Catecismo Igreja Catól. 2488

IV. O respeito pela verdade


2488 O direito à comunicação da verdade não é absoluto. Cada um deve conformar a sua vida com o preceito evangélico do amor fraterno, mas este requer, em situações concretas, que avaliemos se convém ou não revelar a verdade a quem a pede.


2489 É a caridade e o respeito pela verdade que devem ditar a resposta a qualquer pedido de informação ou de comunicação. O bem e a segurança de outrem, o respeito pela vida privada e pelo bem comum, são razões suficientes para calar o que não deve ser conhecido ou para usar uma linguagem discreta. Muitas vezes, o dever de evitar o escândalo impõe uma estrita discrição. Ninguém é obrigado a revelar a verdade a quem não tem o direito de a conhecer (240).


2490 O sigilo do sacramento da Reconciliação é sagrado e não pode ser revelado sob pretexto algum. «O sigilo sacramental é inviolável; pelo que o confessor não pode denunciar o penitente, nem por palavras nem por qualquer outro modo, nem por causa alguma» (241).


2491 Os segredos profissionais – conhecidos, por exemplo, por políticos, militares, médicos, juristas ou as confidências feitas sob sigilo, devem ser guardados, salvo em casos excepcionais em que a retenção do segredo poderia causar a quem o confiou, a quem o recebeu, ou a terceiros, danos muito graves e somente evitáveis pela revelação da verdade. Mesmo que não tenham sido confiadas sob sigilo, as informações particulares prejudiciais a outrem não devem ser divulgadas sem uma razão grave e proporcionada.


2492 . Cada qual deve observar uma justa reserva a propósito da vida privada das pessoas. Os responsáveis pela comunicação devem guardar uma justa proporção entre as exigências do bem comum e o respeito pelos direitos particulares. A ingerência dos órgãos de informação na vida privada das pessoas comprometidas numa actividade política ou pública é condenável na medida em que atenta contra a sua intimidade e a sua liberdade.

240. Cf.
Si 27,17 Pr 25,9-10
241. CIC 983, § 1.

V. O uso dos meios de comunicação social


2493 Na sociedade moderna, os meios de comunicação social desempenham um papel de grande relevo na informação, na promoção cultural e na formação. Este papel é cada vez maior, em virtude dos progressos técnicos, do alcance e diversidade das notícias transmitidas e da influência exercida sobre a opinião pública.


2494 A informação mediática está ao serviço do bem comum (242). A sociedade tem direito a uma informação fundada na verdade, na liberdade, na justiça e na solidariedade.

«O uso recto deste direito requer que a comunicação seja, quanto ao objecto, sempre verídica, e quanto ao respeito pelas exigências da justiça e da caridade, completa; quanto ao modo, que seja honesta e conveniente, quer dizer, que na obtenção e difusão das notícias, observe absolutamente as leis morais, os direitos e a dignidade do homem» (243).


2495 «Também neste domínio é necessário que todos os membros da sociedade cumpram os seus deveres de justiça e de verdade. Devem utilizar os meios de comunicação social no sentido de concorrer para a formação e difusão de um recta opinião pública» (244).

A solidariedade é consequência duma comunicação verdadeira e justa e da livre circulação das ideias que favorecem o conhecimento e o respeito pelos outros.


2496 Os meios de comunicação social (em particular os mass-média) podem gerar uma certa passividade nos utentes, fazendo deles consumidores pouco cautelosos de mensagens e espectáculos. Os utentes devem impor a si próprios moderação e disciplina em relação aos mass-média. Hão-de formar-se uma consciência esclarecida e recta, para resistir mais facilmente às influências menos honestas.


2497 Pela própria natureza da sua profissão na imprensa, os seus responsáveis têm a obrigação, na difusão da informação, de servir a verdade sem ofender a caridade. Esforçar-se-ão por respeitar, com igual cuidado, a natureza dos factos e os limites do juízo crítico em relação às pessoas. Devem evitar ceder à difamação.


2498 «Cabem às autoridades civis deveres particulares em razão do bem comum. [...] Os poderes públicos devem defender e proteger a verdadeira e justa liberdade de informação» (245). Promulgando leis e velando pela sua aplicação, os poderes públicos «responsabilizar-se-ão por que o mau uso dos média não venha a causar graves prejuízos aos costumes públicos e aos progressos da sociedade» (246). Sancionarão a violação dos direitos de cada um ao bom nome e à privacidade; prestarão a tempo e honestamente as informações que dizem respeito ao bem geral ou correspondem a justas preocupações da população. Nada pode justificar o recurso às falsas informações para manipular a opinião pública através dos média. Essas intervenções não deverão atentar contra a liberdade dos indivíduos e dos grupos.


2499 A moral denuncia a chaga dos estados totalitários, que falsificam sistematicamente a verdade, exercem através dos «média» o domínio político da opinião, «manipulam» os acusados e as testemunhas dos processos públicos e pensam assegurar a sua tirania sufocando e reprimindo tudo o que consideram como «delitos de opinião».

242. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica,
IM 11, AAS 56 (1964) 148-149.
243. II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica, IM 5, AAS 56 (1964) 147.
244. II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica, IM 8, AAS 56 (1964) 148.
245. II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica, IM 12, AAS 56 (1964) 149.
246. II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica, IM 12, AAS 56 (1964) 149.

VI. Verdade, beleza e arte sacra


2500 A prática do bem é acompanhada por um prazer espiritual gratuito e pela beleza moral. Do mesmo modo, a verdade comporta a alegria e o esplendor da beleza espiritual. A verdade é bela por si mesma. A verdade da palavra, expressão racional do conhecimento da realidade criada e incriada, é necessária ao homem dotado de inteligência; mas a verdade pode encontrar também outras formas de expressão humana, complementares, sobretudo quando se trata de evocar o que ela comporta de indizível: as profundezas do coração humano, as elevações da alma, o mistério de Deus. Antes mesmo de Se revelar ao homem em palavras de verdade, Deus revela-Se-lhe pela linguagem universal da criação, obra da sua Palavra e da sua Sabedoria: a ordem e a harmonia do cosmos – que podem ser descobertas tanto pela criança como pelo homem de ciência – , «a grandeza e a beleza das criaturas levam, por analogia, à contemplação do seu Autor» (Sg 13,5), «porque foi a própria fonte da beleza que as criou» (Sg 13,3).

«Com efeito, a Sabedoria é um sopro do poder de Deus, efusão pura da glória do Omnipotente; por isso, nenhum elemento impuro a pode atingir. Ela é o esplendor da luz eterna, límpido espelho da actividade de Deus, imagem da sua bondade» (Sg 7,25-26). «A Sabedoria é, de facto, mais formosa do que o sol e supera todas as constelações. Comparada com a luz, revela-se mais excelente, porque à luz sucede a noite, mas a maldade nada pode contra a Sabedoria (Sg 7,29-30). Amei-a [...] e enamorei-me dos seus encantos» (Sg 8,2)


2501 «Criado à imagem de Deus» (247), o homem exprime também a verdade da sua relação com Deus Criador pela beleza das suas obras artísticas. A arte é, com efeito, uma forma de expressão especificamente humana. Para além da busca da satisfação das necessidades vitais, comum a todas as criaturas vivas, a arte é uma superabundância gratuita da riqueza interior do ser humano. Fruto do talento dado pelo Criador e do esforço do próprio homem, a arte é uma forma de sabedoria prática, unindo conhecimento e habilidade (248) para dar forma à verdade duma realidade, em linguagem acessível à vista ou ao ouvido. A arte comporta assim uma certa semelhança com a actividade de Deus no mundo criado, na medida em que se inspira na verdade e no amor dos seres. Como qualquer outra actividade humana, a arte não tem em si mesma o seu fim absoluto; mas é ordenada e enobrecida pelo fim último do homem (249).


2502 A arte sacra é verdadeira e bela quando corresponde, pela forma, à sua vocação própria: evocar e glorificar, na fé e na adoração, o mistério transcendente de Deus, sobre eminente beleza invisível da verdade e do amor, manifestada em Cristo, «esplendor da sua glória e imagem da sua substância» (He 1,3), no Qual «habita corporalmente toda a plenitude da divindade» (Col 2,9); beleza espiritual reflectida na santíssima Virgem Mãe de Deus, nos anjos e nos santos. A verdadeira arte sacra leva o homem à adoração, à oração e ao amor de Deus, Criador e Salvador, Santo e Santificador.


2503 Por isso, os bispos devem, por si próprios ou por delegados, velar pela promoção da arte sacra, antiga e nova, sob todas as suas formas e, com o mesmo religioso cuidado, afastar da liturgia e dos lugares de culto tudo o que não for conforme com a verdade da fé e a autêntica beleza da arte sacra (250).

247. Cf.
Gn 1,26
248. Cf. Sg 7,17
249. Cf. Pio XII, Mensagem radiofónica (24 de Dezembro de 1955): AAS 48 (1956) 26-41; Id., Mensagem radiofónica aos membros das associações de jovens operários cristãos (J.O.C.) (3 de Setembro de 1950): AAS 42 (1950) 639-642.
250. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, SC 122-127, AAS 56 (1964) 130-132.

Resumindo:


2504 «Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo» (Ex 20,16). Os discípulos de Cristo revestiram-se «do homem novo, que foi criado em conformidade com Deus, na justiça e na santidade, próprias da verdade» (Ep 4,24).


2505 . A verdade ou veracidade é a virtude que consiste em mostrar-se verdadeiro nos actos e em dizer a verdade nas palavras, evitando a duplicidade, a simulação e a hipocrisia.


2506 O cristão não deve «envergonhar-se de dar testemunho do Senhor» (2Tm 1,8) em actos e palavras. O martírio é o supremo testemunho dado em favor da verdade da fé.


2507 O respeito pelo bom nome e pela honra das pessoas proíbe toda e qualquer atitude ou palavra de maledicência ou calúnia.


2508 A mentira consiste em dizer o que é falso, com a intenção de enganar o próximo.


2509 Uma falta cometida contra a verdade exige reparação.


2510 Em situações concretas, a regra de ouro ajuda a discernir se convém ou não revelar a verdade a quem a pede.


2511 «O sigilo sacramental é inviolável» (251). Os segredos profissionais devem ser guardados. As confidências prejudiciais a outrem não devem ser divulgadas.

251.
CIC 983, § 1.

2512 A sociedade tem direito a uma informação fundada na verdade, na liberdade e na justiça. É preciso impor-se moderação e disciplina no uso dos meios de comunicação social.


2513 As belas-artes, mas sobretudo a arte sacra, «estão relacionadas, por sua natureza, com a infinita beleza de Deus, que deve ser expressa de algum modo nas obras humanas. E tanto mais se consagram a Deus e contribuem para o seu louvor e para a sua glória, quanto mais se afastarem de todo o propósito que não seja o de contribuir o mais eficazmente possível, através das suas obras, para dirigir o espírito dos homens, piamente, para Deus» (252).

252. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium,
SC 122, AAS 56 (1964) 130-131.

ARTIGO 9


O NONO MANDAMENTO


«Não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás a mulher do próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, ou o seu jumento, nem nada que lhe pertença» (Ex 20,17).

«Todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração» (Mt 5,28).


2514 São João distingue três espécies de cupidez ou concupiscência: a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida (253). Segundo a tradição catequética católica, o nono mandamento proíbe a concupiscência carnal; e o décimo, a cobiça dos bens alheios.


2515 Em sentido etimológico, «concupiscência» pode designar todas as formas veementes de desejo humano. A teologia cristã deu-lhe o sentido particular de impulso do apetite sensível, contrário aos ditames da razão humana. O apóstolo São Paulo identifica-a com a revolta que a «carne» instiga contra o «espírito» (254). Procede da desobediência do primeiro pecado (255). Desregra as faculdades morais do homem e, sem ser nenhuma falta em si mesma, inclina o homem para cometer pecado (256).


2516 No homem, porque é um ser integrado de espírito e corpo, já existe uma certa tensão. Trava-se nele uma certa luta de tendências entre o «espírito» e a «carne». Mas esta luta, de facto, faz parte da herança do pecado, é uma consequência dele e, ao mesmo tempo, uma sua confirmação. Faz parte da experiência quotidiana do combate espiritual:

«Para o Apóstolo, não se trata de desprezar e condenar o corpo que, com a alma espiritual, constitui a natureza do homem e a sua personalidade de sujeito; pelo contrário, ele fala das obras, ou antes, das disposições estáveis, virtudes e vícios, moralmente boas ou más, que são o fruto da submissão (no primeiro caso) ou, pelo contrário, da resistência (no segundo caso) à acção salvadora do Espírito Santo. É por isso que o Apóstolo escreve: "Se vivemos pelo Espírito, caminhemos também segundo o espírito" (
Ga 5,25(257).

253. Cf. 1Jn 2,16
254. Cf. Ga 5,16-17 Ga 5,24 Ep 2,3
255. Cf. Gn 3,11
256. Cf. Concílio de Trento, Sess. 5ª, Decretum de peccato originali, can. 5: DS 1515
257. João Paulo II, Enc. Dominum et vivificantem, DEV 55, AAS 78 (1986) 877-878.

I. A purificação do coração


2517 O coração é a sede da personalidade moral: «Do coração procedem as más intenções, os assassínios, os adultérios, as prostituições» (Mt 15,19). A luta contra a concupiscência carnal passa pela purificação do coração e pela prática da temperança:

«Mantém-te na simplicidade, na inocência, e serás como as criancinhas que ignoram o mal, destruidor da vida dos homens» (258).


2518 A sexta bem-aventurança proclama: «Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5,8). Os «puros de coração» são os que puseram a inteligência e a vontade de acordo com as exigências da santidade de Deus, principalmente em três domínios: a caridade (259); a castidade ou rectidão sexual (260); o amor da verdade e a ortodoxia da fé (261), Existe um nexo entre a pureza do coração, do corpo e da fé:

Os fiéis devem crer nos artigos do Credo, «para que, crendo, obedeçam a Deus; obedecendo a Deus, vivam como deve ser; vivendo como deve ser, purifiquem o seu coração; e purificando o seu coração, compreendam aquilo em que crêem» (262).


2519 Aos «puros de coração» é prometido que verão a Deus face a face e serão semelhantes a Ele (263). A pureza do coração é condição prévia para a visão. Já desde agora, permite-nos ver segundo Deus, aceitar o outro como um «próximo» e compreender o corpo humano, o nosso e o do próximo, como um templo do Espírito Santo, uma manifestação da beleza divina.

258. Hermas, Pastor 27, 1 (mandatum 2. 1): SC 53, 146 (Funk 1, 70).
259. Cf.
1Th 4,3-9 2Tm 2,22.
260. Cf. 1Th 4,7 Col 3,5 Ep 4,19
261. Cf. Tt 1,15 1Tm 1,3-4 2Tm 2,23-26,
262. Santo Agostinho, De fide et symbolo, 10, 25: CSEL 25, 32 (PL 40, 196).
263. Cf. 1Co 13,12 1Jn 3,2


II. O combate pela pureza


2520 O Baptismo confere a quem o recebe a graça da purificação de todos os pecados. Mas o baptizado tem de continuar a lutar contra a concupiscência da carne e os desejos desordenados. Com a graça de Deus, consegui-lo-ei:

– pela virtude e pelo dom da castidade, pois a castidade permite amar com um coração recto e sem partilha;
– pela pureza de intenção, que consiste em ter em vista o verdadeiro fim do homem: com um olhar simples, o baptizado procura descobrir e cumprir em tudo a vontade de Deus (264);
– pela pureza do olhar, exterior e interior; pela disciplina dos sentidos e da imaginação; pela rejeição da complacência em pensamentos impuros que o levariam a desviar-se do caminho dos mandamentos divinos: «a vista excita a paixão dos insensatos» (
Sg 15,5).
– pela oração:

«Eu pensava que a continência dependia das minhas próprias forças, forças que em mim não conhecia. E era suficientemente louco para não saber [...] que ninguém pode ser continente, se Tu lho não concederes. E de certo Tu o terias concedido, se com gemido interior eu chamasse aos teus ouvidos e se com fé sólida lançasse em Ti o meu cuidado» (265).


2521 A pureza exige o pudor. O pudor é parte integrante da temperança. O pudor preserva a intimidade da pessoa. Designa a recusa de mostrar o que deve ficar oculto. Ordena-se à castidade e comprova-lhe a delicadeza. Orienta os olhares e as atitudes em conformidade com a dignidade das pessoas e com a união que existe entre elas.


2522 O pudor protege o mistério da pessoa e do seu amor. Convida à paciência e à moderação na relação amorosa e exige que se cumpram as condições do dom e do compromisso definitivo do homem e da mulher entre si. O pudor é modéstia. Inspira a escolha do vestuário, mantém o silêncio ou o recato onde se adivinha o perigo duma curiosidade malsã. O pudor é discrição.


2523 Existe um pudor dos sentimentos, tal como existe um pudor corporal. Ele protesta, por exemplo, contra as explorações exibicionistas do corpo humano em certa publicidade, ou contra a solicitação de certos meios de comunicação em ir longe demais na revelação de confidências íntimas. O pudor inspira um modo de viver que permite resistir às solicitações da moda e à pressão das ideologias dominantes.


2524 As formas de que o pudor se reveste variam de cultura para cultura. No entanto, ele continua a ser, em toda a parte, o pressentimento duma dignidade espiritual própria do homem. Nasce com o despertar da consciência pessoal. Ensinar o pudor às crianças e adolescentes é despertá-los para o respeito pela pessoa humana.


2525 A pureza cristã exige uma purificação do ambiente social. Exige dos meios de comunicação social uma informação preocupada com o respeito e o recato. A pureza de coração liberta do erotismo difuso e afasta dos espectáculos que favorecem a curiosidade mórbida e a ilusão.


2526 . A chamada permissividade dos costumes assenta numa concepção errónea da liberdade humana; para se edificar, esta precisa de se deixar educar previamente pela lei moral. Deve pedir-se aos responsáveis pela educação que ministrem à juventude um ensino respeitador da verdade, das qualidades do coração e da dignidade moral e espiritual do homem.


2527 «A boa-nova de Cristo renova constantemente a vida e a cultura do homem decaído; combate e repele os erros e os males provenientes da sedução sempre ameaçadora do pecado. Purifica e eleva sem cessar a moralidade dos povos. Com as riquezas do alto, fecunda, consolida, completa e restaura em Cristo, como que a partir de dentro, as qualidades espirituais e os dotes de todos os povos e eras» (266)

264. Cf.
Rm 12,2 Col 1,10
265. Santo Agostinho, Confissões, 6, 11, 20: CCL 27. 87 (PL 32, 729-730).
266. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 58, AAS 58 (1966) 1079.

Resumindo:


2528 «Todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração» (Mt 5,28).


2529 O nono mandamento acautela-nos contra a cupidez ou concupiscência carnal.


2530 . A luta contra a concupiscência carnal passa pela purificação do coração e pela prática da temperança.


2531 A pureza de coração permitir-nos-á ver a Deus: desde já, permite-nos ver tudo segundo Deus.


2532 A purificação do coração exige a oração, a prática da castidade, a pureza de intenção e do olhar.


2533 A pureza do coração requer o pudor que é paciência, modéstia e discrição. O pudor preserva a intimidade da pessoa.

ARTIGO 10


O DÉCIMO MANDAMENTO


«Não cobiçarás [...] nada que pertença [ao teu próximo]» (Ex 20,17). «Não cobiçarás a casa [do teu próximo], nem o seu campo, nem o seu servo nem a sua serva, o seu boi, ou o seu jumento, nem nada que lhe pertença» (Dt 5,21).

«Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração» (Mt 6,21).


2534 O décimo mandamento desdobra e completa o nono, que tem por objecto a concupiscência da carne. Proíbe cobiçar o bem de outrem, raiz de onde procede o roubo, a rapina e a fraude, proibidos pelo sétimo mandamento. A «concupiscência dos olhos» (1Jn 2,16) conduz à dolência e à injustiça, proibidas pelo quinto mandamento (267). A cobiça, bem como a fornicação, tem a sua origem na idolatria, proibida nos três primeiros mandamentos da Lei (268). O décimo mandamento incide sobre a intenção do coração e resume, com o nono, todos os preceitos da Lei.

267. Cf. Mi 2,2
268. Cf. Sg 14,12

I. A desordem das cobiças


2535 . O apetite sensível leva-nos a desejar as coisas agradáveis que não possuímos. Exemplo disso é desejar comer quando se tem fome ou aquecer-se quando se tem frio. Estes desejos são bons em si mesmos; muitas vezes, porém, não respeitam os limites da razão e levam-nos a cobiçar injustamente o que não é nosso e que pertence, ou é devido, a outrem.


2536 O décimo mandamento condena a avidez e o desejo duma apropriação desmesurada dos bens terrenos; e proíbe a cupidez desregrada, nascida da paixão imoderada das riquezas e do seu poder. Interdita também o desejo de cometer uma injustiça pela qual se prejudicaria o próximo nos seus bens temporais:

«Quando a Lei nos diz: "Não cobiçarás", diz-nos, por outras palavras, que afastemos os nossos desejos de tudo o que não nos pertence. Porque a sede da cobiça dos bens alheios é imensa, infindável e insaciável, conforme está escrito: "O avarento nunca se fartará de dinheiro" (
Si 5,9)» (269).


2537 Não é violar este mandamento desejar obter coisas que pertencem ao próximo, desde que seja por meios legítimos. A catequese tradicional menciona, com realismo, «os que têm que lutar mais contra as suas cobiças criminosas» e que, portanto, precisam de ser «exortados com mais insistência a observarem este preceito»:

«São [.. .] os comerciantes que desejam a falta ou carestia das coisas, que vêem com pena não serem eles os únicos a comprar e a vender, o que lhes permitiria vender mais caro e comprar mais barato; os que desejam ver o seu semelhante na miséria, para obterem maiores lucros, quer vendendo quer comprando [...]. Os médicos, que desejam que haja doentes; os advogados, que reclamam causas e processos importantes e numerosos...» (270).


2538 O décimo mandamento exige que seja banida a inveja do coração humano. Quando o profeta Natan quis estimular o arrependimento do rei David, contou-lhe a história do pobre que só possuía uma ovelha, tratada como se fosse uma filha, e do rico que, apesar dos seus numerosos rebanhos, tinha inveja dele e acabou por lhe roubar a ovelha (271). A inveja pode levar aos piores crimes (272). «Foi pela inveja do demónio que a morte entrou no mundo» (Sg 2,24).

«Combatemo-nos uns aos outros e é a inveja que nos arma uns contra os outros [...]. Se todos se encarniçam assim a abalar o corpo de Cristo, onde chegaremos nós? Estamos a aniquilar o corpo de Cristo. [...] Declaramo-nos membros dum mesmo organismo e devoramo-nos como feras» (273).


2539 A inveja é um vício capital. Designa a tristeza que se sente perante o bem alheio e o desejo imoderado de se apropriar dele, mesmo indevidamente. Se desejar ao próximo um mal grave, é pecado mortal:

Santo Agostinho via na inveja «o pecado diabólico por excelência» (274).
«Da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pelo mal do próximo e o desgosto causado pela sua prosperidade» (275).


2540 A inveja representa uma das formas da tristeza e, portanto, uma recusa da caridade; o baptizado lutará contra ela, opondo-lhe a benevolência. Muitas vezes, a inveja nasce do orgulho; o baptizado exercitar-se-á a viver na humildade:

«Quereríeis ver Deus glorificado por vós? Pois bem, alegrai-vos com os progressos do vosso irmão e, assim, será por vós que Deus é glorificado. Deus será louvado, dir-se-á, pelo facto de o seu servo ter sabido vencer a inveja, pondo a sua alegria nos méritos dos outros» (276).

269. CatRom 3, 10, 13, p. 518.
270. CatRom 3, 10, 23, p. 523.
271. Cf.
2S 12,1-4
272. Cf. Gn 4,3-8 1R 21,1-29,
273. São João Crisóstomo, In epistulam II ad Corinthios, homilia 27, 3-4: PG 61, 588.
274. Santo Agostinho, De disciplina christiana, 7, 7: CCL 46, 214 (PL 40, 673); ID., Epistula 108, 3, 8: CSEL 34, 620 (PL 33, 410).
275. São Gregório Magno, Moralia in Job, 31, 45, 88: CCL 143b, 1610 (PL 76, 621).
276. São João Crisóstomo, In epistulam as Romanos, homilia 7, 5: PG 60, 448.

II. Os desejos do Espírito


2541 A economia da lei e da graça desvia o coração dos homens da cobiça e da inveja; inicia-o no desejo do sumo bem; e instrui-o nos desejos do Espírito Santo que sacia o coração do homem.

O Deus das promessas desde sempre pôs o homem de prevenção contra a sedução daquilo que, desde as origens, aparece como «bom para comer, [...] de atraente aspecto e precioso para esclarecer a inteligência» (
Gn 3,6).


2542 A Lei, confiada a Israel, nunca foi suficiente para justificar aqueles que lhe estavam sujeitos; chegou até a tornar-se instrumento de «concupiscência» (277). A inadequação entre o querer e o fazer (278) manifesta o conflito entre a Lei de Deus, que é a «lei da razão», e uma outra lei «que me retém cativo na lei do pecado, que se encontra nos meus membros» (Rm 7,23).


2543 «Agora, foi sem a Lei que se manifestou a justiça de Deus, testemunhada pela Lei e pelos Profetas: a justiça que vem para todos os crentes, mediante a fé em Jesus Cristo» (Rm 3,21-22). E assim, os fiéis de Cristo «crucificaram a carne com as suas paixões e desejos» (Ga 5,24); são conduzidos pelo Espírito (279) e seguem os desejos do Espírito (280).

277. Cf. Rm 7,7
278. Cf. Rm 7,15
279. Cf. Rm 8,14
280. Cf. Rm 8,27

III. A pobreza de coração


2544 Jesus impõe aos seus discípulos que O prefiram a tudo e a todos e propõe-lhes que renunciem a todos os seus bens (281) por causa d'Ele e do Evangelho (282). Pouco antes da sua paixão, deu-lhes o exemplo da pobre viúva de Jerusalém que, da sua penúria, deu tudo o que tinha para viver (283). O preceito do desapego das riquezas é obrigatório para entrar no Reino dos céus.


2545 Todos os fiéis de Cristo devem «ordenar rectamente os próprios afectos, para não serem impedidos de avançar na perfeição da caridade pelo uso das coisas terrenas e pelo apego às riquezas, em oposição ao espírito de pobreza evangélica» (284).


2546 «Bem-aventurados os pobres em espírito» (Mt 5,3). As bem-aventuranças revelam uma ordem de felicidade e de graça, de beleza e de paz. Jesus celebra a alegria dos pobres, aos quais o Reino pertence desde já (285):

«O Verbo chama "pobreza em espírito" à humildade voluntária do espírito humano e à sua renúncia; e o Apóstolo dá-nos como exemplo a pobreza de Deus, quando diz: «Ele fez-Se pobre por nós (2Co 8,9)» (286).


2547 O Senhor lamenta-Se dos ricos, porque eles encontram a sua consolação na abundância de bens (287). «O orgulhoso procura o poder terreno, ao passo que o pobre em espírito procura o Reino dos céus» (288). O abandono à providência do Pai do céu liberta da preocupação pelo amanhã. A confiança em Deus dispõe para a bem-aventurança dos pobres (289). Eles verão a Deus.

281. Cf.
Lc 14,33
282. Cf. Mc 8,35
283. Cf. Lc 21,4
284. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, LG 42, AAS 57 (1965) 49.
285. Cf. Lc 6,20
286. São Gregório de Nissa, De beatitudinibus, oratio 1: Gregorii Nysenni opera, ed. W. Jaeger, v. 7/2 (Leiden 1992) p. 83 (PG 44, 1200).
287. Cf. Lc 6,24
288. Santo Agostinho, De sermone Domini in monte, 1, 1, 3: CCL 35, 4 (PL 34, 1232).

IV. «Quero ver a Deus»


2548 O desejo da verdadeira felicidade liberta o homem do apego imoderado aos bens deste mundo, e terá a sua plenitude na visão beatífica de Deus. «A promessa de ver a Deus ultrapassa toda a bem-aventurança. [...] Na Escritura, ver é possuir. [...] Por isso aquele que vê a Deus obteve todos os bens que se possam imaginar» (290).


2549 Resta ao povo santo lutar, com a graça do Alto, para alcançar os bens que Deus promete. Para possuir e contemplar a Deus, os fiéis de Cristo mortificam os seus maus desejos e, com a graça do mesmo Deus, triunfam das seduções do prazer e do poder.


2550 Neste caminho da perfeição, o Espírito e a Esposa chamam quem os escuta (291) à comunhão perfeita com Deus:

«Ali será a verdadeira glória; ninguém ali será louvado por engano ou por lisonja; as verdadeiras honras não serão nem recusadas aos que as merecem, nem dadas aos indignos delas; aliás, não haverá ali indigno que as pretenda, pois só os dignos lá serão admitidos. Ali reinará a verdadeira paz; ninguém terá oposição, nem de si mesmo nem dos outros. O próprio Deus será a recompensa da virtude, Ele que a deu e Se lhe prometeu como recompensa, a maior e melhor que possa existir: [...] "Eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (
Lv 26,12) [...] É também este o sentido das palavras do Apóstolo: "Para que Deus seja tudo em todos" (1Co 15,28). Ele mesmo será o fim dos nossos desejos, Ele que nós havemos de contemplar sem fim, de amar sem saciedade, de louvar sem cansaço. É este dom, este afecto, esta ocupação serão, sem dúvida, comuns a todos como a vida eterna» (292).

289. Cf. Mt 6,25-34
290. São Gregório de Nissa, De beatitudinibus, oratio 6: Gregorii Nysenni opera, ed. W. Jaeger. v. 7/2 (Leiden 1992) p. 138 (PG 44, 1265).
291. Cf. Ap 22,17
292. Santo Agostinho, De civitate Dei, 22, 30: CSEL 40/2, 665-666 (PL 41, 801-802).

Resumindo:


2551 «Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração» (Mt 6,21).


2552 O décimo mandamento proíbe a cupidez desregrada, nascida da paixão imoderada das riquezas e seu poder.


2553 Inveja é a tristeza que se experimenta perante o bem alheio e o desejo imoderado de se apropriar dele. É um vício capital.


2554 O baptizado combate a inveja pela benevolência, pela humildade e pelo abandono à providência divina.


2555 Os fiéis de Cristo «crucificaram a carne com as suas paixões e desejos» (Ga 5,24); são conduzidos pelo Espírito e seguem os seus desejos.


2556 O desapego das riquezas é necessário para entrar no Reino dos céus. «Bem-aventurados os pobres em espírito» (Mt 5,3).


2557 O homem de desejo diz: «Quero ver a Deus», sede de Deus é saciada pela água da vida eterna (293).

293. Cf.
Jn 4,14



QUARTA PARTE


A ORAÇÃO CRISTÃ



PRIMEIRA SECÇÃO

A ORAÇÃO NA VIDA CRISTÃ




2558 «Mistério admirável da nossa fé!». A Igreja professa-o no Símbolo dos Apóstolos (primeira parte) e celebra-o na liturgia sacramental (segunda parte), para que a vida dos fiéis seja configurada com Cristo no Espírito Santo para glória de Deus Pai (terceira parte). Este mistério exige, portanto, que os fiéis nele creiam, o celebrem e dele vivam, numa relação viva e pessoal com o Deus vivo e verdadeiro. Esta relação é a oração.



O QUE É A ORAÇÃO?


«Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado para o céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no meio da tribulação como no meio da alegria» (1).

1. Santa Teresa do Menino Jesus, Manuscrit C, 25r: Manuscrits autobiographiques (Paris 1992) p. 389-390. [Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, Obras Completas (Paço de Arcos, Edições do Carmelo 1996) p. 276]

A ORAÇÃO COMO DOM DE DEUS


2559 «A oração é a elevação da alma para Deus ou o pedido feito a Deus de bens convenientes» (2). De onde é que falamos, ao orar? Das alturas do nosso orgulho e da nossa vontade própria, ou das «profundezas» (Ps 130,1) dum coração humilde e contrito? Aquele que se humilha é que é elevado (3). A humildade é o fundamento da oração. «Não sabemos o que havemos de pedir para rezarmos como deve ser» (Rm 8,26). A humildade é a disposição necessária para receber gratuitamente o dom da oração: o homem é um mendigo de Deus (4).


2560 «Se conhecesses o dom de Deus!» (Jn 4,10). A maravilha da oração revela-se precisamente, à beira dos poços aonde vamos buscar a nossa água: aí é que Cristo vem ao encontro de todo o ser humano; Ele antecipa-Se a procurar-nos e é Ele que nos pede de beber. Jesus tem sede, e o seu pedido brota das profundezas de Deus que nos deseja. A oração, saibamo-lo ou não, é o encontro da sede de Deus com a nossa. Deus tem sede de que nós tenhamos sede d'Ele (5).


2561 «Tu é que Lhe terias pedido e Ele te daria água viva» (Jn 4,10). Paradoxalmente, a nossa oração de súplica é uma resposta. Resposta ao lamento do Deus vivo: «Abandonou-Me a Mim, nascente de águas vivas, e foi escavar cisternas fendidas» (Jr 2,13); resposta de fé à promessa gratuita da salvação (6); resposta de amor à sede do Filho Único (7).

2. São João Damasceno, Expositio fidei, 68 [De fide orthodoxa 3, 24]: PTS 12, 167 (PG 94, 1089).
3. Cf. Lc 18,9-14
4. Cf. Santo Agostinho, Sermão 56, 6, 9: ed. P. Verbraken: Revue Bénédictine 68 (1958) 31 (PL 38, 381).
5. Cf. Santo Agostinho, De diversis quaestionibus octoginta tribus, 64, 4: CCL 44A, 140 (PL 40, 56).
6. Cf. Jn 7,37-39 Is 12,3 Is 51,1
7. Cf. Jn 19,28 Za 12,10 Za 13,1


Catecismo Igreja Catól. 2488