Catecismo Igreja Catól. 2680

Resumindo:


2680 A oração é principalmente dirigida ao Pai. Igualmente se dirige a Jesus, nomeadamente pela invocação do seu santo Nome: «Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tende piedade de nós, pecadores!».


2681 «Ninguém pode dizer: "Jesus é o Senhor", a não ser pela acção do Espírito Santo» (1Co 12,3). A Igreja convida-nos a invocar o Espírito Santo como mestre interior da oração cristã.


2682 Em virtude da sua singular cooperação com a acção do Espírito Santo, a Igreja gosta de orar em comunhão com a Virgem Maria, para enaltecer com Ela as grandes coisas que Deus n'Ela realizou e para Lhe confiar súplicas e louvores.

ARTIGO 3


GUIAS PARA A ORAÇÃO



UMA NUVEM DE TESTEMUNHAS


2683 As testemunhas que nos precederam no Reino (30), especialmente aquelas que a Igreja reconhece como «santos», participam na tradição viva da oração pelo exemplo da sua vida, pela transmissão dos seus escritos e pela sua oração actual. Elas contemplam a Deus, louvam-n' O e não cessam de tomar a seu cuidado os que deixaram na terra. Tendo entrado «na alegria» do seu Senhor, foram «estabelecidas à frente de muita coisa» (31). A sua intercessão é o mais alto serviço que prestam ao desígnio de Deus. Podemos e devemos pedir-lhes que intercedam por nós e por todo o mundo.


2684 Na comunhão dos santos desenvolveram-se, ao longo da história das Igrejas diversas espiritualidades. O carisma pessoal duma testemunha do amor de Deus pelos homens pode ter sido transmitido, como o espírito de Elias o foi a Eliseu (32) e a João Baptista (33), para que haja discípulos que partilhem desse espírito (34). Uma espiritualidade está também na confluência doutras correntes, litúrgicas e teológicas, e testemunha a inculturação da fé num determinado meio humano e na respectiva história. As espiritualidades cristãs participam na tradição viva da oração e são guias indispensáveis para os fiéis. Reflectem, na sua rica diversidade, a pura e única luz do Espírito Santo.

«O Espírito é verdadeiramente o lugar dos santos. E o santo é, para o Espírito, um lugar próprio, pois se oferece para habitar com Deus e é chamado seu templo»(35).

30. Cf.
He 12,1
31. Cf. Mt 25,21
32. Cf. 2R 2,9
33. Cf. Lc 1,17
34. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Perfectae caritatis PC 2, AAS 58 (1966) 703.
35. São Basílio Magno, De Spiritu Sancto, 26, 62: SC 17bis, 472 (PG 32, 184).


SERVOS DA ORAÇÃO


2685 A família cristã é o primeiro lugar da educação para a oração. Fundada no sacramento do Matrimónio, é «a igreja doméstica» na qual os filhos de Deus aprendem a orar «em igreja» e a perseverar na oração. Particularmente para os filhos pequenos, a oração familiar quotidiana é o primeiro testemunho da memória viva da Igreja pacientemente despertada pelo Espírito Santo.


2686 Os ministros ordenados são também responsáveis pela formação na oração dos seus irmãos e irmãs em Cristo. Servos do Bom Pastor, são ordenados para guiar o povo de Deus até às fontes vivas da oração: a Palavra de Deus, a Liturgia, a vida teologal, o «hoje» de Deus nas situações concretas (36).


2687 Muitos religiosos têm consagrado toda a sua vida à oração. Depois dos anacoretas do deserto do Egipto, eremitas, monges e monjas têm dedicado o seu tempo ao louvor de Deus e à intercessão pelo seu povo. A vida consagrada não se mantém nem se propaga sem a oração; é uma das fontes vivas da contemplação e da vida espiritual na Igreja.


2688 A catequese das crianças, dos jovens e dos adultos visa a que a Palavra de Deus seja meditada na oração pessoal, actualizada na oração litúrgica e interiorizada em todo o tempo, para que dê fruto numa vida nova. A catequese é também o momento em que se pode purificar e educar a piedade popular (37). A memorização das orações fundamentais oferece um suporte indispensável à vida de oração, mas é importante que se faça saborear o seu sentido (38).


2689 Grupos de oração e até «escolas de oração» são hoje um dos sinais e um dos estímulos da renovação da oração na Igreja, na condição de irem beber às fontes autênticas da oração cristã. A preocupação com a comunhão é sinal da verdadeira oração na Igreja.


2690 O Espírito Santo concede a certos fiéis dons de sabedoria, de fé e de discernimento, em vista deste bem comum que é a oração (direcção espiritual). Aqueles e aquelas que de tais dons são dotados, são verdadeiros ministros da tradição viva da oração:

É por isso que a alma que quer progredir na perfeição deve, segundo o conselho de São João da Cruz, «olhar em que mãos se põe, porque, qual o mestre, tal será o discípulo, e tal pai, tal filho». E ainda: o guia, «além de sábio e discreto, é mister que seja experimentado» [...]. Se o guia espiritual «não tem experiência do que é puro e verdadeiro espírito, não atinará a encaminhar nele, quando Deus lho dá, nem ainda o poderia entender» (39).

36. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Presbyterorum ordinis
PO 4-6, AAS 58 (1966) 995-1001.
37. Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae CTR 54, AAS 71 (1979) 1321-1322.
38. Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae CTR 55, AAS 71 (1979) 1322-1323.
39. São João da Cruz, Llama de amor viva, redactio segunda, stropha 3, declaratio 30: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 13 (Burgos 1931) p. 171. [São João da Cruz, Chama viva de amor, III 30: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições do Carmelo 1986) p. 909].


LUGARES FAVORÁVEIS À ORAÇÃO


2691 A igreja, casa de Deus, é o lugar próprio da oração litúrgica para a comunidade paroquial. É também o lugar privilegiado para a adoração da presença real de Cristo no Santíssimo Sacramento. A escolha dum lugar favorável não é indiferente para a verdade da oração:

– para a oração pessoal, pode servir um «recanto de oração», com a Sagrada Escritura e ícones (imagens) para aí se estar «no segredo» diante do Pai (40). Numa família cristã, este género de pequeno oratório favorece a oração em comum;

– nas regiões onde existem mosteiros, tais comunidades estão vocacionadas para favorecer a participação dos fiéis na Liturgia das Horas e permitir a solidão necessária para uma oração pessoal mais intensa (41);

– as peregrinações evocam a nossa marcha na terra para o céu. São tradicionalmente tempos fortes duma oração renovada. Os santuários são, para os peregrinos à procura das suas fontes vivas, lugares excepcionais para viver «em Igreja» as formas da oração cristã.

40. Cf.
Mt 6,6
41. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Perfectae caritatis PC 7, AAS 58 (1966) 705.

Resumindo:


2692 Na sua oração, a Igreja peregrina associa-se à dos santos, cuja intercessão solicita.


2693 . As diferentes espiritualidades cristãs participam na tradição viva da oração e são guias preciosos da vida espiritual.


2694 A família cristã é o primeiro lugar da educação para a oração.


2695 Os ministros ordenados, a vida consagrada, a catequese, os grupos de oração, a «direcção espiritual» prestam, na Igreja, ajuda d oração.


2696 . Os lugares mais favoráveis para a oração são: o oratório pessoal ou familiar, os mosteiros, os santuários de peregrinação e, sobretudo, a igreja, que é o lugar próprio da oração litúrgica para a comunidade paroquial e o lugar privilegiado da adoração eucarística.





CAPÍTULO TERCEIRO

A VIDA DE ORAÇÃO


2697 A oração é a vida do coração novo. Deve animar-nos a todo o momento. Mas acontece que nos esquecemos d'Aquele que é a nossa vida e o nosso tudo. É por isso que os Padres espirituais, na sequência do Deuteronómio e dos profetas, insistem na oração como «lembrança de Deus», frequente despertador da «memória do coração». «Devemos lembrar-nos de Deus com mais frequência do que respiramos» (1). Mas não se pode orar «em todo o tempo», se não se orar em certos momentos, voluntariamente: são os tempos fortes da oração cristã, em intensidade e duração.

1. São Gregório Nazianzo, Oratio 27 (theologica 1), 4: SC 250, 78 (PG 36, 16).

2698 A Tradição da Igreja propõe aos fiéis ritmos de oração destinados a alimentar a oração contínua. Alguns são quotidianos: a oração da manhã e da noite, antes e depois das refeições, a Liturgia das Horas. O Domingo, centrado na Eucaristia, é santificado principalmente pela oração. O ciclo do ano litúrgico e as suas grandes festas constituem os ritmos fundamentais da vida de oração dos cristãos.


2699 O Senhor conduz cada pessoa pelos caminhos e da maneira que Lhe apraz. Por seu turno, cada fiel responde-Lhe conforme a determinação do seu coração e as expressões pessoais da sua oração. No entanto, a tradição cristã conservou três expressões principais da vida de oração: a oração vocal, a meditação e a contemplação. Têm um traço fundamental comum: o recolhimento do coração. Esta atenção em guardar a Palavra e permanecer na presença de Deus faz destas três expressões tempos fortes da vida de oração.

ARTIGO 1


AS EXPRESSÕES DA ORAÇÃO


I. A oração vocal


2700 Pela sua Palavra, Deus fala ao homem. É nas palavras, mentais ou vocais, que a nossa oração toma corpo. Mas o mais importante é a presença do coração Àquele a Quem falamos na oração. «Que a nossa oração seja atendida não depende da quantidade de palavras, mas do fervor das nossas almas» (2).


2701 A oração vocal é um elemento indispensável da vida cristã. Aos discípulos, atraídos pela oração silenciosa do seu mestre, este ensina-lhes uma oração vocal: o «Pai-nosso». Jesus não rezou apenas as orações litúrgicas da sinagoga: os evangelhos mostram-no-Lo a elevar a voz para exprimir a sua oração pessoal, desde a bênção exultante do Pai (3) até à desolação do Getsémani (4).


2702 A necessidade de associar os sentidos à oração interior corresponde a uma exigência da natureza humana. Nós somos corpo e espírito e experimentamos a necessidade de traduzir exteriormente os nossos sentimentos. Devemos rezar com todo o nosso ser para dar à nossa súplica a maior força possível.


2703 Esta necessidade corresponde também a uma exigência divina. Deus procura quem O adore em espírito e verdade e, por conseguinte, uma oração que suba viva das profundezas da alma. Mas também quer a expressão exterior que associe o corpo à oração interior, porque ela Lhe presta a homenagem perfeita de tudo a quanto Ele tem direito.


2704 Porque exterior e tão plenamente humana, a oração vocal é, por excelência, a oração das multidões. Mas até a oração mais interior não pode prescindir da oração vocal. A oração torna-se interior na medida em que tomamos consciência d'Aquele «a Quem falamos» (5). Então, a oração vocal torna-se uma primeira forma da contemplação.

2. São João Crisóstomo, De Anna, sermo 2, 2: PG 54, 646.
3. Cf.
Mt 11,25-26
4. Cf. Mc 14,36
5. Santa Teresa de Jesus, Camino de perfección, CE 25: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 3 (Burgos 1916) p. 122. [Cf. Santa Teresa de Jesus, Caminho de perfeição, CV 25: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1994) p. 494].

II. A meditação


2705 A meditação é sobretudo uma busca. O espírito procura compreender o porquê e o como da vida cristã, para aderir e corresponder ao que o Senhor lhe pede. Exige uma atenção difícil de disciplinar. Habitualmente, recorre-se à ajuda dum livro e os cristãos não têm falta deles: a Sagrada Escritura, em especial o Evangelho, os santos ícones (as imagens), os textos litúrgicos do dia ou do tempo, os escritos dos Padres espirituais, as obras de espiritualidade, o grande livro da criação e o da história, a página do «hoje» de Deus.


2706 Meditar no que se lê leva a assimilá-lo, confrontando-o consigo mesmo. Abre-se aqui um outro livro: o da vida. Passa-se dos pensamentos à realidade. Segundo a medida da humildade e da fé, descobrem-se nela os movimentos que agitam o coração e é possível discerni-los. Trata-se de praticar a verdade para chegar à luz: «Senhor, que quereis que eu faça?».


2707 Os métodos de meditação são tão diversos como os mestres espirituais. Um cristão deve querer meditar com regularidade; doutro modo, torna-se semelhante aos três primeiros terrenos da parábola do semeador (6). Mas um método não passa de um guia; o importante é avançar, com o Espírito Santo, no caminho único da oração: Cristo Jesus.

6. Cf.
Mc 4,4-7 Mc 4,15-19


2708 A meditação põe em acção o pensamento, a imaginação, a emoção e o desejo. Esta mobilização é necessária para aprofundar as convicções da fé, suscitar a conversão do coração e fortalecer a vontade de seguir a Cristo. A oração cristã dedica-se, de preferência, a meditar nos «mistérios de Cristo», como na « lectio divina» ou no rosário. Esta forma de reflexão orante é de grande valor, mas a oração cristã deve ir mais longe: até ao conhecimento amoroso do Senhor Jesus, até à união com Ele.

III. A contemplação


2709 O que é a contemplação? Responde Santa Teresa: «Outra coisa não é, a meu parecer, oração mental, senão tratar de amizade – estando muitas vezes tratando a sós – com Quem sabemos que nos ama» (7).

A contemplação procura «Aquele que o meu coração ama» (
Ct 1,7) (8), que é Jesus, e n'Ele o Pai. Ele é procurado, porque desejá-Lo é sempre o princípio do amor, e é procurado na fé pura, esta fé que nos faz nascer d'Ele e viver n'Ele. Nesta modalidade de oração pode, ainda, meditar-se; todavia, o olhar vai todo para o Senhor.


2710 A escolha do tempo e duração da contemplação depende duma vontade determinada, reveladora dos segredos do coração. Não se faz contemplação quando se tem tempo; ao invés, arranja-se tempo para estar com o Senhor, com a firme determinação de não Lho retirar durante o caminho, sejam quais forem as provações e a aridez do encontro. Não se pode meditar sempre; mas pode-se entrar sempre em contemplação, independentemente das condições de saúde, trabalho ou afectividade. O coração é o lugar da busca e do encontro, na pobreza e na fé.


2711 A entrada na contemplação é análoga à da liturgia eucarística: «reunir» o coração, recolher todo o nosso ser sob a moção do Espírito Santo, habitar na casa do Senhor que nós somos, despertar a fé para entrar na presença d'Aquele que nos espera, fazer cair as nossas máscaras e voltar o nosso coração para o Senhor que nos ama, de modo a entregarmo-nos a Ele como uma oferenda a purificar e transformar.


2712 A contemplação é a oração do filho de Deus, do pecador perdoado que consente em acolher o amor com que é amado e ao qual quer corresponder amando ainda mais (9). Mas ele sabe que o seu amor de correspondência é o que o Espírito Santo derrama no seu coração, porque tudo é graça da parte de Deus. A contemplação é a entrega humilde e pobre à vontade amorosa do Pai, em união cada vez mais profunda com o seu Filho muito amado.


2713 Assim, a contemplação é a expressão mais simples do mistério da oração. É um dom, uma graça; só pode ser acolhida na humildade e na pobreza. É uma relação de aliança estabelecida por Deus no fundo do nosso ser (10). A contemplação é comunhão: nela, a Santíssima Trindade conforma o homem, imagem de Deus, «à sua semelhança».


2714 A contemplação é, também, por excelência, o tempo forte da oração. Nela, o Pai enche-nos de força, pelo Espírito Santo, para que se fortaleça em nós o homem interior, Cristo habite nos nossos corações pela fé e nós sejamos radicados e alicerçados no amor (11).


2715 A contemplação é o olhar da fé, fixado em Jesus. «Eu olho para Ele e Ele olha para mim» – dizia, no tempo do seu santo Cura, um camponês d'Ars em oração diante do sacrário (12). Esta atenção a Ele é renúncia ao «eu». O seu olhar purifica o coração. A luz do olhar de Jesus ilumina os olhos do nosso coração; ensina-nos a ver tudo à luz da sua verdade e da sua compaixão para com todos os homens. A contemplação dirige também o seu olhar para os mistérios da vida de Cristo. E assim aprende «o conhecimento íntimo do Senhor» para mais O amar e seguir (13).


2716 A contemplação é escuta da Palavra de Deus. Longe de ser passiva, esta escuta é obediência da fé, acolhimento incondicional do servo e adesão amorosa do filho. Participa do «sim» do Filho que se fez Servo e do «faça-se» da sua humilde serva.


2717 A contemplação é silêncio, este «símbolo do mundo que há-de vir» (14) ou «linguagem calada do amor» (15). Na contemplação, as palavras não são discursos, mas acendalhas que alimentam o fogo do amor. É neste silêncio, insuportável para o homem «exterior», que o Pai nos diz o seu Verbo encarnado, sofredor, morto e ressuscitado e que o Espírito filial nos faz participar da oração de Jesus.


2718 A contemplação é união à oração de Cristo na medida em que nos faz participar no seu mistério. O mistério de Cristo é celebrado pela Igreja na Eucaristia e o Espírito Santo faz-nos viver dele na contemplação, para que seja manifestado pela caridade em acto.


2719 A contemplação é uma comunhão de amor, portadora de vida para a multidão, na medida em que é consentimento em permanecer na noite da fé. A noite pascal da ressurreição passa pela da agonia e do sepulcro. São estes três tempos fortes da «Hora» de Jesus, que o seu Espírito (e não a «carne», que é «fraca») nos faz viver na oração contemplativa. É preciso consentir em velar uma hora com Ele (16).

7. Santa Teresa de Jesus, Libro de la vida,
VIE 8: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 1 (Burgos 1915) p. 57. [Cf. Santa Teresa de Jesus, Livro da vida, 8: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1994) p. 56].
8. Cf. Ct 3,1-4
9. Cf. Lc 7,36-50 Lc 19,1-10
10. Cf. Jr 31,33
11. Cf. Ep 3,16-17
12. Cf. F. Trochu, Le Curé d'Ars Saint Jean-Marie Vianney (Lyon-Paris 1927) p. 223-224.
13. Cf. Santo Inácio de Loyola, Exercitia spiritualia, 104: MHSI 100, 224.
14. Santo Isaac de Nínive, Tractatus mystici, 66: ed. A. J. Wensinck (Amsterdam 1923) p. 315; ed. P. Bedjan (Parisiis-Lipsiae 1909) p. 470.
15. São Joa da Cruz, Carta, 6: Biblioteca Mística carmelitana, v. 13 (Burgos 1931) p. 262.[Cf. São João da Cruz, Carta Sexta: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1986) p. 967].
16. Cf. Mt 26,40-41

Resumindo:


2720 A Igreja convida os fiéis para uma oração regular: orações quotidianas, Liturgia das Horas, Eucaristia dominical, festas do ano litúrgico.


2721 A tradição cristã compreende três expressões principais da vida de oração: a oração vocal, a meditação e a contemplação. Têm em comum o recolhimento do coração.


2722 A oração vocal, fundada na união do corpo e do espírito na natureza humana, associa o corpo à oração interior do coração, a exemplo de Cristo que orava ao Pai e ensinava o «Pai-nosso» aos seus discípulos.


2723 A meditação é uma busca orante que põe em acção o pensamento, a imaginação, a emoção, o desejo. Tem por finalidade a apropriação crente do tema considerado, confrontado com a realidade da nossa vida.


2724 A contemplação é a expressão simples do mistério da oração. É um olhar de fé fixo em Jesus, uma escuta da Palavra de Deus, um amor silencioso. Realiza a união com a oração de Cristo, na medida em que nos faz participar no seu mistério.

ARTIGO 2


O COMBATE DA ORAÇÃO



2725 A oração é um dom da graça e uma resposta decidida da nossa parte. Pressupõe sempre um esforço. Os grandes orantes da Antiga Aliança antes de Cristo, bem como a Mãe de Deus e os santos com Ele no-lo ensinam: a oração é um combate. Contra quem? Contra nós mesmos e contra as astúcias do Tentador que tudo faz para desviar o homem da oração e da união com o seu Deus. Reza-se como se vive, porque se vive como se reza. Se não se quiser agir habitualmente segundo o Espírito de Cristo, também não se pode orar habitualmente em seu nome. O «combate espiritual» da vida nova do cristão é inseparável do combate da oração.

I. As objecções à oração


2726 No combate da oração, temos de enfrentar, em nós e à nossa volta, concepções erróneas da oração. Alguns vêem nela uma simples operação psicológica; outros, um esforço de concentração para chegar ao vazio mental; outros ainda, reduzem-na a atitudes e palavras rituais. No inconsciente de muitos cristãos, rezar é uma ocupação incompatível com tudo o que têm de fazer: não têm tempo. Os que procuram a Deus na oração desanimam depressa, porque não sabem que a oração também vem do Espírito Santo e não somente de si próprios.


2727 Temos de enfrentar também certas mentalidades «deste mundo» que nos invadem, se não estivermos atentos. Por exemplo: só é verdadeiro o que se pode verificar pela razão e pela ciência (mas orar é um mistério que ultrapassa a nossa consciência e o nosso inconsciente); os valores são a produção e o rendimento (mas a oração é improdutiva, logo inútil); o sensualismo e o conforto são os critérios do verdadeiro, do bem e do belo (mas a oração, «amor da beleza» – philocália – deixa-se encantar pela glória do Deus vivo e verdadeiro); em reacção ao activismo, temos a oração apresentada como fuga do mundo (mas a oração cristã não é uma saída da história nem um divórcio da vida).


2728 Finalmente, o nosso combate tem de enfrentar aquilo que sentimos como sendo os nossos fracassos na oração: desânimo na aridez, tristeza por não dar tudo ao Senhor, porque temos «muitos bens» (17) decepção por não sermos atendidos segundo a nossa própria vontade, o nosso orgulho ferido que se endurece perante a nossa indignidade de pecadores, alergia à gratuitidade da oração, etc... A conclusão é sempre a mesma: de que serve orar? Para vencer tais obstáculos, é preciso combater com humildade, confiança e perseverança.

17. Cf.
Mc 10,22

II. A humilde vigilância do coração


PERANTE AS DIFICULDADES DA ORAÇÃO


2729 A dificuldade habitual da nossa oração é a distracção. Pode ter por objecto as palavras e o seu sentido, na oração vocal; mais profundamente, pode incidir sobre Aquele a Quem rezamos, na oração vocal (litúrgica ou pessoal), na meditação e na contemplação. Partir à caça das distracções seria cair nas suas ciladas; basta regressar ao nosso coração: uma distracção revela-nos aquilo a que estamos apegados e esta humilde tomada de consciência diante do Senhor deve despertar o nosso amor preferencial por Ele, oferecendo-Lhe resolutamente o nosso coração para que Ele o purifique. É aí que se situa o combate: na escolha do Senhor a quem servir (18).


2730 Positivamente, o combate contra o nosso eu, possessivo e dominador, consiste na vigilância, a sobriedade do coração. Quando Jesus insiste na vigilância, esta refere-se sempre a Ele, à sua vinda, no último dia e em cada dia: «hoje». O Esposo chega a meio da noite. A luz que não se deve extinguir é a da fé: «Diz-me o coração: "Procura a sua face"» (Ps 27,8).


2731 Outra dificuldade, especialmente para os que querem rezar com sinceridade, é a aridez. Faz parte da oração em que o coração está seco, sem gosto pelos pensamentos, lembranças e sentimentos, mesmo espirituais. É o momento da fé pura, que se aguenta fielmente ao lado de Jesus na agonia e no sepulcro. «Se o grão de trigo morrer, dará muito fruto» (Jn 12,24). Se a aridez for devida à falta de raiz, por a Palavra ter caído em terreno pedregoso, o combate entra no campo da conversão (19).

18. Cf. Mt 6,21 Mt 6,24
19. Cf. Lc 8,6 Lc 8,13


PERANTE AS TENTAÇÕES NA ORAÇÃO


2732 A tentação mais comum e a mais oculta é a nossa falta de fé. Exprime-se menos por uma incredulidade declarada do que por uma preferência de facto. Quando começamos a orar, mil trabalhos e preocupações, julgados urgentes, apresentam-se-nos como prioritários. É mais uma vez o momento da verdade do coração e do seu amor preferencial. Umas vezes, voltamo-nos para o Senhor como nosso último recurso: mas será que acreditamos mesmo n'Ele? Outras vezes, tomamos o Senhor como aliado, mas conservamos o coração cheio de presunção. Em todos os casos, a nossa falta de fé revela que ainda não temos as disposições de um coração humilde: «Sem Mim, nada podereis fazer» (Jn 15,5).


2733 Outra tentação, à qual a presunção abre a porta, é a acédia. Os Padres espirituais entendem por ela uma forma de depressão devida ao relaxamento da ascese, à diminuição da vigilância, à negligência do coração. «O espírito está decidido, mas a carne é fraca» (Mt 26,41). Quanto de mais alto se cai, mais magoado se fica. O desânimo doloroso é o reverso da presunção. Quem é humilde não se admira da sua miséria; ela leva-o a ter mais confiança e a manter-se firme na constância.

III. A confiança filial


2734 A confiança filial é posta à prova – e prova-se a si mesma – na tribulação (20). A principal dificuldade diz respeito à oração de petição, na intercessão por si ou pelos outros. Alguns deixam mesmo de orar porque, segundo pensam, o seu pedido não é atendido. Aqui, duas questões se põem: Por que é que pensamos que o nosso pedido não é atendido? E como é que a nossa oração é atendida, e «eficaz»?

20. Cf.
Rm 5,3-5


PORQUE NOS LAMENTARMOS POR NÃO SERMOS ATENDIDOS?


2735 Antes de mais, uma constatação deveria surpreender-nos. É que, quando louvamos a Deus ou Lhe damos graças pelos seus benefícios em geral, não nos importamos nada com saber se a nossa oração Lhe é agradável, ao passo que exigimos ver o resultado da nossa petição. Qual é, então, a imagem de Deus que motiva a nossa oração: um meio a utilizar ou o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo?


2736 Será que estamos convencidos de que «não sabemos o que pedir, para rezar como devemos» (Rm 8,26)? Será que pedimos a Deus «os bens convenientes»? O nosso Pai sabe muito bem do que precisamos, antes que Lho peçamos (21), mas espera o nosso pedido, porque a dignidade dos seus filhos está na sua liberdade. Devemos, pois, orar com o seu Espírito de liberdade para podermos conhecer de verdade qual é o seu desejo (22).


2737 «Não tendes, porque não pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões» (Jc 4,2-3) (23). Se pedirmos com um coração dividido, «adúltero» (24), Deus não pode atender-nos, pois quer o nosso bem, a nossa vida. «Ou pensais que a Escritura diz em vão: "o Espírito que habita em nós ama-nos com ciúme"?» (Jc 4,5). O nosso Deus é «ciumento» de nós e isso é sinal da verdade do seu amor. Entremos no desejo do seu Espírito e seremos atendidos:

«Não te aflijas, se não recebes logo de Deus o que Lhe pedes: é que Ele quer beneficiar-te ainda mais pela tua perseverança em permanecer com Ele na oração» (25).

Ele quer «que o nosso desejo se exercite na oração dilatando-nos, de modo a termos capacidade para receber o que Ele prepara para nos dar» (26).

21. Cf. Mt 6,8
22. Cf. Rm 8,27
23. Cf. todo o contexto de Jc 1,5-8 Jc 4,1-10 Jc 5,16,
24. Cf. Jc 4,4
25. Evágrio do Ponto, De Oratione, 34: PG 79, 1173.
26. Santo Agostinho, Epistula 130, 8, 17: CSEL 44, 59 (PL 33, 500).


COMO É QUE A NOSSA ORAÇÃO SERIA EFICAZ?


2738 A revelação da oração na economia da salvação ensina-nos que a fé se apoia na acção de Deus na história. A confiança filial é suscitada pela sua acção por excelência: a paixão e ressurreição do seu Filho. A oração cristã é cooperação com a sua providência, com o seu desígnio de amor para com os homens.


2739 Em São Paulo, esta confiança é audaciosa (27), apoiando-se na oração do Espírito em nós e no amor fiel do Pai que nos deu o seu Filho Único (28). A transformação do coração que ora é a primeira resposta ao nosso pedido.


2740 A oração de Jesus faz da oração cristã uma petição eficaz. Jesus é o modelo da oração cristã; Ele ora em nós e connosco. Uma vez que o coração do Filho não procura senão o que agrada ao Pai, como poderia o dos filhos adoptivos apegar-se mais aos dons que ao Doador?


2741 Jesus também ora por nós, em nosso lugar e em nosso favor. Todos os nossos pedidos foram reunidos, de uma vez por todas, no seu brado sobre a cruz e atendidos pelo Pai na sua ressurreição; e é por isso que Ele não cessa de interceder por nós junto do Pai (29). Se a nossa oração estiver resolutamente unida à de Jesus na confiança e na audácia filial, obteremos tudo o que pedirmos em seu nome e muito mais do que isto ou aquilo: o próprio Espírito Santo que inclui todos os dons.

27. Cf.
Rm 10,12-13
28. Cf. Rm 8,26-39
29. Cf. He 5,7 He 7,25 He 9,24,

IV. Perseverar no amor


2742 «Orai sem cessar» (1Th 5,17), «dai sempre graças por tudo a Deus Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo» (Ep 5,20), «servindo-vos de toda a espécie de orações e preces, orai em todo o tempo no Espírito Santo; e, para isso, vigiai com toda a perseverança e com preces por todos os santos» (Ep 6,18). «Não nos foi mandado que trabalhemos, velemos e jejuemos constantemente, mas temos a lei de orar sem cessar» (30) Este fervor incansável só pode vir do amor. Contra a nossa lentidão e preguiça, o combate da oração é o do amor humilde, confiante e perseverante. Este amor abre os nossos corações a três evidências de fé, luminosas e vivificantes:


2743 Orar é sempre possível: O tempo do cristão é o de Cristo Ressuscitado, que está «connosco todos os dias» (Mt 28,20), sejam quais forem as tempestades (31). O nosso tempo está na mão de Deus:

«É possível, mesmo no mercado ou durante um passeio solitário, fazer oração frequente e fervorosa; sentados na vossa loja, a tratar de compras e vendas, até mesmo a cozinhar» (32).


2744 Orar é uma necessidade vital. A demonstração do contrário não é menos convincente: se não nos deixarmos conduzir pelo Espírito Santo, recairemos na escravidão do pecado (33). Ora, como pode o Espírito Santo ser a «nossa vida» se o nosso coração estiver longe d'Ele?

«Nada iguala o valor da oração; ela torna possível o impossível, fácil o difícil. [...] É impossível [...] que o homem que ora caia no pecado» (34). «Quem reza salva-se, de certeza; quem não reza condena-se, de certeza»».


2745 Oração e vida cristã são inseparáveis, porque se trata do mesmo amor e da mesma renúncia que procede do amor; da mesma conformidade filial e amorosa com o desígnio de amor do Pai; da mesma união transformante no Espírito Santo que nos conforma sempre mais com Cristo Jesus; do mesmo amor para com todos os homens, desse amor com que Jesus nos amou. «Tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, Ele vo-lo concederá. O que vos mando é que vos ameis uns aos outros» (Jn 15,16-17).

«Ora sem cessar, aquele que une a oração às obras e as obras à oração. Só assim é que podemos considerar como realizável o preceito de orar incessantemente» (36).

30. Evágrio do Ponto, Capita practica ad Anatolium, 49: SC 171,610 (PG 40,1245)
31. Cf. Lc 8,24
32. São João Crisóstomo, De Anna, sermo 4, 6: PG 54, 668.
33. Cf. Ga 5,16-25
34. São João Crisóstomo, De Anna, sermo 4, 5: PG 54, 666.
35. Santo Afonso de Ligório, Del gran mezzo della preghiera, parte I, c. 1: ed. G. Cacciatore (Roma 1962) p. 32.
36. Orígenes, De oratione, 12, 2: GCS 3, 324-325 (PG 11, 452).

V. A oração da Hora de Jesus


2746 Ao chegar a sua «Hora», Jesus ora ao Pai (37). A sua oração, a mais longa que nos é transmitida pelo Evangelho, abraça toda a economia da criação e da salvação, bem como a sua morte e ressurreição. A oração da «Hora» de Jesus continua sempre sua, tal como a sua Páscoa, acontecida «uma vez por todas», continua presente na liturgia da sua Igreja.


2747 A tradição cristã chama-lhe, a justo título, a oração «sacerdotal» de Jesus. Ela é, de facto, a oração do nosso Sumo-Sacerdote, inseparável do seu sacrifício, da sua «passagem» (páscoa) deste mundo para o Pai, em que é inteiramente «consagrado» ao Pai (38).


2748 Nesta oração pascal, sacrificial, tudo está «recapitulado» n'Ele (39): Deus e o mundo, o Verbo e a carne, a vida eterna e o tempo, o amor que se entrega e o pecado que o atraiçoa, os discípulos presentes e os que n'Ele hão-de crer pela palavra deles, a humilhação e a glória. É a Oração da Unidade.


2749 Jesus cumpriu perfeitamente a obra do Pai e a sua oração, como o seu sacrifício estende-se até à consumação do tempo. A oração da «Hora» preenche os últimos tempos e leva-os à sua consumação. Jesus, o Filho a Quem o Pai tudo deu, entrega-Se todo ao Pai; e, ao mesmo tempo, exprime-Se com uma liberdade soberana (40), segundo o poder que o Pai Lhe deu sobre toda a carne. O Filho, que Se fez Servo, é o Senhor, o Pantocrátor. O nosso Sumo-Sacerdote que ora por nós é também Aquele que em nós ora e o Deus que nos atende.


2750 É entrando no santo nome do Senhor Jesus que podemos acolher, desde dentro, a oração que Ele nos ensina: «Pai nosso!». A sua oração sacerdotal inspira, a partir de dentro, as grandes petições do Pai-nosso: a preocupação com o nome do Pai (41), a paixão pelo seu Reino (a glória) (42), o cumprimento da vontade do Pai, do seu desígnio de salvação (43) e a libertação do mal (44).


2751 Finalmente, é nesta oração que Jesus nos revela e nos dá o «conhecimento» indissociável do Pai e do Filho (45), que é o próprio mistério da vida de oração.

37. Cf.
Jn 17
38. Cf. Jn 17,11 Jn 17,13 Jn 17,19
39. Cf. Ep 1,10
40. Cf. Jn 17,11 Jn 17,13 Jn 17,19 Jn 17,24
41. Cf. Jn 17,6 Jn 17,11 Jn 17,12 Jn 17,26
42. Cf. Jn 17,1 Jn 17,5 Jn 17,10 Jn 17,22 Jn 17,23-26
43. Cf. Jn 17,2 Jn 17,4 Jn 17,6 Jn 17,9 Jn 17,11 Jn 17,12 Jn 17,24
44 Cf. Jn 17,15 Jn 17,4
45. Cf. Jn 17,3 Jn 17,6-10 Jn 17,25


Catecismo Igreja Catól. 2680