Catecismo Igreja Catól. 960

Resumindo:


960 A Igreja é «comunhão dos santos»: esta expressão designa, em primeiro lugar, as «coisas santas» (sancta) e, antes de mais, a Eucaristia, pela qual «é representada e se realiza a unidade dos fiéis que constituem um só Corpo em Cristo» (523).


961 Este termo também designa a comunhão das «pessoas santas» (sancti) em Cristo, que «morreu por todos», de modo que o que cada um faz ou sofre por Cristo e em Cristo reverte em proveito de todos.


962 «Nós cremos na comunhão de todos os fiéis de Cristo: dos que peregrinam na terra, dos defuntos que estão levando a cabo a sua purificação e dos bem-aventurados do céu: formam todos uma só Igreja; e cremos que, nesta comunhão, o amor misericordioso de Deus e dos seus santos está sempre atento às nossas orações» (524).

523. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
LG 3, AAS 57 (1965) 6.
524. Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 30: AAS 60 (1968) 445.


PARÁGRAFO 6

MARIA – MÃE DE CRISTO

MÃE DA IGREJA



963 Depois de termos falado do papel da Virgem Maria no mistério de Cristo e do Espírito, é conveniente considerarmos agora o seu lugar no mistério da Igreja. «Efectivamente, a Virgem Maria [...] é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus e do Redentor [...]. Ao mesmo tempo, porém, é verdadeiramente "Mãe dos membros (de Cristo) [...], porque cooperou com o seu amor para que na Igreja nascessem os fiéis, membros daquela Cabeça"» (525). «Maria, [...] Mãe de Cristo e Mãe da Igreja» (526).

525. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
LG 53, AAS 57 (1965) 57-58: cf. Santo Agostinho, De sancta virginitate 6, 6: CSEL 41, 240 (PL 40, 399).
526. Paulo VI, Allocutio ad Conciliares Patres, tertia exacta Oecumenicae Synodi Sessione (21 de Novembro de 1964): AAS 56 (1964) 1015.

I. A maternidade de Maria em relação à Igreja

INTEIRAMENTE UNIDA A SEU FILHO...


964 O papel de Maria em relação à Igreja é inseparável da sua união com Cristo e decorre dela directamente. «Esta associação de Maria com o Filho na obra da salvação, manifesta-se desde a concepção virginal de Cristo até à sua morte» (527). Mas é particularmente manifesta na hora da sua paixão:

«A Bem-aventurada Virgem avançou na peregrinação de fé, e manteve fielmente a sua união como Filho até à Cruz, junto da qual esteve de pé, não sem um desígnio divino; padeceu acerbamente com o seu Filho único e associou-se com coração de mãe ao seu sacrifício, consentindo amorosamente na imolação da vítima que d'Ela nascera; e, por fim, foi dada por mãe ao discípulo pelo próprio Jesus Cristo, agonizante na Cruz, com estas palavras: "Mulher, eis aí o teu filho" (
Jn 19,26-27)» (528).


965 Depois da Ascensão do seu Filho, Maria «assistiu com suas orações aos começos da Igreja» (529). E, reunida com os Apóstolos e algumas mulheres, vemos «Maria implorando com as suas orações o dom daquele Espírito, que já na Anunciação a cobrira com a Sua sombra» (530).

527. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
LG 57, AAS 57 (1965) 61.
528. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 58, AAS 57 (1965) 61-62.
529. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 69, AAS 57 (1965) 66.
530. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 59, AAS 57 (1965) 62.


... TAMBÉM NA SUA ASSUNÇÃO...


966 «Finalmente, a Virgem Imaculada, preservada imune de toda a mancha da culpa original, terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada pelo Senhor como rainha, para assim se conformar mais plenamente com o seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte» (531). A Assunção da santíssima Virgem é uma singular participação na ressurreição do seu Filho e uma antecipação da ressurreição dos outros cristãos:

«No teu parto guardaste a virgindade e na tua dormição não abandonaste a mundo, ó Mãe de Deus: alcançaste a fonte da vida. Tu que concebeste o Deus vivo e que, pelas tuas orações, hás-de livrar as nossas almas da morte» (532).

531. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
LG 59, AAS 57 (1965) 62: cf. Pio XII, Const. ap. Munificentissimus Deus (1 Novembro de 1950): DS 3903.
532. Liturgia bizantina, Tropário para a festa da Dormição da bem-aventurada Virgem Maria: Horológion tò mega (Romae 1876) p. 215.

... ELA É NOSSA MÃE NA ORDEM DA GRAÇA


967 Pela sua plena adesão à vontade do Pai, à obra redentora do Filho e a todas as moções do Espírito Santo, a Virgem Maria é para a Igreja o modelo da fé e da caridade. Por isso, ela é «membro eminente e inteiramente singular da Igreja» (533) e constitui mesmo «a realização exemplar»,o typus, da Igreja (534).


968 Mas o seu papel em relação à Igreja e a toda a humanidade vai ainda mais longe. Ela «cooperou de modo inteiramente singular, com a sua fé, a sua esperança e a sua ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural. É, por essa razão, nossa Mãe, na ordem da graça» (535).


969 «Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção, desde o consentimento, que fielmente deu na anunciação e que manteve inabalável junto da Cruz, até à consumação perpétua de todos os eleitos. De facto, depois de elevada ao céu, não abandonou esta missão salvadora, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna [...]. Por isso, a Virgem é invocada na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora, socorro e medianeira» (536).


970 «Mas a função maternal de Maria para com os homens, de modo algum ofusca ou diminui a mediação única de Cristo, mas antes manifesta a sua eficácia. Com efeito, todo o influxo salutar da Virgem santíssima [...] deriva da abundância dos méritos de Cristo, funda-se na sua mediação e dela depende inteiramente, haurindo aí toda a sua eficácia» (537). «Efectivamente, nenhuma criatura pode ser equiparada ao Verbo Encarnado e Redentor; mas, assim como o sacerdócio de Cristo é participado de diversos modos pelos ministros e pelo povo fiel, e assim como a bondade de Deus, sendo uma só, se difunde variamente pelos seres criados, assim também a mediação única do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas, uma cooperação variada, que participa dessa fonte única» (538).

533. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
LG 53, AAS 57 (1965) 59.
534. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 63, AAS 57 (1965) 64.
535. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 61, AAS 57 (1965) 63.
536. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 62, AAS 57 (1965) 63.
537. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 60, AAS 57 (1965) 62.
538. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 62, AAS 57 (1965) 63.

II. O culto à Santíssima Virgem


971 «Todas as gerações me hão-de proclamar ditosa» (Lc 1,48): «a piedade da Igreja para com a santíssima Virgem pertence à própria natureza do culto cristão» (539). A santíssima Virgem «é com razão venerada pela Igreja com um culto especial. E, na verdade, a santíssima Virgem é, desde os tempos mais antigos, honrada com o título de "Mãe de Deus", e sob a sua protecção se acolhem os fiéis implorando-a em todos os perigos e necessidades [...]. Este culto [...], embora inteiramente singular, difere essencialmente do culto de adoração que se presta por igual ao Verbo Encarnado, ao Pai e ao Espírito Santo, e favorece-o poderosamente» (540). Encontra a sua expressão nas festas litúrgicas dedicadas à Mãe de Deus (541) e na oração mariana, como o santo rosário, «resumo de todo o Evangelho» (542).

539. Paulo VI, Ex. Ap. Marialis cultus, 56: AAS 66 (1974) 162.
540. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 66, AAS 57 (1965) 65.
541. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, SC 103, AAS 56 (1964) 125.
542. Paulo VI, Ex. Ap. Marialis cultus, 42: AAS 66 (1974) 152-153.


III. Maria\b - \Bícone escatológico da Igreja


972 Depois de termos falado da Igreja, da sua origem, missão e destino, não poderíamos terminar melhor do que voltando a olhar para Maria, a fim de contemplar nela o que a Igreja é no seu mistério, na sua «peregrinação da fé», e o que será na pátria ao terminar a sua caminhada, onde a espera, na «glória da santíssima e indivisa Trindade» e «na comunhão de todos os santos» (543), Aquela que a mesma Igreja venera como Mãe do seu Senhor e como sua própria Mãe:

«Assim como, glorificada já em corpo e alma, a Mãe de Jesus é imagem e início da igreja que se há-de consumar no século futuro, assim também, brilha na terra como sinal de esperança segura e de consolação, para o povo de Deus ainda peregrino» (544).

543. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
LG 69, AAS 57 (1965) 66-67.
544. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 68, AAS 57 (1965) 66

Resumindo:


973 Ao pronunciar o «Fiat» da Anunciação e dando o seu consentimento ao mistério da Encarnação, Maria colabora desde logo com toda a obra a realizar por seu Filho. Ela é Mãe, onde quer que Ele seja Salvador e Cabeça do Corpo Místico.


974 Terminado o curso da sua vida terrena, a santíssima Virgem Maria foi elevada em corpo e alma para a glória do céu, onde participa já na glória da ressurreição do seu Filho, antecipando a ressurreição de todos os membros do Seu Corpo.


975 . «Nós cremos que a santíssima Mãe de Deus, a nova Eva, a Mãe da Igreja, continua a desempenhar no céu o seu papel maternal para com os membros de Cristo» (545).

545. Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 15: AAS 60 (1968) 439.


ARTIGO 10


«CREIO NA REMISSÃO DOS PECADOS»



976 O Símbolo dos Apóstolos liga a fé no perdão dos pecados à fé no Espírito Santo, mas também à fé na Igreja e na comunhão dos santos. Foi ao dar o Espírito Santo aos Apóstolos que Cristo ressuscitado lhes transmitiu o seu próprio poder divino de perdoar os pecados: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos» (Jn 20,22-23).
A segunda parte do Catecismo tratará expressamente do perdão dos pecados por meio do Baptismo, do sacramento da Penitência e dos outros sacramentos, sobretudo da Eucaristia. Por isso, basta evocar aqui brevemente alguns dados fundamentais).

I. Um só Baptismo para a remissão dos pecados


977 Nosso Senhor ligou o perdão dos pecados à fé e ao Baptismo: «Ide por todo o mundo e proclamai a Boa-Nova a todas as criaturas. Quem acreditar e for baptizado será salvo» (Mc 16,15-16). O Baptismo é o primeiro e principal sacramento do perdão dos pecados, porque nos une a Cristo, que morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação (546), a fim de que «também nós vivamos numa vida nova» (Rm 6,4).


978 «No momento em que fazemos a nossa primeira profissão de fé, ao receber o santo Baptismo que nos purifica, o perdão que recebemos é tão pleno e total que não fica absolutamente nada por apagar, quer da falta original, quer das faltas cometidas de própria vontade por acção ou omissão; nem qualquer pena a suportar para as expiar [...]. Mas apesar disso, a graça do Baptismo não isenta ninguém de nenhuma das enfermidades da natureza. Pelo contrário, resta-nos ainda combater os movimentos da concupiscência, que não cessam de nos arrastar para o mal» (547).


979 Neste combate contra a inclinação para o mal, quem seria suficientemente forte e vigilante para evitar todas as feridas do pecado? «Portanto, se era necessário que a Igreja tivesse o poder de perdoar os pecados, era também necessário que o Baptismo não fosse para ela o único meio de se servir destas chaves do Reino dos céus que tinha recebido de Jesus Cristo; era necessário que fosse capaz de perdoar as faltas a todos os penitentes que tivessem pecado, até mesmo ao último dia da sua vida» (548).


980 É pelo sacramento da Penitência que o baptizado pode ser reconciliado com Deus e com a Igreja:

«Os Santos Padres tiveram razão quando chamaram à Penitência um "baptismo laborioso" (549). Este sacramento da Penitência é necessário para a salvação daqueles que caíram depois do Baptismo, tal como o próprio Baptismo o é para os que ainda não foram regenerados» (550).

546. Cf.
Rm 4,25
547. CatRom 1, 11, 3, P.123.
548. CatRom1, 11, 4, p. 123.
549. São Gregório de Nazianzo, Oratio 39, 17: SC 358,188 (PG 36,356)
550. Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de sacramento Paenitentiae, c. 2: DS 1672


II. O poder das chaves


981 Depois da ressurreição, Cristo enviou os seus Apóstolos «a anunciar a todos os povos o arrependimento em seu nome, com vista à remissão dos pecados» (Lc 24,47). Este «ministério da reconciliação» (2Co 5,18), não o cumprem os Apóstolos e os seus sucessores somente anunciando aos homens o perdão de Deus que nos foi merecido por Jesus Cristo, e chamando-os à conversão e à fé; mas também comunicando-lhes a remissão dos pecados pelo Baptismo e reconciliando-os com Deus e com a Igreja, graças ao poder das chaves recebido de Cristo:

A Igreja «recebeu as chaves do Reino dos céus, para que nela se faça a remissão dos pecados pelo Sangue de Cristo e a acção do Espírito Santo. É nesta Igreja que a alma, morta pelos pecados, recupera a vida para viver com Cristo, cuja graça nos salvou» (551).


982 Não há nenhuma falta, por mais grave que seja, que a santa Igreja não possa perdoar. «Nem há pessoa, por muito má e culpável que seja, a quem não deva ser proposta a esperança certa do perdão, desde que se arrependa verdadeiramente dos seus erros» (552). Cristo, que morreu por todos os homens, quer que na sua Igreja as portas do perdão estejam sempre abertas a todo aquele que se afastar do pecado (553).


983 A catequese deve esforçar-se por despertar e alimentar, entre os fiéis, a fé na grandeza incomparável do dom que Cristo ressuscitado fez à sua Igreja: a missão e o poder de verdadeiramente perdoar os pecados, pelo ministério dos Apóstolos e seus sucessores:

«O Senhor quer que os seus discípulos tenham um poder imenso: Ele quer que os seus pobres servidores façam, em seu nome, tudo quanto Ele fazia quando vivia na terra» (554).

«Os sacerdotes receberam um poder que Deus não deu nem aos anjos nem aos arcanjos. [...] Deus sanciona lá em cima tudo o que os sacerdotes fazem cá em baixo» (555).

«Se na Igreja não houvesse a remissão dos pecados, nada havia a esperar, não existiria qualquer esperança duma vida eterna, duma libertação eterna. Dêmos graças a Deus, que deu à sua Igreja um tal dom» (556).

551. Santo Agostinho, Sermão 214, 11: ed. P. Verbraken: Revue Bénédictine 72 (1962) 21 (PL 38, 1071-1072).
552. CatRom 1, 11, 5, p. 124.
553. Cf.
Mt 18,21-22
554. Santo Ambrósio, De Paenitentia 1, 8, 34: CSEL 73, 135-136 (PL 16, 476-477).
555. São João Cristóstomo, De sacerdotio 3, 5: SC 272,148 (PG 48,643)
556. Santo Agostinho, Sermão 213, 8, 8: ed. G. Morin, Sancti Augustini sermones post Maurinos reperti [Guelferbytanus 1, 9] (Romae 1930) p. 448 (PL 38, 1064).


Resumindo:


984 O Credo relaciona «o perdão dos pecados» com a profissão de fé no Espírito Santo. De facto, Cristo ressuscitado confiou aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados, quando lhes deu o Espírito Santo.


985 O Baptismo é o primeiro e principal sacramento para o perdão dos pecados: une-nos a Cristo morto e ressuscitado e dá-nos o Espírito Santo.


986 Por vontade de Cristo, a Igreja possui o poder de perdoar os pecados dos baptizados e exerce-o através dos bispos e dos presbíteros, de modo habitual no sacramento da Penitência.


987 «Na remissão dos pecados, os sacerdotes e os sacramentos são instrumentos mediante os quais nosso Senhor Jesus Cristo, único autor e dispensador da salvação, nos concede a remissão dos pecados e a graça da justificação» (557).

557. CatRom1, 11, 6, p. 124-125.


ARTIGO 11


«CREIO NA RESSURREIÇÃO DA CARNE»



988 O Credo cristão — profissão da nossa fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo, e na sua acção criadora, salvadora e santificadora — culmina na proclamação da ressurreição dos mortos no fim dos tempos, e na vida eterna.


989 Nós cremos e esperamos firmemente que, tal como Cristo ressuscitou verdadeiramente dos mortos e vive para sempre, assim também os justos, depois da morte, viverão para sempre com Cristo ressuscitado, e que Ele os ressuscitará no último dia (558). Tal como a d'Ele, também a nossa ressurreição será obra da Santíssima Trindade:

«Se o Espírito d'Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós» (
Rm 8,11) (559).


990 . A palavra «carne» designa o homem na sua condição de fraqueza e mortalidade (560) «Ressurreição da carne» significa que, depois da morte, não haverá somente a vida da alma imortal, mas também os nossos «corpos mortais» (Rm 8,11) retomarão a vida.


991 Crer na ressurreição dos mortos foi, desde o princípio, um elemento essencial da fé cristã. «A ressurreição dos mortos é a fé dos cristãos: é por crer nela que somos cristãos» (561):

«Como é que alguns de entre vós dizem que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. Mas se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a vossa fé. [...] Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram» (
1Co 15,12-14 1Co 15,20).

558. Cf. Jn 6,39-40
559. Cf. 1Th 4,14 1Co 6,14 2Co 4,14 Ph 3,10-11
560. Cf. Gn 6,3, Ps 56,5; Is 40,6
561. Tertuliano, De resurrectione mortuorum 1, 1: CCL 2, 921 (PL 2, 841).


I. A ressurreição de Cristo e a nossa ressurreição


REVELAÇÃO PROGRESSIVA DA RESSURREIÇÃO


992 A ressurreição dos mortos foi revelada progressivamente por Deus ao seu povo. A esperança na ressurreição corporal dos mortos impôs-se como consequência intrínseca da fé num Deus criador do homem todo, alma e corpo. O Criador do céu e da terra é também Aquele que mantém fielmente a sua aliança com Abraão e a sua descendência. É nesta dupla perspectiva que começará a exprimir-se a fé na ressurreição. Nas suas provações, os mártires Macabeus confessam:

«O Rei do universo ressuscitar-nos-á para uma vida eterna, a nós que morremos pelas suas leis» (
2M 7,9). «É preferível morrermos às mãos dos homens e termos a esperança em Deus de que havemos de ser ressuscitados por Ele» (2M 7,14) (562).


993 Os fariseus (563) e muitos contemporâneos do Senhor (564) esperavam a ressurreição. Jesus ensina-a firmemente. E aos saduceus, que a negavam, responde: «Não andareis vós enganados, ignorando as Escrituras e o poder de Deus?» (Mc 12,24). A fé na ressurreição assenta na fé em Deus, que «não é um Deus de mortos, mas de vivos» (Mc 12,27).


994 Mas há mais: Jesus liga a fé na ressurreição à sua própria pessoa: «Eu sou a Ressurreição e a Vida» (Jn 11,25). É o próprio Jesus que, no último dia, há-de ressuscitar os que n'Ele tiverem acreditado (565), comido o seu Corpo e bebido o seu Sangue (566) Desde logo, Ele dá um sinal disto mesmo e uma garantia, restituindo a vida a alguns mortos (567) e preanunciando assim a sua própria ressurreição que, no entanto, será de ordem diferente. Jesus fala deste acontecimento único como do «sinal de Jonas» (568), do sinal do templo (569); Ele anuncia a sua ressurreição ao terceiro dia depois da morte (570).


995 Ser testemunha de Cristo é ser «testemunha da sua ressurreição» (Ac 1,22) (571), é «ter comido e bebido com Ele depois da sua ressurreição dos mortos» (Ac 10,41). A esperança cristã na ressurreição é toda marcada pelos encontros com Cristo ressuscitado. Nós ressuscitaremos como Ele, com Ele e por Ele.


996 Desde o princípio, a fé cristã na ressurreição deparou com incompreensões e oposições (572). «Não há ponto em que a fé cristã encontre mais contradição do que o da ressurreição da carne» (573). É bastante comum a aceitação de que, depois da morte, a vida da pessoa humana continua de modo espiritual. Mas como acreditar que este corpo, tão manifestamente mortal, possa ressuscitar para a vida eterna?

562. Cf.
2M 7,29, Da 12,1-13.
563. Cf. Ac 23,6
564. Cf. Jn 11,24
565. Cf. Jn 5,24-25 Jn 6,40.
566. Cf. Jn 6,54
567. Cf. Mc 5,21-43, Lc 7,11-17 Jn 11
568. Cf. Mt 12,39
569. Cf. Jn 2,19-22
570. Cf. Mc 10,34
571. Cf. Ac 4,33
572. Cf. Ac 17,32 1Co 15,12-13.
573. Santo Agostinho, Enarratio Psalmum 88, 2. 5: CCL 39, 1237 (PL 37, 1134).


COMO É QUE OS MORTOS RESSUSCITAM?


997 O que é ressuscitar? Na morte, separação da alma e do corpo, o corpo do homem cai na corrupção, enquanto a sua alma vai ao encontro de Deus, embora ficando à espera de se reunir ao seu corpo glorificado. Deus, na sua omnipotência, restituirá definitivamente a vida incorruptível aos nossos corpos, unindo-os às nossas almas pela virtude da ressurreição de Jesus.


998 Quem ressuscitará? Todos os homens que tiverem morrido: «Os que tiverem praticado o bem, para uma ressurreição de vida e os que tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de condenação» (Jn 5,29) (574).


999 Como? Cristo ressuscitou com o seu próprio corpo: «Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo» (Lc 24,39); mas não regressou a uma vida terrena. De igual modo, n'Ele «todos ressuscitarão com o seu próprio corpo, com o corpo que agora têm» (575), mas esse corpo será «transformado em corpo glorioso» (576) em «corpo espiritual» (1Co 15,44):

«Alguém poderia perguntar: "Como ressuscitam os mortos? Com que espécie de corpo voltam eles?" Insensato! O que tu semeias não volta à vida sem morrer. E o que semeias não é o corpo que há-de vir, é um simples grão [...]. O que é semeado sujeito à corrupção ressuscita incorruptível; [...] os mortos ressuscitarão incorruptíveis [...]. É, de facto, necessário que este ser corruptível se revista de incorruptibilidade, que este ser mortal se revista de imortalidade» (1Co 15,35-37 1Co 15,42 1Co 15,52-53).


1000 Este «como» ultrapassa a nossa imaginação e o nosso entendimento; só na fé se torna acessível. Mas a nossa participação na Eucaristia dá-nos já um antegozo da transfiguração do nosso corpo, operada por Cristo:

«Assim como, depois de ter recebido a invocação de Deus, o pão que vem da terra deixa de ser pão ordinário e é Eucaristia, constituída por duas coisas, uma terrena, outra celeste, do mesmo modo os nossos corpos, que participam na Eucaristia, já não são corruptíveis, pois têm a esperança da ressurreição» (577).


1001 Quando? Definitivamente o no último dia» (Jn 6,39-40 Jn 6,44 Jn 6,54 Jn 11,24), «no fim do mundo» (578). Com efeito, a ressurreição dos mortos está intimamente associada à Parusia de Cristo:

«Ao sinal dado, à voz do arcanjo e ao som da trombeta divina, o próprio Senhor descerá do céu e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro» (1Th 4,16).

574. Cf. Da 12,2
575. IV Concílio de Trento, c. 1. De fide catholica: DS 801
576. Cf. Ph 3,21
577. Santo Ireneu de Lião, Adversus Haereses 4, 18, 5: SC 100,610-612 (PG 7,1028-1029)
578. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 48, AAS 57 (1965) 54.


RESSUSCITADOS COM CRISTO


1002 Se é verdade que Cristo nos há-de ressuscitar «no último dia», também é verdade que, de certo modo, nós já ressuscitámos com Cristo. De facto, braças ao Espírito Santo, a vida cristã é desde já, na terra, uma participação na morte e ressurreição de Cristo:

«Pelo Baptismo fostes sepultados com Cristo e também ressuscitastes com Ele, devido à fé que tivestes na força de Deus, que O ressuscitou dos mortos [...]. Uma vez que ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do Alto, onde Cristo Se encontra sentado à direita de Deus» (
Col 2,12 Col 3,1).


1003 Unidos a Cristo pelo Baptismo, os crentes participam já realmente na vida celeste de Cristo ressuscitado (579). Mas esta vida continua «escondida com Cristo em Deus» (Col 3,3). «Ele próprio nos ressuscitou e nos fez sentar nos céus, em Cristo Jesus» (Ep 2,6). Alimentados pelo seu Corpo na Eucaristia, nós pertencemos já ao Corpo de Cristo. Quando ressuscitarmos no último dia, havemos também de nos «manifestar com Ele na glória» (Col 3,4).

579. Cf. Ph 3,20


1004 À espera desse dia, o corpo e a alma do crente participam já na dignidade de ser «em Cristo». Daí a exigência do respeito para com o próprio corpo e também para com o corpo de outrem, particularmente quando sofre:

«O corpo [...] é para o Senhor. E o Senhor é para o corpo. E Deus, que ressuscitou o Senhor, também nos há-de ressuscitar a nós pelo seu poder. Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo? [...] Não sabeis que não pertenceis a vós próprios? [...]. Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo» (
1Co 6,13-15 1Co 6,19-20).



II. Morrer em Cristo Jesus


1005 Para ressuscitar com Cristo, temos de morrer com Cristo, temos «de nos exilar do corpo para habitarmos junto do Senhor» (2Co 5,8). Nesta «partida» (580) que é a morte, a alma é separada do corpo. Voltará a juntar-se-lhe no dia da ressurreição dos mortos (581).

580. Cf. Ph 1,23
581. Cf. Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 28: AAS 60 (1968) 444.


A MORTE


1006 «É em face da morte que o enigma da condição humana mais se adensa» (582). Num certo sentido, a morte do corpo é natural: mas sabemos pela fé que a morte é, de facto, «salário do pecado» (Rm 6,23) (583). E para aqueles que morrem na graça de Cristo, é uma participação na morte do Senhor, a fim de poder participar na sua ressurreição (584).


1007 A morte é o termo da vida terrena. As nossas vidas são medidas pelo tempo no decurso do qual nós mudamos e envelhecemos. E como acontece com todos os seres vivos da terra, a morte surge como o fim normal da vida. Este aspecto da morte confere uma urgência às nossas vidas: a lembrança da nossa condição de mortais também serve para nos lembrar de que temos um tempo limitado para realizar a nossa vida:

«Lembra-te do teu Criador nos dias da mocidade [...], antes que o pó regresse à terra, donde veio, e o espírito volte para Deus que o concedeu» (
Qo 12,1 Qo 12,7).


1008 A morte é consequência do pecado. Intérprete autêntico das afirmações da Sagrada Escritura (585) e da Tradição, o Magistério da Igreja ensina que a morte entrou no mundo por causa do pecado do homem (586). Embora o homem possuísse uma natureza mortal. Deus destinava-o a não morrer. A morte foi, portanto, contrária aos desígnios de Deus Criador e entrou no mundo como consequência do pecado (587). «A morte corporal, de que o homem estaria isento se não tivesse pecado» (588), é, pois, «o último inimigo» (1Co 15,26) do homem a ter de ser vencido.


1009 A morte é transformada por Cristo. Jesus, Filho de Deus, também sofreu a morte, própria da condição humana. Mas apesar da repugnância que sentiu perante ela (589), assumiu-a num acto de submissão total e livre à vontade do Pai. A obediência de Jesus transformou em bênção a maldição da morte (590).

582. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes,
GS 18, AAS 58 (1966) 1038.
583. Cf. Gn 2,17
584. Cf. Rm 6,3-9 Ph 3,10-11.
585. Cf. Gn 2,17 Gn 3,3 Gn 3,19 Sg 1,13 Rm 5,12 Rm 6,23
586. Cf. Concílio de Trento, Sess. 5ª. Decr. de peccato originali, can 1: DS 1511
587. Cf. Sg 2,23-24
588. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 18, AAS 58 (1966) 1038.
589.Cf. Mc 14,33-34 He 5,7-8.
590. Cf. Rm 5,19-21


O SENTIDO DA MORTE CRISTÃ


1010 Graças a Cristo, a morte cristã tem um sentido positivo. «Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro» (Ph 1,21). «É digna de fé esta palavra: se tivermos morrido com Cristo, também com Ele viveremos» (2Tm 2,11). A novidade essencial da morte cristã está nisto: pelo Baptismo, o cristão já «morreu com Cristo» sacramentalmente para viver uma vida nova; se morremos na graça de Cristo, a morte física consuma este «morrer com Cristo» e completa assim a nossa incorporação n'Ele, no seu acto redentor:

«É bom para mim morrer em (eis) Cristo Jesus, mais do que reinar dum extremo ao outro da terra. É a Ele que eu procuro, Ele que morreu por nós: é a Ele que eu quero, Ele que ressuscitou para nós. Estou prestes a nascer [...]. Deixai-me receber a luz pura: quando lá tiver chegado, serei um homem» (591).


1011 Na morte, Deus chama o homem a Si. É por isso que o cristão pode experimentar, em relação à morte, um desejo semelhante ao de S. Paulo: «Desejaria partir e estar com Cristo» (Ph 1,23). E pode transformar a sua própria morte num acto de obediência e amor para com o Pai, a exemplo de Cristo (592):

«O meu desejo terreno foi crucificado: [...] há em mim uma água viva que dentro de mim murmura e diz: "Vem para o Pai"» (593).
«Ansiosa por ver-te, desejo morrer» (594).
«Eu não morro, entro na vida» (595).


1012 A visão cristã da morte (596) é expressa de modo privilegiado na liturgia da Igreja:

«Para os que crêem em Vós, Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma: e, desfeita a morada deste exílio terrestre, adquirimos no céu uma habitação eterna» (597).


1013 A morte é o fim da peregrinação terrena do homem, do tempo de graça e misericórdia que Deus lhe oferece para realizar a sua vida terrena segundo o plano divino e para decidir o seu destino último. Quando acabar «a nossa vida sobre a terra, que é só uma» (598), não voltaremos a outras vidas terrenas. «Os homens morrem uma só vez» (He 9,27). Não existe «reencarnação» depois da morte.


1014 A Igreja exorta-nos a prepararmo-nos para a hora da nossa morte («Duma morte repentina e imprevista, livrai-nos, Senhor»: antiga Ladainha dos Santos), a pedirmos à Mãe de Deus que rogue por nós «na hora da nossa morte» (Oração da Ave-Maria) e a confiarmo-nos a S. José, padroeiro da boa morte:

«Em todos os teus actos em todos os teus pensamentos, havias de te comportar como se devesses morrer hoje. Se tivesses boa consciência, não terias grande receio da morte. Mais vale acautelares-te do pecado do que fugir da morte. Se hoje não estás preparado, como o estarás amanhã?» (599).

«Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã a morte corporal, à qual nenhum homem vivo pode escapar. Ai daqueles que morrem em pecado mortal: Bem-aventurados os que ela encontrar a cumprir as tuas santíssimas vontades, porque a segunda morte não lhes fará mal» (600).

591. Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Romanos 6, 1-2: Sc: l0bis, 114 (Funk 1, 258-260).
592. Cf.
Lc 23,46
593. Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Romanos 7, 2: Sc 10bis, 116 (Funk 1, 260).
594. Santa Teresa de Jesus, Poesía, 7: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 6 (Burgos 1919) p. 86. [Santa Teresa de Ávila, Seta de Fogo (Lisboa, Assírio & Alvim 1989) p. 31].
595. Santa Teresa do Menino Jesus, Lettre (9 de Junho de 1897): Correspondance Générale, v. 2 (Paris 1973) p. 1015 LT 1. [Santa Teresa do Menino Jesus e d Santa Face, Obras Completas (Paço de Arcos, Edições do Carmelo 1996) p. 622].
596. Cf. 1Th 4,13-14
597. Prefácio dos Defuntos I: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 439 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 509].
598. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 48, AAS 57 (1965) 54.
599. Imitação de Cristo 1, 23, 5-8: ed. T. Lupo (Città del Vaticano 1982) p. 70.
600. São Francisco de Assis, Cântico das criaturas: Opuscula sancti Patris Francisci Assisiensis, ed. C. Esser (Grottaferrata 1978) p. 85-86. [Cf. Fontes Franciscanas, I (Braga, Editorial Franciscana, 1994) p. 781.



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