Discursos Bento XVI 341

DECLARAÇÃO CONJUNTA DO PAPA E DO PATRIARCA BARTOLOMEU I

341
"Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e alegremo-nos nele!" (
Ps 117,24).

O encontro fraterno realizado por nós, Bento XVI, Papa de Roma, e Bartolomeu I, Patriarca Ecuménico, é obra de Deus e além disso um dom que provém d'Ele. Demos graças ao Autor de todo o bem, que nos permite ainda uma vez, na oração e no intercâmbio, expressar a nossa alegria de sentirmo-nos irmãos e de renovar o nosso compromisso em vista da plena comunhão. Este compromisso provém-nos da vontade do nosso Senhor e da nossa responsabilidade de Pastores na Igreja de Cristo. Possa o nosso encontro ser um sinal e um encorajamento para nós, a compartilharmos os mesmos sentimentos e as mesmas atitudes de fraternidade, de colaboração e de comunhão na caridade e na verdade. O Espírito Santo ajudar-nos-á a preparar o grande dia do restabelecimento da plena unidade, quando e como Deus o quiser. Então, poderemos alegrar-nos e exultar verdadeiramente.

1. Evocámos com gratidão os encontros dos nossos venerados predecessores, abençoados pelo Senhor: eles mostraram ao mundo a urgência da unidade e traçaram caminhos seguros para a alcançar no diálogo, na oração e na vida eclesial quotidiana. O Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras I, peregrinos em Jerusalém, ao mesmo lugar onde Jesus morreu e ressuscitou para a salvação do mundo, encontraram-se depois novamente aqui no Fanar e em Roma. Eles deixaram-nos uma declaração conjunta que conserva todo o seu valor, sublinhando que o verdadeiro diálogo da caridade deve sustentar e inspirar todos os relacionamentos entre as pessoas e entre as próprias Igrejas, "deve ser enraizado numa total fidelidade ao único Senhor Jesus Cristo e no respeito mútuo das próprias tradições" (Tomos Agapis, 195). Não esquecemos o intercâmbio de visitas entre Sua Santidade o Papa João Paulo II e Sua Santidade Dimitrios I. Foi precisamente durante a visita do Papa João Paulo II, a sua primeira visita ecuménica, que foi anunciada a criação da Comissão mista para o diálogo teológico entre a Igreja católica romana e a Igreja ortodoxa. Ela reuniu as nossas Igrejas com a declarada finalidade de restabelecer a plena comunhão.

No que diz respeito às relações entre a Igreja de Roma e a Igreja de Constantinopla, não podemos esquecer o solene acto eclesial que relegou ao esquecimento as antigas excomunhões que, ao longo dos séculos, influenciaram negativamente as relações entre as nossas Igrejas. Ainda não tiramos deste acto todas as consequências positivas que disto podem derivar para o nosso caminho rumo à plena unidade, para o qual a Comissão mista é chamada a dar uma importante contribuição. Exortamos os nossos irmãos a participarem activamente neste processo, com a oração e com gestos significativos.

2. Por ocasião da sessão plenária da Comissão mista para o diálogo teológico que se realizou recentemente em Belgrado e hospedada generosamente pela Igreja ortodoxa sérvia, expressámos a nossa profunda alegria pela retomada do diálogo teológico. Depois de uma interrupção de alguns anos, devido a várias dificuldades, a Comissão pôde trabalhar de novo num espírito de amizade e de colaboração. Tratando o tema: "Conciliaridade e autoridade na Igreja" a nível local, regional e universal, ela empreendeu uma fase de estudo sobre as consequências eclesiológicas e canónicas da natureza sacramental da Igreja. Isto permitirá enfrentar algumas das principais questões ainda controvertidas. Como no passado, estamos decididos a sustentar incessantemente o trabalho confiado a esta Comissão, enquanto acompanhamos seus membros com as nossas orações.

3. Como Pastores, reflectimos antes de tudo sobre a missão de anunciar o Evangelho no mundo de hoje. Esta missão: "Ide, pois, ensinai todas as nações" (Mt 28,19), hoje é mais actual e necessária do que nunca, também em países tradicionalmente cristãos. Além disso, não podemos ignorar o crescimento da secularização, do relativismo e mesmo do niilismo, sobretudo no mundo ocidental. Tudo isto exige um renovado e vigoroso anúncio do Evangelho, adequado às culturas do nosso tempo. As nossas tradições representam para nós um património que deve ser continuamente compartilhado, proposto e actualizado. Por este motivo, devemos reforçar as colaborações e o nosso testemunho comum diante de todas as nações.

4. Analisámos positivamente o caminho rumo à formação da União Europeia. Os autores desta grande iniciativa não deixarão de levar em consideração todos os aspectos que se referem à pessoa humana e os seus direitos inalienáveis, sobretudo a liberdade religiosa, testemunha e garantia do respeito por todas as outras liberdades. Em cada iniciativa de unificação, as minorias devem ser protegidas, com as suas tradições culturais e as suas especificidades religiosas. Na Europa, embora permanecendo abertos às outras religiões e à sua contribuição para a cultura, nós devemos unir os nossos esforços para preservar as raízes, as tradições e os valores cristãos, para assegurar o respeito pela história, como também a fim de contribuir para a cultura da futura Europa, para a qualidade dos relacionamentos humanos a todos os níveis. Neste contexto, como deixar de citar as antiquíssimas testemunhas e o ilustre património cristão da terra onde tem lugar o nosso encontro, a começar por aquilo que nos diz o livro dos Actos dos Apóstolos, evocando a figura de São Paulo, Apóstolo das Nações. Nesta terra, a mensagem do Evangelho e a antiga tradição cultural consolidaram-se. Este vínculo, que tanto contribuiu para a herança cristã que é comum a nós, permanece actual e ainda no futuro dará frutos para a evangelização e para a nossa unidade.

5. Dirigimos o nosso olhar para os lugares do mundo de hoje onde vivem os cristãos e para as dificuldades que eles devem enfrentar, em particular a pobreza, as guerras e o terrorismo, mas também as diversas formas de exploração dos pobres, dos emigrados, das mulheres e das crianças. Nós somos chamados a empreender em conjunto acções a favor do respeito pelos direitos do homem, de cada ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, assim como pelo desenvolvimento económico, social e cultural. As nossas tradições teológicas e éticas podem oferecer uma base sólida para a pregação e a acção comuns. Antes de tudo, queremos afirmar que a morte de pessoas inocentes em nome de Deus é uma ofensa a Ele e à dignidade humana. Todos nós devemos comprometer-nos num renovado serviço ao homem e à defesa da vida humana, de cada vida humana.

Temos profundamente a peito a paz no Médio Oriente, onde nosso Senhor viveu, sofreu, morreu e ressuscitou e onde, há muitos séculos, vive uma multidão de irmãos cristãos. Desejamos ardentemente que a paz seja restabelecida nesta terra, que se revigore a coexistência cordial entre as suas diversas populações, entre as Igrejas e as várias religiões que aqui se encontram. Com esta finalidade, encorajamos a estabelecer relações mais estreitas entre os cristãos e um diálogo inter-religioso autêntico e leal, para combater todas as formas de violência e de discriminação.

6. Na época actual, diante dos grandes perigos para o ambiente natural, queremos expressar a nossa preocupação pelas consequências negativas que possam derivar para a humanidade e para toda a criação, de um progresso económico e tecnológico que não reconhece os seus próprios limites. Como líderes religiosos, consideramos um dos nossos deveres encorajar e sustentar os esforços envidados para proteger a criação de Deus e para deixar às gerações vindouras uma terra na qual possam viver.

7. Enfim, dirigimos o nosso pensamento a todos vós, fiéis das nossas Igrejas presentes em todas as partes do mundo, bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas, homens e mulheres leigos comprometidos num serviço eclesial, bem como a todos os baptizados. Saudamos em Cristo os outros cristãos, assegurando-lhes a nossa oração e a nossa disponibilidade ao diálogo e à colaboração. Saudamos todos com as palavras do Apóstolo das Nações: "Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo" (2Co 1,2).

Fanar, 30 de Novembro de 2006.


BENTO XVI BARTOLOMEU I



ENCONTRO DE ORAÇÃO COM O PATRIARCA ARMÉNIO, SUA BEATITUDE MESROB II MUTAFIAN Istambul, 30 de Novembro de 2006

30146

Caríssimo Irmão em Cristo

Sinto-me feliz por ter esta oportunidade de me encontrar com Vossa Beatitude neste mesmo lugar onde o Patriarca Shnork Kalustian recebeu os meus predecessores, o Papa Paulo VI e o Papa João Paulo II. Com grande afecto saúdo toda a comunidade arménia apostólica à qual Vossa Santidade preside como pastor e pai espiritual. Faço a minha saudação fraterna extensiva também a Sua Santidade Karekin II, Patriarca Supremo e Catholicos de todos os Armenos, e à hierarquia da Igreja Arménia Apostólica. Dou graças a Deus pela fé e pelo testemunho cristão do povo arménio, transmitidos de uma geração a outra, muitas vezes em circunstâncias verdadeiramente trágicas como as que foram vividas durante o século passado.

O nosso encontro é muito mais que um simples gesto de gentileza ecuménica e de amizade. É um sinal da nossa esperança partilhada nas promessas de Deus e do nosso desejo de ver cumprida a oração que Jesus elevou pelos seus discípulos na vigília da sua paixão e morte: "Para que todos sejam um só. Como Tu, Pai, está em Mim e eu em ti; para que assim eles estejam em Nós e o mundo creia que Tu me enviaste" (
Jn 17,21). Jesus deu a própria vida na cruz para reunir na unidade os filhos de Deus dispersos, para abater os muros de divisão. Mediante o sacramento do Baptismo, fomos incorporados no Corpo de Cristo, a Igreja. As trágicas divisões que, ao longo do tempo, surgiram entre os seguidores de Cristo contradizem abertamente a vontade do Senhor, são escândalo para o mundo e prejudicam a santíssima causa da pregação do Evangelho a todas as criaturas (cf. Unitatis redintegratio UR 1).

Precisamente mediante o testemunho da própria fé e do próprio amor, os cristãos estão chamados a oferecer um sinal radiante de esperança e de conforto a este mundo, tão marcado por conflitos e por tensões. Por isso, devemos continuar a fazer o possível para curar as feridas da separação e apressar a obra de reconstrução da unidade dos cristãos. Faço votos para que sejamos guiados, nesta tarefa urgente, pela luz e pela força do Espírito Santo.

A este propósito, posso unicamente elevar um sentido obrigado ao Senhor pela relação fraterna, cada vez mais profunda, que se desenvolveu entre a Igreja Apostólica Arménia e a Igreja Católica.

No século XIII Nerses de Lambron, um dos grandes Doutores da Igreja Arménia, escreveu as seguintes palavras de encorajamento: "Agora, que todos precisamos da paz com Deus, façamos com que a harmonia entre irmãos seja o seu fundamento. Rezámos a Deus pela paz e continuamos a fazê-lo. Eis que ele no-la oferece como um dom: acolhamo-la! Pedimos ao Senhor para que fortaleça a sua santa Igreja, e ele ouviu positivamente a nossa invocação. Portanto, subamos à montanha da fé do Evangelho" (Discurso Sinodal).

Estas palavras de Nerses nada perderam do seu poder. Continuemos a rezar juntos pela unidade de todos os cristãos, de forma que, recebendo do alto este dom, com os corações disponíveis, possamos ser testemunhas cada vez mais convincentes da verdade do Evangelho e melhores servidores da missão da Igreja.



PALAVRAS DE AGRADECIMENTO NO FINAL DA SANTA MISSA Catedral do Espírito Santo, Istambul Sexta-feira, 1 de Dezembro de 2006

11206

Por fim, gostaria de agradecer a toda a população de Istambul e das outras cidades da Turquia pelo acolhimento cordial que me dedicaram em toda a parte. O meu agradecimento é ainda mais sentido e profundo, porque sei que a minha presença nestes dias causou não poucos transtornos ao andamento da vida quotidiana da população. Um profundo obrigado também pela compreensão e pela paciência demonstrada.



SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA

8126
Praça de Espanha

Sexta-feira, 8 de Dezembro de 2006


Ó Maria, Virgem Imaculada! Também este ano, nos encontramos com amor filial aos pés desta tua imagem para te renovar a homenagem da comunidade cristã e da cidade de Roma. Aqui detemo-nos em oração, seguindo a tradição inaugurada pelos Papas precedentes, no dia solene em que a liturgia celebra a tua Imaculada Conceição, mistério que é fonte de alegria e de esperança para todos os remidos. Saudamos-te e invocamos-te com as palavras do Anjo: "cheia de graça" (
Lc 1,28), o nome mais bonito, com o qual o próprio Deus te chamou desde a eternidade.

"Cheia de graça" és tu, Maria, repleta do amor divino desde o primeiro momento da tua existência, providencialmente predestinada para ser a Mãe do Redentor, e intimamente associada a Ele no mistério da salvação. Na tua Imaculada Conceição resplandece a vocação dos discípulos de Cristo, chamados a tornar-se, com a sua graça, santos e imaculados no amor (cf. Ef Ep 1,14). Em ti brilha a dignidade de cada ser humano, que é sempre precioso aos olhos do Criador. Quem para ti dirige o olhar, ó Mãe Toda Santa, não perde a serenidade, por muito difíceis que sejam as provas da vida. Mesmo se é triste a experiência do pecado, que deturpa a dignidade dos filhos de Deus, quem a ti recorre redescobre a beleza da verdade e do amor, e reencontra o caminho que conduz à casa do Pai.

"Cheia de graça" és tu, Maria, que aceitando com o teu "sim" os projectos do Criador, nos abristes o caminho da salvação. Na tua escola, ensina-nos a pronunciar também nós o nosso "sim" à vontade do Senhor. Um "sim" que se une ao teu "sim" sem reservas e sem sombras, do qual o Pai celeste quis precisar para gerar o Homem novo, Cristo, único Salvador do mundo e da história.

Dá-nos a coragem de dizer "não" aos enganos do poder, do dinheiro, do prazer; aos lucros desonestos, à corrupção e à hipocrisia, ao egoísmo e à violência. "Não" ao Maligno, príncipe enganador deste mundo. "Sim" a Cristo, que destrói o poder do mal com a omnipotência do amor.

Nós sabemos que só corações convertidos ao Amor, que é Deus, podem construir um futuro para todos.

"Cheia de graça" és tu, Maria! O teu nome é para todas as gerações penhor de esperança certa. Sim! Porque, como escreve o sumo poeta Dante, para nós mortais, Tu "és fonte viva de esperança" (Par., XXXIII, 12). A esta fonte, à nascente do teu Coração imaculado, voltamos mais uma vez peregrinos confiantes para haurir fé e conforto, alegria e amor, segurança e paz
Virgem "cheia de graça", mostra-te terna e solícita aos habitantes desta tua cidade, para que o autêntico espírito evangélico anime e oriente os seus comportamentos; mostra-te Mãe e vigilante guarda da Itália e da Europa, para que das antigas raízes cristãs os povos saibam tirar nova linfa para construir o seu presente e o seu futuro; mostra-te Mãe providente e misericordiosa do mundo inteiro, para que, no respeito da dignidade humana e no repúdio de qualquer forma de violência e de exploração, sejam lançadas as bases firmes para a civilização do amor. Mostra-te Mãe especialmente de quantos têm mais necessidade: os indefesos, os marginalizados e os excluídos, as vítimas de uma sociedade que com muita frequência sacrifica o homem a outras finalidades e interesses.

Mostra-te Mãe de todos, ó Maria, e dá-nos Cristo, a esperança do mundo! "Monstra Te esse Matrem", ó Virgem Imaculada, cheia de Graça! Amém!



AOS PARTICIPANTES NO 56º CONGRESSO NACIONAL DE ESTUDO PROMOVIDO PELA UNIÃO DOS JURISTAS CATÓLICOS ITALIANOS Sábado, 9 de Dezembro de 2006

9126
Amados irmãos e irmãs

Bem-vindos a este encontro que se realiza no contexto do vosso Congresso nacional de estudo dedicado ao tema: "A laicidade e as laicidades". Dirijo a minha cordial saudação a cada um de vós, a começar pelo Presidente da vossa benemérita Associação, o Prof. Francesco D'Agostino.

Sou-lhe grato também por se ter feito intérprete dos vossos sentimentos comuns e por me ter ilustrado brevemente as finalidades da vossa acção social e apostólica. O Congresso desenvolve o tema da laicidade, que é de grande interesse, porque põe em relevo como no mundo de hoje a laicidade é entendida de diversas maneiras: não há uma única laicidade, mas várias laicidades, ou melhor, existem múltiplas formas de compreender e de viver a laicidade, às vezes maneiras opostas e até contraditórias entre si. O facto de terdes dedicado estes dias ao estudo da laicidade e dos diferentes modos de a entender e realizar, levou-vos ao centro do debate em acto, um debate que se revela muito útil para os cultores do direito.

Para compreender o autêntico significado da laicidade e explicar as suas acepções hodiernas, é necessário ter em consideração o desenvolvimento histórico que este conceito teve. Tendo surgido como indicação da condição do simples fiel cristão, a laicidade não pertence nem ao clero, nem ao estado religioso e, durante a Idade Média, revestiu o significado de oposição entre os poderes civis e as hierarquias eclesiásticas, e nos tempos modernos assumiu o significado de exclusão da religião e dos seus símbolos da vida pública, mediante a sua relegação para o âmbito particular e para a consciência individual. Assim, aconteceu que ao termo "laicidade" foi atribuída uma acepção ideológica oposta à que tinha na sua origem.

Na realidade, hoje a laicidade é geralmente entendida como exclusão da religião dos vários contextos da sociedade e como sua relegação para o âmbito individual. A laicidade expressar-se-ia na total separação entre o Estado e a Igreja, não tendo esta última qualquer título para intervir a propósito de temáticas relativas à vida e ao comportamento dos cidadãos; a laicidade comportaria até mesmo a exclusão dos símbolos religiosos dos lugares públicos, destinados ao desenvolvimento das funções próprias da comunidade política: dos escritórios, escolas, tribunais, hospitais, prisões, etc. Com base nestes múltiplos modos de conceber a laicidade, hoje fala-se de pensamento laico, de moral laica, de ciência laica e de política laica. Com efeito, no fundamento de tal concepção há uma visão arreligiosa da vida, do pensamento e da moral: ou seja, uma visão em que não há lugar para Deus, para um Mistério que transcenda a razão pura, para uma lei moral de valor absoluto, em vigor em todos os tempos e em cada situação. Somente se nos dermos conta disto, poderemos medir o peso dos problemas subjacentes a um termo como laicidade, que parece ter-se tornado como que o emblema qualificador da pós-modernidade, de modo particular da democracia moderna.

Então, compete a todos os fiéis, de forma especial aos crentes em Cristo, contribuir para elaborar um conceito de laicidade que, por um lado, reconheça a Deus e à sua lei moral, a Cristo e à sua Igreja o lugar que lhes cabe na vida humana individual e social e, por outro, afirme e respeite a "legítima autonomia das realidades terrestres", significando com esta expressão como confirma o Concílio Vaticano II que "as coisas criadas e as próprias sociedades têm as suas próprias leis e valores, que o homem gradualmente deve descobrir, utilizar e organizar" (Gaudium et spes
GS 36).

Esta autonomia é uma "exigência... legítima: não só é reivindicada pelos homens do nosso tempo, mas corresponde à vontade do Criador. Com efeito, é pela virtude da própria criação que todas as coisas estão dotadas de consistência, verdade e bondade, de leis próprias e de uma ordem que o homem deve respeitar e reconhecer os métodos próprios de cada uma das ciências e técnicas" (Ibidem). Se, ao contrário, com a expressão "autonomia das realidades temporais" se quisesse dizer que "as coisas criadas não dependem de Deus, e que o homem pode usá-las de tal maneira que não as refira ao Criador", então a falsidade desta opinião não poderia passar despercebida a quem quer que acredite em Deus, nem à sua presença transcendente no mundo criado" (cf. ibid.).

Esta afirmação conciliar constitui a base doutrinal daquela "laicidade sadia" que implica a autonomia efectiva das realidades terrestres, certamente não da ordem moral, mas da esfera eclesiástica.

Portanto, a Igreja não pode indicar qual ordenamento político e social deve ser preferido, mas é o povo que tem o dever de decidir livremente os melhores e mais adequados modos de organizar a vida política. Cada intervenção directa da Igreja neste campo seria uma ingerência indevida. Por outro lado, a "laicidade sadia" exige que o Estado não considere a religião como um simples sentimento individual, que poderia ser confinado exclusivamente no âmbito particular. Pelo contrário, dado que é organizada também segundo estruturas visíveis como acontece na Igreja, a religião deve ser reconhecida como presença comunitária pública.

Além disso, ela comporta que a cada uma das Confissões religiosas (contanto que não estejam em oposição com a ordem moral e não representem um perigo para a ordem pública) seja garantido o livre exercício das actividades de culto espirituais, culturais, educativas e caritativas da comunidade dos fiéis. À luz destas considerações, certamente não é uma expressão de laicidade, mas sim a sua degeneração em laicismo, a hostilidade a todas as formas de relevância política e cultural da religião, em particular a cada símbolo religioso presente nas instituições públicas.

E também não é um sinal de laicidade sadia a rejeição, à comunidade cristã e àqueles que legitimamente a representam, do direito de se pronunciar a respeito dos problemas morais que hoje interpelam a consciência de todos os seres humanos, de maneira particular dos legisladores e dos juristas. Efectivamente, não se trata de uma ingerência indevida por parte da Igreja na actividade legislativa, própria e exclusiva do Estado, mas sim da afirmação e da defesa dos grandes valores que dão sentido à vida da pessoa e salvaguardam a sua dignidade. Antes de ser cristãos, estes valores são humanos e, por isso, não podem deixar indiferente e silenciosa a Igreja, que tem o dever de proclamar com firmeza a verdade sobre o homem e o seu destino.

Prezados juristas, nós vivemos num período histórico que exalta, em virtude dos progressos que a humanidade realizou em muitos campos do direito, da cultura, da comunicação, da ciência e da tecnologia. Porém, nesta nossa época há quem procure excluir Deus de todos os âmbitos da vida, apresentando-O como antagonista do homem. Compete a nós, cristãos, mostrar que Deus, ao contrário, é amor e deseja o bem e a felicidade de todos os homens. É nossa tarefa fazer compreender que a lei moral que Ele nos deu, e que se nos manifesta através da voz da consciência, tem a finalidade não de nos oprimir, mas de nos libertar do mal e de nos fazer felizes.

345 Trata-se de mostrar que sem Deus o homem está perdido, e que a exclusão da religião da vida social, de modo particular a marginalização do cristianismo, debilita os próprios fundamentos da convivência humana. Com efeito, antes de serem de ordem social e política, estes fundamentos são de ordem moral.

Estimados amigos, enquanto vos agradeço mais uma vez esta vossa visita hodierna, invoco a protecção maternal de Maria sobre todos vós e sobre a vossa Associação. Com tais sentimentos, concedo-vos a todos de coração uma especial Bênção Apostólica, que de bom grado faço extensiva às vossas famílias e às pessoas que vos são queridas.



AOS JOVENS DA «JUVENTUDE ARDENTE MARIANA» (GAM) REUNIDOS NA PARÓQUIA ROMANA DE SANTA MARIA ESTRELA DA EVANGELIZAÇÃO Domingo, 10 de Dezembro de 2006


Bom dia, queridos irmãos e irmãs

Obrigado pela vossa presença e pelo vosso carinho! Estou feliz por celebrar convosco este domingo. Infelizmente, faz um pouco de frio, mas o Senhor ajudar-nos-á neste momento em que, com grande alegria, queremos dedicar esta igreja, para que seja o centro espiritual e humano deste bairro.

Que o Senhor nos una a Si e assim nos conceda a unidade também entre nós. Saúdo cordialmente os responsáveis, os adolescentes, os jovens e as famílias da Juventude Ardente Mariana (GAM) de Roma, que esta noite realizaram uma vigília na Capela adjacente a esta sua sede diocesana, à espera do presente encontro de oração e de festa.

Caríssimos, exorto-vos a dar continuidade a esta vossa obra de formação para a missão, sempre fiéis àqueles que vós gostais de definir como os "três amores brancos": a Eucaristia, Maria Santíssima e o Sucessor do Apóstolo Pedro.

Abençoo-vos de bom grado, assim como as vossas intenções de evangelização e a vossa nova sede diocesana. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.




SAUDAÇÃO ÀS CRIANÇAS DA PARÓQUIA ROMANA DE SANTA MARIA ESTRELA DE EVANGELIZAÇÃO Domingo, 10 de Dezembro de 2006

10126
Queridos meninos, queridas meninas

Obrigado por estas boas-vindas! Dizem-me que esta será a sala "Bento XVI", portanto estamos em casa! Obrigado pela vossa presença! Dizem-me que estais a preparar-vos para a primeira Comunhão e para a Crisma, mas antes devemos ainda celebrar o Natal. O Natal é o dia em que Deus nos concedeu um grande dom, não algo de material, mas o seu dom foi o de doar-se a si mesmo. Ele deu-nos o seu Filho, e assim o Natal tornou-se a festa dos dons.

Queremos imitar Deus, não viver só para nós mesmos, não pensar apenas em nós, mas também no próximo, dar um presente ao outro, também aos pais, aos irmãos, as irmãs e assim por diante. E também aqui, o melhor dom é sermos bons para com os outros, manifestarmos bondade, justiça e amor. Este é o dom derradeiro. Os outros dons exprimem somente este significado esta vontade de sermos bons uns para com os outros. E oferecendo este verdadeiro dom, em que imitamos Deus, preparamo-nos também para a primeira Comunhão e para a Crisma. Porque na primeira Comunhão o Natal se torna, por assim dizer, perfeito.

No Natal, Deus entregou-se a si mesmo; na primeira Comunhão oferece este dom a cada um de nós individualmente, vem ao encontro de cada um de nós. Sob a aparência de um pequeno pedaço de pão, é Ele mesmo que se dá, quer entrar no nosso coração. Se em casa se espera um hóspede importante, faz-se de tudo para limpar, preparar e assim por diante, para que ele encontre a casa hospitaleira. Assim, consciente que o próprio Deus quer entrar em mim, no meu coração, façamos o possível para que este coração seja bom e bonito, e assim a alegria será maior.

E a Crisma repete num certo sentido este mesmo gesto de Deus. O Espírito Santo vem para ser nosso acompanhador em toda a nossa vida. Na vida existem muitas complicações, em que temos necessidade de ajuda: o Espírito Santo ajuda-nos, acompanha-nos e indica-nos o caminho.
Assim, neste sentido, caminhamos rumo ao Natal repletos de alegria, porque Deus existe, Deus me conhece, porque Deus quer conhecer-me e vir até mim no meu coração.

Desejo a todos vós um Feliz Natal agora e boas semanas de preparação para a primeira Comunhão. As minhas congratulações por esta bonita igreja, que vos ajudará a ter a alegria de Deus, a alegria de ser católicos, de ter fé. Parabéns!




POR OCASIÃO DA VISITA DE SUA BEATITUDE CHRISTODOULOS, ARCEBISPO DE ATENAS E DE TODA A GRÉCIA Quinta-feira, 14 de Dezembro de 2006

14126
"Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo" (
1Co 1,3).

Beatitude

Amados Irmãos em Cristo que acompanhais o venerável Arcebispo de Atenas e de toda a Grécia por ocasião do nosso encontro fraterno, a todos saúdo no Senhor.

Com profunda alegria, sinto-me feliz por vos receber com a mesma saudação que São Paulo dirigia "à Igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados a ser santos, com todos os que em qualquer lugar invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo" (1Co 1,2). Em nome do Senhor e com o afecto sincero e fraterno, dou-vos as boas-vindas até nós, na Igreja de Roma, e agradeço a Deus que nos concede viver este momento de graça e de alegria espiritual.

A vossa presença aqui reaviva a grande tradição cristã que nasceu e se desenvolveu na vossa amada Pátria. Através da leitura das Epístolas de Paulo e dos Actos dos Apóstolos, esta tradição recorda-nos quotidianamente as primeiras comunidades cristãs que se formaram em Corinto, em Tessalonica e em Filipos. Recordamo-nos também da presença e da pregação de São Paulo em Atenas, e da sua corajosa proclamação da fé ao Deus desconhecido e revelado em Jesus Cristo, e da mensagem da ressurreição, difícil de compreender pelos seus contemporâneos.

Na primeira epístola aos cristãos de Corinto, os primeiros que conheceram as dificuldades e as graves situações de divisão, podemos ver uma mensagem actual para todos os cristãos. De facto, um perigo real é representado pelo facto de haver quem pretenda identificar-se com um determinado grupo dizendo: Eu sou de Paulo, eu sou de Apolo, eu sou de Cefas. Foi então que Paulo fez a terrível pergunta: "Estará Cristo dividido?" (1Co 1,13).

A Grécia e Roma intensificaram as suas relações desde o alvorecer do cristianismo e prosseguem os seus relacionamentos, que deram vida às diferentes formas de comunidades e de tradições cristãs nas regiões do mundo que hoje correspondem à Europa do Leste e à Europa do Oeste.

Estas intensas relações contribuíram igualmente para criar uma espécie de osmose na formação das instituições eclesiais. Esta osmose na salvaguarda das particularidades disciplinares, litúrgicas, teológicas e espirituais das duas tradições romana e grega tornou frutuosa a acção evangelizadora da Igreja e a inculturação da fé cristã.

Hoje, as nossas relações recomeçam lentamente mas em profundidade e com a preocupação pela autenticidade. Elas constituem para nós a ocasião de descobrir uma nova gama de expressões espirituais ricas de significado e de compromisso recíproco. Por isto damos graças a Deus.

A memorável visita do meu venerado predecessor, o Papa João Paulo II, a Atenas, no âmbito da sua peregrinação seguindo os passos de São Paulo, em 2001, permanece um ponto determinante na intensificação progressiva dos nossos contactos e da nossa colaboração. Durante esta peregrinação, o Papa João Paulo II foi acolhido com honra e respeito por Vossa Beatitude e pelo Santo Sínodo da Igreja Grega, e nós recordamos em particular o comovedor encontro no Areópago onde São Paulo pregou. Intercâmbios de delegações de sacerdotes e de estudantes tiveram sucessivamente lugar.

De igual modo, não desejo nem posso esquecer a colaboração frutuosa que se estabeleceu entre a Apostolikì Diakonia e a Biblioteca Apostólica Vaticana.

Iniciativas como esta contribuem para um conhecimento concreto e não duvido de que elas desempenharão a sua parte na promoção de novas relações entre a Igreja da Grécia e a Igreja de Roma.

Se voltarmos o nosso olhar para o futuro, Beatitude, temos diante de nós um vasto campo no qual poderá crescer a nossa colaboração cultural e pastoral.

Os diferentes Países da Europa trabalham para a criação de uma nova Europa, que não pode ser exclusivamente uma realidade económica. Católicos e ortodoxos estão chamados a oferecer a sua contribuição cultural e sobretudo espiritual. De facto, eles têm o dever de defender as raízes cristãs do Continente, que a forjaram ao longo dos séculos, e de permitir assim à tradição cristã que continue a manifestar-se e a fazer todos os esforços em favor da salvaguarda da dignidade da pessoa humana, do respeito das minorias, tendo a solicitude de evitar uma uniformização cultural que correria o risco de desencadear a perda de imensas riquezas da civilização; de igual modo, convém trabalhar para a salvaguarda dos direitos do homem, que incluem o princípio de liberdade individual, em particular da liberdade religiosa; estes direitos devem ser promovidos e defendidos na União Europeia e em cada país-membro.

De igual modo, é conveniente desenvolver uma colaboração entre cristãos em cada país da União Europeia, a fim de considerar os novos riscos que a fé cristã deve enfrentar, sobretudo a secularização crescente, o relativismo e o niilismo, que abrem o caminho a comportamentos e até a legislações que atentam contra a dignidade inalienável das pessoas e que põem em causa instituições tão fundamentais como o matrimónio. É urgente empreender acções pastorais comuns, que constituirão para os nossos contemporâneos um testemunho comum e nos disporão a dizer a razão da esperança que está em nós.

A sua presença aqui em Roma, Beatitude, é o sinal deste compromisso comum. Por seu lado, a Igreja Católica tem uma profunda vontade de empreender tudo o que será possível para a nossa aproximação, em vista de alcançar a plena comunhão entre católicos e ortodoxos, e, neste momento, em favor de uma colaboração pastoral a todos os níveis possíveis, para que o Evangelho seja anunciado e que o nome de Deus seja bendito.

Beatitude, renovo-vos os meus votos de boas-vindas, a Vossa Beatitude e aos amados irmãos que o acompanham na sua visita. Ao confiar-nos à intercessão da Théotokos, peço ao Senhor que vos cumule da abundância das Bênçãos celestes.




Discursos Bento XVI 341