Catecismo Igreja Catól. 1651


A ABERTURA À FECUNDIDADE


1652 «Pela sua própria natureza, a instituição matrimonial e o amor conjugal estão ordenados à procriação e à educação dos filhos, que constituem o ponto alto da sua missão e a sua coroa»

«Os filhos são, sem dúvida, o mais excelente dom do Matrimónio e contribuem muitíssimo para o bem dos próprios pais. O mesmo Deus que disse: "não é bom que o homem esteja só" (
Gn 2,18) e que "desde o princípio fez o homem varão e mulher" (Mt 19,4), querendo comunicar-lhe uma participação especial na sua obra criadora, abençoou o homem e a mulher dizendo: "Sede fecundos e multiplicai-vos" (Gn 1,28). Por isso, o culto autêntico do amor conjugal e toda a vida familiar que dele nasce, sem pôr de lado os outros fins do Matrimónio, tendem a que os esposos, com fortaleza de ânimo, estejam dispostos a colaborar com o amor do Criador e do Salvador, que, por meio deles, aumenta continuamente e enriquece a sua família» (176).


1653 A fecundidade do amor conjugal estende-se aos frutos da vida moral, espiritual e sobrenatural que os pais transmitem aos filhos pela educação. Os pais são os principais e primeiros educadores dos seus filhos(177). Neste sentido, a missão fundamental do Matrimónio e da família é estar ao serviço da vida (178).


1654 Os esposos a quem Deus não concedeu a graça de ter filhos podem, no entanto, ter uma vida conjugal cheia de sentido, humana e cristãmente falando. O seu Matrimónio irradiar uma fecundidade de caridade, de acolhimento e de sacrifício.

175. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes,
GS 48, AAS 58 (1966) 1068.
176. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 50, AAS 58 (1966) 1070-1071.
177. II Concílio do Vaticano, Decl. Gravissimum educationis GE 3, AAS 58 (1966) 731.
178. Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, FC 28, AAS 74(1982) 114.

VI. A Igreja doméstica


1655 Cristo quis nascer e crescer no seio da Sagrada Família de José e de Maria. A Igreja outra coisa não é senão a «família de Deus». Desde as suas origens, o núcleo aglutinante da Igreja era, muitas vezes, constituído por aqueles que, «com toda a sua casa», se tinham tornado crentes» (179). Quando se convertiam, desejavam que também «toda a sua casa» fosse salva (180). Estas famílias, que passaram a ser crentes, eram pequenas ilhas de vida cristã no meio dum mundo descrente.


1656 Nos nossos dias, num mundo muitas vezes estranho e até hostil à fé, as famílias crentes são de primordial importância, como focos de fé viva e irradiante. É por isso que o II Concílio do Vaticano chama à família, segundo uma antiga expressão, «Ecclesia domestica – Igreja doméstica» (181). É no seio da família que os pais são, «pela palavra e pelo exemplo [...], os primeiros arautos da fé para os seus filhos, ao serviço da vocação própria de cada um e muito especialmente da vocação consagrada» (182).


1657 É aqui que se exerce, de modo privilegiado, o sacerdócio baptismal do pai de família, da mãe, dos filhos, de todos os membros da família, «na recepção dos sacramentos, na oração e acção de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade efectiva» (183). O lar é, assim, a primeira escola de vida cristã e «uma escola de enriquecimento humano» (184). É aqui que se aprende a tenacidade e a alegria no trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso e sempre renovado, e, sobretudo, o culto divino, pela oração e pelo oferecimento da própria vida.


1658 Não podem esquecer-se, também, certas pessoas que estão, em virtude das condições concretas em que têm de viver, muitas vezes sem assim o terem querido, particularmente próximas do coração de Cristo, e que merecem, portanto, a estima e a solicitude atenta da Igreja, particularmente dos pastores: o grande número de pessoas celibatárias. Muitas delas ficam sem família humana, frequentemente devido a condições de pobreza. Algumas vivem a sua situação no espírito das bem-aventuranças, servindo a Deus e ao próximo de modo exemplar. Mas a todas é necessário abrir as portas dos lares, «igrejas domésticas», e da grande família que é a Igreja. «Ninguém se sinta privado de família neste mundo: a Igreja é casa e família para todos, especialmente para quantos estão "cansados e oprimidos" (Mt 11,28)» (185).

179. Cf Ac 18,8
180. Cf. Ac 16,31 Ac 11,14
181. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 11, AAS 57 (1965) 16; cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, FC 21: AAS 74 (1982) 105.
182. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 11, AAS 57 (1965) 16.
183. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 10, AAS 57 (1965) 15.
184. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 52, AAS 58 (1966) 1073.
185. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, FC 85, AAS 74 (1982) 187.

Resumindo:


1659 São Paulo diz: «Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja [...] É grande este mistério, que eu refiro a Cristo e à Igreja» (Ep 5,25 Ep 5,32).


1660 . A aliança matrimonial, pela qual um homem e uma mulher constituem entre si uma comunidade íntima de vida e de amor; foi fundada e dotada das suas leis próprias pelo Criador: Pela sua natureza, ordena-se ao bem dos cônjuges, bem como à procriação e educação dos filhos. Entre os baptizados ,foi elevada por Cristo Senhor à dignidade de sacramento (186).


1661 O sacramento do Matrimónio significa a união de Cristo com a Igreja. Confere aos esposos a graça de se amarem com o amor com que Cristo amou a sua Igreja; a graça do sacramento aperfeiçoa assim o amor humano dos esposos, dá firmeza à sua unidade indissolúvel e santifica-os no caminho da vida eterna (187).


1662 . O Matrimónio assenta no consentimento dos contraentes, quer dizer; na vontade de se darem mútua e definitivamente, com o fim de viverem uma aliança de amor fiel e fecundo.


1663 Uma vez que o Matrimónio estabelece os cônjuges num estado público de vida na Igreja, é conveniente que a sua celebração seja pública, integrada numa celebração litúrgica, perante o sacerdote (ou testemunha qualificada da Igreja), as testemunhas e a assembleia dos fiéis.


1664 . A unidade, a indissolubilidade e a abertura à fecundidade são essenciais ao Matrimónio. A poligamia é incompatível com a unidade do Matrimónio; o divórcio separa o que Deus uniu; a recusa da fecundidade desvia a vida conjugal do seu «dom mais excelente», o filho (188).


1665 . O novo casamento dos divorciados, em vida do cônjuge legítimo, é contrário ao desígnio e à Lei de Deus ensinados por Cristo. Eles não ficam separados da Igreja, mas não têm acesso à comunhão eucarística. Viverão a sua vida cristã sobretudo educando os filhos na fé.


1666 . O lar cristão é o lugar onde os filhos recebem o primeiro anúncio da fé. É por isso que a casa de família se chama, com razão, «Igreja doméstica», comunidade de graça e de oração, escola de virtudes humanas e de caridade cristã.


186. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes,
GS 48, AAS 58 (1966) 1067-1068; CIC 1055, § 1.
187. Cf. Concílio de Trento, Sess. 24ª. Doctrina de sacramento Matrimonii: DS 1799
188. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 50, AAS 58 (1966) 1070.



CAPÍTULO QUARTO

AS OUTRAS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS

ARTIGO 1

OS SACRAMENTAIS


1667 «A Santa Mãe Igreja instituiu também os sacramentais. Estes são sinais sagrados por meio dos quais, imitando de algum modo os sacramentos, se significam e se obtêm, pela oração da Igreja, efeitos principalmente de ordem espiritual. Por meio deles, dispõem-se os homens para a recepção do principal efeito dos sacramentos e são santificadas as várias circunstâncias da vida» (1).

1. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium,
SC 60, AAS 56 (1964) 116: cf. CIC 1166 CIS 867.

TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DOS SACRAMENTAIS


1668 São instituídos pela Igreja com vista à santificação de certos minis­térios da mesma Igreja, de certos estados de vida, de circunstâncias muito variadas da vida cristã, bem como do uso de coisas úteis ao homem. Segundo as decisões pastorais dos bispos, podem também corresponder às necessidades, à cultura e à história próprias do povo cristão duma região ou duma época. Incluem sempre uma oração, muitas vezes acompanhada dum sinal determinado, como a imposição da mão, o sinal da cruz, a aspersão com água benta (que recorda o Baptismo).


1669 Eles decorrem do sacerdócio baptismal: todo o baptizado é chamado a ser uma «bênção» (2) e a abençoar (3). Por isso, há certas bênçãos que podem ser presididas por leigos (4). Porém, quanto mais uma bênção disser respeito à vida eclesial e sacramental, tanto mais a sua presidência será reservada ao ministério ordenado (bispos, presbíteros ou diáconos) (5).


1670 Os sacramentais não conferem a graça do Espírito Santo à maneira dos sacramentos; mas, pela oração da Igreja, preparam para receber a graça e dispõem para cooperar com ela. «Portanto, a liturgia dos sacramentos e sacramentais oferece aos fiéis bem dispostos a possibilidade de santificarem quase todos os acontecimentos da vida por meio da graça divina que deriva do mistério pascal da paixão, morte e ressurreição de Cristo, mistério onde vão buscar a sua eficácia todos os sacramentos e sacramentais. E assim, quase não há uso honesto das coisas materiais que não possa reverter para este fim: a santificação dos homens e o louvor a Deus» (6).

2. Cf.
Gn 12,2
3. Cf. Lc 6,28 Rm 12,14 1P 3,9
4. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, SC 79, AAS 56 (1964) 120: cf. CIC 1168.
5. Cf. De Benedictionibus, Praenotanda generalia, 16 e 18. Editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1984) p. 13.14-15 [Celebração das Bênçãos, Preliminares gerais, 16 e 18 (Coimbra, Gráfica de Coimbra Conferência Episcopal Portuguesa, 1991) p. 13].
6. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, SC 61, AAS 56 (1964) 116-117.


FORMAS VARIADAS DOS SACRAMENTAIS


1671 Entre os sacramentais figuram, em primeiro lugar, as bênçãos (de pessoas, da mesa, de objectos e lugares). Toda a bênção é louvor de Deus e oração para obter os seus dons. Em Cristo, os cristãos são abençoados por Deus Pai, «com toda a espécie de bênçãos espirituais» (Ep 1,3). É por isso que a Igreja dá a bênção invocando o nome de Jesus e fazendo habitualmente o santo sinal da cruz de Cristo.


1672 Certas bênçãos têm um alcance duradoiro: são as que têm por fim consagrar pessoas a Deus e reservar objectos e lugares para usos litúrgicos. Entre as que são destinadas a pessoas (e que não devem confundir-se com a ordenação sacramental) figuram a bênção do abade ou abadessa dum mosteiro, a consagração das virgens e das viúvas, o rito da profissão religiosa e as bênçãos para certos ministérios da Igreja (leitores, acólitos, catequistas, etc.). Como exemplo das que dizem respeito a objectos, pode apontar-se a dedicação ou bênção de unta igreja ou de um altar, a bênção dos santos óleos, dos vasos e paramentos sagrados, dos sinos, etc.


1673 Quando a Igreja pede publicamente e com autoridade, em nome de Jesus Cristo, que uma pessoa ou objecto seja protegido contra a acção do Maligno e subtraído ao seu domínio, fala-se de exorcismo. Jesus praticou-o (7) - e é d'Ele que a Igreja obtém o poder e encargo de exorcizar (8). Sob uma forma simples, faz-se o exorcismo na celebração do Baptismo. O exorcismo solene, chamado «grande exorcismo», só pode ser feito por um presbítero e com licença do bispo. Deve proceder-se a ele com prudência, observando estritamente as regras estabelecidas pela Igreja (9). O exorcismo tem por fim expulsar os demónios ou libertar do poder diabólico, e isto em virtude da autoridade espiritual que Jesus confiou à sua Igreja. Muito diferente é o caso das doenças, sobretudo psíquicas, cujo tratamento depende da ciência médica. Por isso, antes de se proceder ao exorcismo, é importante ter a certeza de que se trata duma presença diabólica e não duma doença.

7. Cf.
Mc 1,25-26
8. Cf. Mc 3,15 Mc 6,7 Mc 6,13 Mc 16,17
9. Cf. CIC 1172


A RELIGIOSIDADE POPULAR


1674 Fora da liturgia dos sacramentos e dos sacramentais, a catequese deve ter em consideração as formas de piedade dos fiéis e a religiosidade popular. O sentimento religioso do povo cristão desde sempre encontrou a sua expressão em variadas formas de piedade, que rodeiam a vida sacramental da Igreja, tais como a veneração das relíquias, as visitas aos santuários, as peregrinações, as procissões, a via-sacra, as danças religiosas, o rosário, as medalhas, etc. (10).


1675 Estas manifestações são um prolongamento da vida litúrgica da Igreja, mas não a substituem. «Devem ser organizadas, tendo em conta os tempos litúrgicos e de modo a harmonizarem-se com a liturgia, a dimanarem dela de algum modo e a nela introduzirem o povo; porque, por sua natureza, a liturgia lhes é, de longe, superior» (11).


1676 Para manter e apoiar a religiosidade popular, é necessário um discernimento pastoral. O mesmo se diga, se for caso disso, para purificar e corrigir o sentimento religioso subjacente a essas devoções e para fazer progredir no conhecimento do mistério de Cristo. A sua prática está submetida ao cuidado e às decisões dos bispos e às normas gerais da igreja (12).

«A religiosidade do povo, no seu núcleo, é um acervo de valores que responde com sabedoria cristã às grandes incógnitas da existência. A sapiência popular católica tem uma capacidade de síntese vital: engloba criadoramente o divino e o humano, Cristo e Maria, espírito e corpo, comunhão e instituição, pessoa e comunidade, fé e pátria, inteligência e afecto. Esta sabedoria é um humanismo cristão que afirma radicalmente a dignidade de toda a pessoa como filho de Deus, estabelece uma fraternidade fundamental, ensina a encontrar a natureza e a compreender o trabalho e proporciona as razões para a alegria e o humor, mesmo no meio de uma vida muito dura. Esta sabedoria é também para o povo um princípio de discernimento, um instinto evangélico pelo qual capta espontaneamente quando se serve na Igreja o Evangelho e quando ele é esvaziado e asfixiado por outros interesses» (13).

10. Cf. II Concílio de Niceia, Definitio de sacris imaginibus:
DS 601 Ibid.: DS 603 Concílio de Trento, Sess.25ª, Decretum de invocatione, veneratione et reliquiis sanctorum, et sacris imaginibus: DS 1822
11. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, SC 13, AAS 56 (1964) 103.
12. Cf. João Paulo II,. Ex. Ap. Catechesi tradendae, CTR 54, AAS 71 (1979) 1321-1322.
13. III Conferência Geral do Episcoplado Latino-Americano, Puebla, La Evangelización en el presente y en el futuro de América Latina. 448 (Bogotá 1979) p. 131 [Puebla. A Evangelização no presente e no futuro da América Latina, Texto oficial da CNBB, 448 (Petrópolis, Ed. Vozes 1980) p.153-154]; cf. Paulo VI, Ex. ap. Evangelii nuntiandi, EN 48: AAS 68 (1976) 37-38.

Resumindo:


1677 Chamam-se sacramentais os sinais sagrados instituídos pela Igreja, cuja finalidade é preparar os homens para receberem os frutos dos sacramentos e santificarem as diferentes circunstâncias da vida.


1678 Entre os sacramentais, as bênçãos ocupam um lugar importante. Compreendem, ao mesmo tempo, o louvor de Deus pelas suas obras e a intercessão da Igreja para que os homens possam fazer uso dos dons de Deus segundo o espírito do Evangelho.


1679 Além da liturgia, a vida cristã nutre-se das variadas formas da piedade popular, enraizadas nas diferentes culturas. Procurando esclarecê-las com a luz da fé, a Igreja favorece as formas de religiosidade popular que exprimem um instinto evangélico e uma sabedoria humana, e que enriquecem a vida cristã.



ARTIGO 2


AS EXÉQUIAS CRISTÃS



1680 Todos os sacramentos, principalmente os da iniciação cristã, têm por fim a última páscoa do cristão, que, pela morte, o faz entrar na vida do Reino. Então se cumpre o que ele confessa na fé e na esperança: «Espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há-de vir» (14).

14. Símbolo Niceno-Constantinopolitano:
DS 150

I. A última Páscoa do cristão


1681 O sentido cristão da morte é revelado à luz do mistério pascal da morte e ressurreição de Cristo, em quem pomos a nossa única esperança. O cristão que morre em Cristo Jesus «abandona este corpo para ir morar junto do Senhor» (15).


1682 O dia da morte inaugura para o cristão, no termo da sua vida sacramental, a consumação do seu novo nascimento começado no Baptismo, o definitivo «assemelhar-se à imagem do Filho», conferido pela unção do Espírito Santo e pela participação no banquete do Reino, antecipada na Eucaristia, ainda que algumas derradeiras purificações lhe sejam ainda necessárias, para poder vestir o traje nupcial.


1683 A Igreja que, como mãe, trouxe sacramentalmente no seu seio o cristão durante a sua peregrinação terrena, acompanha-o no termo da sua caminhada para o entregar «nas mãos do Pai». E oferece ao Pai, em Cristo, o filho da sua graça, e depõe na terra, na esperança, o gérmen do corpo que há-de ressuscitar na glória (16). Esta oblação é plenamente celebrada no sacrifício eucarístico, e as bênçãos que o precedem e o seguem são sacramentais.

15. Cf.
2Co 5,8
16. Cf. 1Co 15,42-44

II. A celebração das exéquias


1684 As exéquias cristãs são uma celebração litúrgica da Igreja. O ministério da Igreja tem em vista, aqui, tanto exprimir a comunhão eficaz com o defunto, como fazer participar nela a comunidade reunida para o funeral e anunciar-lhe a vida eterna.


1685 Os diferentes ritos das exéquias exprimem o carácter pascal da morte cristã e correspondem às situações e tradições de cada região, até no que respeita à cor litúrgica (17).


1686 A Celebração das Exéquias – Ordo exsequiarum – da liturgia romana propõe três tipos de celebração das exéquias, correspondentes aos três lugares em que se desenrolam (a casa, a igreja, o cemitério), e segundo a importância que lhes dão a família, os costumes locais, a cultura e a piedade popular. O esquema é, aliás, comum a todas as tradições litúrgicas e compreende quatro momentos principais:


1687 O acolhimento da comunidade. Uma saudação de fé dá início à celebração. Os parentes do defunto são acolhidos com uma palavra de «consolação» (no sentido do Novo Testamento: a fortaleza do Espírito Santo na esperança (18). Também a comunidade orante, que se junta, espera ouvir «as palavras da vida eterna». A morte dum membro da comunidade (ou o seu dia aniversário, sétimo ou trigésimo) é um acontecimento que deve levar a ultrapassar as perspectivas «deste mundo» e projectar os fiéis para as verdadeiras perspectivas da fé em Cristo Ressuscitado.


1688 A liturgia da Palavra, aquando das exéquias, exige uma preparação, tanto mais atenta quanto a assembleia presente pode incluir fiéis pouco frequentadores da liturgia e até amigos do defunto que não sejam cristãos. A homilia, de modo particular, deve «evitar o género literário do elogio fúnebre» (19) e iluminar o mistério da morte cristã com a luz de Cristo ressuscitado.


1689 O sacrifício eucarístico. Quando a celebração tem lugar na igreja, a Eucaristia é o coração da realidade pascal da morte cristã (20). É então que a Igreja manifesta a sua comunhão eficaz com o defunto: oferecendo ao Pai, no Espírito Santo, o sacrifício da morte e ressurreição de Cristo, pede-Lhe que o seu filho defunto seja purificado dos pecados e respectivas consequências, e admitido à plenitude pascal da mesa do Reino (21). É pela Eucaristia assim celebrada que a comunidade dos fiéis, especialmente a família do defunto, aprende a viver em comunhão com aquele que «adormeceu no Senhor», comungando o corpo de Cristo, de que ele é membro vivo, e depois rezando por ele e com ele.


1690 O adeus («a Deus») ao defunto é a sua «encomendação a Deus» pela Igreja. É «a última saudação dirigida pela comunidade cristã a um dos seus membros, antes de o corpo ser levado para a sepultura» (22). A tradição bizantina exprime-o pelo ósculo do adeus ao defunto:

Nesta saudação final, «canta-se por ele ter partido desta vida e pela sua separação, mas também porque há uma comunhão e uma reunião. Com efeito, mortos, nós não nos separamos uns dos outros, porque todos percorremos o mesmo caminho e nos reencontraremos no mesmo lugar. Nunca nos separaremos, porque vivemos para Cristo e agora estamos unidos a Cristo, indo para Ele... estaremos todos juntos em Cristo» (23).


17. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium,
SC 81, AAS 56 (1964) 120.
18. Cf. 1Th 4,18
19. Cf. Ordo exsequiarum, De primo typo exsequiarum, 41, Editio typica (Typis PolyglottisVaticanis 1969) p. 21 [Celebração das Exéquias, n. 57 (Braga, Secretariado Nacional do Apostolado da Oração – Conferência Episcopal. 1984) p. 521.
20. Cf. Ordo exsequiarum, Praenotanda, Editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1969) p. 7 [Celebração das Exéquias, Preliminares, I (Braga, Secretariado Nacional do Apostolado da Oração – Conferência Episcopal, 1984) p. 31.
21. Cf. Ordo exsequiarum, De primo typo exsequiarum, 56. Editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1969) p. 26 [Celebração das Exéquias, n. 87* (Braga, Secretariado Nacional do Apostolado da Oração — Conferência Episcopal. 1984) p. 82-83].
22. Ordo exsequiarum, Praenotanda, 10, Editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1969) p. 9 [Celebração dos Exéquias, Preliminares, 10 (Braga, Secretariado Nacional do Apostolado da Oração – Conferência Episcopal, 1984) p. 7].
23. São Simão de Tessalónica, De ordine sepulturae, 367: PG 155, 685.



TERCEIRA PARTE


A VIDA EM CRISTO



INTRODUÇÃO


1691 «Reconhece, ó cristão, a tua dignidade. Uma vez constituído participante da natureza divina, não penses em voltar às antigas misérias da tua vida passada. Lembra-te de que cabeça e de que corpo és membro. Não te esqueças de que foste libertado do poder das trevas e transferido para a luz e para o Reino de Deus» (1).


1692 O Símbolo da fé, professou a grandeza dos dons de Deus ao homem na obra da criação e, mais ainda, na da redenção e santificação. O que a fé confessa, os sacramentos comunicam-no: pelos «sacramentos, que os fizeram renascer», os cristãos tornaram-se «filhos de Deus» (1Jn 3,1) (2), «participantes da natureza divina» (2P 1,4). Reconhecendo pela fé a sua nova dignidade, os cristãos são chamados a levar, doravante, uma vida digna do Evangelho de Cristo (3). Pelos sacramentos e pela oração, recebem a graça de Cristo e os dons do seu Espírito, que dela os tornam capazes.


1693 Cristo Jesus fez sempre aquilo que era do agrado do Pai (4). Viveu sempre em perfeita comunhão com Ele. De igual modo, os seus discípulos são convidados a viver sob o olhar do Pai, «que vê no segredo» (Mt 6,6), para se tornarem «perfeitos como o Pai celeste é perfeito» (Mt 5,47).


1694 Incorporados em Cristo pelo Baptismo (5), os cristãos «morreram para o pecado e vivem para Deus em Cristo Jesus» (6), participando assim na vida do Ressuscitado (7). Seguindo a Cristo e em união com Ele (8), os cristãos podem esforçar-se por ser imitadores de Deus, como filhos bem amados, e por proceder com amor» (9), conformando os seus pensamentos, palavras e acções com os sentimentos de Cristo Jesus (10) e seguindo os seus exemplos (11).


1695 «Justificados pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus» (1Co 6,11), «santificados e chamados a serem santos» (12) os cristãos tornaram-se «templo do Espírito Santo» (1Co 6,19). Este, que é o «Espírito do Filho», ensina-os a orar ao Pai (13) e, tendo-Se feito vida deles, impele-os a agir (14) para produzirem os frutos do Espírito (15) mediante uma caridade activa. Curando as feridas do pecado, o Espírito Santo renova-nos interiormente por uma transformação espiritual (16), ilumina-nos e fortalece-nos para vivermos como «filhos da luz» (Ep 5,8) «em toda a espécie de bondade, justiça e verdade (Ep 5,9).


1696 O caminho de Cristo «leva à vida»; um caminho contrário «leva à perdição» (Mt 7,13) (17). A parábola evangélica dos dois caminhos está sempre presente na catequese da Igreja. E significa a importância das decisões morais para a nossa salvação. «Há dois caminhos, um da vida, outro da morte: mas entre os dois existe uma grande diferença» (18).


1697 Na catequese, importa revelar com toda a clareza a alegria e as exigências do caminho de Cristo(19). A catequese da «vida nova» n'Ele (Rm 6,4), deve ser:

uma catequese do Espírito Santo, mestre interior da vida segundo Cristo, doce hóspede e amigo que inspira, guia, rectifica e fortalece essa vida;

uma catequese da graça, pois é pela graça que somos salvos e é também pela graça que as nossas obras podem ser frutuosas para a vida eterna;

uma catequese das bem-aventuranças, porque o caminho de Cristo se resume nelas e é o único caminho da felicidade eterna a que o coração do homem aspira;

uma catequese do pecado e do perdão, porque, sem se reconhecer pecador, o homem não pode conhecer a verdade sobre si mesmo, condição dum procedimento justo: e, sem a oferta do perdão, não seria capaz de suportar aquela verdade;

uma catequese das virtudes humanas, que faz apreender a beleza e o atractivo das rectas disposições para o bem;

uma catequese das virtudes cristãs da fé, esperança e caridade, que se inspira abundantemente no exemplo dos santos;

uma catequese do duplo mandamento da caridade exposto no decálogo;

uma catequese eclesial, porque é nas múltiplas permutas dos «bens espirituais», na «comunhão dos santos», que a vida cristã pode crescer, desenvolver-se e comunicar-se.


1698 A referência, primeira e última, desta catequese será sempre o próprio Jesus Cristo, que é «o caminho, a verdade e a vida» (Jn 14,6). De olhos postos n'Ele com fé, os cristãos podem esperar que Ele próprio realize neles as suas promessas e, amando-O com o amor com que Ele os amou, podem fazer as obras correspondentes à sua dignidade:

«Rogo-te que penses em nosso Senhor Jesus Cristo como tua verdadeira cabeça, e em ti como um dos seus membros. Ele é para ti como a cabeça para os membros. Tudo o que é d'Ele é teu: o espírito, o coração, o corpo, a alma e todas as faculdades. Deves usar de todas elas como se fossem realmente tuas, para servir, louvar, amar e glorificar a Deus. Tu és para Ele como um membro em relação à cabeça: e, por isso, também Ele deseja ardentemente servir-Se de todas as tuas faculdades como se fossem suas, para servir e glorificar o Pai» (20).
«Para mim, viver é Cristo» (Ph 1,21).


1. São Leão Magno, Sermo 21, 3: CCL 138, 88 (PL 54, 192-193).
2. Cf. Jn 1,12
3. Cf. Ph 1,27
4. Cf. Jn 8,29
5. Cf. Rm 6,5
6. Cf. Rm 6,11
7. Cf. Col 2,12
8. Cf. Jn 15,5
9. Cf. Ep 5,1-2
10. Cf. Ph 2,5
11. Cf. Jn 13,12-16
12. Cf. 1Co 1,2
13. Cf. Ga 4,6
14. Cf. Ga 5,25
15. Cf. Ga 5,22
16. Cf. Ep 4,23
17. Cf. Dt 30,15-20
18. Didaké 1, 1: SC 248,140 (Funk 1,2)
19. Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae CTR 29, AAS 71 (1979) 1301.
20. São João Eudes, Le Coeur admirable de la Très Sacrée Mère de Dieu, 1, 5 Oeuvres completes, v. 6 (Paris 1908) p. 113-114.



PRIMEIRA SECÇÃO


A VOCAÇÃO DO HOMEM: A VIDA NO ESPÍRITO



1699 A vida no Espírito Santo realiza a vocação do homem (Capítulo primeiro). É feita de caridade divina e de solidariedade humana (Capítulo segundo). É concedida gratuitamente como salvação (Capítulo terceiro).

CAPÍTULO PRIMEIRO

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


1700 A dignidade da pessoa humana radica na sua criação à imagem e semelhança de Deus (Artigo 1) e realiza-se na sua vocação à bem-aventurança divina (Artigo 2). Compete ao ser humano chegar livremente a esta realização (Artigo 3). Pelos seus actos deliberados (Artigo 4), a pessoa humana conforma-se, ou não, com o bem prometido por Deus e atestado pela consciência moral (Artigo 5). Os seres humanos edificam-se a si mesmos e crescem a partir do interior: fazem de toda a sua vida sensível e espiritual objecto do próprio crescimento (Artigo 6). Com a ajuda da graça, crescem na virtude (Artigo 7), evitam o pecado e, se o cometeram, entregam-se como o filho pródigo (1) à misericórdia do Pai dos céus (Artigo 8). Atingem, assim, a perfeição da caridade.

1. Cf.
Lc 15,11-32

ARTIGO 1


O HOMEM, IMAGEM DE DEUS



1701 «Cristo, [...] na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, manifesta plenamente o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime» (2). Foi em Cristo, «imagem do Deus invisível» (Col 1,15) (3), que o homem foi criado «à imagem e semelhança» do Criador. Assim como foi em Cristo, redentor e salvador, que a imagem divina, deformada no homem pelo primeiro pecado, foi restaurada na sua beleza original e enobrecida pela graça de Deus (4).


1702 A imagem divina está presente em cada homem. Resplandece na comunhão das pessoas, à semelhança da unidade das Pessoas divinas entre Si (cf. Capítulo segundo).


1703 Dotada de uma alma «espiritual e imortal» (5) a pessoa humana é «a única criatura sobre a tema querida por Deus por si mesma» (6). Desde que é concebida, é destinada para a bem-aventurança eterna.


1704 A pessoa humana participa da luz e da força do Espírito divino. Pela razão, é capaz de compreender a ordem das coisas estabelecida pelo Criador. Pela vontade, é capaz de se orientar a si própria para o bem verdadeiro. E encontra a perfeição na «busca e no amor da verdade e do bem» (7).


1705 Em virtude da sua alma e das forças espirituais da inteligência e da vontade, o homem é dotado de liberdade, «sinal privilegiado da imagem divina» (8).


1706 Mediante a sua razão, o homem conhece a voz de Deus que o impele «a fazer [...] o bem e a evitar o mal» (9). Todos devem seguir esta lei, que ressoa na consciência e se cumpre no amor de Deus e do próximo. O exercício da vida moral atesta a dignidade da pessoa.


1707 «Seduzido pelo Maligno desde o começo da história, o homem abusou da sua liberdade» (10). Sucumbiu à tentação e cometeu o mal. Conserva o desejo do bem, mas a sua natureza está ferida pelo pecado original. O homem ficou com a inclinação para o mal e sujeito ao erro:

O homem encontra-se, pois, dividido em si mesmo. E assim, toda a vida humana, quer singular quer colectiva, apresenta-se como uma luta, e quão dramática, entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas» (11).


1708 Pela sua paixão, Cristo livrou-nos de Satanás e do pecado e mereceu-nos a vida nova no Espírito Santo. A sua graça restaura o que o pecado tinha deteriorado em nós.


1709 Quem crê em Cristo torna-se filho de Deus. Esta adopção filial transforma-o, dando-lhe a possibilidade de seguir o exemplo de Cristo. Torna-o capaz de agir com rectidão e de praticar o bem. Na união com o seu Salvador, o discípulo atinge a perfeição da caridade, que é a santidade. Amadurecida na graça, a vida moral culmina na vida eterna, na glória do céu.

2. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes
GS 22, AAS 58 (1966) 1042.
3. Cf. 2Co 4,4
4. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes GS 22, AAS 58 (1966) 1042.
5. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes GS 14, AAS 58 (1966) 1036.
6. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes GS 24, AAS 58 (1966) 1045.
7. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes GS 15, AAS 58 (1966) 1036.
8. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes GS 17, AAS 58 (1966) 1037.
9. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes GS 16, AAS 58 (1966) 1037.
10. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes GS 13, AAS 58 (1966) 1034.
11. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes GS 13, AAS 58 (1966) 1035.


Catecismo Igreja Catól. 1651