Catecismo Igreja Catól.


PRÓLOGO




«PAI, [...] é esta a vida eterna: que Te conheçam a Ti, único Deus verdadeiro, e Aquele que enviaste, Jesus Cristo» (Jn 17,3). «Deus, nosso Salvador [...], quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade» (1Tm 2,3-4). «Não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos» (Ac 4,12), senão o nome de JESUS.

I. A vida do homem – conhecer e amar a Deus


1 Deus, infinitamente perfeito e bem-aventurado em Si mesmo, num desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para o tornar participante da sua vida bem-aventurada. Por isso, sempre e em toda a parte, Ele está próximo do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-Lo, a conhecê-Lo e a amá-Lo com todas as suas forças. Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade da sua família que é a Igreja. Para tal, enviou o seu Filho como Redentor e Salvador na plenitude dos tempos. N'Ele e por Ele, chama os homens a tornarem-se, no Espírito Santo, seus filhos adoptivos e, portanto, herdeiros da sua vida bem-aventurada.


2 Para que este convite se fizesse ouvir por toda a Terra, Cristo enviou os Apóstolos que escolhera, dando-lhes o mandato de anunciar o Evangelho: «Ide, pois, fazei discípulos de todas as nações, baptizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprirem tudo quanto vos prescrevi. E eis que Eu estou convosco todos os dias até ao fim do mundo» (Mt 28,19-20). Fortalecidos por esta missão, os Apóstolos «partiram a pregar por toda a parte e o Senhor cooperava com eles confirmando a Palavra com os sinais que a acom­panhavam» (Mc 16,20).


3 Aqueles que, com a ajuda de Deus, aceitaram o convite de Cristo e livremente Lhe responderam, foram por sua vez impelidos, pelo amor do mesmo Cristo, a anunciar por toda a parte a Boa-Nova. Este tesouro, recebido dos Apóstolos, foi fielmente guardado pelos seus sucessores. Todos os fiéis de Cristo são chamados a transmiti-lo de geração em geração, anunciando a fé, vivendo-a em partilha fraterna e celebrando-a na liturgia e na oração (1).

1. Cf.
Ac 2,42


II. Transmitir a fé – a catequese


4 Bem cedo se chamou catequese ao conjunto de esforços empreendidos na Igreja para fazer discípulos, para ajudar os homens a acreditar que Jesus é o Filho de Deus, a fim de, pela fé, terem a vida em seu nome, e para os educar e instruir nessa vida, construindo assim o Corpo de Cristo (2).


5 «A catequese é uma educação da fé das crianças, dos jovens e dos adultos, que compreende especialmente o ensino da doutrina cristã, ministrado em geral dum modo orgânico e sistemático, em ordem à iniciação na plenitude da vida cristã» (3).


6 Sem se confundir com eles, a catequese articula-se com um certo número de elementos da missão pastoral da Igreja que têm um aspecto catequético, preparam para a catequese ou dela derivam: o primeiro anúncio do Evangelho ou pregação missionária, para suscitar a fé; a busca das razões de acreditar; a experiência da vida cristã; a celebração dos sacramentos; a integração na comunidade eclesial; o testemunho apostólico e missionário (4)


7 «A catequese está intimamente ligada a toda a vida da Igreja. Dependem essencialmente dela não só a expansão geográfica e o crescimento numérico, mas também, e muito mais ainda, o crescimento interior da Igreja e a sua conformidade com o desígnio de Deus» (5).


8 Os períodos de renovação da Igreja são também tempos fortes de catequese. Assim, na grande época dos Padres da Igreja, vemos santos bispos consagrarem parte importante do seu ministério à catequese, como por exemplo São Cirilo de Jerusalém, São João Crisóstomo, Santo Ambrósio, Santo Agostinho e tantos outros Padres, cujas obras catequéticas continuam a ser modelo.


9 O ministério da catequese vai buscar energias sempre novas aos concílios. O Concílio de Trento constitui, a este respeito, um exemplo a sublinhar: nas suas constituições e decretos, deu prioridade à catequese; está na origem do Catecismo Romano que tem o seu nome e que constitui um trabalho de primeira ordem como compêndio da doutrina cristã; fez nascer na Igreja uma organização notável da catequese; e, graças a santos bispos e teólogos, como São Pedro Canísio, São Carlos Borromeo, São Toríbio de Mogrovejo e São Roberto Belarmino, levou à publicação de numerosos catecismos.


10 Não admira, pois, que, na sequência do II Concílio do Vaticano (que o Papa Paulo VI considerava como o grande catecismo dos tempos modernos), a catequese da Igreja tenha de novo chamado a atenção. O Directório catequético geral, de 1971; as sessões do Sínodo dos Bispos consagradas à evangelização (1974) e à catequese (1977): e as exortações apostólicas correspondentes — Evangelii nuntiandi (1975) e Catechesi tradendae (1979) — são disso bom testemunho. A assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos de 1985 pediu: «que seja redigido um catecismo ou compêndio de toda a doutrina católica, tanto no tocante à fé como no que respeita à moral» (6). O Santo Padre João Paulo II fez seu este voto do Sínodo dos Bispos. Reconheceu que «tal desejo corresponde inteiramente a uma verdadeira necessidade da Igreja universal e das Igrejas particulares»(7). E pôs todo o seu empenho cm que se concretizasse este desejo dos Padres sinodais.

2. Cf. João Paulo II, Ex. ap. Catechesi tradendae
CTR 1, AAS 71 (1979) 1277-1278.
3. Cf. João Paulo II, Ex. ap. Catechesi tradendae CTR 18, AAS 71 (1979) 1292.
4. Cf. João Paulo II, Ex. ap. Catechesi tradendae CTR 18, AAS 71 (1979) 1292.
5. Cf. João Paulo II, Ex. ap. Catechesi tradendae CTR 13, AAS 71 (1979) 1288.
6. Sínodo dos Bispos, Assembleia extraordinária, Ecclesia sub Verbo Dei mysteria Christi celebrans pro salute mundi. Relatório final II B A 4 (Cidade do Vaticano 1985), p. 11.
7. João Paulo II, Discurso de encerramento da Assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos (7 de Dezembro de 1985), 6: AAS 58 (1986) 435.


III. Finalidade e destinatários deste catecismo


11 A finalidade deste Catecismo é apresentar uma exposição orgânica e sintética dos conteúdos essenciais e fundamentais da doutrina católica, tanto sobre a fé como sobre a moral, à luz do II Concilio do Vaticano e do conjunto da Tradição da Igreja. As suas fontes principais são a Sagrada Escritura, os santos Padres, a liturgia e o Magistério da Igreja. E destina-se a servir «como ponto de referência aos catecismos ou compêndios a publicar nos diversos países» (8).


12 Este Catecismo destina-se principalmente aos responsáveis pela catequese, que são em primeiro lugar os bispos, enquanto doutores da fé e pastores da Igreja. É-lhes oferecido como instrumento para o desempenho da sua missão de ensinar o povo de Deus. E, através dos bispos, dirige-se aos redactores de catecismos, aos sacerdotes e aos catequistas. Será também uma leitura útil para todos os outros fiéis cristãos.

8. Sínodo dos Bispos, Ecclesia sub Verbo Dei mysteria Christi celebrans pro salute mundi. Relatório final II B A 4 (Cidade do Vaticano 1985), p. 11.



IV. Estrutura deste catecismo


13 O plano deste Catecismo inspira-se na grande tradição dos catecismos que articulam a catequese cm torno de quatro «pilares»: a profissão da fé baptismal (Símbolo), os sacramentos da fé, a vida da fé (Mandamentos) e a oração do crente (o Pai Nosso).

PRIMEIRA PARTE: A PROFISSÃO DA FÉ


14 Aqueles que, pela fé e pelo Baptismo, pertencem a Cristo, devem confessar a sua fé baptismal diante dos homens (9). Por isso, o Catecismo começa por expor em que consiste a Revelação, pela qual Deus Se dirige e Se dá ao homem, e a fé pela qual o homem responde a Deus (Primeira Secção). O Símbolo da fé resume os dons que Deus faz ao homem, como Autor de todo o bem, Redentor e Santificador, e articula-os em volta dos «três capítulos» do nosso Baptismo – a fé num só Deus: o Pai Todo-poderoso, Criador; e o seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador: e o Espírito Santo, na Santa Igreja (Segunda Secção).

9. Cf.
Mt 10,23 Rm 10,9,


SEGUNDA PARTE: OS SACRAMENTOS DA FÉ


15 A segunda parte do Catecismo expõe como a salvação de Deus, realizada uma vez por todas por Jesus Cristo e pelo Espírito Santo, se toma presente nas acções sagradas da liturgia da Igreja(Primeira Secção), e em especial nos sete sacramentos (Segunda Secção).

TERCEIRA PARTE: A VIDA DA FÉ


16 A terceira parte do Catecismo apresenta o fim último do homem, criado à imagem de Deus – a bem-aventurança e os caminhos para a ela chegar: um comportamento recto e livre, com a ajuda da lei de Deus e da sua graça (Primeira Secção); um comportamento que realize o duplo mandamento da caridade, explicitado nos dez Mandamentos de Deus (Segunda Secção).

QUARTA PARTE: A ORAÇÃO NA VIDA DA FÉ


17 A última parte do Catecismo trata do sentido e da importância da oração na vida dos crentes(Primeira Secção), terminando com um breve comentário aos sete pedidos da Oração do Senhor(Segunda Secção). De facto, nesses sete pedidos encontramos a suma dos bens que devemos esperar e que o nosso Pai dos Céus nos quer dar.

V. Indicações práticas para o uso deste catecismo


18 Este Catecismo foi concebido como uma exposição orgânica de toda a fé católica. Deve, portanto, ser lido como um todo. Numerosas notas remissivas à margem do texto (números impressos em tipos menores remetendo para outros parágrafos que tratam do mesmo assunto) e o índice analítico no fim do volume, permitem encarar cada tema na sua ligação com o conjunto da fé.


19 Muitas vezes, os textos da Sagrada Escritura não são citados literalmente, mas com a simples indicação da referência (por meio dum cf.) feita em nota. Para uma inteligência aprofundada desses passos, convém recorrer aos próprios textos. Tais referências bíblicas são um instrumento de trabalho para a catequese.


20 Quando, cm certas passagens, se emprega a letra miúda, isso quer dizer que se trata de anotações de tipo histórico ou apologético, ou de exposições doutrinais complementares.


21 As citações, em letra miúda, de fontes patrísticas, litúrgicas, do Magistério ou da hagiografia, destinam-se a enriquecer a exposição doutrinal. Frequentemente, esses textos foram escolhidos a pensar num emprego directamente catequético.


22 No fim de cada unidade temática, uma série de textos breves resume, em fórmulas escolhidas, o essencial do ensinamento. Estes «RESUMINDO» têm por fim dar à catequese local sugestões de fórmulas sintéticas e fáceis de decorar.

VI. Adaptações necessárias


23 A tónica deste Catecismo incide sobre a exposição doutrinal. Com efeito, a sua intenção é ajudar a aprofundar o conhecimento da fé. Todo ele se orienta no sentido do amadurecimento da mesma fé, do seu enraizamento na vida e da sua irradiação no testemunho (10).


24 Pela sua própria finalidade, este Catecismo não se propõe realizar as adaptações da exposição e dos métodos catequéticos, exigidas pelas diferenças de culturas, idades, maturidade espiritual, situações sociais e eclesiais daqueles a quem a catequese se dirige. Essas indispensáveis adaptações pertencem aos catecismos apropriados e, sobretudo, àqueles que ministram o ensino aos fiéis:

«Aquele que ensina deve "fazer-se tudo para todos" (
1Co 9,22) para a todos atrair a Jesus Cristo. [...] Sobretudo, não julgue que lhe está confiada apenas uma categoria de almas e que, portanto, lhe incumbe o trabalho de ensinar e formar de modo idêntico, na verdadeira piedade, todos os fiéis, usando sempre um só e mesmo método! Atendendo a que, em Cristo Jesus, uns são como crianças recém-nascidas, outros como adolescentes e outro, finalmente, já são efectivamente adultos, é necessário que pondere com toda a diligência quais são os que precisam de leite e quais os que carecem de um alimento mais sólido. [...] Isto mesmo testemunhava de si próprio o Apóstolo. [...] Os que são chamados ao ministério da pregação devem, ao transmitir o ensino dos mistérios da fé e das normas dos costumes, adaptar as suas palavras à mentalidade e à inteligência dos seus ouvintes» (11).

10. Cf. João Paulo II, Ex. ap. Catechesi tradendae CTR 20-22, AAS 71 (1979) 1293-1296; Ibid., CTR 25: AAS 71 (1979) 1207-1298.
11. Catechismus Romanus seu Catechismus ex decreto Concilii Tridentini ad parochos, Pii V Pontificis Maximi iussu editus, Praefatio, 11: ed P. Rodríguez (Città del Vaticano – Pamplona 1989) p. 11.



ACIMA DE TUDO — A CARIDADE


25 A concluir esta apresentação, é oportuno Lembrar este princípio pastoral enunciado pelo Catecismo Romano:

Este é sem dúvida o caminho melhor, que o mesmo apóstolo seguia quando fundamentava a sua doutrina e ensino na caridade que não acaba nunca. A finalidade da doutrina e do ensino deve fixar-se toda no amor, que não acaba. Podemos expor muito bem o que se deve crer, esperar ou fazer; mas, sobretudo, devemos pôr sempre em evidência o amor de nosso Senhor, de modo que cada qual compreenda que qualquer acto de virtude perfeitamente cristão, não tem outra origem nem outro fim senão o amor (12).


12. Catechismus Romanus, Praefatio 10: ed. P. Rodriguez (Città del Vaticano – Pamplona 1989) p. 10.




PRIMEIRA PARTE


A PROFISSÃO DA FÉ



PRIMEIRA SECÇÃO

«EU CREIO» – «NÓS CREMOS»


26 Quando professamos a nossa fé, começamos por dizer: «Creio», ou «Cremos». Portanto, antes de expor a fé da Igreja, tal como é confessada no Credo, celebrada na liturgia, vivida na prática dos mandamentos e na oração, perguntemos a nós mesmos o que significa «crer». A fé é a resposta do homem a Deus, que a ele Se revela e Se oferece, resposta que, ao mesmo tempo, traz uma luz superabundante ao homem que busca o sentido último da sua vida. Comecemos, pois, por considerar esta busca do homem (capítulo primeiro): depois, a Revelação divina pela qual Deus vem ao encontro do homem (capítulo segundo); finalmente, a resposta da fé (capítulo terceiro).


CAPÍTULO PRIMEIRO

O HOMEM É «CAPAZ» DE DEUS

I. O desejo de Deus


27 O desejo de Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem para Si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que procura sem descanso:

«A razão mais sublime da dignidade humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus. Desde o começo da sua existência, o homem é convidado a dialogar com Deus: pois se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele, e por amor, constantemente conservado: nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e não se entregar ao seu Criador»(1).


28 De muitos modos, na sua história e até hoje, os homens exprimiram a sua busca de Deus em crenças e comportamentos religiosos (orações, sacrifícios, cultos, meditações, etc.). Apesar das ambiguidades de que podem enfermar, estas formas de expressão são tão universais que bem podemos chamar ao homem um ser religioso:

Deus «criou de um só homem todo o género humano, para habitar sobre a superfície da terra, e fixou períodos determinados e os limites da sua habitação, para que os homens procurassem a Deus e se esforçassem realmente por O atingir e encontrar. Na verdade, Ele não está longe de cada um de nós. É n'Ele que vivemos, nos movemos e existimos» (
Ac 17,26-28).


29 Mas esta «relação íntima e vital que une o homem a Deus»(2) pode ser esquecida, desconhecida e até explicitamente rejeitada pelo homem. Tais atitudes podem ter origens diversas (3) a revolta contra o mal existente no mundo, a ignorância ou a indiferença religiosas, as preocupações do mundo e das riquezas(4), o mau exemplo dos crentes, as correntes de pensamento hostis à religião e, finalmente, a atitude do homem pecador que, por medo, se esconde de Deus(5) e foge quando Ele o chama (6).


30 «Exulte o coração dos que procuram o Senhor» (Ps 105,3). Se o homem pode esquecer ou rejeitar Deus, Deus é que nunca deixa de chamar todo o homem a que O procure, para que encontre a vida e a felicidade. Mas esta busca exige do homem todo o esforço da sua inteligência, a rectidão da sua vontade, «um coração recto», e também o testemunho de outros que o ensinam a procurar Deus.

És grande, Senhor, e altamente louvável; grande é o teu poder e a tua sabedoria é sem medida. E o homem, pequena parcela da tua criação, pretende louvar-Te – precisamente ele que, revestido da sua condição mortal, traz em si o testemunho do seu pecado, o testemunho de que Tu resistes aos soberbos. Apesar de tudo, o homem, pequena parcela da tua criação, quer louvar-Te. Tu próprio a isso o incitas, fazendo com que ele encontre as suas delícias no teu louvor, porque nos fizeste para Ti e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Ti (7).

1. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, GS 19, AAS 58 (1966) 1038-1039.
2. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, GS 19, AAS 58 (1966) 1039.
3. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, GS 19-21, AAS 58 (1966) 1038-1042.
4. Cf. Mt 13,22
5. Cf. Gn 3,8-10
6. Cf. Jn 1,3
7. Santo Agostinho, Confissões, I,1, 1: CCL 27. 1 (PL 32, 659-661).



II. Os caminhos de acesso ao conhecimento de Deus


31 Criado à imagem de Deus, chamado a conhecer e a amar a Deus, c homem que procura Deus descobre certos «caminhos» de acesso ao conhecimento de Deus. Também se lhes chama «provas da existência de Deus» – não no sentido das provas que as ciências naturais indagam mas no de «argumentos convergentes e convincentes» que permitem chegar a verdadeiras certezas.

Estes «caminhos» para atingir Deus têm como ponto de partida criação: o mundo material e a pessoa humana.


32 O mundo: A partir do movimento e do devir, da contingência, da ordem e da beleza do mundo, pode chegar-se ao conhecimento de Deu: como origem e fim do universo.

São Paulo afirma a respeito dos pagãos: «O que se pode conhecer de Deus manifesto para eles, porque Deus lho manifestou. Desde a criação do mundo, a perfeições invisíveis de Deus, o seu poder eterno e a sua divindade tornam-se pelas suas obras, visíveis à inteligência» (
Rm 1,19-20) (8).

E Santo Agostinho: «Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar interroga a beleza do ar que se dilata e difunde, interroga a beleza do céu [...] interroga todas estas realidades. Todas te respondem: Estás a ver como somo belas. A beleza delas é o seu testemunho de louvor [«confessio»]. Essas belezas sujeitas à mudança, quem as fez senão o Belo [«Ptdcher»], que não está sujeite à mudança?» (9).


33 . O homem: Com a sua abertura à verdade e à beleza, com o seu sentido do bem moral, com a sua liberdade e a voz da sua consciência, com a sua ânsia de infinito e de felicidade, o homem interroga-se sobre a existência de Deus. Nestas aberturas, ele detecta sinais da sua alma espiritual. «Gérmen de eternidade que traz em si mesmo, irredutível à simples matéria» (10), a sua alma só em Deus pode ter origem.


34 O mundo e o homem atestam que não têm em si mesmos, nem o seu primeiro princípio, nem o seu fim último, mas que participam do Ser-em-si, sem princípio nem fim. Assim, por estes diversos «caminhos», o homem pode ter acesso ao conhecimento da existência duma realidade que é a causa primeira e o fim último de tudo, «e a que todos chamam Deus» (11).


35 As faculdades do homem tornam-no capaz de conhecer a existência de um Deus pessoal. Mas, para que o homem possa entrar na sua intimidade, Deus quis revelar-Se ao homem e dar-lhe a graça de poder receber com fé esta revelação. Todavia, as provas da existência de Deus podem dispor para a fé e ajudar a perceber que a fé não se opõe à razão humana.

8. Cf.
Ac 14,15 Ac 14,17 Ac 17,27-28; Sg 13,1-9
9. Santo Agostinho, Sermão 241. 2: PL 38, 1134.
10. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, GS 18, AAS 58 (1966) 1038: cf. ibid., GS 14: AAS 58 (1966) 1036.
11. São Tomás de Aquino, Summa theologiae I 2,3, e: Ed. Leon. 4, 31.



III. O conhecimento de Deus segundo a Igreja


36 «A Santa Igreja, nossa Mãe, atesta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido, com certeza, pela luz natural da razão humana, a partir das coisas criadas» (12). Sem esta capacidade, o homem não poderia acolher a revelação de Deus. O homem tem esta capacidade porque foi criado «à imagem de Deus» (Gn 1,27).


37 Nas condições históricas em que se encontra, o homem experimenta, no entanto, muitas dificuldades para chegar ao conhecimento de Deus só com as luzes da razão:

«Com efeito, para falar com simplicidade, apesar de a razão humana poder verdadeiramente, pelas suas forças e luz naturais, chegar a um conhecimento verdadeiro e certo de um Deus pessoal, que protege e governa o mundo pela sua providência, bem como de uma lei natural inscrita pelo Criador nas nossas almas, há, contudo, bastantes obstáculos que impedem esta mesma razão de usar eficazmente e com fruto o seu poder natural, porque as verdades que dizem respeito a Deus e aos homens ultrapassam absolutamente a ordem das coisas sensíveis; e quando devem traduzir-se em actos e informar a vida, exigem que nos dêmos e renunciemos a nós próprios. O espírito humano, para adquirir semelhantes verdades, sofre dificuldade da parte dos sentidos e da imaginação, bem como dos maus desejos nascidos do pecado original. Daí deriva que, em tais matérias, os homens se persuadem facilmente da falsidade ou, pelo menos, da incerteza das coisas que não desejariam fossem verdadeiras» (13).


38 É por isso que o homem tem necessidade de ser esclarecido pela Revelação de Deus, não somente no que diz respeito ao que excede o seu entendimento, mas também sobre «as verdades religiosas e morais que, de si, não são inacessíveis à razão, para que possam ser, no estado actual do género humano, conhecidas por todos sem dificuldade, com uma certeza firme e sem mistura de erro» (14).

12. I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 2:
DS 3004, cf. Ibid., De Revelatione, canon 2: DS 3026 II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum. DV 6, AAS 58 (1966) 819.
13. Pio XII. Enc. Humani Generis: DS 3875
14. Ibid. , DS 3876 Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius. c. 2: DS 3005 II Concílio do Vaticano. Const. dogm . Dei Verbum. DV 6, AAS 58 (1966) 819-820; São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I 1,1, c.: Ed. Leon. 4. 6.



IV. Como falar de Deus?


39 Ao defender a capacidade da razão humana para conhecer Deus, a Igreja exprime a sua confiança na possibilidade de falar de Deus a todos os homens e com todos os homens. Esta convicção está na base do seu diálogo com as outras religiões, com a filosofia e as ciências, e também com os descrentes e os ateus.


40 Mas dado que o nosso conhecimento de Deus é limitado, a nossa linguagem, ao falar de Deus, também o é. Não podemos falar de Deus senão a partir das criaturas e segundo o nosso modo humano limitado de conhecer e de pensar.


41 Todas as criaturas são portadoras duma certa semelhança de Deus, muito especialmente o homem, criado à imagem e semelhança de Deus. As múltiplas perfeições das criaturas (a sua verdade, a sua bondade, a sua beleza) reflectem, pois, a perfeição infinita de Deus. Daí que possamos falar de Deus a partir das perfeições das suas criaturas: «porque a grandeza e a beleza das criaturas conduzem, por analogia, à contemplação do seu Autor» (Sg 13,5).


42 Deus transcende toda a criatura. Devemos, portanto, purificar incessantemente a nossa linguagem no que ela tem de limitado, de ilusório, de imperfeito, para não confundir o Deus «inefável, incompreensível, invisível, impalpável» (15) com as nossas representações humanas. As nossas palavras humanas ficam sempre aquém do mistério de Deus.


43 Ao falar assim de Deus, a nossa linguagem exprime-se, evidentemente, de modo humano. Mas atinge realmente o próprio Deus, sem todavia poder exprimi-Lo na sua infinita simplicidade. Devemos lembrar-nos de que, «entre o Criador e a criatura, não é possível notar uma semelhança sem que a dissemelhança seja ainda maior» (16), e de que «não nos é possível apreender de Deus o que Ele é, senão apenas o que Ele não é, e como se situam os outros seres em relação a Ele»(17).

15. Liturgia Bizantina. Anáfora de São João Crisóstomo: Liturgies Eastern and Western, ed. F. E. Brightman, Oxford 1896. p. 384 (PG 63, 915).
16. IV Concílio de Latrão, Cap. 2. De errore abbatis Ioachim:
DS 806
17. São Tomás de Aquino, Summa contra gentiles SCG 1,30: Ed. Leon. 13, 92.



Resumindo:


44 O homem é, por natureza e vocação, um ser religioso. Vindo de Deus e caminhando para Deus, o homem não vive uma vida plenamente humana senão na medida em que livremente viver a sua relação com Deus.


45 . O homem foi feito para viver em comunhão com Deus, em quem encontra a sua felicidade: «Quando eu estiver todo em Ti, não mais haverá tristeza nem angústia; inteiramente repleta de Ti, a minha vida será vida plena»(18).


46 . Quando escuta a mensagem das criaturas e a voz da sua consciência, o homem pode alcançar a certeza da existência de Deus, causa e fim de tudo.


47 A Igreja ensina que o Deus único e verdadeiro, nosso Criador e Senhor; pode ser conhecido com certeza pelas suas obras, graças à luz natural da razão humana (19).


48 Nós podemos realmente falar de Deus partindo das múltiplas perfeições das criaturas, semelhanças de Deus infinitamente perfeito, ainda que a nossa linguagem limitada não consiga esgotar o mistério.


49 . «A criatura sem o Criador esvai-se» (20). Por isso, os crentes sentem-se pressionados pelo amor de Cristo a levar a luz do Deus vivo aos que O ignoram ou rejeitam.

18. Santo Agostinho, Confissões X, 28, 39: CCL 27, 175 (PL 32. 795).
19. I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, De revelatione, canon 2:
DS 3026
20. II Concílio do Vaticano II, Const. past. Gaudium et Spes, GS 36, AAS 58 (1966) 1054.



CAPÍTULO SEGUNDO

DEUS AO ENCONTRO DO HOMEM


50 Pela razão natural, o homem pode conhecer Deus com certeza, a partir das suas obras. Mas existe outra ordem de conhecimento, que o homem de modo nenhum pode atingir por suas próprias forças: a da Revelação divina (1). Por uma vontade absolutamente livre, Deus revela-Se e dá-Se ao homem. E fá-lo revelando o seu mistério, o desígnio benevolente que, desde toda a eternidade, estabeleceu em Cristo, em favor de todos os homens. Revela plenamente o seu desígnio, enviando o seu Filho bem-amado, nosso Senhor Jesus Cristo, e o Espírito Santo.

1. Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 4:
DS 3015


ARTIGO 1


A REVELAÇÃO DE DEUS


I. Deus revela o seu «desígnio benevolente»


51 «Aprouve a Deus, na sua sabedoria e bondade, revelar-Se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade, segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tomam participantes da natureza divina»(2).


52 Deus, que «habita numa luz inacessível» (1Tm 6,16), quer comunicar a sua própria vida divina aos homens que livremente criou, para fazer deles, no seu Filho único, filhos adoptivos (3). Revelando-Se a Si mesmo, Deus quer tornar os homens capazes de Lhe responderem, de O conhecerem e de O amarem, muito para além de tudo o que seriam capazes por si próprios.


53 O desígnio divino da Revelação realiza-se, ao mesmo tempo, «por meio de acções e palavras, intrinsecamente relacionadas entre si» (4) e esclarecendo-se mutuamente. Comporta uma particular «pedagogia divina»: Deus comunica-Se gradualmente ao homem e prepara-o, por etapas, para receber a Revelação sobrenatural que faz de Si próprio e que vai culminar na Pessoa e missão do Verbo encarnado, Jesus Cristo.

Santo Ireneu de Lião fala várias vezes desta pedagogia divina, sob a imagem da familiaridade mútua entre Deus e o homem: «O Verbo de Deus [...] habitou no homem e fez-Se Filho do Homem, para acostumar o homem a apreender Deus e Deus a habitar no homem, segundo o beneplácito do Pai» (5).

2. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
DV 2, AAS 58 (1966) 818.
3. Cf. Ep 1,4-5
4. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, DV 2, AAS 58 (1966) 818.
5. Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses III, 20, 2: SC 211,392 (PG7,944); cf. por exemplo, Ibid. III SC 17, I: SC 211. 330 (PG 7,929); Ibid. IV, 12.4: SC 100, 518 (PG 7,1006); Ibid. IV 21,3: SC 100, 684 (PG 7, 1046)


II. As etapas da Revelação


DESDE A ORIGEM, DEUS DÁ-SE A CONHECER


54 «Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo, oferece aos homens um testemunho perene de Si mesmo nas coisas criadas, e, além disso, decidindo abrir o caminho da salvação sobrenatural, manifestou-se a Si mesmo, desde o princípio, aos nossos primeiros pais» (6). Convidou-os a uma comunhão íntima consigo, revestindo-os de uma graça e justiça resplandecentes.


55 Esta Revelação não foi interrompida pelo pecado dos nossos primeiros pais. Com efeito, Deus, «depois da sua queda, com a promessa de redenção, deu-lhes a esperança da salvação, e cuidou continuamente do género humano, para dar a vida eterna a todos aqueles que, perseverando na prática das boas obras, procuram a salvação»(7).

«E quando, por desobediência, perdeu a vossa amizade, não o abandonastes ao poder da morte [...] Repetidas vezes fizestes aliança com os homens (8)».

6. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
DV 3, AAS 58 (1966) 818.
7. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, DV 3, AAS 58 (1966) 818.
8. Oração eucarística IV: Missal Romano, editio typica. Typis Polyglottis Vaticanis. 1970 p. 467. [Gráfica de Coimbra 1992, p. 538].



A ALIANÇA COM NOÉ


56 Desfeita a unidade do género humano pelo pecado, Deus procurou imediatamente, salvar a humanidade intervindo com cada uma das suas partes. A aliança com Noé, a seguir ao dilúvio (9), exprime o princípio da economia divina em relação às «nações», quer dizer, em relação aos homens reagrupados «por países e línguas, por famílias e nações» (Gn 10,5) (10).


57 Esta ordem, ao mesmo tempo cósmica, social e religiosa da pluralidade das nações (11), destinava-se a limitar o orgulho duma humanidade decaída, que, unânime na sua perversidade (12), pretendia refazer por si mesma a própria unidade, à maneira de Babel (13). Mas, por causa do pecado (14), quer o politeísmo quer a idolatria da nação e do seu chefe são uma contínua ameaça de perversão pagã a esta economia provisória.


58 A aliança com Noé permanece em vigor enquanto durar o tempo das nações (15), até à proclamação universal do Evangelho. A Bíblia venera algumas grandes figuras das «nações», como «o justo Abel», o rei e sacerdote Melquisedec (16), figura de Cristo (17), ou os justos «Noé, Danel e Job» (Ez 14,14). Deste modo, a Escritura exprime o alto grau de santidade que podem atingir os que vivem segundo a aliança de Noé, na expectativa de que Cristo «reúna, na unidade, todos os filhos de Deus dispersos» (Jn 11,52).

9. Cf. Gn 9,9
10. Cf. Gn 10,20-31
11. Cf. Ac 17,26-27
12. Cf. Sg 10,5
13. Cf. Gn 11,4-6
14. Cf. Rm 1,18-25
15. Cf. Lc 21,24
16. Cf. Gn 14,18
17. Cf. He 7,3



DEUS ELEGE ABRAÃO


59 Para reunir a humanidade dispersa, Deus escolhe Abrão, chamando-o para «deixar a sua terra, a sua família e a casa de seu pai» (Gn 12,1), para o fazer Abraão, quer dizer, «pai de um grande número de nações» (Gn 17,5): «Em ti serão abençoadas todas as nações da Terra» (Gn 12,3) (18).


60 O povo descendente de Abraão será o depositário da promessa feita aos patriarcas, o povo eleito (19), chamado a preparar a reunião, um dia, de todos os filhos de Deus na unidade da Igreja (20). Será o tronco em que serão enxertados os pagãos tornados crentes (21).


61 Os patriarcas, os profetas e outras personagens do Antigo Testamento foram, e serão sempre, venerados como santos em todas as tradições litúrgicas da Igreja.

18. Cf.
Ga 3,8
19. Cf. Rm 11,28
20. Cf. Jn 11,52 Jn 10,16
21. Cf. Rm 11,17-18 Rm 11,24



Catecismo Igreja Catól.