Catecismo Igreja Catól. 644


O ESTADO DA HUMANIDADE RESSUSCITADA DE CRISTO


645 Jesus Ressuscitado estabeleceu com os seus discípulos relações directas, através do contacto físico (564) e da participação na refeição (565). Desse modo, convida-os a reconhecer que não é um espírito (566), e sobretudo a verificar que o corpo ressuscitado, com o qual se lhes apresenta, é o mesmo que foi torturado e crucificado, pois traz ainda os vestígios da paixão (567). No entanto, este corpo autêntico e real possui, ao mesmo tempo, as propriedades novas dum corpo glorioso: não está situado no espaço e no tempo, mas pode, livremente, tornar-se presente onde e quando quer (568), porque a sua humanidade já não pode ser retida sobre a terra e já pertence exclusivamente ao domínio divino do Pai (569). Também por este motivo, Jesus Ressuscitado é soberanamente livre de aparecer como quer: sob a aparência dum jardineiro (570) ou «com um aspecto diferente» (Mc 16,12) daquele que era familiar aos discípulos; e isso, precisamente, para lhes despertar a fé (571).


646 A ressurreição de Cristo não foi um regresso à vida terrena, como no caso das ressurreições que Ele tinha realizado antes da Páscoa: a filha de Jairo, o jovem de Naim e Lázaro. Esses factos eram acontecimentos milagrosos, mas as pessoas miraculadas reencontravam, pelo poder de Jesus, uma vida terrena «normal»: em dado momento, voltariam a morrer. A ressurreição de Cristo é essencialmente diferente. No seu corpo ressuscitado, Ele passa do estado de morte a uma outra vida, para além do tempo e do espaço. O corpo de Cristo é, na ressurreição, cheio do poder do Espírito Santo; participa da vida divina no estado da sua glória, de tal modo que São Paulo pode dizer de Cristo que Ele é o «homem celeste» (572).

563. Cf.
Jn 20,24-27
564. Cf. Lc 24,39 Jn 20,27
565. Cf. Lc 24,30 Lc 24,41-43, Jn 21,9 Jn 21,13-15
566. Cf. Lc 24,39
567. Cf. Lc 24,40 Jn 20,20 Jn 20,27.
568. Cf. Mt 28,9 Mt 28,16-17 Lc 24,15 Lc 24,36 Jn 20,14 Jn 20,19-26 Jn 21,4
569. Cf. Jn 20,17
570. Cf. Jn 20,14-15
571. Cf. Jn 20,14 Jn 20,16 Jn 21,4 Jn 21,7
572. Cf. 1Co 15,35-50


A RESSURREIÇÃO COMO ACONTECIMENTO TRANSCENDENTE


647 «Oh noite bendita! – canta o «Exultet» pascal – única a ter conhecimento do tempo e da hora em que Cristo ressuscitou do sepulcro» (573). Com efeito, ninguém foi testemunha ocular do acontecimento da ressurreição propriamente dita e nenhum evangelista o descreve. Ninguém pôde dizer como ela se deu, fisicamente. Ainda menos a sua essência mais íntima, a passagem a uma outra vida, foi perceptível aos sentidos. Acontecimento histórico comprovado pelo sinal do túmulo vazio e pela realidade dos encontros dos Apóstolos com Cristo Ressuscitado, nem por isso a ressurreição deixa de estar, naquilo em que transcende e ultrapassa a história, no próprio centro do mistério da fé. Foi por isso que Cristo Ressuscitado não Se manifestou ao mundo (574), mas aos discípulos, «aos que com Ele tinham subido da Galileia a Jerusalém» e que «são agora testemunhas de Jesus junto do povo» (Ac 13,31).

573. Vigília Pascal, Precónio Pascal («Exsultet» ): Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 272 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 290 e 294].
574. Cf. Jn 14,22

II. A ressurreição – obra da Santíssima Trindade


648 A ressurreição de Cristo é objecto de fé, na medida em que é uma intervenção transcendente do próprio Deus na criação e na história. Nela, as três pessoas divinas agem em conjunto e manifestam a sua originalidade própria: realizou-se pelo poder do Pai, que «ressuscitou» (Ac 2,24) Cristo seu Filho, e assim introduziu de modo perfeito a sua humanidade – com o seu corpo – na Trindade. Jesus foi divinamente revelado «Filho de Deus em todo o seu poder, pela sua ressurreição de entre os mortos» (Rm 1,4). São Paulo insiste na manifestação do poder de Deus (575) por obra do Espírito, que vivificou a humanidade morta de Jesus e a chamou ao estado glorioso de Senhor.


649 Quanto ao Filho, Ele opera a sua própria ressurreição em virtude do seu poder divino. Jesus anuncia que o Filho do Homem deverá sofrer muito, e depois ressuscitar (no sentido activo da palavra (576)). Aliás, é d'Ele esta afirmação explícita: «Eu dou a minha vida para retomá-la [...] Tenho o poder de a dar e o poder de a retomar» (Jn 10,17-18). «Nós cremos que Jesus morreu e depois ressuscitou» (1Th 4,14).


650 Os Santos Padres contemplam a ressurreição a partir da pessoa divina de Cristo, que ficou unida à sua alma e ao seu corpo, separados entre si pela morte: «Pela unidade da natureza divina, que continua presente em cada uma das duas partes do homem, estas unem-se de novo. Assim, a morte é produzida pela separação do composto humano e a ressurreição pela união das duas partes separadas» (577).

575. Cf.
Rm 6,4 2Co 13,4, Ph 3,10 Ep 1,19-22 He 7,16
576. Cf. Mc 8,31 Mc 9,9 Mc 9,31 Mc 10,34
577. São Gregório de Nissa, De tridui inter mortem et resurrectionem Domini nostri Iesu Christi spatio: Gregorii Nysseni opera, ed. W. Jaeger — H. Langerbeck, V. 9 (Leiden 1967) p. 293- 294 (PG 46, 417B): cf. também Statuta Ecclesiae Antiqua: DS 325: Anastásio II, Ep. In prolixitate epistulae: DS 359: Santo Hormisda. Ep. Inter ea quae: DS 369: XI Concílio de Toledo, Symbolum: DS 539.


III. Sentido e alcance salvífico da ressurreição


651 «Se Cristo não ressuscitou, então a nossa pregação é vã e também é vã a vossa fé» (1Co 15,14). A ressurreição constitui, antes de mais, a confirmação de tudo quanto Cristo em pessoa fez e ensinou. Todas as verdades, mesmo as mais inacessíveis ao espírito humano, encontram a sua justificação se, ressuscitando, Cristo deu a prova definitiva, que tinha prometido, da sua autoridade divina.


652 A ressurreição de Cristo é o cumprimento das promessas do Antigo Testamento (578) e do próprio Jesus, durante a sua vida terrena (579). A expressão «segundo as Escrituras» (580) indica que a ressurreição de Cristo cumpriu essas predições.


653 A verdade da divindade de Jesus é confirmada pela ressurreição. Ele tinha dito: «Quando elevardes o Filho do Homem, então sabereis que "Eu Sou"» (Jn 8,28). A ressurreição do Crucificado demonstrou que Ele era verdadeiramente «Eu Sou», o Filho de Deus e Ele próprio Deus. São Paulo pôde declarar aos judeus: «E nós vos anunciamos a Boa-Nova de que a promessa feita aos nossos pais, cumpriu-a Deus para os filhos deles ao ressuscitar Jesus, como justamente está escrito no Salmo segundo: "Tu és meu Filho, Eu gerei-Te hoje"» (Ac 13,32-33) (581). O mistério da ressurreição de Cristo está estreitamente ligado ao mistério da Encarnação do Filho de Deus. É dele o cumprimento, segundo o desígnio eterno de Deus.


654 Existe um duplo aspecto no mistério pascal: pela sua morte, Cristo liberta-nos do pecado; pela sua ressurreição, abre-nos o acesso a uma nova vida. Esta é, antes de mais, a justificação, que nos repõe na graça de Deus (582), «para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos [...], também nós vivamos uma vida nova» (Rm 6,4). Esta consiste na vitória sobre a morte do pecado e na nova participação na graça (583); realiza a adopção filial, porque os homens tornam-se irmãos de Cristo, como o próprio Jesus chama aos discípulos depois da ressurreição: «Ide anunciar aos meus irmãos» (Mt 28,10) (584). Irmãos, não por natureza, mas por dom da graça, porque esta filiação adoptiva proporciona uma participação real na vida do Filho, plenamente revelada na sua ressurreição.


655 Finalmente, a ressurreição de Cristo – e o próprio Cristo Ressuscitado – é princípio e fonte da nossa ressurreição futura: «Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram [...]. Do mesmo modo que em Adão todos morreram, assim também em Cristo serão todos restituídos à vida» (1Co 15,20-22). Na expectativa de que isto se realize, Cristo Ressuscitado vive no coração dos seus fiéis. N'Ele, os cristãos «saboreiam as maravilhas do mundo vindouro» (He 6,5) e a sua vida é atraída por Cristo para o seio da vida divina (585), «para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles» (2Co 5,15).

578. Cf. Lc 24,26-27 Lc 24,44-48
579. Cf. Mt 28,6 Mc 16,7 Lc 24,6-7
580. Cf. 1Co 15,3-4, Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150
581. Cf. Ps 2,7
582. Cf. Rm 4,25
583. Cf. Ep 2,4-5 1P 1,3
584. Cf. Jn 20,17
585. Cf. Col 3,1-3

Resumindo:


656 A fé na ressurreição tem por objecto um acontecimento, ao mesmo tempo historicamente testemunhado pelos discípulos (que realmente encontraram o Ressuscitado) e misteriosamente transcendente, enquanto entrada da humanidade de Cristo na glória de Deus.


657 . O sepulcro vazio e os lençóis deixados no chão significam, por si mesmos, que o corpo de Cristo escapou aos laços da morte e da corrupção, pelo poder de Deus. E preparam os discípulos para o encontro com o Ressuscitado.


658 . Cristo, «primogénito de entre os mortos» (Col 1,18), é o princípio da nossa própria ressurreição, desde agora pela justificação da nossa alma (586), mais tarde pela vivificação do nosso corpo (587).

586. Cf. Rm 6,4
587. Cf. Rm 8,11


ARTIGO 6


«JESUS SUBIU AOS CÉUS E ESTÁ SENTADO


À DIREITA DE DEUS, PAI TODO-PODEROSO»



659 «Então, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus» (Mc 16,19). O corpo de Cristo foi glorificado desde o momento da sua ressurreição, como o provam as propriedades novas e sobrenaturais de que, a partir de então, ele goza permanentemente (588). Mas, durante os quarenta dias em que vai comer e beber familiarmente com os discípulos (589) e instruí-los sobre o Reino (590), a sua glória fica ainda velada sob as aparências duma humanidade normal (591). A última aparição de Jesus termina com a entrada irreversível da sua humanidade na glória divina, simbolizada pela nuvem (592) e pelo céu (593). onde a partir de então, está sentado à direita de Deus (594). Só de modo absolutamente excepcional e único é que Se mostrará a Paulo, «como a um aborto» (1Co 15,8), numa última aparição que o constitui Apóstolo (595).


660 O carácter velado da glória do Ressuscitado, durante este tempo, transparece na sua misteriosa palavra a Maria Madalena: « [...] ainda não subi para o Pai. Vai ter com os meus irmãos e diz-lhes que vou subir para o meu Pai e vosso Pai, para o meu Deus e vosso Deus» (Jn 20,17). Isto indica uma diferença entre a manifestação da glória de Cristo Ressuscitado e a de Cristo exaltado à direita do Pai. O acontecimento da ascensão, ao mesmo tempo histórico e transcendente, marca a transição duma para a outra.


661 Esta última etapa continua intimamente unida à primeira, isto é, à descida do céu realizada na Encarnação. Só Aquele que «saiu do Pai» pode «voltar para o Pai»: Cristo (596). «Ninguém subiu ao céu senão Aquele que desceu do céu: o Filho do Homem» (Jn 3,13) (597). Abandonada às suas forças naturais, a humanidade não tem acesso à «Casa do Pai» (598), à vida e à felicidade de Deus. Só Cristo Ode abrir ao homem este acesso: «subindo aos céus, como nossa cabeça e primogénito, deu-nos a esperança de irmos um dia ao seu encontro, como membros do seu corpo» (599).


662 «E Eu, uma vez elevado da terra, atrairei todos a Mim» (Jn 12,32). A elevação na cruz significa e anuncia a elevação da ascensão aos céus. É o princípio dela, Jesus Cristo, o único sacerdote da nova e eterna Aliança, «não entrou num santuário feito por homens [...]. Entrou no próprio céu, a fim de agora se apresentar diante de Deus em nosso favor» (He 9,24). Nos céus, Cristo exerce permanentemente o seu sacerdócio, «sempre vivo para interceder a favor daqueles que, por seu intermédio, se aproximam de Deus» (He 7,25). Como «sumo sacerdote dos bens futuros» (He 9,11), Ele é o centro e o actor principal da liturgia que honra o Pai que está nos céus (600).


663 Doravante, Cristo está sentado à direita do Pai: «Por direita do Pai entendemos a glória e a honra da divindade, em cujo seio Aquele que, antes de todos os séculos, existia como Filho de Deus, como Deus e consubstancial ao Pai, tomou assento corporalmente desde que encarnou e o seu corpo foi glorificado» (601).


664 Sentar-se à direita do Pai significa a inauguração do Reino messiânico, cumprimento da visão do profeta Daniel a respeito do Filho do Homem: «Foi-Lhe entregue o domínio, a majestade e a realeza, e todos os povos, nações e línguas O serviram. O seu domínio é um domínio eterno, que não passará jamais, e a sua realeza não será destruída» (Da 7,14). A partir deste momento, os Apóstolos tornaram-se as testemunhas do «Reino que não terá fim» (602).

588. Cf. Lc 24,31 Jn 20,19 Jn 20,26
589. Cf. Ac 10,41
590. Cf. Ac 1,3
591. Cf. Mc 16,12 Lc 24,15 Jn 20,14-15 Jn 21,4,
592. Cf. Ac 1,9 também Lc 9,34-35 Ex 13,22,
593. Cf. Lc 24,51
594. Cf. Mc 16,19 Ac 2,33 Ac 7,56, Ps 110,1,
595. Cf. 1Co 9,1 Ga 1,16.
596. Cf. Jn 16,28
597. Cf. Ep 4,8-10
598. Cf. Jn 14,2
599. Prefácio de Ascensão, I: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 410 [Missal Romano. Gráfica de Coimbra 1992. 474].
600. Cf. Ap 4,6-11
601. São João Damasceno, Expositio fidei, 75 [De fide Orthodoxa 4, 2]: PTS 12. 173 (PG 94, 104D).
602. Cf. Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150


Resumindo:


665 A ascensão de Cristo marca a entrada definitiva da humanidade de Jesus no domínio celeste de Deus, de onde há-de voltar (603) mas que, entretanto, O oculta aos olhos dos homens (604).

603. Cf.
Ac 1,11
604. Cf. Col 3,3

666 . Jesus Cristo, cabeça da Igreja, precede-nos no Reino glorioso do Pai, para que nós, membros do seu corpo, vivamos na esperança de estarmos um dia eternamente com Ele.


667 . Jesus Cristo, tendo entrado, uma vez por todas, no santuário dos céus, intercede incessantemente por nós, como mediador que nos garante permanentemente a efusão do Espírito Santo.

ARTIGO 7


«DE ONDE HÁ-DE VIR A JULGAR


OS VIVOS E OS MORTOS»


I. «Voltará na sua glória»


CRISTO REINA, DESDE JÁ, PELA IGREJA...


668 «Cristo morreu e voltou à vida para ser Senhor dos mortos e dos vivos» (Rm 14,9). A ascensão de Cristo aos céus significa a sua participação, na sua humanidade, no poder e autoridade do próprio Deus. Jesus Cristo é Senhor: Ele possui todo o poder nos céus e na Terra. Está «acima de todo o principado, poder, virtude e soberania», porque o Pai «tudo submeteu a seus pés»(Ep 1,20-22). Cristo é o Senhor do cosmos (605) e da história, N'Ele, a história do homem, e até a criação inteira, encon­tram a sua «recapitulação» (606), o seu acabamento transcendente.


669 Como Senhor, Cristo é também a cabeça da Igreja, que é o seu corpo (607). Elevado ao céu e glorificado, tendo assim cumprido plenamente a sua missão, continua na terra por meio da Igreja. A redenção é a fonte da autoridade que Cristo, em virtude do Espírito Santo, exerce sobre a Igreja (608). «O Reino de Cristo já está misteriosamente presente na Igreja» (609), «gérmen e princípio deste mesmo Reino na Terra» (610).


670 Depois da ascensão, o desígnio de Deus entrou na sua consumação. Estamos já na «última hora» (1Jn 2,18) (611). «Já chegou pois, a nós, a plenitude dos tempos, a renovação do mundo já está irrevogavelmente adquirida e, de certo modo, encontra-se já realmente antecipada neste tempo: com efeito, ainda aqui na Terra, a Igreja está aureolada de uma verdadeira, embora imperfeita, santidade» (612). O Reino de Cristo manifesta já a sua presença pelos sinais miraculosos (613) que acompanham o seu anúncio pela Igreja (614).

605. Cf. Ep 4,10 1Co 15,24 1Co 15,27-28
606. Cf. Ep 1,10
607. Cf. Ep 1,22
608. Cf. Ep 4,11-13
609. Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 3, AAS 57 (1965) 6.
610. Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 5, AAS 57 (1965) 8.
611. Cf. 1P 4,7
612. Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 48, AAS 57 (1965) 53.
613. Cf. Mc 16,17-18
614. Cf. Mc 16,20



... À ESPERA DE QUE TUDO LHE SEJA SUBMETIDO


671 Já presente na sua Igreja, o Reino de Cristo, contudo, ainda não está acabado «em poder e glória» (Lc 21,27) (615) pela vinda do Rei à terra. Este Reino ainda é atacado pelos poderes do mal (616), embora estes já tenham sido radicalmente vencidos pela Páscoa de Cristo. Até que tudo Lhe tenha sido submetido (617), «enquanto não se estabelecem os novos céus e a nova terra, em que habita a justiça, a Igreja peregrina, nos seus sacramentos e nas suas instituições, que pertencem à presente ordem temporal, leva a imagem passageira deste mundo e vive no meio das criaturas que gemem e sofrem as dores do parto, esperando a manifestação dos filhos de Deus» (618). Por este motivo, os cristãos oram, sobretudo na Eucaristia (619), para que se apresse o regresso de Cristo (620), dizendo-Lhe: «Vem, Senhor» (Ap 22,20) (621).


672 Cristo afirmou, antes da sua ascensão, que ainda não era a hora do estabelecimento glorioso do Reino messiânico esperado por Israel (622), o qual devia trazer a todos os homens, segundo os profetas (623), a ordem definitiva da justiça, do amor e da paz. O tempo presente é, segundo o Senhor, o tempo do Espírito e do testemunho (624) mas é também um tempo ainda marcado pela «desolação» (625) e pela provação do mal (626), que não poupa a Igreja (627) e inaugura os combates dos últimos dias (628). É um tempo de espera e de vigília (629).

615. Cf.
Mt 25,31
616. Cf. 2Th 2,7
617. Cf. 1Co 15,28
618. Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 48, AAS 57 (1965) 53.
619. Cf. 1Co 11,26
620. Cf. 2P 3,11-12
621. Cf. 1Co 16,22 Ap 22,17
622. Cf. Ac 1,6-7
623. Cf. Is 11,1-9
624. Cf. Ac 1,8
625. Cf. 1Co 7,26
626. Cf. Ep 5,16
627. Cf. 1P 4,17
628. Cf. 1Jn 2,18 1Jn 4,3 1Tm 4,1
629. Cf. Mt 25,1-13 Mc 13,33-37

A VINDA GLORIOSA DE CRISTO, ESPERANÇA DE ISRAEL


673 A partir da ascensão, a vinda de Cristo na glória está iminente (630) mesmo que não nos «pertença saber os tempos ou os momentos que o Pai determinou com a sua autoridade» (Ac 1,7) (631). Este advento escatológico pode realizar-se a qualquer momento (632), ainda que esteja «retido», ele e a provação final que o há-de preceder (633).


674 A vinda do Messias glorioso está pendente, a todo o momento da história (634), do seu reconhecimento por «todo o Israel» (635), do qual «uma parte se endureceu» (636) na «incredulidade» (Rm 11,20) em relação a Jesus. E Pedro quem diz aos judeus de Jerusalém, após o Pentecostes: «Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que os pecados vos sejam perdoados. Assim, o Senhor fará que venham os tempos de alívio e vos mandará o Messias Jesus, que de antemão vos foi destinado. O céu tem de O conservar até à altura da restauração universal, que Deus anunciou pela boca dos seus santos profetas de outrora» (Ac 3,19-21). E Paulo faz-se eco destas palavras: «Se da sua rejeição resultou a reconciliação do mundo, o que será a sua reintegração senão uma ressurreição de entre os mortos?» (Rm 11,15). A entrada da totalidade dos judeus (637) na salvação messiânica, a seguir à «conversão total dos pagãos» (638), dará ao povo de Deus ocasião de «realizar a plenitude de Cristo» (Ep 4,13), na qual «Deus será tudo em todos» (1Co 15,2).

630. Cf. Ap 22,20
631. Cf. Mc 13,32
632. Cf. Mt 24,44 1Th 5,2
633. Cf. 2Th 2,3-12
634. Cf. Rm 11,31
635. Cf. Rm 11,26 Mt 23,39
636. Cf. Rm 11,25
637. Cf. Rm 11,12


A ÚLTIMA PROVA DA IGREJA


675 Antes da vinda de Cristo, a Igreja deverá passar por uma prova final, que abalará a fé de numerosos crentes (639). A perseguição, que acompanha a sua peregrinação na Terra (640), porá a descoberto o «mistério da iniquidade», sob a forma duma impostura religiosa, que trará aos homens uma solução aparente para os seus problemas, à custa da apostasia da verdade. A suprema impostura religiosa é a do Anticristo, isto é, dum pseudo-messianismo em que o homem se glorifica a si mesmo, substituindo-se a Deus e ao Messias Encarnado (641).


676 Esta impostura anticrística já se esboça no mundo, sempre que se pretende realizar na história a esperança messiânica, que não pode consumar-se senão para além dela, através do juízo escatológico. A Igreja rejeitou esta falsificação do Reino futuro, mesmo na sua forma mitigada, sob o nome de milenarismo (642), e principalmente sob a forma política dum messianismo secularizado, «intrinsecamente perverso» (643).


677 A Igreja não entrará na glória do Reino senão através dessa última Páscoa, em que seguirá o Senhor na sua morte e ressurreição (644). O Reino não se consumará, pois, por um triunfo histórico da Igreja (645) segundo um progresso ascendente, mas por uma vitória de Deus sobre o último desencadear do mal (646), que fará descer do céu a sua Esposa (647). O triunfo de Deus sobre a revolta do mal tomará a forma de Juízo final (648), após o último abalo cósmico deste mundo passageiro (649).

638. Cf.
Rm 11,25 Lc 21,24
639. Cf. Lc 18,8 Mt 24,12
640. Cf. Lc 21,12 Jn 15,19-20
641. Cf. 2Th 2,4-12 1Th 5,2-3 2Jn 1,7 1Jn 2,18 1Jn 2,22,
642. Cf. Santo Ofício, Decretum de millenarismo (19 de Julho de 1944): DS 3839.
643. Cf. Pio XI, Enc. Divini Redemtptoris (19 de Março de 1937): AAS 29 (1937) 65-106, condenando o «falso misticismo» desta «simulação da redenção dos humildes» (p. 69); II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 20-21: AAS 58 (1966) 1040-1042.
644. Cf. Ap 19,1-9
645. Cf. Ap 13,8
646. Cf. Ap 20,7-10
647. Cf. Ap 21,2-4
648. Cf. Ap 20,12
649. Cf. 2P 3,12-13

II. «Para julgar os vivos e os mortos»


678 Na sequência dos profetas (650) e de João Baptista (651), Jesus anunciou, na sua pregação, o Juízo do último dia. Então será revelado o procedimento de cada um (652) e o segredo dos corações (653). Então, será condenada a incredulidade culpável, que não teve em conta a graça oferecida por Deus (654). A atitude tomada para com o próximo revelará a aceitação ou a recusa da graça e do amor divino (655). No último dia, Jesus dirá: «Sempre que o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes» (Mt 25,40).


679 Cristo é Senhor da vida eterna. O pleno direito de julgar definitivamente as obras e os corações dos homens pertence-Lhe a Ele, enquanto redentor do mundo. Ele «adquiriu» este direito pela sua cruz. Por isso, o Pai entregou «ao Filho todo o poder de julgar» (Jn 5,22) (656). Ora, o Filho não veio para julgar, mas para salvar (657) e dar a vida que tem em Si (658). É pela recusa da graça nesta vida que cada qual se julga já a si próprio (659), recebe segundo as suas obras (660) e pode, mesmo, condenar-se para a eternidade, recusando o Espírito de amor (661).

650. Cf. Da 7,10 Jl 3-4, Ml 3,19
651. Cf. Mt 3,7-12
652. Cf. Mc 12,38-40
653. Cf. Lc 12,1-3 Jn 3,20-21 Rm 2,16 1Co 4,5
654. Cf. Mt 11,20-24 Mt 12,41-42.
655. Cf. Mt 5,22 Mt 7,1-5
656. Cf. Jn 5,27 Mt 25,31 Ac 10,42 Ac 17,31 2Tm 4,1
657. Cf. Jn 3,17
658. Cf. Jn 5,26
659. Cf. Jn 3,18 Jn 12,48.
660. Cf. 1Co 3,12-15,
661. Cf. Mt 12,32 He 6,4-6 He 10,26-31


Resumindo:


680 Cristo Senhor reina já pela Igreja, mas ainda não Lhe estão submetidas todas as coisas deste mundo. O triunfo do Reino de Cristo só será um facto, depois dum último assalto das forças do mal.


681 . No dia do Juízo, no fim do mundo, Cristo virá na sua glória para completar o triunfo definitivo do bem sobre o mal, os quais, como o trigo e o joio, terão crescido juntos no decurso da história.


682 Quando vier; no fim dos tempos, para julgar os vivos e os mortos, Cristo glorioso há-de revelar a disposição secreta dos corações, e dará a cada um segundo as suas obras e segundo tiver aceite ou recusado a graça.





CAPÍTULO TERCEIRO

CREIO NO ESPÍRITO SANTO


683 «Ninguém pode dizer "Jesus é o Senhor" a não ser pela acção do Espírito Santo» (1Co 12,3). «Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: "Abbá! Pai!'» (Ga 4,6).Este conhecimento da fé só é possível no Espírito Santo. Para estar em contacto com Cristo, é preciso primeiro ter sido tocado pelo Espírito Santo. É Ele que nos precede e suscita em nós a fé. Em virtude do nosso Baptismo, primeiro sacramento da fé, a Vida, que tem a sua fonte no Pai e nos é oferecida no Filho, é-nos comunicada, íntima e pessoalmente, pelo Espírito Santo na Igreja:

O Baptismo «dá-nos a graça do novo nascimento em Deus Pai, por meio do Filho no Espírito Santo. Porque aqueles que têm o Espírito de Deus são conduzidos ao Verbo, isto é, ao Filho: mas o Filho apresenta-os ao Pai, e o Pai dá-lhes a incorruptibilidade. Portanto, sem o Espírito não é possível ver o Filho de Deus, e sem o Filho ninguém tem acesso ao Pai, porque o conhecimento do Pai é o Filho, e o conhecimento do Filho de Deus faz-se pelo Espírito Santo»(1).


684 O Espírito Santo, pela sua graça, é o primeiro no despertar da nossa fé e na vida nova que consiste em conhecer o Pai e Aquele que Ele enviou, Jesus Cristo (2). No entanto, Ele é o último na revelação das Pessoas da Santíssima Trindade. São Gregário de Nazianzo, «o Teólogo», explica esta progressão pela pedagogia da «condescendência» divina:

«O Antigo Testamento proclamava manifestamente o Pai e mais obscuramente o Filho. O Novo manifestou o Filho e fez entrever a divindade do Espírito. Agora, porém, o próprio Espírito vive connosco e manifesta-se a nós mais abertamente. Com efeito, quando ainda não se confessava a divindade do Pai, não era prudente proclamar abertamente o Filho: e quando a divindade do Filho ainda não era admitida, não era prudente acrescentar o Espírito Santo como um fardo suplementar, para empregar uma expressão um tanto ousada [...] É por avanços e progressões "de glória em glória " que a luz da Trindade brilhará em mais esplendorosas claridades» (3).


685 Crer no Espírito é, portanto, professar que o Espírito Santo é uma das Pessoas da Santíssima Trindade, consubstancial ao Pai e ao Filho, «adorado e glorificado com o Pai e o Filho» (4). É por isso que tratamos do mistério divino do Espírito Santo na «teologia» trinitária. Portanto, aqui só trataremos do Espírito Santo no âmbito da «economia» divina.


686 O Espírito Santo age juntamente com o Pai e o Filho, desde o princípio até à consumação do desígnio da nossa salvação. Mas é nestes «últimos tempos», inaugurados com a Encarnação redentora do Filho, que Ele é revelado e dado, reconhecido e acolhido como Pessoa. Então, esse desígnio divino, consumado em Cristo, «Primogénito» e Cabeça da nova criação, poderá tomar corpo na humanidade pelo Espírito derramado: a Igreja, a comunhão dos santos, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne, a vida eterna.

1. Santo Ireneu de Lião, Demonstratio praedicationis apostolicae, 7: SC 62,41-42
2. Cf.
Jn 17,3
3. São Gregório de Nazianzo, Oratio 31 (Theologica 5), 26: SC 250, 326 (PG 36, 161-164).
4. Símbolo Niceno-Constantinopolítano: DS 150

ARTIGO 8


«CREIO NO ESPÍRITO SANTO»



687 «Ninguém conhece o que há em Deus, senão o Espírito de Deus» (1Co 2,11). Ora, o seu Espírito, que O revela, faz-nos conhecer Cristo, seu Verbo, sua Palavra viva; mas não Se diz a Si próprio. Aquele que «falou pelos profetas» (5) faz-nos ouvir a Palavra do Pai. Mas a Ele, nós não O ouvimos. Não O conhecemos senão no movimento em que Ele nos revela o Verbo e nos dispõe a acolhê-Lo na fé. O Espírito de verdade, que nos «revela» Cristo, «não fala de Si próprio» (6). Tal escondimento, propriamente divino, explica porque é que «o mundo não O pode receber, porque não O vê nem O conhece», enquanto aqueles que crêem em Cristo O conhecem, porque habita com eles e está neles (Jn 14,17).

5. Símbolo Niceno-Constamuinopolitano: DS 150
6. Cf. Jn 16,13

688 A Igreja, comunhão viva na fé dos Apóstolos que ela transmite, é o lugar do nosso conhecimento do Espírito Santo:

— Nas Escrituras, que Ele inspirou:
— na Tradição, de que os Padres da Igreja são testemunhas sempre actuais;
— no Magistério da Igreja, que Ele assiste;
— na liturgia sacramental, através das suas palavras e dos seus símbolos, em que o Espírito Santo nos põe em comunhão com Cristo;
— na oração, em que Ele intercede por nós;
— nos carismas e ministérios, pelos quais a Igreja é edificada;
— nos sinais de vida apostólica e missionária;
— no testemunho dos santos, nos quais Ele manifesta a sua santidade e continua a obra da salvação.


I. A missão conjunta do Filho e do Espírito


689 Aquele que o Pai enviou aos nossos corações, o Espírito do seu Filho (7), é realmente Deus. Consubstancial ao Pai e ao Filho, é d'Eles inseparável, tanto na vida íntima da Trindade como no seu dom de amor pelo mundo. Mas ao adorar a Santíssima Trindade, vivificante, consubstancial e indivisível, a fé da Igreja professa também a distinção das Pessoas. Quando o Pai envia o seu Verbo, envia sempre o seu Espírito: missão conjunta na qual o Filho e o Espírito Santo são distintos mas inseparáveis. Sem dúvida, é Cristo quem aparece, Ele que é a Imagem visível de Deus invisível; mas é o Espírito Santo quem O revela.


690 Jesus é Cristo, «ungido», porque o Espírito é d'Ele a Unção; e tudo quanto acontece a partir da Encarnação, decorre desta plenitude (8). Finalmente, quando Cristo é glorificado (9), pode, por sua vez, enviar de junto do Pai, o Espírito, aos que crêem n'Ele: comunica-lhes a sua glória (10), quer dizer, o Espírito Santo que O glorifica (11). A missão conjunta desenvolver-se-á, a partir desse momento, nos filhos adoptados pelo Pai no Corpo do seu Filho: a missão do Espírito de adopção consistirá em uni-los a Cristo e fazê-los viver n' Ele:

«A unção sugere... que não há nenhuma distância entre o Filho e o Espírito. Com efeito, do mesmo modo que entre a superfície do corpo e a unção do óleo, nem a razão nem os sentidos encontram qualquer entremeio, assim é imediato o contacto do Filho com o Espírito, de tal modo que aquele que vai tomar contacto com o Filho pela fé, tem que contactar primeiro com o óleo. Com efeito, não há pane alguma que esteja despida do Espírito Santo. É por isso que a confissão do Senhorio do Filho se faz no Espírito Santo para aqueles que a recebem, pois o Espírito vem, de todos os lados, ao encontro daqueles que se aproximam pela fé» (12).

7. Cf.
Ga 4,6
8. Cf. Jn 3,34
9. Cf. Jn 7,39
10. Cf. Jn 17,22
11. Cf. Jn 16,14
12. São Gregório de Nissa, Adversus Macedonianos de Spiritu Sancto, 16: Gregorii Nysseni opera, ed. W. Jaeger-H. Langerbeck, V. 3/1 (Leiden 1958) p. 102-103 (PG 45, 1321).

II. O nome, as designações e os símbolos do Espírito Santo


O NOME PRÓPRIO DO ESPÍRITO SANTO


691 «Espírito Santo», tal á o nome próprio d'Aquele que adoramos e glorificamos com o Pai e o Filho. A Igreja recebeu este nome do Senhor e professa-o no Baptismo dos seus novos filhos (13).

O termo «Espírito» traduz o termo hebraico « Ruah» que, na sua primeira acepção, significa sopro, ar, vento. Jesus utiliza precisamente a imagem sensível do vento para sugerir a Nicodemos a novidade transcendente d'Aquele que é pessoalmente o Sopro de Deus, o Espírito divino (14). Por outro lado, Espírito e Santo são atributos divinos comuns às três Pessoas divinas. Mas, juntando os dois termos, a Escritura, a Liturgia e a linguagem teológica designam a Pessoa inefável do Espírito Santo, sem equívoco possível com os outros empregos dos termos «espírito» e «santo».

13. Cf.
Mt 28,19
14. Cf. Jn 3,5-8


Catecismo Igreja Catól. 644