Catecismo Igreja Catól. 385

I. «Onde abundou o pecado, sobreabundou a graça»

A REALIDADE DO PECADO


386 O pecado está presente na história do homem. Seria vão tentar ignorá-lo ou dar outros nomes a esta obscura realidade. Para tentar compreender o que é o pecado, temos primeiro de reconhecer o laço profundo que une o homem a Deus, porque, fora desta relação, o mal do pecado não é desmascarado na sua verdadeira identidade de recusa e oposição a Deus, embora continue a pesar na vida do homem e na história.


387 A realidade do pecado e, dum modo particular, a do pecado das origens, só se esclarece à luz da Revelação divina. Sem o conhecimento que esta nos dá de Deus, não se pode reconhecer claramente o pecado, e somos tentados a explicá-lo unicamente como falta de maturidade, fraqueza psicológica, erro, consequência necessária duma estrutura social inadequada, etc. Só no conhecimento do desígnio de Deus sobre o homem é que se compreende que o pecado é um abuso da liberdade que Deus dá às pessoas criadas para que possam amá-Lo e amarem-se mutuamente.


O PECADO ORIGINAL – UMA VERDADE FUNDAMENTAL DA FÉ


388 Com o progresso da Revelação, vai-se esclarecendo também a realidade do pecado. Embora o povo de Deus do Antigo Testamento tenha abordado a dor da condição humana à luz da história da queda narrada no Génesis, não podia atingir o significado último dessa história, o qual só se manifesta à luz da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo (262). É preciso conhecer Cristo como fonte da graça para reconhecer Adão como fonte do pecado. Foi o Espírito Paráclito, enviado por Cristo ressuscitado, que veio «confundir o mundo em matéria de pecado» (Jn 16,8), revelando Aquele que é o seu redentor.


389 A doutrina do pecado original é, por assim dizer, «o reverso» da Boa-Nova de que Jesus é o Salvador de todos os homens, de que todos têm necessidade da salvação e de que a salvação é oferecida a todos, graças a Cristo. A Igreja, que tem o sentido de Cristo (263), sabe bem que não pode tocar-se na revelação do pecado original sem atentar contra o mistério de Cristo.

262. Cf.
Rm 5,12-21
263. Cf. 1Co 2,16


PARA LER A NARRATIVA DA QUEDA


390 A narrativa da queda (Gn 3) utiliza uma linguagem feita de imagens, mas afirma um acontecimento primordial, um facto que teve lugar no princípio da história do homem (264). A Revelação dá-nos uma certeza de fé de que toda a história humana está marcada pela falta original, livremente cometida pelos nossos primeiros pais (265).

264. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 13, AAS 58 (1966) 1034-1035.
265. Cf. Concílio de Trento, Sess. 5.º, Decretum de peccato originali, canon 3: DS 1513: Pio XII, Enc. Humani generis: DS 3897, Paulo VI, Alocução aos participantes no «simpósio» teológico sobre o pecado original (11 de Julho de 1966): AAS 58 (1966) 649-655.


II. A queda dos anjos


391 Por detrás da opção de desobediência dos nossos primeiros pais, há uma voz sedutora, oposta a Deus (266), a qual, por inveja, os faz cair na morte (267). A Escritura e a Tradição da Igreja vêem neste ser um anjo decaído, chamado Satanás ou Diabo (268). Segundo o ensinamento da Igreja, ele foi primeiro um anjo bom, criado por Deus. «Diabolus enim et alii daemones a Deo quidem natura creati sunt boni, sed ipsi per se facti sunt mali – De facto, o Diabo e os outros demónios foram por Deus criados naturalmente bons; mas eles, por si, é que se fizeram maus» (269).


392 A Escritura fala dum pecado destes anjos (270). A queda consiste na livre opção destes espíritos criados, que radical e irrevogavelmente recusaram Deus e o seu Reino. Encontramos um reflexo desta rebelião nas palavras do tentador aos nossos primeiros pais: «Sereis como Deus» (Gn 3,5). O Diabo é «pecador desde o princípio» (1Jn 3,8), «pai da mentira» (Jn 8,44).


393 É o carácter irrevogável da sua opção, e não uma falha da infinita misericórdia de Deus, que faz com que o pecado dos anjos não possa ser perdoado. «Não há arrependimento para eles depois da queda, tal como não há arrependimento para os homens depois da morte» (271).


394 . A Escritura atesta a influência nefasta daquele que Jesus chama «o assassino desde o princípio» (Jn 8,44), e que chegou ao ponto de tentar desviar Jesus da missão recebida do Pai (272). «Foi para destruir as obras do Diabo que apareceu o Filho de Deus» (1Jn 3,8). Dessas obras, a mais grave em consequências foi a mentirosa sedução que induziu o homem a desobedecer a Deus.

266. Cf. Gn 3,1-5
267. Cf. Sg 2,24
268. Cf. Jn 8,44 Ap 12,9
269. IV Concílio de Latrão (ano 1215), Cap. 1, De fide catholica: DS 800.
270. Cf. 2P 2,4
271. São João Damasceno, Expositio fidei [De fide orthodoxa 2, 4]: PTS 12, 50 (PG 94, 877).
272. Cf. Mt 4,1-11



395 No entanto, o poder de Satanás não é infinito. Satanás é uma simples criatura, poderosa pelo facto de ser puro espírito, mas, de qualquer modo, criatura: impotente para impedir a edificação do Reino de Deus. Embora Satanás exerça no mundo a sua acção, por ódio contra Deus e o seu reinado em Jesus Cristo, e embora a sua acção cause graves prejuízos – de natureza espiritual e indirectamente, também, de natureza física – a cada homem e à sociedade, essa acção é permitida pela divina Providência, que com força e suavidade dirige a história do homem e do mundo. A permissão divina da actividade diabólica é um grande mistério. Mas «nós sabemos que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm 8,28).

III. O pecado original


A PROVA DA LIBERDADE


396 Deus criou o homem «à sua imagem» e constituiu-o na sua amizade. Criatura espiritual, o homem só pode viver esta amizade na modalidade da livre submissão a Deus. É isso o que exprime a proibição feita ao homem de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, «pois no dia em que o comeres, morrerás» (Gn 2,17). A «árvore de conhecer o bem e o mal» (Gn 2,17) evoca simbolicamente o limite intransponível que o homem, como criatura, deve livremente reconhecer e confiadamente respeitar. O homem depende do Criador. Está sujeito às leis da criação e às normas morais que regulam o exercício da liberdade.

O PRIMEIRO PECADO DO HOMEM


397 Tentado pelo Diabo, o homem deixou morrer no coração a confiança no seu Criador (273). Abusando da liberdade, desobedeceu ao mandamento de Deus. Nisso consistiu o primeiro pecado do homem (274). Daí em diante, todo o pecado será uma desobediência a Deus e uma falta de confiança na sua bondade.


398 Neste pecado, o homem preferiu-se a si próprio a Deus, e por isso desprezou Deus: optou por si próprio contra Deus, contra as exigências da sua condição de criatura e, daí, contra o seu próprio bem. Constituído num estado de santidade, o homem estava destinado a ser plenamente «divinizado» por Deus na glória. Pela sedução do Diabo, quis «ser como Deus»(275), mas «sem Deus, em vez de Deus, e não segundo Deus» (276).


399 A Escritura refere as consequências dramáticas desta primeira desobediência: Adão e Eva perdem imediatamente a graça da santidade original (277). Têm medo daquele Deus (278) de quem se fizeram uma falsa imagem: a dum Deus ciumento das suas prerrogativas (279).


400 A harmonia em que viviam, graças à justiça original, ficou destruída; o domínio das faculdades espirituais da alma sobre o corpo foi quebrado (280); a união do homem e da mulher ficou sujeita a tensões (281); as suas relações serão marcadas pela avidez e pelo domínio (282). A harmonia com a criação desfez-se: a criação visível tornou-se, para o homem, estranha e hostil (283). Por causa do homem, a criação ficou sujeita «à servidão da corrupção» (284). Enfim, vai concretizar-se a consequência explicitamente anunciada para o caso da desobediência (285): o homem «voltará ao pó de que foi formado» (286). A morte faz a sua entrada na história da humanidade (287).


401 A partir deste primeiro pecado, uma verdadeira «invasão» de pecado inunda o mundo: o fratricídio cometido por Caim na pessoa de Abel (288); a corrupção universal como consequência do pecado (289). Na história de Israel, o pecado manifesta-se com frequência, sobretudo como uma infidelidade ao Deus da Aliança e como transgressão da lei de Moisés. Mesmo depois da redenção de Cristo, o pecado manifesta-se de muitas maneiras entre os cristãos (290). A Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja não se cansam de lembrar a presença e a universalidade do pecado na história do homem.

«O que a Revelação divina nos dá a conhecer, concorda com os dados da experiência. Quando o homem olha para dentro do seu próprio coração, descobre-se inclinado também para o mal, e imerso em muitos males, que não podem provir do seu Criador, que é bom. Muitas vezes, recusando reconhecer Deus como seu princípio, o homem perturbou, por isso mesmo, a sua ordenação para o fim último e, ao mesmo tempo, toda a harmonia consigo próprio, com os outros homens e com toda a criação» (291).

273. Cf
Gn 3,1-11
274. Cf. Rm 5,19
275. Cf. Gn 3,5
276. São Máximo o Confessor, Ambiguorum liber: PG 91, 1156.
277. Cf. Rm 3,23
278. Cf. Gn 3,9-10
279. Cf. Gn 3,5
280. Cf. Gn 3,7
281. Cf. Gn 3,11-13
282. Cf. Gn 3,16
283. Cf. Gn 3,17 Gn 3,19
284. Cf. Rm 8,20
285. Cf. Gn 2,17
286. Cf. Gn 3,19
287. Cf. Rm 5,12
288. Cf. Gn 4,3-15
289. Cf. Gn 6,5 Gn 6,12 Rm 1,18-32
290. Cf. 1Co 1-6 Ap 2-3
291. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 13, AAS 58 (1966) 1035.




CONSEQUÊNCIAS DO PECADO DE ADÃO PARA A HUMANIDADE


402 Todos os homens estão implicados no pecado de Adão. É São Paulo quem o afirma: «pela desobediência de um só homem, muitos [quer dizer, a totalidade dos homens] se tornaram pecadores» (Rm 5,19): «Assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte atingiu todos os homens, porque todos pecaram» (Rm 5,12). A universalidade do pecado e da morte, o Apóstolo opõe a universalidade da salvação em Cristo: «Assim como, pelo pecado de um só, veio para todos os homens a condenação, assim também, pela obra de justiça de um só [Cristo], virá para todos a justificação que dá a vida» (Rm 5,18).


403 Depois de São Paulo, a Igreja sempre ensinou que a imensa miséria que oprime os homens, e a sua inclinação para o mal e para a morte não se compreendem sem a ligação com o pecado de Adão e o facto de ele nos ter transmitido um pecado de que todos nascemos infectados e que é «morte da alma» (292). A partir desta certeza de fé, a Igreja confere o Baptismo para a remissão dos pecados, mesmo às crianças que não cometeram qualquer pecado pessoal (293).


404 Como é que o pecado de Adão se tornou o pecado de todos os seus descendentes? Todo o género humano é, em Adão, «sicut unum corpus unius hominis – como um só corpo dum único homem» (294). Em virtude desta «unidade do género humano», todos os homens estão implicados no pecado de Adão, do mesmo modo que todos estão implicados na justificação de Cristo. Todavia, a transmissão do pecado original é um mistério que nós não podemos compreender plenamente. Mas sabemos, pela Revelação, que Adão tinha recebido a santidade e a justiça originais, não só para si, mas para toda a natureza humana; consentindo na tentação, Adão e Eva cometeram um pecado pessoal, mas este pecado afecta a natureza humana que eles vão transmitir num estado decaído (295). É um pecado que vai ser transmitido a toda a humanidade por propagação, quer dizer, pela transmissão duma natureza humana privada da santidade e justiça originais. E é por isso que o pecado original se chama «pecado» por analogia: é um pecado «contraído» e não «cometido»; um estado, não um acto.


405 Embora próprio de cada um (296), o pecado original não tem, em qualquer descendente de Adão, carácter de falta pessoal. É a privação da santidade e justiça originais, mas a natureza humana não se encontra totalmente corrompida: está ferida nas suas próprias forças naturais, sujeita à ignorância, ao sofrimento e ao império da morte, e inclinada ao pecado (inclinação para o mal, que se chama concupiscência). O Baptismo, ao conferir a vida da graça de Cristo, apaga o pecado original e reorienta o homem para Deus, mas as consequências para a natureza, enfraquecida e inclinada para o mal, persistem no homem e convidam-no ao combate espiritual.


406 A doutrina da Igreja sobre a transmissão do pecado original foi definida sobretudo no século V, particularmente sob o impulso da reflexão de Santo Agostinho contra o pelagianismo, e no século XVI, por oposição à Reforma protestante. Pelágio sustentava que o homem podia, pela força natural da sua vontade livre, sem a ajuda necessária da graça de Deus, levar uma vida moralmente boa; reduzia a influência do pecado de Adão à de um simples mau exemplo. Os primeiros reformadores protestantes, pelo contrário, ensinavam que o homem estava radicalmente pervertido e a sua liberdade anulada pelo pecado das origens: identificavam o pecado herdado por cada homem com a tendência para o mal («concupiscência»), a qual seria invencível. A Igreja pronunciou-se especialmente sobre o sentido do dado revelado, quanto ao pecado original, no segundo Concílio de Orange em 529 (297) e no Concílio de Trento em 1546 (298).

292. Concílio de Trento, Sess.5.ª, Decretum de peccato originali, canon 2:
DS 1512
293 Concílio de Trento, Sess. 5.ª, Decretum de peccato originali, canon 4: DS 1514
294. São Tomás de Aquino, Quaestiones disputatae de malo, 4. 1, c.: Ed. Leon. 23, 105.
295. Concílio de Trento, Sess. 5.ª, Decretum de peccato originali, canon 1-2: DS 1511-1512
296. Concílio de Trento, Sess. 5.ª, Decretum de peccato originali, canon 3: DS 1513
297. Concílio de Orange, Canones 1-2: DS 371-372
298. Concílio de Trento, Sess. Decretum de peccato originali, DS 1510-1516



UM DURO COMBATE


407 A doutrina sobre o pecado original – ligada à da redenção por Cristo – proporciona uma visão de lúcido discernimento sobre a situação do homem e da sua acção neste mundo. Pelo pecado dos primeiros pais, o Diabo adquiriu um certo domínio sobre o homem, embora este permanecesse livre. O pecado original traz consigo «a escravidão, sob o poder daquele que possuía o império da morte, isto é, do Diabo» (299). Ignorar que o homem tem uma natureza ferida, inclinada para o mal, dá lugar a graves erros no domínio da educação, da política, da acção social (300) e dos costumes.


408 As consequências do pecado original e de todos os pecados pessoais dos homens dão ao mundo, no seu conjunto, uma condição pecadora, que pode ser designada pela expressão de São João «o pecado do mundo» (Jn 1,29).Esta expressão significa também a influência negativa que as situações comunitárias e as estruturas sociais, que são o fruto dos pecados dos homens, exercem sobre as pessoas (301).


409 Esta dramática situação do mundo, que «está todo sob o poder do Maligno» (1Jn 5,19) (302), transforma a vida do homem num combate:

«Um duro combate contra os poderes das trevas atravessa toda a história dos homens. Tendo começado nas origens, há-de durar – o Senhor no-lo disse – até ao último dia. Empenhado nesta batalha, o homem vê-se na necessidade de lutar sem descanso para aderir ao bem. Só através de grandes esforços é que, com a graça de Deus, consegue realizar a sua unidade interior» (303).

299. Concílio de Trento, Sess. Decretum de peccato originali, canon l: DS 1511 cf. He 2,14
300. Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, CA 25, AAS 83 (1991) 823-824.
301. Cf. João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, RP 16, AAS 77 (1985) 213-217.
302. Cf. 1P 5,8
303. II Concílio do Vaticano. Const. past. Gaudium et spes, GS 37, AAS 58 (1966) 1055.


IV. «Vós não o abandonastes ao poder da morte»


410 Depois da queda, o homem não foi abandonado por Deus. Pelo contrário, Deus chamou-o (304) e anunciou-lhe, de modo misterioso, que venceria o mal e se levantaria da queda (305). Esta passagem do Génesis tem sido chamada « Proto-Evangelho» por ser o primeiro anúncio do Messias redentor, do combate entre a Serpente e a Mulher, e da vitória final dum descendente desta.


411 A Tradição cristã vê nesta passagem um anúncio do «novo Adão» (306) que, pela sua «obediência até à morte de cruz» (Ph 2,8), repara super-abundantemente a desobediência de Adão (307). Por outro lado, muitos santos Padres e Doutores da Igreja vêem na mulher, anunciada no proto-Evangelho, a Mãe de Cristo, Maria, como «nova Eva». Ela foi a primeira a beneficiar, dum modo único, da vitória sobre o pecado alcançada por Cristo: foi preservada de toda a mancha do pecado original (308) e, durante toda a sua vida terrena, por uma graça especial de Deus, não cometeu qualquer espécie de pecado (309).


412 Mas porque é que Deus não impediu o primeiro homem de pecar? São Leão Magno responde: «A graça inefável de Cristo deu-nos bens superiores aos que a inveja do demónio nos tinha tirado» (310). E São Tomás de Aquino: «Nada se opõe a que a natureza humana tenha sido destinada a um fim mais alto depois do pecado. Efectivamente, Deus permite que os males aconteçam para deles tirar um bem maior. Daí a palavra de São Paulo: "onde abundou o pecado, superabundou a graça" (Rm 5,20). Por isso, na bênção do círio pascal canta-se: "Ó feliz culpa, que mereceu tal e tão grande Redentor!"» (311).

304. Cf. Gn 3,9
305. Cf. Gn 3,15
306. Cf. 1Co 15,21-22 1Co 15,45
307. Cf. Rm 5,19-20
308. Cf. Pio IX. Bulla Ineffabilis Deus: DS 2803
309. Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª., Decretum de iustificatione, canon 23: DS 1573
310. São Leão Magno, Sermo 73. 4: CCL 88A. 453 (PL 54. 151).
311. São Tomás de Aquino, Summa theologiae. III 1,3. ad 3: Ed. Leon. 11, 14: as palavras aqui citadas por São Tomás cantam-se no Precónio pascal «Exsultet».


Resumindo:


413 «Não foi Deus quem fez a morte, nem Ele se alegra por os vivos se perderem [...]. A morte entrou no mundo pela inveja do Diabo» (Sg 1,13 Sg 2,24).


414 Satanás ou Diabo e os outros demónios são anjos decaídos por terem livremente recusado servir a Deus e ao seu desígnio. A sua opção contra Deus é definitiva. E eles tentam associar o homem à sua revolta contra Deus.


415 «Estabelecido por Deus num estado de santidade, o homem, seduzido pelo Maligno desde o princípio da história, abusou da sua liberdade, levantando-se contra Deus e pretendendo atingir o seu fim fora de Deus» (312).


416 Pelo seu pecado, Adão, como primeiro homem, perdeu a santidade e a justiça originais que tinha recebido de Deus, não somente para si, mas para todos os seres humanos.


417 À sua descendência, Adão e Eva transmitiram a natureza humana ferida pelo seu primeiro pecado, portanto privada da santidade e da justiça originais. Esta privação é chamada «pecado original».


418 Como consequência do pecado original, a natureza humana ficou enfraquecida nas suas forças e sujeita à ignorância, ao sofrimento e ao domínio da morte, e inclinada para o pecado – inclinação que se chama «concupiscência».


419 «Afirmamos, pois, com o Concílio de Trento, que o pecado original é transmitido com a natureza humana, "não por imitação, mas por propagação", e que, assim, é "próprio de cada um"»(313).


420 A vitória alcançada por Cristo sobre o pecado trouxe-nos bens superiores àqueles que o pecado nos tinha tirado: «Onde abundou o pecado, superabundou a graça» (Rm 5,20).


421 «Segundo a fé dos cristãos, este mundo foi criado e continua a ser conservado pelo amor do Criador; é verdade que caiu sob a escravidão do pecado, mas Cristo, pela Cruz e Ressurreição, venceu o poder do Maligno e libertou-o...» (314).

312. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes,
GS 13, AAS 58 (1966) 1034-1035.
313. Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 16: AAS 60 (1968) 439.
314. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes GS 2, AAS 58 (1966) 1026.





CAPÍTULO SEGUNDO

CREIO EM JESUS CRISTO, FILHO ÚNICO DE DEUS

A BOA-NOVA: DEUS ENVIOU O SEU FILHO


422 «Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher e sujeito à Lei, para resgatar os que estavam sujeitos à Lei e nos tornar seus filhos adoptivos» (Ga 4,4-5). Esta é a «Boa-Nova de Jesus Cristo, Filho de Deus»(1): Deus visitou o seu povo(2) e cumpriu as promessas feitas a Abraão e à sua descendência (3) fê-lo para além de toda a expectativa: enviou o seu «Filho muito-amado» (4).


423 Nós cremos e confessamos que Jesus de Nazaré, judeu nascido duma filha de Israel, em Belém, no tempo do rei Herodes o Grande e do imperador César Augusto, carpinteiro de profissão, morto crucificado em Jerusalém sob o procurador Pôncio Pilatos no reinado do imperador Tibério, é o Filho eterno de Deus feito homem; que Ele «saiu de Deus» (Jn 13,3), «desceu do céu» (Jn 3,13 Jn 6,33) e «veio na carne» (5), porque «o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. Nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigénito, cheio de graça e de verdade [...] Na verdade, foi da sua plenitude que todos nós recebemos, graça sobre graça» (Jn 1,14 Jn 1,16).


424 Movidos pela graça do Espírito Santo e atraídos pelo Pai, nós cremos e confessamos a respeito de Jesus: «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo» (Mt 16,16). Foi sobre o rochedo desta fé, confessada por Pedro, que Cristo edificou a sua Igreja (6).

1. Cf. Mc 1,1
2. Cf. Lc 1,68
3. Cf. Lc 1,55
4. Cf. Mc 1,11
5. Cf. 1Jn 4,2
6. Cf. Mt 16,18, São Leão Magno. Sermão 4, 3: CCL 88, 19-20 (PL 54, 151 ); Sermão 51, 1: CCL 88A. 296-297 (PL 54, 309): Sermão 62, 2: CCL 88A, 377-378 (PL 54, 350-351); Sermão 83, 3: CCL 88A, 521-522 (PL 54, 432).


«ANUNCIAR A INSONDÁVEL RIQUEZA DE CRISTO»

(Ep 3,8)


425 A transmissão da fé cristã é, antes de mais, o anúncio de Jesus Cristo, para Levar à fé n'Ele. Desde o princípio, os primeiros discípulos arderam no desejo de anunciar Cristo: «Nós é que não podemos deixar de dizer o que vimos e escutámos» (Ac 4,20). E convidam os homens de todos os tempos a entrar na alegria da sua comunhão com Cristo:

«O que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram acerca do Verbo da vida, é o que nós vos anunciamos, pois a vida manifestou-Se e nós vimo-la e dela damos testemunho: nós vos anunciamos a vida eterna que estava junto do Pai e nos foi manifestada. Nós vos anunciamos o que vimos e ouvimos, para que estejais também em comunhão connosco. E a comunhão em que estamos é com o Pai e com o seu Filho, Jesus Cristo. E escrevemos tudo isto para a nossa alegria ser completa» (1Jn 1,1-4).

NO CORAÇÃO DA CATEQUESE: CRISTO


426 «No coração da catequese, encontramos essencialmente uma Pessoa: Jesus de Nazaré, Filho único do Pai [...], que sofreu e morreu por nós e que agora, ressuscitado, vive connosco para sempre [...]. Catequizar [...] é revelar, na Pessoa de Cristo, todo o desígnio eterno de Deus [...]. É procurar compreender o significado dos gestos e das palavras de Cristo e dos sinais por Ele realizados» (7). O fim da catequese é «pôr em comunhão com Jesus Cristo: somente Ele pode levar ao amor do Pai, no Espírito, e fazer-nos participar na vida da Santíssima Trindade» (8).


427 «Na catequese, é Cristo, Verbo Encarnado e Filho de Deus, que é ensinado; tudo o mais é-o em referência a Ele. E só Cristo ensina. Todo e qualquer outro o faz apenas na medida em que é seu porta-voz, consentindo em que Cristo ensine pela sua boca [...]. Todo o catequista deveria poder aplicar a si próprio a misteriosa palavra de Jesus: "A minha doutrina não é minha, mas d'Aquele que Me enviou" (Jn 7,16)» (9).

7. João Paulo II. Ex. Ap. Catechesi tradendae, CTR 5, AAS 71 (1979). 1280-1281.
8. João Paulo II. Ex. Ap. Catechesi tradendae, CTR 5, AAS 71 (1979). 1281.
9. João Paulo II. Ex. Ap. Catechesi tradendae, CTR 6, AAS 71 (1979). 1281-1282.


428 Aquele que é chamado a «ensinar Cristo» deve, portanto, antes de mais nada, procurar «esse lucro sobreeminente que é o conhecimento de Jesus Cristo». Tem de «aceitar perder tudo [...] para ganhar Cristo e encontrar-se n'Ele» e «conhecê-Lo, a Ele, na força da sua ressurreição e na comunhão com os seus sofrimentos, conformar-se com Ele na morte, na esperança de chegar a ressuscitar dos mortos» (Ph 3,8-11).


429 Deste conhecimento amoroso de Cristo brota o desejo de O anunciar, de «evangelizar» e levar os outros ao «sim» da fé em Jesus Cristo. Mas, ao mesmo tempo, faz-se sentir a necessidade de conhecer sempre melhor esta fé. Com esse objectivo, seguindo a ordem do Símbolo da fé, primeiro serão apresentados os principais títulos de Jesus: Cristo, Filho de Deus, Senhor (Artigo 2). O Símbolo confessa, em seguida, os principais mistérios da vida de Cristo: da sua Encarnação (Artigo 3), da sua Páscoa (Artigos 4 e 5) e, por fim, da sua Glorificação (Artigos 6 e 7).


ARTIGO 2


«E EM JESUS CRISTO, SEU ÚNICO FILHO,


NOSSO SENHOR»


I. Jesus


430 Em hebraico, Jesus quer dizer «Deus salva». Quando da Anunciação, o anjo Gabriel dá-Lhe como nome próprio o nome de Jesus, o qual exprime, ao mesmo tempo, a sua identidade e a sua missão (10). Uma vez que «só Deus pode perdoar os pecados» (Mc 2,7), será Ele quem, em Jesus, seu Filho eterno feito homem, «salvará o seu povo dos seus pecados»(Mt 1,21). Em Jesus, Deus recapitula, assim, toda a sua história de salvação em favor dos homens.


431 Nesta história da salvação, Deus não Se contenta com libertar Israel «da casa da escravidão» (Dt 5,6), fazendo-o sair do Egipto. Salvou-o também do seus pecados. Porque o pecado é sempre uma ofensa feita a Deus (11), só Ele é que pode absolvê-lo (12). É por isso que Israel, tomando cada vez mais consciência da universalidade do pecado, só poderá procurar a salvação na invocação do nome do Deus Redentor (13).


432 O nome de Jesus significa que o próprio nome de Deus está presente na pessoa do seu Filho (14) feito homem para a redenção universal e definitiva dos pecados. Ele é o único nome divino que traz a salvação (15) e pode desde agora ser invocado por todos, pois a todos os homens Se uniu pela Encarnação (16), de tal modo que «não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos» (Ac 4, l2) (17).


433 O nome de Deus salvador era invocado apenas uma vez por ano, pelo sumo sacerdote, para expiação dos pecados de Israel, depois de ter aspergido o propiciatório do «santo dos santos» com o sangue do sacrifício (18). O propiciatório era o lugar da presença de Deus (19). Quando São Paulo diz de Jesus que Deus O «ofereceu para, n'Ele, pelo seu sangue, se realizar a expiação» (Rm 3,25), quer dizer que, na sua humanidade, «era Deus que em Cristo reconciliava o mundo consigo» (2Co 5,19).


434 A ressurreição de Jesus glorifica o nome de Deus salvador (20) porque, a partir daí, é o nome de Jesus que manifesta em plenitude o poder supremo do nome que está acima de todos os nomes» (Ph 2,9-10). Os espíritos maus temem o seu nome (21) e é em seu nome que os discípulos de Jesus fazem milagres (22), porque tudo o que pedem ao Pai, em seu nome, Ele lho concede (23).


435 O nome de Jesus está no centro da oração cristã. Todas as orações litúrgicas se concluem com a fórmula «per Dominum nostrum Jesum Christum – por nosso Senhor Jesus Cristo». A Ave-Maria culmina nas palavras «e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus». A oração-do-coração dos Orientais, chamada «oração a Jesus», diz: «Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim, pecador». E muitos cristãos morrem, como Santa Joana d'Arc, tendo nos lábios apenas uma palavra: «Jesus» (24).

10. Cf.
Lc 1,31
11. Cf. Ps 51,6
12. Cf. Ps 51,11
13. Cf. Ps 79,9
14. Cf. Ac 5,41 3Jn 1,7.
15. Cf. Jn 3,18, Ac 2,21.
16. Cf. Rm 10,6-13
17. Cf. Ac 9,14 Jc 2,7
18. Cf. Lv 16,15-16, Si 50,20-22 He 9,7
19. Cf. Ex 25,22 Lv 16,2 Nb 7,89 He 9,5
20. Cf. Jn 12,28
21. Cf. Ac 16,16-18 Ac 19,13-16
22. Cf. Mc 16,17
23. Cf. Jn 15,16
24. Cf. La réhabilitation de Jeanne la Pucelle. L'enquête ordonée par Charles VII EN 1450 et le codicille de Guillaume Bouillé, ed. P. Doncoeur – Y. Larhers (Paris 1956), p. 39.45.56.

II. Cristo


436 Cristo vem da tradução grega do termo hebraico «Messias», que quer dizer «ungido». Só se torna nome próprio de Jesus porque Ele cumpre perfeitamente a missão divina que tal nome significa. Com efeito, em Israel eram ungidos, em nome de Deus, aqueles que Lhe eram consagrados para uma missão d'Ele dimanada. Era o caso dos reis (25), dos sacerdotes (26) e, em raros casos, dos profetas (27). Este devia ser, por excelência, o caso do Messias, que Deus enviaria para estabelecer definitivamente o seu Reino (28). O Messias devia ser ungido pelo Espírito do Senhor (29), ao mesmo tempo como rei e sacerdote (30) mas também como profeta (31). Jesus realizou a expectativa messiânica de Israel na sua tríplice função de sacerdote, profeta e rei.


437 O anjo anunciou aos pastores o nascimento de Jesus como sendo o do Messias prometido a Israel: «nasceu-vos hoje, na cidade de David, um salvador que é Cristo, Senhor» (Lc 2,11). Desde a origem, Ele é «Aquele que o Pai consagrou e enviou ao mundo» (Jn 10,36), concebido como «santo» no seio virginal de Maria (32). José foi convidado por Deus a «levar para sua casa Maria, sua esposa», grávida d'«Aquele que nela foi gerado pelo poder do Espírito Santo» (Mt 1,20), para que Jesus, «chamado Cristo», nascesse da esposa de José, na descendência messiânica de David (Mt 1,16) (33).


438 A consagração messiânica de Jesus manifesta a sua missão divina. «Aliás, é o que indica o seu próprio nome; porque no nome de Cristo está subentendido Aquele que ungiu. Aquele que foi ungido e a própria Unção com que foi ungido. Aquele que ungiu é o Pai, Aquele que foi ungido é o Filho, e foi-o no Espírito que é a Unção» (34). A sua eterna consagração messiânica revelou-se no tempo da sua vida terrena, quando do seu baptismo por João, altura em que «Deus O ungiu com o Espírito Santo e poder» (Ac 10,38), «para que se manifestasse a Israel» (Jn 1,31) como seu Messias. As suas obras e palavras dá-lo-ão a conhecer como «o santo de Deus» (35).


439 Numerosos judeus, e mesmo alguns pagãos que partilhavam da sua esperança, reconheceram em Jesus os traços fundamentais do messiânico «filho de David», prometido por Deus a Israel (36). Jesus aceitou o título de Messias a que tinha direito (37), mas não sem reservas, uma vez que esse título era compreendido, por numerosos dos seus contemporâneos, segundo um conceito demasiado humano (38), essencialmente político (39).


440 Jesus aceitou a profissão de fé de Pedro, que O reconhecia como o Messias, anunciando a paixão próxima do Filho do Homem (40). Revelou o conteúdo autêntico da sua realeza messiânica, ao mesmo tempo na identidade transcendente do Filho do Homem «que desceu do céu» (Jn 3,13)(41) e na sua missão redentora como Servo sofredor: «O Filho do Homem [...] não veio para ser servido, veio para servir e dar a vida como resgate pela multidão» (Mt 20,28) (42). Foi por isso que o verdadeiro sentido da sua realeza só se manifestou do cimo da cruz (43). E só depois da ressurreição, a sua realeza messiânica poderá ser proclamada por Pedro perante o Povo de Deus: «Saiba, com absoluta certeza, toda a casa de Israel, que Deus fez Senhor e Messias esse Jesus que vós crucificastes» (Ac 2,36).

25. Cf. 1S 9,16 1S 10,1 1S 16,1 1S 16,12-13 1R 1,39
26. Cf. Ex 29,7 Lv 8,12
27. Cf. 1R 19,16
28. Cf. Ps 2,2 Ac 4,26-27
29. Cf. Is 11,2
30. Cf. Za 4,14 Za 6,13
31. Cf. Is 61,1 Lc 4,16-21
32. Cf. Lc 1,35
33. Cf. Rm 1,3 2Tm 2,8, Ap 22,16
34. Santo Ireneu de Lyon, Adversus Haereses 3, 18, 3; SC 211,350 (PG 7,934),
35. Cf. Mc 1,24 Jn 6,69 Ac 3,14
36. Cf. Mt 2,2 Mt 9,27 Mt 12,23 Mt 15,22 Mt 20,30 Mt 21,9 Mt 21,15
37. Cf. Jn 4,25-26 Jn 11,27
38. Cf. Mt 22,41-46
39. Cf. Jn 6,15 Lc 24,21
40. Cf. Mt 16,16-23
41. Cf. Jn 6,62 Da 7,13
42. Cf. Is 53,10-12
43. Cf. Jn 19,19-22 Lc 23,39-43



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