Catecismo Igreja Catól. 2752

Resumindo:


2752 A oração pressupõe esforço e luta contra nós mesmos e contra as ciladas do Tentador. O combate da oração é inseparável do «combate espiritual» necessário para agir habitualmente segundo o Espírito de Cristo: ora-se como se vive, porque se vive como se ora.


2753 No combate da oração, devemos enfrentar concepções erróneas, diversas correntes de mentalidades e a experiência dos nossos fracassos. A estas tentações, que lançam a dúvida sobre a utilidade ou até mesmo a possibilidade da oração, convém responder com humildade, confiança e perseverança.


2754 As principais dificuldades no exercício da oração são a distracção e a aridez. O remédio está na fé, na conversão e na vigilância do coração.


2755 Duas tentações frequentes ameaçam a oração: a falta de fé e a acédia, que é uma espécie de depressão devida ao relaxamento da ascese e que leva ao desânimo.


2756 . A confiança filial é posta à prova quando temos a sensação de nem sempre ser atendidos. O Evangelho convida-nos a interrogarmo-nos sobre a conformidade da nossa oração com o desejo do Espírito.


2757 . «Orai sem cessar» (1Th 5,17). Orar é sempre possível. É, até, uma necessidade vital. Oração e vida cristã são inseparáveis.


2758 . A oração da «Hora» de Jesus, justamente chamada «oração sacerdotal» (46), recapitula toda a economia da criação e da salvação. É ela que inspira as grandes petições do «Pai-nosso».

46. Cf.
Jn 17


SEGUNDA SECÇÃO

A ORAÇÃO DO SENHOR: «PAI NOSSO»


2759 «Um dia, estava Jesus em oração, em certo lugar. Quando acabou, disse-lhe um dos seus discípulos: "Senhor, ensina-nos a orar, como João Baptista também ensinou os seus discípulos"» (Lc 11,1). Foi em resposta a este pedido que o Senhor confiou aos seus discípulos e à sua Igreja a oração cristã fundamental. São Lucas apresenta-nos um texto breve dessa oração (cinco petições)(1); São Mateus, uma versão mais desenvolvida (sete petições) (2). A tradição litúrgica da Igreja reteve o texto de São Mateus (Mt 6,9-13):

Pai Nosso que estais nos céus,
santificado seja o vosso Nome,
venha a nós o vosso Reino,
seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu.
O pão nosso de cada dia nos dai hoje,
perdoai-nos as nossas ofensas
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido,
e não nos deixeis cair em tentação,
mas livrai-nos do Mal.


2760 Bem cedo o uso litúrgico concluiu a oração do Senhor por uma doxologia. Na Didakê: «Porque Vosso é o poder e a glória, pelos séculos» (3). A esta doxologia, as Constituições Apostólicas acrescentam no princípio: «o Reino» (4), e essa é a fórmula que se usa em nossos dias na oração ecuménica. A tradição bizantina acrescenta, depois de «a glória»: «Pai, Filho e Espírito Santo». O Missal Romano amplia a última petição (5) na perspectiva explícita da «expectativa da bem-aventurada esperança» (6) e da vinda de Jesus Cristo nosso Senhor, seguindo-se a aclamação da assembleia que retoma a doxologia das Constituições Apostólicas.

1. Cf.
Lc 11,2-4
2. Cf. Mt 6,9-13
3. Didakê 8, 2: SC 248,174 (Funk, Patres apostolici 1, 20)
4. Constitutiones apostolicae 7, 24, 1: SC 336,174 (Funk, Didascalia et Constitutiones Apostolorum 1,410)
5. Cf. Rito da Comunhão, [Embolismo]: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 472 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 545].
6. Cf. Tt 2,13

ARTIGO 1


«O RESUMO DE TODO O EVANGELHO»



2761 «A oração dominical é verdadeiramente o resumo de todo o Evangelho»(7). «Depois de o Senhor nos ter legado esta fórmula de oração, acrescentou "Pedi e recebereis" (Jn 16,24). Cada um pode, portanto, dirigir ao céu diversas orações segundo as suas necessidades, mas começando sempre pela oração do Senhor, que continua a ser a oração fundamental» (8).

7. Tertuliano, De Oratione, 1, 6: CCL 1, 258 (PL 1, 1255).
8. Tertuliano, De Oratione, 10: CCL 1, 263 (PL 1, 1268-1269).

I. No centro da Sagrada Escritura


2762 Depois de ter mostrado como os Salmos são o alimento principal da oração cristã e convergem para as petições do Pai-nosso, Santo Agostinho conclui:

«Percorrei todas as orações que existem na Sagrada Escritura; não creio que possais encontrar uma só que não esteja incluída e compendiada nesta oração dominical» (9).


2763 Todas as Escrituras (a Lei, os Profetas e os Salmos) se cumpriram em Cristo (10). O Evangelho é esta «boa-nova». O seu primeiro anúncio está resumido por São Mateus no sermão da montanha (11). Ora a oração do Pai-nosso está no centro deste anúncio. E é neste contexto que se elucida cada uma das petições da oração legada pelo Senhor:

«A oração dominical é a mais perfeita das orações [...]. Nela, não só pedimos tudo quanto podemos rectamente desejar, mas também segundo a ordem em que convém desejá-lo. De modo que esta oração, não só nos ensina a pedir, mas também plasma todos os nossos afectos» (12).


2764 O sermão da montanha é doutrina de vida e a oração dominical é prece; mas num e noutra, o Espírito do Senhor dá uma forma nova aos nossos desejos, a esses movimentos interiores que animam a nossa vida. Jesus ensina-nos a vida nova com as suas palavras e ensina-nos a pedi-la pela oração. Da rectidão da nossa oração dependerá a da nossa vida n' Ele.

9. Santo Agostinho, Epistula 130, 12, 22: CSEL 44, 66 (PL 33, 502).
10. Cf.
Lc 24,44
11. Cf. Mt 5-7
12. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, II-II 83,9, c: Ed. Leon. 9, 201.

II. «A oração do Senhor»


2765 A expressão tradicional «oração dominical» (isto é, «oração do Senhor») significa que a prece dirigida ao nosso Pai nos foi ensinada e legada pelo Senhor Jesus. Tal oração, que nos vem de Jesus, é verdadeiramente única: é «do Senhor». Efectivamente, por um lado, nas palavras desta oração o Filho Único dá-nos as palavras que o Pai Lhe deu (13): Ele é o mestre da nossa oração. Por outro lado, sendo o Verbo encarnado, Ele conhece no seu coração de homem as necessidades dos seus irmãos e irmãs humanos e revela-no-las: Ele é o modelo da nossa oração.


2766 Mas Jesus não nos deixa uma fórmula para ser repetida maquinalmente (14). Como em toda a oração vocal, é pela Palavra de Deus que o Espírito Santo ensina os filhos de Deus a orar ao seu Pai. Jesus dá-nos, não somente as palavras da nossa oração filial, mas também, ao mesmo tempo, o Espírito pelo qual elas se tornam em nós «espírito e vida» (Jn 6,63). Mais ainda: a prova e a possibilidade da nossa oração filial é que o Pai «enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho que clama: "Abbá! ó Pai!"» (Ga 4,6). Uma vez que a nossa oração traduz os nossos desejos diante do Pai, é ainda «Aquele que sonda os corações», o Pai, que «conhece o desejo do Espírito, porque é de acordo com Deus que o Espírito intercede pelos santos» (Rm 8,27). A oração ao nosso Pai insere-se na missão misteriosa do Filho e do Espírito.

13. Cf. Jn 17,7
14. Cf. Mt 6,7 1R 18,26-29,

III. A oração da Igreja


2767 Esta dádiva indissociável das palavras do Senhor e do Espírito Santo que lhes dá vida no coração dos crentes foi recebida e vivida pela Igreja desde as origens. As primeiras comunidades rezavam a oração do Senhor «três vezes por dia» (15), em vez das «dezoito bênçãos» usadas pela piedade judaica.


2768 Segundo a Tradição apostólica, a oração do Senhor está essencialmente radicada na oração litúrgica:

O Senhor «ensina-nos a fazer a nossa oração em comum por todos os nossos irmãos. Porque Ele não diz «meu Pai» que estás nos céus, mas sim nosso Pai, para que a nossa oração seja, numa só alma, por todo o corpo da Igreja» (16).

Em todas as tradições litúrgicas, a oração do Senhor é parte integrante das «horas» principais do Ofício Divino. Mas é sobretudo nos três sacramentos da iniciação cristã que o seu carácter eclesial aparece com evidência:


2769 No Baptismo e na Confirmação, a entrega («traditio») da oração do Senhor significa o novo nascimento para a vida divina. Uma vez que a oração cristã consiste em falar a Deus com a própria Palavra de Deus, aqueles que são «regenerados [...] pela palavra do Deus vivo» (1P 1,23) aprendem a invocar o seu Pai com a única palavra que Ele escuta sempre. E podem fazê-lo a partir de então, porque o selo da unção do Espírito Santo foi gravado indelevelmente no seu coração, nos seus ouvidos, nos seus lábios, em todo o seu ser filial. É por isso que a maior parte dos comentários patrísticos ao Pai-nosso são dirigidos aos catecúmenos e aos neófitos. Quando a Igreja reza a oração do Senhor, é sempre o povo dos «recém-nascidos» que ora e alcança misericórdia (17).


2770 Na liturgia eucarística, a oração do Senhor aparece como a oração de toda a Igreja. Ali se revela o seu sentido pleno e a sua eficácia. Situada entre a anáfora (oração eucarística) e a liturgia da comunhão, recapitula, por um lado, todas as petições e intercessões expressas no movimento da epiclese; e por outro, bate à porta do festim do Reino que a Comunhão sacramental vai antecipar.


2771 Na Eucaristia, a oração do Senhor manifesta também o carácter escatológico das suas petições. É a oração própria dos «últimos tempos», dos tempos da salvação que começaram com a efusão do Espírito Santo e terminarão com o regresso do Senhor. Os pedidos que fazemos ao nosso Pai, diferentemente das orações da Antiga Aliança, apoiam-se no mistério da salvação já realizada, duma vez para sempre, em Cristo crucificado e ressuscitado.


2772 Desta fé inabalável brota a esperança que suscita cada uma das sete petições. Estas exprimem os gemidos do tempo presente, este tempo da paciência e da espera, durante o qual «ainda não se manifestou o que havemos de ser» (1Jn 3,2)(18). A Eucaristia e o Pai-nosso tendem para a vinda do Senhor, «até que Ele venha!» (1Co 11,26).

15. Didakê 8, 3: SC 284,174 (Funk, Patres apostolici 1,20)
16. São João Crisóstomo, In Matthaeum, homilia 19, 4: PG 57, 278.
17. Cf. 1P 2,1-10,
18. Cf. Col 3,4

Resumindo:


2773 . Em resposta ao pedido dos seus discípulos («Senhor, ensina-nos a orar»: Lc 11,1), Jesus confia-lhes a oração cristã fundamental do «Pai-nosso».


2774 «A Oração Dominical é verdadeiramente o resumo de todo o Evangelho» (19), «a mais perfeita das orações» (20). Está no centro da Sagrada Escritura.

19. Tertuliano, De oratione, 1, 6: CCL 1, 258 (PL 1, 1255).
20. São Tomás de Aquino, Summa theologiae,
II-II 83,9, c: Ed. Leon. 9, 201.

2775 É chamada «Oração Dominical», porque nos vem do Senhor Jesus, mestre e modelo da nossa oração.


2776 . A Oração Dominical é a oração da Igreja por excelência. Faz parte integrante das «horas» principais do Ofício Divino e dos sacramentos da iniciação cristã: Baptismo, Confirmação e Eucaristia. Integrada na Eucaristia, manifesta o carácter «escatológico» das suas petições, na esperança do Senhor, «até que Ele venha» (1Co 11,26).

ARTIGO 2


«PAI NOSSO, QUE ESTAIS NOS CÉUS»


I. «Ousar aproximar-se com toda a confiança»


2777 Na liturgia romana, a assembleia eucarística é convidada a orar ao nosso Pai com ousadia filial. As liturgias orientais utilizam e desenvolvem expressões análogas: «Ousar com toda a segurança», «tomai-nos dignos de». Diante da sarça ardente foi dito a Moisés: «Não te aproximes. Descalça as sandálias» (Ex 3,5). Este umbral da santidade divina, só Jesus o podia franquear, Ele que, «tendo realizado a purificação dos pecados» (He 1,3), nos introduz perante a face do Pai: «Eis-me, a mim e aos filhos que Deus Me deu!» (He 2,13):

«A consciência que temos da nossa situação de escravos far-nos-ia sumir sob o chão, a nossa condição terrena dissolver-se-ia em pó, se a autoridade do próprio Pai e o Espírito do Seu Filho não nos levasse a soltar este grito dizendo: "Deus mandou o Espírito do Seu Filho aos nossos corações clamando Abba, ó Pai!" (Rm 8,15) [...]. Quando é que a fraqueza dum mortal se atreveria a chamar a Deus seu Pai, senão somente quando o íntimo do homem é animado pelo poder do alto?» (21).


2778 Este poder do Espírito que nos introduz na oração do Senhor é expresso, nas liturgias do Oriente e do Ocidente, pela bela expressão tipicamente cristã: «parrêsía», simplicidade sem desvio, confiança filial, segurança alegre, ousadia humilde, certeza de ser amado (22).

21. São Pedro Crisólogo, Sermão 71, 3: CCL 24A, 425 (PL 52, 401).
22. Cf.
Ep 3,12 He 3,6 He 4,16 He 10,19 1Jn 2,28 1Jn 3,21 1Jn 5,14,

II. «Pai!»


2779 Antes de fazermos nosso este primeiro impulso da oração do Senhor, convém purificar humildemente o nosso coração de certas falsas imagens «deste mundo». A humildade faz-nos reconhecer que «ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho Se dignar revelá-Lo», quer dizer «os pequeninos» (Mt 11,25-27). A purificação do coração refere-se às imagens paternas ou maternas provenientes da nossa história pessoal e cultural, que influenciam o nosso relacionamento com Deus. É que Deus, nosso Pai, transcende as categorias do mundo criado. Transpor para Ele ou contra Ele, as nossas ideias neste domínio, seria fabricar ídolos, a adorar ou a derrubar. Orar ao Pai é entrar no seu mistério, tal como Ele é e tal como o Filho no-Lo revelou:

«A expressão Deus Pai nunca tinha sido revelada a ninguém. Quando o próprio Moisés perguntou a Deus quem era, ouviu um nome diferente. A nós, este nome foi revelado no Filho; porque este nome (de Filho) implica o nome de Pai» (23).


2780 Nós podemos invocar Deus como «Pai», porque Ele nos foi revelado pelo seu Filho feito homem e porque o seu Espírito no-Lo faz conhecer. A relação pessoal do Filho com o Pai (24), que o homem não pode conceber nem os poderes angélicos podem entrever, eis que o Espírito do Filho nos faz participar dela, a nós que cremos que Jesus é o Cristo e que nascemos de Deus (25).


2781 Quando oramos ao Pai, estamos em comunhão com Ele e com o seu Filho Jesus Cristo (26). É então que O reconhecemos num encantamento sempre novo. A primeira palavra da oração do Senhor é uma bênção de adoração, antes de ser uma súplica. Porque a glória de Deus é que nós O reconheçamos como «Pai», Deus verdadeiro. Damos-Lhe graças por nos ter revelado o seu nome, por nos ter dado a graça de acreditar n'Ele, de sermos habitados pela sua presença.


2782 Nós podemos adorar o Pai porque Ele nos fez renascer para a sua vida adoptando-nos por seus filhos no seu Filho Único: pelo Baptismo, incorpora-nos no corpo do seu Cristo; e pela Unção do seu Espírito, que da Cabeça se derrama pelos membros, faz de nós «cristos»:

«Deus, que nos predestinou para a adopção de filhos, tornou-nos conformes ao corpo glorioso de Cristo. Doravante, pois, participantes de Cristo, sois com todo o direito chamados "cristos"» (27).

«O homem novo, que renasceu e foi restituído ao seu Deus pela graça, começa por dizer, "Pai!", porque se tornou filho» (28).


2783 Deste modo, pela oração do Senhor, nós somos revelados a nós próprios, ao mesmo tempo que nos é revelado o Pai (29):

«Ó homem, tu não ousavas levantar o teu rosto para o céu, baixavas os teus olhos para a terra, e de repente recebeste a graça de Cristo: todos os pecados te foram perdoados, de mau servo tornaste-te bom filho [...]. Portanto, ergue os olhos para o Pai que te resgatou pelo seu Filho e diz: Pai nosso [...]. Mas não reivindiques para ti algo de especial. Só de Cristo é que Ele é Pai de modo especial, de todos nós é Pai em comum; porque só a Ele gerou, ao passo que a nós, criou-nos. Portanto, por graça, diz também tu "Pai nosso", para mereceres ser filho» (30).


2784 Este dom gratuito da adopção exige da nossa parte uma conversão contínua e uma vida nova. Orar ao nosso Pai deve desenvolver em nós duas disposições fundamentais:

O desejo e a vontade de nos parecermos com Ele. Criados à sua imagem, é pela graça que a semelhança nos é restituída e a ela devemos corresponder.

«Devemos lembrar-nos de que, quando chamamos a Deus «Pai nosso», temos de nos comportar como filhos de Deus» (31).
«Vós não podeis chamar vosso Pai ao Deus de toda a bondade se conservardes um coração cruel e desumano; porque, nesse caso, já não tendes a marca da bondade do Pai celeste» (32).
«Devemos contemplar incessantemente a beleza do Pai e impregnar dela a nossa alma» (33)


2785 Um coração humilde e confiante que nos faça «voltar ao estado de crianças» (Mt 18,3): porque é aos «pequeninos» que o Pai Se revela (Mt 11,25):

É um estado «que se forma contemplando a Deus somente, com o ardor da caridade. Nele, a alma funde-se e abisma-se em santa dilecção e trata com Deus como com o seu próprio Pai, muito familiarmente, numa ternura de piedade muito particular» (34).

«Pai nosso – que haverá de mais querido para os filhos do que o pai? – Este nome suscita em nós ao mesmo tempo o amor, o afecto na oração, [...] e também a esperança de obter o que vamos pedir [...]. De facto, que pode Ele recusar à súplica dos seus filhos, quando já previamente lhes permitiu que fossem filhos seus?» (35).

23. Tertuliano, De oratione, 3, 1: CCL 1, 258-259 (PL 1, 1257).
24. Cf. Jn 1,1 Jn 1,11
25. Cf. 1Jn 5,1,
26. Cf. 1Jn 1,3,
27. São Cirilo de Jerusalém, Catecheses mystagogicae, 3, 1: SC 126,120 SC 126,
28. São Cipriano de Catargo, De dominica oratione, 9: CCL 3A, 94 (PL 4, 541).
29. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes GS 22, AAS 58 (1966) 1042.
30. Santo Ambrósio, De sacramentas, 5, 19: CSEL 73, 66 (PL 16, 450).
31. São Cirpiano de Cartago, De dominica oratione, 11: CCL 3A, 96 (PL 4, 543).
32. São João Crisóstomo, De angusta porta et in Orationem dominicam, 3: PG 51, 44.
33. São Gregório de Nissa, Homiliae in Orationem dominicam, 2: Gregorii Nysseni opera, ed. W. Jaeger-H. Langerbeck, v. 7/2 (leiden 1992) p. 30 (PG 44, 1148).
34. São João Cassiano, Conlatio, 9, 18, 1: CSEL 13, 265-266 (PL 49, 788).
35. Santo Agostinho, De sermone Domini in monte, 2, 4, 16: CCL 35, 106 (PL 34, 1276).

III. Pai «nosso»


2786 Pai «nosso» refere-se a Deus. Pela nossa parte, o adjectivo «nosso» não exprime uma posse, mas sim uma relação totalmente nova com Deus.


2787 . Quando dizemos Pai «nosso», reconhecemos, antes de mais nada, que todas as suas promessas de amor, anunciadas pelos profetas, se cumpriram na Nova e eterna Aliança no seu Cristo: nós tornámo-nos o «seu» povo e Ele é doravante o «nosso» Deus. Esta relação nova é uma pertença mútua, dada gratuitamente: é por amor e fidelidade (36) que temos de responder «à graça e à verdade» que nos foram dadas em Cristo Jesus (37).


2788 Uma vez que a oração do Senhor é a do seu povo nos «últimos tempos», este «nosso» exprime também a certeza da nossa esperança na última promessa de Deus: na Jerusalém nova, Ele dirá ao vencedor: «Eu serei o seu Deus e ele será o meu Filho» (Ap 21,7).


2789 Rezando ao «nosso» Pai, é ao Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que nós nos dirigimos pessoalmente. Não dividimos a divindade, pois que o Pai é a sua «fonte e origem», mas confessamos desse modo que o Filho é por Ele gerado eternamente e que d'Ele procede o Espírito Santo. Também não confundimos as Pessoas, pois confessamos que a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo no seu único Espírito Santo. A Santíssima Trindade é consubstancial e indivisível. Quando rezamos ao Pai, adoramo-Lo e glorificamo-Lo com o Filho e o Espírito Santo.


2790 Gramaticalmente, «nosso» qualifica uma realidade comum a vários. Há um só Deus, que é reconhecido como Pai por aqueles que, pela fé no seu Filho Único, renasceram d'Ele pela água e pelo Espírito (38). A Igreja é esta nova comunhão de Deus com os homens; unida ao Filho Único, que se tornou o «primogénito de muitos irmãos» (Rm 8,29), ela está em comunhão com um só e mesmo Pai, num só e mesmo Espírito Santo (39). Ao rezar Pai «nosso», cada baptizado reza nesta comunhão: «A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma» (Ac 4,32).


2791 É por isso que, apesar das divisões dos cristãos, a oração ao «nosso» Pai continua a ser um bem comum e um apelo premente para todos os baptizados. Em comunhão pela fé em Cristo e pelo Baptismo, eles devem participar na oração de Jesus pela unidade dos seus discípulos (40).


2792 Por fim, se rezamos em verdade o «Pai-nosso», saímos do individualismo, pois o Amor que nós acolhemos dele nos liberta. O «nosso» do princípio da oração do Senhor, tal como o «nos» das quatro últimas petições, não é exclusivo de ninguém. Para que seja dito em verdade (41), as nossas divisões e oposições têm de ser superadas.


2793 Os baptizados não podem dizer Pai «nosso», sem levar até junto d'Ele todos aqueles por quem Ele deu o seu Filho bem-amado. O amor de Deus é sem fronteiras; a nossa oração deve sê-lo também (42). Rezar Pai «nosso» abre-nos às dimensões do seu amor manifestado em Cristo: orar com e por todos os homens que ainda O não conhecem, para que sejam «reunidos na unidade» (43). Este cuidado divino por todos os homens e por toda a criação animou todos os grandes orantes; deve também dilatar a nossa oração num amor sem limites, quando ousamos dizer: Pai «nosso».

36. Cf.
Os 2,21-22 Os 6,1-6
37. Cf. Jn 1,17
38. Cf. 1Jn 5,1 Jn 3,5,
39. Cf. Ep 4,4-6
40. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio UR 8, AAS 57 (1965) 98; Ibid., UR 22: AAS 57 (1965) 105-106.
41. Cf. Mt 5,23-24 Mt 6,14-15,
42. Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Nostra aetate, NAE 5: AAS 58 (1966) 743-744.
43. Cf. Jn 11,52

IV. «Que estais nos céus»


2794 Esta expressão bíblica não significa um lugar («o espaço»), mas um modo de ser; não é o distanciamento de Deus, mas a sua majestade. O nosso Pai não está «algures», está «para além de tudo» o que podemos conceber da sua santidade. E é por ser três vezes santo que Ele está mesmo junto do coração humilde e contrito:

«É com razão que estas palavras: "Pai nosso que estais nos céus" se referem ao coração dos justos, nos quais Deus habita como em seu templo. Por isso, também aquele que ora há-de desejar ver morar em si Aquele a quem invoca» (44). «Os "céus" também poderiam muito bem ser aqueles que trazem em si a imagem do mundo celeste e em quem Deus mora e passeia» (45).


2795 O símbolo dos céus remete-nos para o mistério da Aliança que nós vivemos, quando rezamos ao Pai. Ele está nos céus: é a sua morada. A casa do Pai é, pois, a nossa «pátria». Foi da terra da Aliança que o pecado nos exilou (46), e é para o Pai, para o céu, que a conversão do coração nos faz voltar (47). Ora, foi em Cristo que o céu e a terra se reconciliaram (48), porque o Filho «desceu do céu», sozinho, e para lá nos faz subir juntamente consigo, pela sua cruz, ressurreição e ascensão (49).


2796 Quando a Igreja reza «Pai nosso que estais nos céus», professa que somos o povo de Deus já sentado nos céus em Cristo Jesus (50) escondidos com Cristo em Deus (51) e que, ao mesmo tempo, «gememos nesta tenda, ansiando por revestir-nos da nossa habitação celeste» (2Co 5,2) (52):

Os cristãos «estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Passam a vida na terra, mas são cidadãos do céu» (53).

44. Santo Agostinho, De sermone Domini in monte, 2, 5, 18: CCL 35, 108-109 (PL 34, 1277).
45. São Cirilo de Jerusalém, Catecheses mystagogicae, 5, 11: SC 126,160 (PG 33,1117).
46. Cf. Gn 3
47. Cf. Jr 3,19-4,1a; Lc 15,18 Lc 15,21,
48. Cf. Is 45,8 Ps 85,12
49. Cf. Jn 12,32 Jn 14,2-3 Jn 16,28 Jn 20,17 Ep 4,9-10 He 1,3 He 2,13,
50. Cf. Ep 2,6
51. Cf. Col 3,3
52. Cf. Ph 3,21 He 13,14,
53. Epístola a Diogneto, 5, 8-9: SC 33,62-64 (Funk 1,398)

Resumindo:


2797 A confiança simples e fiel, a segurança humilde e alegre são as disposições que convêm a quem reza o Pai-Nosso.


2798 Podemos invocar Deus como «Pai», porque no-Lo revelou o Filho de Deus feito homem, em quem, pelo Baptismo, somos incorporados e adoptados como filhos de Deus.


2799 A oração do Senhor põe-nos em comunhão com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo. E, ao mesmo tempo, revela-nos a nós mesmos (54).

54. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes
GS 22, AAS 58 (1966) 1042.

2800 Rezar ao nosso Pai deve fazer crescer em nós a vontade de nos parecermos com Ele e criar em nós um coração humilde e confiante.


2801 Ao dizermos Pai «nosso», invocamos a Nova Aliança em Jesus Cristo, a comunhão com a Santíssima Trindade e a caridade divina que, através da Igreja, se estende às dimensões do mundo.


2802 A expressão «que estais nos céus» não designa um lugar, mas sim a majestade de Deus e a sua presença no coração dos justos. O céu, a Casa do Pai, constitui a verdadeira pátria, para onde caminhamos e à qual desde já pertencemos.

ARTIGO 3


AS SETE PETIÇÕES



2803 Depois de nos termos posto na presença de Deus nosso Pai para O adorarmos, amarmos e bendizermos, o Espírito filial faz brotar dos nossos corações sete petições, que são sete bênçãos. As três primeiras, mais teologais, atraem-nos para a glória do Pai; as quatro últimas, como caminhos para Ele, expõem a nossa miséria à sua graça. «Abismo atrai abismo» (Ps 42,8).


2804 O primeiro conjunto leva-nos até Ele, para Ele: o vosso nome, o vosso Reino, a vossa vontade! É próprio do amor pensar, em primeiro lugar, n' Aquele que amamos. Em cada um dos três pedidos, nós não «nos» nomeamos, mas o que nos move é o «desejo ardente», é mesmo «a ânsia» do Filho bem-amado pela glória de seu Pai (55): «Santificado seja [...]. Venha [...]. Seja feita...». Estas três súplicas já foram atendidas no sacrifício de Cristo salvador, mas agora estão orientadas, na esperança, para o seu cumprimento final, enquanto Deus ainda não é tudo em todos (56).

55. Cf.
Lc 22,15 Lc 12,50,
56. Cf. 1Co 15,28,

2805 O segundo conjunto de petições segue a dinâmica de certas epicleses eucarísticas: é oferenda das nossas expectativas e atrai o olhar do Pai das misericórdias. Parte de nós e diz-nos respeito já agora, neste mundo: «Dai-nos [...], perdoai-nos [...], não nos deixeis [...], livrai-nos...». A quarta e quinta petições dizem respeito à nossa vida, como tal, quer para a alimentar, quer para a curar do pecado. As duas últimas dizem respeito ao nosso combate pela vitória da vida, que é o próprio combate da oração.


2806 Pelas três primeiras petições, somos confirmados na fé, repletos de esperança e abrasados pela caridade. Criaturas e, para além disso, pecadores, devemos pedir por nós – um «nós» à medida do mundo e da história – que entregamos ao amor sem medida do nosso Deus. Pois é pelo nome do seu Cristo e pelo Reino do seu Espírito Santo que o nosso Pai realiza o seu desígnio de salvação para nós e para todo o mundo.

I. «Santificado seja o vosso nome»


2807 A palavra «santificar» deve ser entendida, aqui, antes de mais, não no seu sentido causativo (só Deus santifica, torna santo), mas sobretudo num sentido estimativo: reconhecer como santo, tratar de um modo santo. É assim que, na adoração, esta invocação é por vezes entendida como louvor e acção de graças (57). Mas esta petição é-nos ensinada por Jesus na forma optativa: um pedido, um desejo, e expectativa na qual Deus e o homem estão empenhados. Desde a primeira petição ao nosso Pai, mergulhamos no mistério íntimo da sua divindade e no drama da salvação da nossa humanidade. Pedir-Lhe que o seu nome seja santificado é envolvermo-nos «no desígnio benevolente que Ele de antemão formou a nosso respeito» (Ep 1,9), para que «sejamos santos e imaculados diante d'Ele, no amor» (Ep 1,4).


2808 Nos momentos decisivos da sua economia, Deus revela o seu nome; mas revela-o realizando a sua obra. Ora esta obra só se realiza, para nós e em nós, se o seu nome for santificado por nós e em nós.


2809 A santidade de Deus é o foco inacessível do seu mistério eterno. Ao que dela se manifestou na criação e na história, a Escritura chama Glória, a irradiação da sua majestade (58). Ao fazer o homem «à sua imagem e semelhança» (Gn 1,26), Deus «coroa-o de glória» (59), mas, ao pecar, o homem é «privado da glória de Deus» (60). Desde então, Deus vai manifestar a sua santidade revelando e dando o seu nome, para restaurar o homem «à imagem do seu Criador» (Col 3,10).


2810 Na promessa feita a Abraão e no juramento que a acompanha (61), Deus compromete-Se a Si mesmo, mas sem revelar o seu nome. É a Moisés que começa a revelá-Lo (62), e manifesta-O aos olhos de todo o povo salvando-o dos Egípcios: «revestiu-Se de glória» (Ex 15,1). A partir da Aliança do Sinai, este povo é «seu» e deve ser uma «nação santa» (ou consagrada; em hebreu é a mesma palavra) (63), porque o nome de Deus habita nela.


2811 Ora, apesar da Lei santa que o Deus santo lhe deu e tornou a dar (64), e muito embora o Senhor, «por respeito pelo seu nome», usasse de paciência, o povo desviou-se do Santo de Israel e «profanou o seu nome entre as nações» (65). Por isso, os justos da Antiga Aliança, os pobres retornados do exílio e os profetas arderam de paixão pelo Nome.


2812 Finalmente, é em Jesus que o nome do Deus santo nos é revelado e dado, na carne, como salvador (66): revelado pelo que Ele é, pela sua Palavra e pelo seu sacrifício (67). É o coração da sua oração sacerdotal: «Pai santo, [...] por eles Eu me consagro para que também eles sejam consagrados na verdade» (Jn 17,19). Porque Ele próprio «santifica» o seu nome (68), é que Jesus nos «manifesta» o nome do Pai (69). No termo da sua Páscoa é que o Pai Lhe dá então o nome que está acima de todo o nome: Jesus é Senhor para glória de Deus Pai (70).


2813 Na água do Baptismo, nós fomos «purificados, santificados, justificados pelo nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus» (1Co 6,11). Em toda a nossa vida, o nosso Pai chama-nos «à santidade» (1Th 4,7) e, uma vez que é por Ele que nós estamos em Cristo Jesus, «o qual Se tornou para nós [...] santidade» (1Co 1,30), interessa à sua glória e à nossa vida que o seu nome seja santificado em nós e por nós. Tal é a urgência da nossa primeira petição.

«Por quem poderia Deus ser santificado se é Ele próprio quem santifica? Mas porque Ele mesmo disse: "sede santos, porque Eu sou santo" (Lv 14,44), nós que fomos santificados no Baptismo, pedimos e rogamos para perseverar no que começámos a ser. E isso nós o pedimos todos os dias. Precisamos de uma santificação quotidiana para que, incorrendo em faltas todos os dias, todos os dias sejamos delas purificados por uma santificação assídua [...] Portanto, oramos para que esta santificação permaneça em nós» (71).


2814 Depende inseparavelmente da nossa vida e da nossa oração que o seu nome seja santificado entre as nações:

«Pedimos a Deus que o seu nome seja santificado, porque é pela santidade que Ele salva e santifica toda a criação. [...] Este é o nome que dá a salvação ao mundo perdido. Mas nós pedimos que este nome de Deus seja santificado em nós pela nossa actuação. Porque se nós agirmos bem, o nome de Deus é bendito; mas é blasfemado se agirmos mal. Escuta o que diz o Apóstolo: "O nome de Deus é blasfemado entre as nações, por causa de vós" (
Rm 2,24) 72. Nós, portanto, pedimos para merecermos ter nos nossos costumes tanta santidade, quanto é santo o nome de Deus» (73).

«Quando dizemos: "Santificado seja o vosso nome", pedimos que ele seja santificado em nós que estamos n'Ele, mas também nos outros, por quem a graça de Deus ainda está à espera, para nos conformarmos com o preceito que nos obriga a orar por todos, mesmo pelos nossos inimigos. É por isso que nós não dizemos expressamente: santificado seja o vosso nome "em nós", porque pedimos que o seja em todos os homens» (74).


2815 Esta petição, que as inclui todas, é atendida pela oração de Cristo, como as restantes seis petições que se seguem. A oração que fazemos ao nosso Pai é nossa, se for rezada «em nome» de Jesus (75). Na sua oração sacerdotal, Jesus pede: «Pai santo, guarda em teu nome aqueles que Me deste» (Jn 17,11).

57. Cf. Ps 111,9 Lc 1,49,
58. Ps 8 Is 6,3,
59. Cf. Ps 8,6
60. Cf. Rm 3,23
61. Cf. He 6,13
62. Cf. Ex 3,14
63. Cf. Ex 19,5-6
64. Cf. Lv 19,2, «Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo».
65. Cf. Ez 20 Ez 36
66. Cf. Mt 1,21 Lc 1,31,
67. Cf. Jn 8,28 Jn 17,8 Jn 17,17-19
68. Cf. Ez 20,39 Ez 36,20-21,
69. Cf. Jn 17,6
70. Cf. Ph 2,9-11
71. São Cipriano de Cartago, De dominica oratione, 12: CCL 3A, 96-97 (PL 4, 544).
72. Cf. Ez 36,20-22
73. São Pedro Crisólogo, Sermão 71, 4: CCL 24A, 425 (PL 52, 402).
74. Tertuliano, De oratione, 3, 4: CCL 1, 259 (PL 1, 1259).
75. Cf. Jn 14,13 Jn 15,16 Jn 16,24 Jn 16,26


Catecismo Igreja Catól. 2752