar o género humano na unidade da sua origem em Deus [...]; na unidade da sua natureza, em todos igualmente integrada dum corpo material e duma alma espiritual; na unidade do seu fim imediato e da sua missão no mundo; na unidade da sua habitação, a terra, de cujos bens todos os homens, por direito natural, podem servir-se para sustentar e desenvolver a vida; na unidade do seu fim sobrenatural. Deus, para o Qual todos devem tender, na unidade dos meios para atingir este fim; [...] na unidade da Redenção, para todos levada a cabo por Cristo» (224).


361 «Esta lei de solidariedade humana e de caridade» (225), sem excluir a rica variedade das pessoas, das culturas e dos povos, assegura-nos que todos os homens são verdadeiramente irmãos.

216. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes,
GS 12, AAS 58 (1966) 1034.
217. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 24, AAS 58 (1966) 1045.
218. Santa Catarina de Sena, Il dialogo della Divina provvidenza, 13: ed. G. Cavallini (Roma 1995) p. 43.
219. Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 12, AAS 58 (1966) 1034: Ibid. GS 24: AAS 58 (1966) 1045; Ibid. GS 39: AAS 58 (1966) 1056-1057.
220. São João Crisóstomo, Sermones in Genesim, 2, 1: PG 54, 587D-588A.
221. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 22, AAS 58 (1966) 1042.
222. São Pedro Crisólogo, Sermones 117, 1-2: CCL 24A, 709 (PL 52, 520) [2ª leit. do Ofício de Leituras de Sábado da XXIX Semana do Tempo Comum: Liturgia das Horas (Gráfica de Coimbra 1983), v. 4, p. 440].
223. Cf. Tb 8,6
224. Pio XII, Enc. Summi Pontificatus: AAS 31 (1939) 427: II Concílio Vaticano, Decl. Nostra aetate, NAE 1: AAS 58 (1966) 740.
225. Pio XII. Enc. Summi Pontificatus: AAS 31 (1939) 426.


II. «Corpore et anima unus» – Unidade de corpo e alma


362 A pessoa humana, criada à imagem de Deus, é um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual. A narrativa bíblica exprime esta realidade numa linguagem simbólica, quando afirma que «Deus formou o homem com o pó da terra, insuflou-lhe pelas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se num ser vivo» (Gn 2,7). O homem, no seu ser total, foi, portanto, querido por Deus.


363 Muitas vezes, a palavra alma designa, nas Sagradas Escrituras, a vida humana (226), ou a pessoa humana no seu todo (227). Mas designa também o que há de mais íntimo no homem (228) e de maior valor na sua pessoa (229), aquilo que particularmente faz dele imagem de Deus: «alma» significa o princípio espiritual no homem.


364 O corpo do homem participa na dignidade da «imagem de Deus»: é corpo humano precisamente por ser animado pela alma espiritual, e a pessoa humana na sua totalidade é que é destinada a tornar-se, no Corpo (Místico) de Cristo, templo do Espírito (230):

«Corpo e alma, mas realmente uno, o homem, na sua condição corporal, reúne em si mesmo os elementos do mundo material, que assim nele encontram a sua consumação e nele podem louvar Livremente o seu Criador. Por isso, não é lícito ao homem menosprezar a vida do corpo. Pelo contrário, deve estimar e respeitar o seu corpo, que foi criado por Deus e que há-de ressuscitar no último dia» (231).


365 A unidade da alma e do corpo é tão profunda que se deve considerar a alma como a «forma» do corpo (232); quer dizer, é graças à alma espiritual que o corpo, constituído de matéria, é um corpo humano e vivo. No homem, o espírito e a matéria não são duas naturezas unidas, mas a sua união forma uma única natureza.


366 A Igreja ensina que cada alma espiritual é criada por Deus de modo imediato (233) e não produzida pelos pais; e que é imortal (234), isto é, não morre quando, na morte, se separa do corpo; e que se unirá de novo ao corpo na ressurreição final.


367 Encontra-se às vezes uma distinção entre alma e espírito. São Paulo, por exemplo, ora para que «todo o nosso ser, o espírito, a alma e o corpo», seja guardado sem mancha até à vinda do Senhor (1Th 5,23). A Igreja ensina que esta distinção não introduz uma dualidade na alma (235), «Espírito» significa que o homem é ordenado, desde a sua criação, para o seu fim sobrenatural (236), e que a alma é capaz de ser gratuitamente sobreelevada até à comunhão com Deus (237).


368 A tradição espiritual da Igreja insiste também no coração,no sentido bíblico de «fundo do ser» («nas entranhas»: Jr 31,33) em que a pessoa se decide ou não por Deus (238).

226. Cf. Mt 16,25-26 Jn 15,13
227. Cf. Ac 2,41
228. Cf. Mt 26,38 Jn 12,27
229. Cf. Mt 10,28 2M 6,30
230. Cf. 1Co 6,19-20 1Co 15,44-45
231. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 14, AAS 58 (1966) 1035.
232. Cf. Concílio de Viena (ano 1312), Const. «Fidei catholicae»: DS 902.
233. Cf. Pio XII, Enc. Humani generis (ano 1950): DS 3896; Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 8: AAS 60 (1968) 436.
234. Cf. V Concílio de Latrão (ano 1513), Bulla Apostolici regiminis: DS 1440.
235. IV Concílio de Constantinopla (ano 870), canon 11: DS 657.
236. Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 2: DS 3005 II Concílio Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 22, AAS 58 (1966) 1042-1043.
237. Cf. Pio XII, Enc. Humani generis (ano 1950): DS 3891.
238. Cf. Dt 6,5 Dt 29,3 Is 29,13 Ez 36,26 Mt 6,21, Lc 8,15 Rm 5,5


III. «Homem e mulher os criou»


IGUALDADE E DIFERENÇA QUERIDAS POR DEUS


369 O homem e a mulher foram criados, quer dizer, foram queridos por Deus: em perfeita igualdade enquanto pessoas humanas, por um lado; mas, por outro, no seu respectivo ser de homem e de mulher. «Ser homem», «ser mulher» é uma realidade boa e querida por Deus: o homem e a mulher têm uma dignidade inamissível e que lhes vem imediatamente de Deus, seu Criador (239). O homem e a mulher são, com uma mesma dignidade, «à imagem de Deus». No seu «ser homem» e no seu «ser mulher», reflectem a sabedoria e a bondade do Criador.


370 Deus não é, de modo algum; à imagem do homem. Não é nem homem nem mulher. Deus é puro espírito, no Qual não há lugar para a diferença de sexos. Mas as «perfeições» do homem e da mulher reflectem qualquer coisa da infinita perfeição de Deus: as duma mãe (240) e as dum pai e esposo (241).

239. Cf.
Gn 2,7 Gn 2,22
240. Cf. Is 49,14-15 Is 66,13 Ps 131,2-3
241. Cf. Os 11,1-4 Jr 3,4-19


«UM PARA O OUTRO» – «UMA UNIDADE A DOIS»


371 Criados juntamente, o homem e a mulher são, na vontade de Deus, um para o outro. A Palavra de Deus no-lo dá a entender em diversos passos do texto sagrado. «Não convém que o homem esteja só: vou fazer-lhe uma ajudante que se pareça com ele» (Gn 2,18).Nenhum dos animais pode ser este «par» do homem (242). A mulher que Deus «molda» da costela tirada do homem e que apresenta ao homem, provoca da parte deste, uma exclamação admirativa, de amor e comunhão: «E osso dos meus ossos e carne da minha carne» (Ga 2,23). O homem descobre a mulher como um outro «eu», da mesma humanidade.


372 O homem e a mulher são feitos «um para o outro»: não é que Deus os tenha feito «a meias» e «incompletos»; criou-os para uma comunhão de pessoas, em que cada um pode ser «ajuda» para o outro, uma vez que são, ao mesmo tempo, iguais enquanto pessoas («osso dos meus ossos») e complementares enquanto masculino e feminino (243). No matrimónio, Deus une-os de modo que, formando «uma só carne» (Gn 2,24), possam transmitir a vida humana: «crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra» (Gn 1,28).Transmitindo aos seus descendentes a vida humana, o homem e a mulher, como esposos e pais, cooperam de modo único na obra do Criador (244).


373 Segundo o desígnio de Deus, o homem e a mulher são vocacionados para «dominarem a terra» (245) como «administradores» de Deus. Esta soberania não deve ser uma dominação arbitrária e destruidora. A imagem do Criador, «que ama tudo o que existe» (Sg 11,24), o homem e a mulher são chamados a participar na Providência divina em relação às outras criaturas. Daí a sua responsabilidade para com o mundo que Deus lhes confiou.

242. Cf. Gn 2,19-20
243. Cf. João Paulo II, Ep. ap. Mulieris dignitatem, MD 7, AAS 80 (1988) 1664-1665.
244. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 50, AAS 58 (1966) 1070-1071.
245. Cf. Gn 1,28

IV. O homem no paraíso


374 O primeiro homem não só foi criado bom, como também foi constituído num estado de amizade com o seu Criador, e de harmonia consigo mesmo e com a criação que o rodeava; amizade e harmonia tais, que só serão ultrapassadas pela glória da nova criação em Cristo.


375 A Igreja, interpretando de modo autêntico o simbolismo da linguagem bíblica à luz do Novo Testamento e da Tradição, ensina que os nossos primeiros pais, Adão e Eva, foram constituídos num estado de santidade e de justiça originais (246). Esta graça da santidade original era uma participação na vida divina (247).


376 Todas as dimensões da vida do homem eram fortalecidas pela irradiação desta graça. Enquanto permanecesse na intimidade divina, o homem não devia nem morrer (248), nem sofrer (249). A harmonia interior da pessoa humana, a harmonia entre o homem e a mulher (250), enfim, a harmonia entre o primeiro casal e toda a criação, constituía o estado dito «de justiça original».


377 O «domínio» do mundo, que Deus tinha concedido ao homem desde o princípio, realizava-se, antes de mais, no próprio homem como domínio de si. O homem era integrado e ordenado em todo o seu ser, porque livre da tríplice concupiscência (251), que o sujeita aos prazeres dos sentidos, à ambição dos bens terrenos e à afirmação de si contra os imperativos da razão.


378 Sinal da familiaridade com Deus é o facto de Deus o colocar no jardim (252). Ali vive «a fim de o cultivar e guardar» (Gn 2,15): o trabalho não é um castigo (253), mas a colaboração do homem e da mulher com Deus no aperfeiçoamento da criação visível.


379 Toda esta harmonia da justiça original, prevista para o homem pelo plano de Deus, será perdida pelo pecado dos nossos primeiros pais.

246. Cf. Concílio de Trento, Sess. 5.°. Decretum de peccato originali, canon 1:
DS 1511.
247. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 2, AAS 57 (1965) 5-6.
248. Cf. Gn 2,17 Gn 3,19
249. Cf. Gn 3,16
250. Cf. Gn 2,25
251. Cf. 1Jn 2,16
252. Cf. Gn 2,8
253. Cf. Gn 3,17-19


Resumindo:


380 «Formastes o homem à vossa imagem e lhe confiastes o Universo, para que, servindo-Vos unicamente a Vós, seu Criador; exercesse domínio sobre todas as criaturas» (254).


381 O homem foi predestinado para reproduzir a imagem do Filho de Deus feito homem –«imagem do Deus invisível» (Col 1,15) –, para que Cristo seja o primogénito duma multidão de irmãos e irmãs (255).


382 O homem é «uma unidade de corpo e alma» (256). A doutrina da fé afirma que a alma espiritual e imortal foi criada imediatamente por Deus.


383 «Deus não criou o homem solitário: desde a origem "criou-os homem e mulher" (Gn 1,27); a sociedade dos dois realiza a primeira forma de comunhão entre pessoas»(257).


384 A Revelação dá-nos a conhecer o estado de santidade e justiça originais do homem e da mulher, antes do pecado: da amizade de ambos com Deus derivava a felicidade da sua existência no paraíso.

254. Oração eucarística IV 118: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 467 [Missal Romano. Gráfica de Coimbra 1992. 538].
255. Cf.
Ep 1,3-6 Rm 8,29.
256. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 14, AAS 58 (1966) 1035.
257. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes GS 12, AAS 58 (1966) 1034.



PARÁGRAFO 7

A QUEDA


385 Deus é infinitamente bom e todas as suas obras são boas. No entanto, ninguém escapa à experiência do sofrimento, dos males da natureza – que aparecem como ligados aos limites próprios das criaturas –, e sobretudo à questão do mal moral. Donde vem o mal? «Quaerebam unde malum et non erat exitus Procurava a origem do mal e não encontrava solução», diz Santo Agostinho (258). A sua própria busca dolorosa só encontrará saída na conversão ao Deus vivo. Porque «o mistério da iniquidade» (2Th 2,7) só se esclarece à luz do «mistério da piedade» (259). A revelação do amor divino em Cristo manifestou, ao mesmo tempo, a extensão do mal e a superabundância da graça (260). Devemos, portanto, abordar a questão da origem do mal, fixando o olhar da nossa fé n'Aquele que é o seu único vencedor (261).

258. Santo Agostinho, Confissões 7, 7. 11: CCL 27. 99 (PL 32, 739).
259. Cf. 1Tm 3,16
260. Cf. Rm 5,20
261. Cf. Lc 11,21-22, Jn 16,11 1Jn 3,8



Catecismo Igreja Catól. 315