Catecismo Igreja Catól. 2220


DEVERES DOS PAIS


2221 A fecundidade do amor conjugal não se reduz apenas à procriação dos filhos. Deve também estender-se à sua educação moral e à sua formação espiritual. O «papel dos pais na educação é de tal importância que é impossível substituí-los» (15). O direito e o dever da educação são primordiais e inalienáveis para os país (16).


2222 Os pais devem olhar para os seus filhos como filhos de Deus e respeitá-los como pessoas humanas. Educarão os seus filhos no cumprimento da lei de Deus, na medida em que eles próprios se mostrarem obedientes à vontade do Pai dos céus.


2223 Os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos filhos. Testemunham esta responsabilidade, primeiro pela criação dum lar onde são regra a ternura, o perdão, o respeito, a fidelidade e o serviço desinteressado. O lar é um lugar apropriado para a educação das virtudes, a qual requer a aprendizagem da abnegação, de sãos critérios, do autodomínio, condições da verdadeira liberdade. Os pais ensinarão os filhos a subordinar «as dimensões físicas e instintivas às dimensões interiores e espirituais» (17). Os pais têm a grave responsabilidade de dar bons exemplos aos filhos. Sabendo reconhecer diante deles os próprios defeitos, serão mais capazes de os guiar e corrigir:

«Aquele que ama o seu filho, castiga-o com frequência [...]. Aquele que dá ensinamentos ao seu filho será louvado» (
Si 30,1-2). «E vós, pais, não irriteis os vossos filhos: pelo contrário, educai-os com disciplina e advertências inspiradas pelo Senhor» (Ep 6,4).


2224 O lar constitui o âmbito natural para a iniciação da pessoa humana na solidariedade e nas responsabilidades comunitárias. Os pais devem ensinar os filhos a acautelar-se dos perigos e degradações que ameaçam as sociedades humanas.


2225 Pela graça do sacramento do matrimónio, os pais receberam a responsabilidade e o privilégio de evangelizar os filhos. Desde tenra idade devem iniciá-los nos mistérios da fé, de que são os «primeiros arautos» (18). Hão-de associá-los, desde a sua primeira infância, à vida da Igreja. A maneira como se vive em família pode alimentar as disposições afectivas, que durante toda a vida permanecem como autêntico preâmbulo e esteio duma fé viva.


2226 A educação da fé por parte dos pais deve começar desde a mais tenra infância. Faz-se já quando os membros da família se ajudam mutuamente a crescer na fé pelo testemunho duma vida cristã, de acordo com o Evangelho. A catequese familiar precede, acompanha e enriquece as outras formas de ensinamento da fé. Os pais têm a missão de ensinar os filhos a rezar e a descobrir a sua vocação de filhos de Deus (19). A paróquia é a comunidade eucarística e o coração da vida litúrgica das famílias cristãs: é o lugar privilegiado da catequese dos filhos e dos pais.


2227 Por sua vez, os filhos contribuem para o crescimento dos seus pais na santidade (20). Todos e cada um se darão, generosamente e sem se cansar, o perdão mútuo exigido pelas ofensas, querelas, injustiças e abandonos. Assim o sugere o afecto mútuo. E assim o exige a caridade de Cristo (21).


2228 Durante a infância, o respeito e o carinho dos pais traduzem-se, primeiro, no cuidado e na atenção que consagram à educação dos filhos, para prover as suas necessidades, físicas e espirituais. A medida que vão crescendo, o mesmo respeito e dedicação levam os pais a educar os filhos no sentido dum uso correcto da sua razão e da sua liberdade.


2229 Como primeiros responsáveis pela educação dos seus filhos, os pais têm o direito de escolher para eles uma escola que corresponda às suas próprias convicções. É um direito fundamental. Tanto quanto possível, os pais têm o dever de escolher as escolas que melhor os apoiem na sua tarefa de educadores cristãos (22). Os poderes públicos têm o dever de garantir este direito dos pais e de assegurar as condições reais do seu exercício.

15. II Concílio do Vaticano, Decl. Gravissimum educationis,
GE 3, AAS 58 (1966) 731.
16. Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, FC 36, AAS 74 (1982) 126.
17. João Paulo II. Enc. Centesimus annus, CA 36, AAS 83 (1991) 838.
18. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium LG 11, AAS 57 (1965) 16: cf. CIC 1136.
19. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium LG 11, AAS 57 (1965) 16.
20. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 48, AAS 58 (1966) 1069.
21. Cf. Mt 18,21-22 Lc 17,4.
22. Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Gravissimum educationis, GE 6, AAS 58 (1966) 733.

2230 Ao tornarem-se adultos, os filhos têm o dever e o direito de escolher a sua profissão e o seu estado de vida. Devem assumir as novas responsabilidades numa relação de confiança com os seus pais, a quem pedirão e de quem de boa vontade receberão opiniões e conselhos. Os pais terão o cuidado de não constranger os filhos, nem na escolha duma profissão, nem na escolha do cônjuge. Mas este dever de discrição não os proíbe, muito pelo contrário, de os ajudar com opiniões ponderadas, sobretudo quando tiverem em vista a fundação dum novo lar.


2231 Há quem não se case para cuidar dos pais ou dos irmãos e irmãs; ou para se dedicar mais exclusivamente a uma profissão; ou ainda por outros motivos válidos. Esses podem contribuir muitíssimo para o bem da família humana.

IV. A família e o Reino


2232 São importantes, mas não absolutos, os laços familiares. Quanto mais a criança cresce para a maturidade e autonomia humanas e espirituais, tanto mais a sua vocação individual, que vem de Deus, se afirma com nitidez e força. Os pais devem respeitar este chamamento e apoiar a resposta dos filhos para o seguir. Hão-de convencer-se de que a primeira vocação do cristão é seguir Jesus (23): «Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim» (Mt 10,37).

23. Cf. Mt 16,23

2233 Tornar-se discípulo de Jesus é aceitar o convite para pertencer à família de Deus, para viver em conformidade com a sua maneira de viver: «Todo aquele que fizer a vontade do meu Pai que está nos céus, é que é meu irmão e minha irmã e minha mãe» (Mt 12,50).

Os pais devem acolher e respeitar, com alegria e acção de graças, o chamamento que o Senhor fizer a um dos seus filhos, para O seguir na virgindade pelo Reino, na vida consagrada ou no ministério sacerdotal.

V. As autoridades na sociedade civil


2234 O quarto mandamento da Lei de Deus manda que honremos também todos aqueles que, para nosso bem, receberam de Deus alguma autoridade na sociedade. E esclarece os deveres dos que exercem essa autoridade, bem como os daqueles que dela beneficiam.


DEVERES DAS AUTORIDADES CIVIS


2235 Aqueles que exercem alguma autoridade, devem exercê-la como quem presta um serviço. «Quem quiser entre vós tornar-se grande, será vosso servo» (Mt 20,26). O exercício da autoridade é moralmente regulado pela sua origem divina, pela sua natureza racional e pelo seu objecto específico. Ninguém pode mandar ou instituir o que for contrário à dignidade das pessoas e à lei natural.

2236 O exercício da autoridade visa tornar manifesta uma justa hierarquia de valores, a fim de facilitar o exercício da liberdade e da responsabilidade de todos. Os superiores exerçam a justiça distributiva com sabedoria, tendo em conta as necessidades e a contribuição de cada qual, e em vista da concórdia e da paz. Estarão atentos a que as regras e disposições que tomam não induzam em tentação, opondo o interesse pessoal ao da comunidade (24).

24. Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus,
CA 25, AAS 83 (1991) 823.

2237 Os poderes políticos são obrigados a respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana. Administrarão a justiça como humanidade, respeitando o direito de cada qual, nomeadamente das famílias e dos deserdados.

Os direitos políticos inerentes à cidadania podem e devem ser reconhecidos conforme as exigências do bem comum. Não podem ser suspensos pelos poderes públicos sem motivo legítimo e proporcionado. O exercício dos direitos políticos orienta-se para o bem comum da nação e da comunidade humana.



DEVERES DOS CIDADÃOS


2238 Os que estão sujeitos à autoridade considerarão os seus superiores como representantes de Deus, que os instituiu ministros dos seus dons «Submetei-vos, por causa do Senhor, a toda a instituição humana [...]. Procedei como homens livres, não como aqueles que fazem da liberdade capa da sua malícia, mas como servos de Deus» (1P 2,13 1P 2,16). A sua colaboração leal comporta o direito, e às vezes o dever, duma justa reclamação de quanto lhes parecer prejudicial à dignidade das pessoas e ao bem da comunidade.


2239 É dever dos cidadãos colaborar com os poderes civis para o bem da sociedade, num espírito de verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade. O amor e o serviço da pátria derivam do dever da gratidão e da ordem da caridade. A submissão às autoridades legítimas e o serviço do bem comum exigem dos cidadãos que cumpram o seu papel na vida da comunidade política.


2240 A submissão à autoridade e a corresponsabilidade pelo bem comum exigem moralmente o pagamento dos impostos, o exercício do direito de voto, a defesa do país:

«Dai a cada um o que lhe é devido: o imposto, a quem se deve o imposto; a taxa, a quem se deve a taxa; o respeito, a quem se deve o respeito; a honra, a quem se deve a honra» (
Rm 13,7).

Os cristãos «residem na sua própria pátria, mas vivem todos como de passagem; em tudo participam como os outros cidadãos, mas tudo suportam como se não tivessem pátria [...]. Obedecem às leis estabelecidas, mas pelo seu modo de vida superam as leis [...]. Tão nobre é o posto que Deus lhes assinalou, que não lhes é lícito desertar» (26).

O Apóstolo exorta-nos a fazer súplicas e acções de graças pelos reis e por todos aqueles que exercem a autoridade, «a fim de que possamos ter uma vida calma e tranquila, com toda a piedade e dignidade» (1Tm 2,2).


2241 As nações mais abastadas devem acolher, tanto quanto possível, o estrangeiro em busca da segurança e dos recursos vitais que não consegue encontrar no seu país de origem. Os poderes públicos devem velar pelo respeito do direito natural que coloca o hóspede sob a protecção daqueles que o recebem.

As autoridades políticas podem, em vista do bem comum de que têm a responsabilidade, subordinar o exercício do direito de imigração a diversas condições jurídicas, nomeadamente no respeitante aos deveres que os imigrantes contraem para com o país de adopção. O imigrado tem a obrigação de respeitar com reconhecimento o património material e espiritual do país que o acolheu, de obedecer às suas leis e de contribuir para o seu bem.


2242 O cidadão é obrigado, em consciência, a não seguir as prescrições das autoridades civis, quando tais prescrições forem contrárias às exigências de ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. A recusa de obediência às autoridades civis, quando as suas exigências forem contrárias às da recta consciência, tem a sua justificação na distinção entre o serviço de Deus e o serviço da comunidade política. «Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus» (Mt 22,21). «Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens» (Ac 5,29):

«Quando a autoridade pública, excedendo os limites da própria competência, oprimir os cidadãos, estes não se recusem às exigências objectivas do bem comum; mas é-lhes lícito, dentro dos limites definidos pela lei natural e pelo Evangelho, defender os seus próprios direitos e os dos seus concidadãos contra o abuso dessa autoridade» (27).

25. Cf. Rm 13,1-2
26. Epístola a Diogneto, 5, 5; 5, 10; 6, 10: SC 33,62-66 (Funk 1, 398-400)
27. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 74, AAS 58 (1966) 1096.

2243 A resistência à opressão do poder político não recorrerá legitimamente às armas, senão nas seguintes condições:
1 – em caso de violações certas, graves e prolongadas dos direitos fundamentais;
2 – depois de ter esgotado todos os outros recursos;
3 – se não provocar desordens piores;
4 – se houver esperança fundada de êxito;
5 – e se for impossível prever razoavelmente soluções melhores.



A COMUNIDADE POLÍTICA E A IGREJA


2244 Toda a instituição se inspira, mesmo que implicitamente, numa visão do homem e do seu destino, visão da qual tira as suas referências de juízo, a sua hierarquia de valores, a sua linha de procedimento. A maior parte das sociedades referiram as suas instituições a uma certa preeminência do homem sobre as coisas. Só a religião divinamente revelada é que reconheceu claramente em Deus, Criador e Redentor, a origem e o destino do homem. A Igreja convida os poderes políticos a referenciar os seus juízos e decisões a esta inspiração da verdade sobre Deus e sobre o homem:

As sociedades que ignoram esta inspiração ou a recusam em nome da sua independência em relação a Deus, são levadas a procurar em si mesmas ou a tomar de uma ideologia as suas referências e o seu fim: e não admitindo que se defenda um critério objectivo do bem e do mal, a si mesmas atribuem, sobre o homem e o seu destino, um poder totalitário, declarado ou oculto, como a história tem mostrado» (28).


2245 «A Igreja que, em virtude da sua função e competência, de modo algum se confunde com a comunidade política, [...] é, ao mesmo tempo, sinal e salvaguarda do carácter transcendente da pessoa humana» (29). « A Igreja respeita e promove a liberdade política e a responsabilidade dos cidadãos» (30).


2246 Faz parte da missão da Igreja «proferir um juízo moral, mesmo acerca das realidades que dizem respeito à ordem política, sempre que os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem utilizando todos e só os meios conformes com o Evangelho e o bem de todos segundo a variedade dos tempos e circunstâncias» (31).

28. Cf. João Paulo II. Enc. Centesimus annus,
CA 45-46, AAS 83 (1991) 849-851.
29. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 76, AAS 58 (1966) 1099.
30. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 76, AAS 58 (1966) 1099.
31. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 76, AAS 58 (1966) 1100.

Resumindo:


2247 «Honra pai e mãe» (Dt 5,16 Mc 7,10).


2248 Segundo o quarto mandamento, Deus quis que, depois d'Ele, honrássemos os nossos pais e aqueles que, para nosso bem, Ele revestiu de autoridade.


2249 A comunidade conjugal está fundada na aliança e no consentimento dos esposos. O matrimónio e a família estão ordenados para o bem dos cônjuges e para a procriação e educação dos filhos.


2250 . «A saúde da pessoa e da sociedade humana e cristã depende estreitamente de uma situação favorável da comunidade conjugal e familiar» (32).

32. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes,
GS 47, AAS 58 (1966) 1067.

2251 Os filhos devem aos pais respeito, gratidão, obediência justa e ajuda. O respeito filial favorece a harmonia de toda a vida familiar.


2252 Os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos seus filhos na fé, na oração, e em todas as virtudes. Eles têm o dever de prover, na medida do possível, às necessidades físicas e espirituais dos seus filhos.


2253 Os pais devem respeitar e favorecer a vocação dos seus filhos. Hão-de lembrar-se e hão-de ensinar-lhes que a primeira vocação do cristão é seguir Jesus.


2254 . A autoridade pública tem a obrigação de respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana e as condições do exercício da sua liberdade.


2255 É dever dos cidadãos colaborar com os poderes civis na edificação da sociedade, num espírito de verdade, justiça, solidariedade e liberdade.


2256 O cidadão está obrigado em consciência a não seguir as prescrições das autoridades civis quando tais prescrições forem contrárias às exigências da ordem moral. «Deve obedecer-se antes a Deus do que aos homens» (Ac 5,29).


2257 Toda a sociedade refere os seus juízos e a sua conduta a uma visão do homem e do seu destino. Fora das luzes do Evangelho sobre Deus e sobre o homem, as sociedades facilmente resvalam para o totalitarismo.

ARTIGO 5


O QUINTO MANDAMENTO


«Não matarás» (Ex 20,13).

«Ouvistes o que foi dito aos antigos: "Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo". Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão, será réu perante o tribunal» (Mt 5,21-22).


2258 «A vida humana é sagrada porque, desde a sua origem, postula a acção criadora de Deus e mantém-se para sempre numa relação especial com o Criador, seu único fim. Só Deus é senhor da vida, desde o seu começo até ao seu termo: ninguém, em circunstância alguma, pode reivindicar o direito de dar a morte directamente a um ser humano inocente» (33).

33. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, Introductio, 5: AAS 80 ( 1988) 76-77.


I. O respeito pela vida humana


TESTEMUNHO DA HISTÓRIA SAGRADA


2259 A Sagrada Escritura, na narrativa da morte de Abel pelo seu irmão Caim (34), revela, desde os primórdios da história humana, a presença no homem da cólera e da inveja, consequências do pecado original. O homem tornou-se inimigo do seu semelhante. Deus denuncia a perversidade deste fratricídio: «Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra por Mim. De futuro, serás maldito sobre a terra, que abriu a sua boca para beber, da tua mão, o sangue do teu irmão» (Gn 4,10-11).


2260 A aliança entre Deus e a humanidade é entretecida de referências ao dom divino da vida humana e à violência assassina do homem:

«Pedirei contas do vosso sangue [...]. A quem derramar sangue humano, por mão de homem será derramado o seu, porque Deus fez o homem à sua imagem» (
Gn 9,5-61).

O Antigo Testamento considerou sempre o sangue como um sinal sagrado da vida (35). E este ensinamento é válido para todos os tempos.


2261 A Escritura determina a proibição contida no quinto mandamento: «Não causarás a morte do inocente e do justo» (Ex 23,7). O homicídio voluntário dum inocente é gravemente contrário à dignidade do ser humano, à regra de ouro e à santidade do Criador. A lei que o proíbe universalmente válida: obriga a todos e a cada um, sempre e em toda a parte.


2262 No sermão da montanha, o Senhor lembra o preceito: «Não matarás» (Mt 5,21) e acrescenta-lhe a proibição da ira, do ódio e da vingança. Mais ainda: Cristo exige do seu discípulo que ofereça a outra face (36), que ame os seus inimigos (37). Ele próprio não Se defendeu e disse a Pedro que deixasse a espada na bainha (38).

34. Cf. Gn 4,8-12
35. Cf. Lv 17,14
36. Cf. Mt 5,22-26 Mt 5,38-39,
37. Cf. Mt 5,44
38. Cf. Mt 26,52


A LEGÍTIMA DEFESA


2263 A defesa legítima das pessoas e das sociedades não é uma excepção à proibição de matar o inocente que constitui o homicídio voluntário. «Do acto de defesa pode seguir-se um duplo efeito: um, a conservação da própria vida; outro, a morte do agressor» (39). «Nada impede que um acto possa ter dois efeitos, dos quais só um esteja na intenção, estando o outro para além da intenção» (40).


2264 O amor para consigo mesmo permanece um princípio fundamental de moralidade. E, portanto, legítimo fazer respeitar o seu próprio direito à vida. Quem defende a sua vida não é réu de homicídio, mesmo que se veja constrangido a desferir sobre o agressor um golpe mortal:

«Se, para nos defendermos, usarmos duma violência maior do que a necessária, isso será ilícito. Mas se repelirmos a violência com moderação, isso será lícito [...]. E não é necessário à salvação que se deixe de praticar tal acto de defesa moderada para evitar a morte do outro: porque se está mais obrigado a velar pela própria vida do que pela alheia» (41).


2265 A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas até um grave dever para aquele que é responsável pela vida de outrem. Defender o bem comum implica colocar o agressor injusto na impossibilidade de fazer mal. É por esta razão que os detentores legítimos da autoridade têm o direito de recorrer mesmo às armas para repelir os agressores da comunidade civil confiada à sua responsabilidade.


2266 O esforço do Estado em reprimir a difusão de comportamentos que lesam os direitos humanos e as regras fundamentais da convivência civil, corresponde a uma exigência de preservar o bem comum. É direito e dever da autoridade pública legítima infligir penas proporcionadas à gravidade do delito. A pena tem como primeiro objectivo reparar a desordem introduzida pela culpa. Quando esta pena é voluntariamente aceite pelo culpado, adquire valor de expiação. A pena tem ainda como objectivo, para além da defesa da ordem pública e da protecção da segurança das pessoas, uma finalidade medicinal, posto que deve, na medida do possível, contribuir para a emenda do culpado.


2267 A doutrina tradicional da Igreja, desde que não haja a mínima dúvida acerca da identidade e da responsabilidade do culpado, não exclui o recurso à pena de morte, se for esta a única solução possível para defender eficazmente vidas humanas de um injusto agressor.

Contudo, se processos não sangrentos bastarem para defender e proteger do agressor a segurança das pessoas, a autoridade deve servir-se somente desses processos, porquanto correspondem melhor às condições concretas do bem comum e são mais consentâneos com a dignidade da pessoa humana.

Na verdade, nos nossos dias, devido às possibilidades de que dispõem os Estados para reprimir eficazmente o crime, tornando inofensivo quem o comete, sem com isso lhe retirar definitivamente a possibilidade de se redimir, os casos em que se torna absolutamente necessário suprimir o réu «são já muito raros, se não mesmo praticamente inexistentes» (42).

39. São Tomás de Aquino, Summa theologiae,
II-II 64,7. c: Ed. Leon. 9, 74.
40. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, II-II 64,7. c: Ed. Leon. 9, 74.
41. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, II-II 64,7. c: Ed. Leon. 9, 74.
42. João Paulo II, Enc. Evangelium vitae, EV 56, AAS 87 (1995) 464.


O HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO


2268 O quinto mandamento proíbe, como gravemente pecaminoso, o homicídio directo e voluntário. O assassino e quantos voluntariamente colaboram no assassinato cometem um pecado que brada ao céu (43).

O infanticídio (44), o fratricídio, o parricídio e o assassinato do cônjuge são crimes especialmente graves, em razão dos laços naturais que eles quebram. Não se podem invocar preocupações de eugenismo ou de higiene pública para justificar qualquer homicídio, ainda que tal seja imposto pelos poderes públicos


2269 O quinto mandamento proíbe fazer seja o que for com a intenção de provocar indirectamente a morte duma pessoa. A lei moral proíbe expor alguém, sem razão grave, a um perigo mortal, assim como negar assistência a uma pessoa em perigo.

A aceitação pela sociedade humana de fomes mortíferas, sem se esforçar por lhe dar remédio, é uma escandalosa injustiça e um pecado grave. Os traficantes, cujas práticas usurárias e mercantis provocam a fome e a morte dos seus irmãos em humanidade, cometem indirectamente homicídio, que lhes é imputável (45).

O homicídio involuntário não é moralmente imputável. Mas não se é desculpado de falta grave se, sem razões proporcionadas, se proceder de maneira a causar a morte, mesmo sem a intenção de a provocar.

43. Cf.
Gn 4,10
44. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 51, AAS 58 (1966) 1072.
45. Cf. Am 8,4-10


O ABORTO


2270 A vida humana deve ser respeitada e protegida, de modo absoluto, a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento da sua existência, devem ser reconhecidos a todo o ser humano os direitos da pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo o ser inocente à vida (46).

«Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi: antes que saísses do seio da tua mãe, Eu te consagrei» (
Jr 1,5).

«Vós conhecíeis já a minha alma e nada do meu ser Vos era oculto, quando secretamente era formado, modelado nas profundidades da terra» (Ps 139,15).


2271 A Igreja afirmou, desde o século I, a malícia moral de todo o aborto provocado. E esta doutrina não mudou. Continua invariável. O aborto directo, isto é, querido como fim ou como meio, é gravemente contrário à lei moral:

«Não matarás o embrião por meio do aborto, nem farás que morra o recém-nascido» (47).

«Deus [...], Senhor da vida, confiou aos homens, para que estes desempenhassem dum modo digno dos mesmos homens, o nobre encargo de conservar a vida. Esta deve, pois, ser salvaguardada, com extrema solicitude, desde o primeiro momento da concepção; o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis» (48).


2272 A colaboração formal num aborto constitui falta grave. A Igreja pune com a pena canónica da excomunhão este delito contra a vida humana. «Quem procurar o aborto, seguindo-se o efeito («effectu secuto») incorre em excomunhão latae sententiae (49), isto é, «pelo facto mesmo de se cometer o delito» (50) e nas condições previstas pelo Direito (50). A Igreja não pretende, deste modo, restringir o campo da misericórdia. Simplesmente, manifesta a gravidade do crime cometido, o prejuízo irreparável causado ao inocente que foi morto, aos seus pais e a toda a sociedade.


2273 O inalienável direito à vida, por parte de todo o indivíduo humano inocente, é um elemento constitutivo da sociedade civil e da sua legislação:

«Os direitos inalienáveis da pessoa deverão ser reconhecidos e respeitados pela sociedade civil e pela autoridade política. Os direitos do homem não dependem nem dos indivíduos, nem dos pais, nem mesmo representam uma concessão da sociedade e do Estado. Pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa, em razão do acto criador que lhe deu origem. Entre estes direitos fundamentais deve aplicar-se o direito à vida e à integridade física de todo ser humano, desde a concepção até à morte» (52).

«Desde o momento em que uma lei positiva priva determinada categoria de seres humanos da protecção que a legislação civil deve conceder-lhes, o Estado acaba por negar a igualdade de todos perante a lei. Quando o Estado não põe a sua força ao serviço dos direitos de todos os cidadãos, em particular dos mais fracos, encontram-se ameaçados os próprios fundamentos dum «Estado de direito» [...]. Como consequência do respeito e da protecção que devem ser garantidos ao nascituro, desde o momento da sua concepção, a lei deve prever sanções penais apropriadas para toda a violação deliberada dos seus direitos» (53).


2274 Uma vez que deve ser tratado como pessoa desde a concepção, o embrião terá de ser defendido na sua integridade, tratado e curado, na medida do possível, como qualquer outro ser humano.

O diagnóstico pré-natal é moralmente lícito, desde que «respeite a vida e a integridade do embrião ou do feto humano, e seja orientado para a sua defesa ou cura individual [...]. Mas está gravemente em oposição com a lei moral, se previr, em função dos resultados, a eventualidade de provocar um aborto. Um diagnóstico [...] não pode ser equivalente a uma sentença de morte» (54).


2275 «Devem considerar-se lícitas as intervenções no embrião humano, sempre que respeitem a vida e a integridade do mesmo e não envolvam para ele riscos desproporcionados, antes tenham em vista a sua cura, as melhoria das suas condições de saúde ou a sua sobrevivência individual» (55).

«É imoral produzir embriões humanos destinados a serem explorados como material biológico disponível» (56).

«Certas tentativas de intervenção no património cromossomático ou genético não são terapêuticas, mas têm em cesta a produção de seres humanos seleccionados segundo o sexo ou outras qualidades pré-estabelecidas. Tais manipulações são contrárias à dignidade pessoal do ser humano, à sua integridade e à sua identidade única, irrepetível» (57).

46. Cf. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1. 1: AAS 80 (1988) 79.
47. Didaké 2, 2: SC 248,148 cf. Epistola Pseudo Barnabae 19,5, SC 172,202 (Funk 1,90); Epistola a Diogneto 5,6, SC 33. 62, (Funk 1.398); Tertuliano, Apologeticum, 9,8, CCL 1,103 (PL 1,371-372)
48. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes,
GS 51, AAS 58 (1966) 1072.
49. CIC 1398
50. CIC 1314
51. Cf. CIC 1323-1324
52. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 3: AAS 80 (1988) 98-99.
53. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 3: AAS 80 (1988) 99.
54. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1, 2: AAS 80 (1988) 70-80.
55. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1, 3. AAS 80 (1988) 80-81.
56. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1, 5: AAS 80 (1988) 83.
57. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1, 6: AAS 80 (1988) 85.


A EUTANÁSIA


2276 Aqueles que têm uma vida deficiente ou enfraquecida reclamam um respeito especial. As pessoas doentes ou deficientes devem ser amparadas, para que possam levar uma vida tão normal quanto possível.


2277 Quaisquer que sejam os motivos e os meios, a eutanásia directa consiste em pôr fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inaceitável.

Assim, uma acção ou uma omissão que, de per si ou na intenção, cause a morte com o fim de suprimir o sofrimento, constitui um assassínio gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao respeito do Deus vivo, seu Criador. O erro de juízo, em que se pode ter caído de boa fé, não muda a natureza do acto homicida, o qual deve sempre ser condenado e posto de parte (58).

58. Cf Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, Iura et bona: AAS 72 (1980) 542-552.

2278 A cessação de tratamentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionados aos resultados esperados, pode ser legítima. É a rejeição do «encarniçamento terapêutico». Não que assim se pretenda dar a morte; simplesmente se aceita o facto de a não poder impedir. As decisões devem ser tomadas pelo paciente se para isso tiver competência e capacidade; de contrário, por quem para tal tenha direitos legais, respeitando sempre a vontade razoável e os interesses legítimos do paciente.


2279 . Mesmo que a morte seja considerada iminente, os cuidados habitualmente devidos a uma pessoa doente não podem ser legitimamente interrompidos. O uso dos analgésicos para aliviar os sofrimentos do moribundo, mesmo correndo-se o risco de abreviar os seus dias, pode ser moralmente conforme com a dignidade humana, se a morte não for querida, nem como fim nem como meio, mas somente prevista e tolerada como inevitável. Os cuidados paliativos constituem uma forma excepcional da caridade desinteressada; a esse título, devem ser encorajados.


O SUICÍDIO


2280 Cada qual é responsável perante Deus pela vida que Ele lhe deu, Deus é o senhor soberano da vida; devemos recebê-la com reconhecimento e preservá-la para sua honra e salvação das nossas almas. Nós somos administradores e não proprietários da vida que Deus nos confiou; não podemos dispor dela.


2281 O suicídio contraria a inclinação natural do ser humano para conservar e perpetuar a sua vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende igualmente o amor do próximo, porque quebra injustamente os laços de solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana, em relação às quais temos obrigações a cumprir. O suicídio é contrário ao amor do Deus vivo.


2282 Se for cometido com a intenção de servir de exemplo, sobretudo para os jovens, o suicídio assume ainda a gravidade do escândalo. A cooperação voluntária no suicídio é contrária à lei moral.

Perturbações psíquicas graves, a angústia ou o temor grave duma provação, dum sofrimento, da tortura, são circunstâncias que podem diminuir a responsabilidade do suicida.


2283 Não se deve desesperar da salvação eterna das pessoas que se suicidaram. Deus pode, por caminhos que só Ele conhece, oferecer-lhes a ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida.


Catecismo Igreja Catól. 2220