Discursos Bento XVI 221

221 A qualificação Pro Pontifice realça, por sua vez, o vosso desejo de cultivar uma particular proximidade à missão pastoral do Bispo de Roma, empenhando-vos a concorrer, de acordo com as vossas forças, para apoiar os instrumentos concretos dos quais ele necessita para animar e encorajar a presença da Igreja no mundo inteiro. Iniciastes a vossa actividade num âmbito prevalecentemente italiano; agora vejo com alegria que a estais articulando progressivamente noutras áreas da Europa e da América. A natureza da Fundação vaticana habilita-vos e orienta-vos para estes grandes horizontes.

O Congresso de estudos sobre "Democracia, instituições e justiça social", promovido por vós, analisa problemas de grande actualidade. Às vezes, lamentamo-nos da lentidão com que uma autêntica democracia caminha e, contudo, ela permanece o instrumento histórico mais válido, se for usado bem, para dispor responsavelmente do próprio futuro de maneira digna do homem.

Justamente, caracterizastes dois pontos críticos no caminho para um ordenamento mais maduro da convivência humana. Em primeiro lugar, são necessárias instituições apropriadas, críveis, autorizadas, não finalizadas a uma mera administração do poder público, mas capaz de promover níveis articulados de participação popular, no respeito das tradições de cada nação e na constante preocupação de lhes manter a própria identidade. É urgente também um esforço tenaz, durável e compartilhado para a promoção da justiça social.

A democracia alcançará a sua plena actuação somente quando cada pessoa e cada povo tiver acesso aos bens primários (vida, alimentação, água, saúde, instrução, trabalho e certeza dos direitos), através de um ordenamento das relações internas e internacionais que garantam a cada um a possibilidade de participar nela. Por outro lado, não se poderá ter verdadeira justiça social se não numa óptica de genuína solidariedade, que empenhe sempre a viver e a agir uns pelos outros e nunca uns contra, ou prejudicando, os outros. O modo para tornar concreto tudo isto no actual contexto mundial é o grande desafio dos cristãos leigos.

Queridos amigos, por intermédio da Fundação Centesimus Annus concorreis com outras beneméritas Associações para fazer crescer o conhecimento da doutrina social, com a qual a Igreja, como escrevi na Encíclica Deus caritas est, deseja "contribuir para a purificação da razão e o despertar das forças morais, sem as quais não se constróem estruturas justas, nem estas permanecem operativas por muito tempo" (n. 29). Cada um de vós, enquanto fiel leigo, viva como próprio o "dever imediato de trabalhar por uma ordem justa na sociedade", pois "a caridade deve animar a existência inteira dos fiéis leigos e, consequentemente, também a sua actividade política vivida como "caridade social"" (Ibid.).

Portanto, que o encontro de hoje sirva para vos confirmar neste generoso compromisso. Voltando para as vossas responsabilidades quotidianas, senti-vos cada vez mais unidos no vínculo da comunhão católica e vivei com paixão os empenhos que assumistes. Agradeço-vos também a oferta que o vosso Presidente me entregou para o apoio às obras do meu ministério pastoral.

E, enquanto invoco sobre vós e as vossas famílias a materna protecção de Maria, abençoo-vos a todos de coração.




AO SENHOR FRANCISCO VÁZQUEZ VÁZQUEZ NOVO EMBAIXADOR DA ESPANHA JUNTO DA SANTA SÉ Sábado, 20 de Maio de 2006


1. É-me grato receber as Cartas que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da Espanha junto da Santa Sé, e agradeço-lhe cordialmente as palavras que se dignou dirigir-me, assim como as apreciadas saudações da parte de Sua Majestade o Rei Juan Carlos I, da Família Real, do seu Governo e da Nação espanhola. Peço-lhe que transmita os meus melhores desejos de prosperidade e de bem espiritual para eles e para todos os espanhóis, os quais tenho presentes nas minhas orações.

Tive a ocasião de visitar várias vezes o seu País, do qual conservo uma recordação muito agradável, tanto pela amabilidade das pessoas com as quais me encontrei, como pela abundância e alto valor das numerosas obras de arte e expressões culturais espalhadas pelo seu território. Trata-se de um património invejável, que denota uma brilhante história, profundamente imbuída de valores cristãos e enriquecida também pela vida de exímias testemunhas do Evangelho, dentro e fora das suas fronteiras. Este património inclui obras nas quais os seus criadores plasmaram os seus ideais e a sua fé. Se ele fosse ignorado ou escondido, perderia grande parte do seu atractivo e significado, mas continuariam a ser, por assim dizer, "pedras que falam".

2. As multisseculares relações diplomáticas entre a Espanha e a Santa Sé, como Vossa Excelência indicou, reflectem o vínculo constante do povo espanhol com a fé católica. A grande vitalidade que a Igreja teve e tem no seu País é como um convite especial a fortalecer as mencionadas relações e a fomentar a colaboração estreita entre ela e as instituições públicas, de maneira respeitosa e leal, partindo das respectivas competências e autonomia, com a finalidade de alcançar o bem integral das pessoas que, sendo cidadãos da sua pátria, são também em grande medida filhos predilectos da Igreja. Um caminho importante para esta cooperação está delineado pelos Acordos assinados entre o Estado Espanhol e a Santa Sé para garantir à Igreja Católica "o livre e público desempenho das actividades que lhe são próprias e em especial as de culto, jurisdição e magistério" (art. 1 do primeiro Acordo, 3 de Janeiro de 1979).

222 De facto, como Vossa Excelência sabe, a Igreja estimula os crentes a amar a justiça e a participar honestamente na vida pública ou profissional com sentido de respeito e solidariedade, para "promover orgânica e institucionalmente o bem comum" (Encíclica Deus caritas est ). Também está comprometida na promoção e defesa dos direitos humanos, devido à alta consideração que tem pela dignidade da pessoa na sua integridade, seja qual for o lugar ou a situação em que se encontrem. Emprega todo o seu compromisso, com os meios que lhe são próprios, para que nenhum desses direitos seja violado ou excluído, tanto da parte dos indivíduos como das instituições.

Por isso, a Igreja proclama sem reservas o direito primordial à vida, desde a sua concepção até ao seu ocaso natural, o direito a nascer, a formar e viver em família, sem que ela se veja substituída ou ofuscada por outras formas ou instituições diversas. Em relação a isto, o Encontro Mundial das Famílias, que terá lugar proximamente em território espanhol, em Valença, e que aguardo com esperança, dar-me-á a oportunidade de celebrar a beleza e a fecundidade da família fundada no matrimónio, a sua altíssima vocação e o seu imprescindível valor social.

3. A Igreja insiste também no direito inalienável das pessoas de professar sem impedimentos, tanto pública como privadamente, a própria fé religiosa, assim como o direito dos pais a que os seus filhos recebam uma educação em sintonia com os próprios valores e crenças, sem discriminação ou exclusão explícita ou implícita. A este propósito, é para mim motivo de satisfação verificar a grande procura de ensino da religião católica nas escolas públicas espanholas, o que significa que a população reconhece a importância dessa matéria para o crescimento e formação pessoal e cultural dos jovens. Esta importância para o desenvolvimento da personalidade do aluno é o princípio básico do Acordo entre o Estado espanhol e a Santa Sé sobre o ensino e assuntos culturais, no qual se estabelece que o ensino da religião católica será feito "em condições igualáveis às outras disciplinas fundamentais" (art. 2).

No âmbito da sua missão evangelizadora, a Igreja tem também como tarefa própria a acção caritativa, a atenção a qualquer necessitado que espera uma mão amiga, fraterna e abnegada que alivie a sua situação. Na Espanha de hoje, como na sua longa história, este aspecto manifesta-se particularmente fecundo pelas suas numerosas obras assistenciais, em todos os campos e com grande clarividência. E, considerando que este trabalho não se inspira em estratégias políticas ou ideológicas (cf. Encíclica Deus caritas est ), encontra no seu percurso pessoas e instituições de todas as procedências, sensíveis também ao dever de socorrer o desamparado, seja ele quem for. Baseando-se neste "dever de humanidade", a colaboração no campo da assistência e da ajuda humanitária conseguiu muitos benefícios, e é desejável que seja cada vez mais fomentado.

4. Senhor Embaixador, ao concluir este encontro, reitero-lhe os meus melhores votos para o desempenho da alta missão que lhe foi confiada, para que as relações entre a Espanha e a Santa Sé se fortaleçam e progridam, reflectindo o respeito e o afecto profundo de tantos espanhóis pelo Papa. Faço votos também por que a sua permanência em Roma seja fecunda de experiências humanas, culturais e cristãs, e que Vossa Excelência e a sua distinta família se sintam como na própria casa, sem contudo esquecer as formosas terras do extremo ocidente da Europa, de onde provém, e nas quais o Evangelho se arraigou muito cedo, cuja difusão depois, sob o patrocínio do apóstolo São Tiago, contribuiu para promover e manter vivas as raízes cristãs da Europa.

Peço-lhe que se faça intérprete dos meus sentimentos junto de Suas Majestades os Reis de Espanha e das Autoridades de tão nobre Nação, e invoco abundantes bênçãos do Altíssimo sobre Vossa Excelência, sobre os seus familiares e colaboradores dessa Representação diplomática.



AOS BISPOS DO CANADÁ-ATLÂNTICO POR OCASIÃO DA VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM" Sábado, 20 de Maio de 2006

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Queridos Irmãos Bispos

1. "Graça, misericórdia e paz vos sejam dadas da parte de Deus Pai e de nosso Senhor Jesus Cristo" (
1Tm 1,2). É com afecto fraterno que vos saúdo cordialmente, Bispos de New Brunswick, Newfoundland, Nova Scotia e Prince Edward Island. Agradeço ao Bispo D. Lahey os amáveis sentimentos expressos em vosso nome. É de bom grado que os retribuo assegurando as minhas orações tanto a vós como às pessoas que são confiadas ao vosso cuidado pastoral. A vossa visita ad limina Apostolorum é uma oportunidade para darmos graças a Deus pelo trabalho daqueles que têm pregado incansavelmente o Evangelho, de lés a lés no vosso país. Trata-se também de uma ocasião para fortalecerdes na fé, na esperança e na caridade os vossos vínculos de comunhão com o Bispo de Roma, e para confirmardes o vosso compromisso em vista de fazer com que o rosto de Cristo se torne cada vez mais visível no seio da Igreja e da sociedade, através de um vigoroso testemunho do Evangelho, que é o próprio Jesus Cristo.

2. O Canadá desfruta de uma orgulhosa herança, imbuída na sua rica diversidade social. Central para a alma cultural da nação é o dom incomensurável da fé em Cristo, que foi recebido e celebrado ao longo dos séculos com profunda alegria pelos povos da vossa terra. No entanto, como muitos países, hoje também o Canadá está a sofrer os efeitos invasivos do secularismo. A tentativa de promover uma visão da humanidade separada da ordem transcendente de Deus e indiferente à luz atraente de Cristo, afasta do alcance dos homens e mulheres comuns a experiência da esperança genuína. Um dos sintomas mais dramáticos desta mentalidade, claramente evidente na vossa região, é a forte diminuição da taxa de nascimentos. Este inquietador testemunho de insegurança e de medo, embora nem sempre seja um facto consciente, encontra-se em forte contraste com a experiência definitiva do amor autêntico que, por sua própria natureza, é caracterizado pela confiança, busca o bem da pessoa amada e tem em vista a eternidade (cf. Deus caritas est ).

Diante dos numerosos males sociais e ambiguidades morais que se seguem a uma ideologia secularista, os habitantes do Canadá esperam que vós sejais homens de esperança, de pregação e de ensinamento apaixonado do esplendor da verdade de Cristo, que dissipa as trevas e ilumina o caminho da renovação da vida eclesial e cívica, educando as consciências e ensinando a dignidade autêntica da pessoa e da sociedade humana. De maneira particular nos distritos que também sofrem as consequências dolorosas do declínio económico, tais como o desemprego e a emigração involuntária, a liderança eclesial produz muito fruto quando, na sua solicitude pelo bem comum, procura apoiar generosamente as autoridades civis na sua tarefa de fomentar a regeneração no seio da comunidade. A este propósito, observo com satisfação o bom êxito das celebrações aniversárias, comemoradas no ano passado na Arquidiocese de São João, assinaladas por um espírito de cooperação com diversas autoridades civis. Tais iniciativas manifestam o reconhecimento da necessidade da fortaleza espiritual no cerne da sociedade. Com efeito, "é impossível separar a resposta às necessidades materiais e sociais das pessoas, do cumprimento das profundas aspirações dos seus corações" (Mensagem pontifícia para a Quaresma de 2006).

3. Amados Irmãos, os vossos relatórios indicam claramente a seriedade com que vós estais a responder à necessidade de uma renovação pastoral. Bem sei que os desafios são enormes, com o envelhecimento do clero e as numerosas comunidades que vivem isoladas. No entanto, se a Igreja quiser saciar a sede que os homens e as mulheres têm da verdade e dos valores autênticos, sobre os quais quereriam fundamentar a sua vida, ela não pode poupar qualquer esforço em vista de promover iniciativas pastorais eficazes para fazer com que Jesus Cristo seja conhecido. Assim, é de grande importância que os programas de educação catequética e religiosa, que actualmente estais a promover, continuem a aprofundar a compreensão dos fiéis acerca do amor de nosso Senhor e da sua Igreja, despertando neles o zelo pelo testemunho cristão que encontra as suas raízes no sacramento do Baptismo. A este propósito, é necessário ter o particular cuidado de assegurar que o relacionamento intrínseco entre o Magistério da Igreja, a fé do indivíduo e o testemunho na vida pública seja conservado e promovido. Somente desta forma podemos ter a esperança de superar a separação debilitadora entre o Evangelho e a cultura (cf. Evangelii nuntiandi EN 20).

Os vossos catequistas desempenham um papel de notável importância. Eles têm abraçado com grande coragem o desejo apaixonado que ardia em São Paulo: "transmitir... sobretudo aquilo que também eu recebi" (1Co 15,3). O ensinamento da fé não pode ser reduzido a uma mera transmissão de "coisas" ou de palavras, nem sequer de um corpus de verdades abstractas. A Tradição da Igreja está viva! Ela representa a actualização permanente da presença concreta do Senhor Jesus no meio do seu povo, realizada pelo Espírito Santo e expressa no seio da Igreja em todas as gerações. Neste sentido, ela é como um rio vivo que nos une às origens, que estão sempre presentes e nos orientam para as portas da eternidade (cf. Alocução da Audiência geral, 26 de Abril de 2006). Através de vós, tomo conhecimento do requintado serviço dos catequistas nas vossas dioceses, enquanto os encorajo nos seus deveres e no seu privilégio de anunciar aos outros o extraordinário "sim" de Deus à humanidade (cf. 2Co 1,20). Além disso, exorto directa e especialmente os jovens adultos das vossas dioceses, a fim de que enfrentem o recompensador desafio da fé. O seu exemplo de testemunho cristão aos mais jovens há-de fortalecê-los na fé, transmitindo aos outros, ao mesmo tempo, a felicidade que brota do sentido da finalidade e do significado da vida, revelado pelo Senhor.

4. No vosso plano de renovação pastoral, estais a enfrentar a delicada tarefa de reorganização das paróquias e mesmo das dioceses. Isto jamais poderá realizar-se de maneira apropriada em conformidade com os simples modelos sociais de reestruturação. Sem Cristo, nada podemos fazer (cf. Jn 15,5). A oração arraiga-nos na verdade, recordando-nos incessantemente o primado de Cristo e, em união com Ele, também o primado da vida interior e da santidade. Deste modo, as paróquias são justamente consideradas sobretudo casas e escolas de comunhão. Por conseguinte, a reorganização das paróquias é essencialmente um exercício de renovação espiritual. Isto exige uma promoção pastoral da santidade, a fim de que os fiéis permaneçam atentos à vontade de Deus, de quem nós compartilhamos a vida autêntica, tornando-nos assim partícipes da natureza divina (cf. Dei Verbum DV 2). Tal santidade, ou tal comunhão íntima por meio de Cristo e do Espírito é afirmada, entre outras coisas, por uma verdadeira pedagogia da oração, por uma introdução na vida dos Santos e nas múltiplas formas de espiritualidade, que adornam e estimulam a vida da Igreja, por uma regular participação no Sacramento da Reconciliação e por uma catequese convicta do domingo como "dia da fé", "o dia ao qual não se pode renunciar", "o dia da esperança cristã" (cf. Dies Domini, 29-30 e 38).

Tenho a certeza de que uma redescoberta de Jesus Cristo, o Verbo que se fez carne, nosso Salvador, levará a uma nova descoberta da identidade pessoal, social e cultural dos fiéis. Longe de confundir a diversidade e a complementaridade dos carismas e das funções dos ministros ordenados e dos fiéis leigos, uma identidade católica revigorada há-de fazer renascer a paixão pela evangelização, que é própria da vocação de todos os fiéis e da natureza da Igreja (cf. Instrução O sacerdote, pastor e guia da comunidade paroquial, nn. 23-24).

5. No contexto da vocação universal à santidade (cf. 1Th 4,3) encontra-se a vocação especial para a qual Deus exorta todos os indivíduos. A este respeito, encorajo-vos a permanecer vigilantes no vosso dever de promover a cultura da vocação. Os vossos relatórios dão testemunho da admiração que tendes pelos vossos presbíteros, que trabalham com grande generosidade pela missão da Igreja e pelo bem daqueles que eles servem. Rezo a fim de que o vosso caminho quotidiano de conversão e de amor abnegado desperte nos vossos jovens o desejo de responder ao chamamento de Deus, a desempenharem o humilde ministério sacerdotal no seio da sua Igreja.

Além disso, quisestes sublinhar com razão a especial contribuição das religiosas e dos religiosos para a missão da Igreja. Este profundo apreço pela vida consagrada é justamente acompanhado pela vossa solicitude diante da diminuição do número de vocações religiosas no vosso país. É necessária uma renovada caridade para delinear a particular contribuição dos religiosos em benefício da vida da Igreja: a missão de tornar Cristo presente no meio da humanidade (cf. Instrução Recomeçar a partir de Cristo: um renovado compromisso da vida consagrada no terceiro milénio, n. 5). Esta clarividência dará lugar a um renovado kairos, enquanto os religiosos confirmarão com confiança a sua vocação e, sob a orientação do Espírito Santo, proporão de novo aos jovens o ideal de consagração e de missão. Confirmo uma vez mais aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas o testemunho vital que eles oferecem, quando se colocam incondicionalmente nas mãos de Cristo e da Igreja, como uma forte e clara proclamação da presença de Deus, de uma maneira que seja compreensível para os nossos contemporâneos (cf. Homilia de Bento XVI por ocasião do Dia Mundial da Vida Consagrada, 2 de Fevereiro de 2006).

6. Estimados Irmãos, é com carinho e gratidão fraterna que vos transmito estas reflexões e que vos asseguro as minhas preces, enquanto procurais apascentar o rebanho que vos é confiado. Unidos na proclamação da Boa Nova de Jesus Cristo, caminhai na esperança! Com estes sentimentos, confio-vos à salvaguarda de Maria, Mãe da Igreja, e à intercessão de São José, seu castíssimo esposo. Sobre vós e os sacerdotes, os diáconos, os religiosos, as religiosas e os fiéis leigos das vossas dioceses, concedo do íntimo do coração a minha Bênção Apostólica.



AOS SUPERIORES E ÀS SUPERIORAS-GERAIS DOS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E DAS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA Segunda-feira, 22 de Maio de 2006

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Senhor Cardeal
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Presbiterado
Amados Irmãos e Irmãs

É para mim uma grande alegria encontrar-me convosco, Superiores-Gerais e Superioras-Gerais, representantes e responsáveis pela Vida Consagrada. Dirijo a todos vós a minha cordial saudação. Em particular, saúdo com afecto fraterno o Senhor Cardeal Franc Rodé, a quem estou grato por se ter feito intérprete, juntamente com os demais representantes, dos vossos sentimentos corais. Saúdo o Secretário e os Colaboradores da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, agradecido pelo serviço que este Dicastério presta à Igreja, num âmbito tão importante como o da Vida Consagrada.

Neste momento, é com profunda gratidão que dirijo o meu pensamento a todos os religiosos e religiosas, aos consagrados e consagradas, bem como aos membros das Sociedades de Vida Apostólica que efundem na Igreja e no mundo o bonus odor Christi (cf.
2Co 2,15). A vós, Superioras e Superiores Maiores, peço que transmitais uma palavra de especial atenção a quantos se encontram em dificuldade, aos idosos e aos doentes, àqueles que estão a passar momentos de crise e de solidão, a quem sofre e se sente confuso e, contemporaneamente, inclusive aos jovens e às jovens, que também hoje batem à porta das vossas Casas e pedem para se entregarem a si mesmos a Jesus Cristo na radicalidade do Evangelho.

Desejo que este momento de encontro e de profunda comunhão com o Papa possa servir para cada um de vós como encorajamento e alívio no cumprimento de um compromisso sempre exigente e por vezes até contrastado. O serviço de autoridade exige uma presença constante, capaz de animar e de propor, de recordar a razão de ser da vida consagrada, de ajudar as pessoas a vós confiadas a corresponder com uma fidelidade sempre renovada ao chamamento do Espírito.

Esta vossa tarefa é muitas vezes acompanhada pela Cruz e às vezes também por uma solidão que exige um profundo sentido de responsabilidade, uma generosidade que não conhece confusões e um esquecimento constante de vós mesmos. Sois chamados a sustentar e a orientar os vossos irmãos e as vossas irmãs numa época não fácil, assinalada por múltiplas insídias.

Hoje, os consagrados e as consagradas têm a tarefa de ser testemunhas da presença transfiguradora de Deus num mundo cada vez mais desnorteado e confuso, um mundo em que os matizes têm substituído as cores bem definidas e caracterizadoras. Ser capaz de contemplar este nosso tempo com o olhar da fé significa ser capaz de olhar o homem, o mundo e a história à luz de Cristo crucificado e ressuscitado, a única Estrela capaz de orientar "o homem que avança por entre os condicionamentos da mentalidade imanentista e os reducionismos de uma lógica tecnocrática" (Encíclica Fides et ratio FR 15).

Ao longo dos últimos anos, a vida consagrada foi novamente compreendida com um espírito mais evangélico, mais eclesial e mais apostólico; no entanto, não podemos ignorar que algumas opções concretas não ofereceram ao mundo o rosto autêntico e vivificante de Cristo. Com efeito, a cultura secularizada penetrou na mente e no coração de não poucos consagrados, que a entendem como uma forma de acesso à modernidade e uma modalidade de abordagem do mundo contemporâneo.

A consequência é que, além de um indubitável impulso de generosidade, capaz de um testemunho e de uma entrega totais, hoje em dia a vida consagrada está a conhecer a ameaça da mediocridade, do aburguesamento e da mentalidade consumista. No Evangelho, Jesus advertiu-nos que existem dois caminhos: um é o caminho estreito, que conduz à vida; o outro é o caminho largo, que leva à perdição (cf. Mt 7,13-14). A verdadeira alternativa é, e será sempre, a aceitação do Deus vivo, através do serviço obediente pela fé, ou a sua rejeição.

Por conseguinte, uma condição anterior ao seguimento de Cristo é a renúncia, o desapego de tudo aquilo que não é Ele. O Senhor quer homens e mulheres livres, não vinculados, capazes de abandonar tudo para O seguir e encontrar somente nele o seu próprio tudo. Há necessidade de escolhas corajosas, a níveis pessoal e comunitário, que imprimam uma nova disciplina na vida das pessoas consagradas e que as levem a descobrir novamente a dimensão totalizadora da sequela Christi.

Pertencer ao Senhor significa arder com o seu amor incandescente, ser transformado pelo esplendor da sua beleza: a nossa pequenez é oferecida a Ele como sacrifício de perfume suave, a fim de que se torne um testemunho da grandeza da sua presença para o nosso tempo, que tanta necessidade tem de ser inebriado pela riqueza da sua graça. Pertencer ao Senhor: eis no que consiste a missão dos homens e das mulheres que escolheram o seguimento de Cristo casto, pobre e obediente, a fim de que o mundo creia e seja salvo.

Ser totalmente de Cristo, de maneira a tornar-se uma permanente profissão de fé, uma proclamação inequívoca da verdade que liberta, diante da sedução dos falsos ídolos, que obceca o mundo. Pertencer a Cristo significa conservar sempre ardente no coração uma chama viva de amor, alimentada incessantemente pela riqueza da fé, não apenas quando traz em si a alegria interior, mas também quando está vinculada às dificuldades, à aridez e ao sofrimento.

O alimento da vida interior é a oração, o colóquio íntimo da alma consagrada com o Esposo divino. Mas uma alimentação ainda mais consistente é a participação quotidiana no mistério inefável da Sagrada Eucaristia, em que o próprio Cristo se torna constantemente presente na realidade da sua carne.

Para pertencerem totalmente ao Senhor, as pessoas consagradas devem abraçar um estilo de vida casto. A virgindade consagrada não se pode inscrever no contexto da lógica deste mundo; trata-se do mais "irracional" de entre os paradoxos cristãos e nem a todos é dado compreendê-la e vivê-la (cf. Mt 19,11-12). Levar uma vida casta quer dizer também renunciar à necessidade de aparecer, significa assumir um estilo de vida sóbrio e modesto.

Os religiosos e as religiosas são chamados a demonstrá-lo também na escolha do seu hábito, um hábito simples que seja sinal da pobreza vivida em união com Aquele que, sendo rico, se fez pobre para nos enriquecer mediante a sua pobreza (cf. 2Co 8,9). Deste modo, e somente assim, é possível seguir incondicionalmente Cristo crucificado e pobre, mergulhando no seu mistério e tornando nossas as suas opções de humildade, de pobreza e de mansidão.

A última reunião plenária da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica teve como tema O serviço de autoridade. Caríssimos Superiores-Gerais e Superioras-Gerais, é uma ocasião para aprofundar a reflexão sobre um exercício da autoridade e da obediência, que seja cada vez mais inspirado no Evangelho.

O jugo de quem é chamado a assumir a delicada tarefa de Superior e de Superiora, a todos os níveis, será tanto mais suave, quanto mais as pessoas consagradas souberem descobrir de novo o valor da obediência professada, que tem como modelo a de Abraão, nosso pai na fé, e ainda mais a de Cristo. É necessário evitar o voluntarismo e o espontaneísmo, para então abraçar a lógica da Cruz.

Para concluir, os consagrados e as consagradas são chamados a permanecer no mundo como sinal credível e luminoso do Evangelho e dos seus paradoxos, sem se conformar com a mentalidade deste século, mas transformando-se e renovando continuamente o próprio compromisso, para poder discernir a vontade de Deus, o que é bom, o que é do seu agrado, o que é perfeito (cf. Rm 12,2).

São precisamente estes os meus bons votos, prezados irmãos e irmãs; bons votos sobre os quais invoco a intercessão maternal da Virgem Maria, modelo insuperável de toda a vida consagrada. Com estes sentimentos, concedo-vos carinhosamente a Bênção Apostólica, que de bom grado torno extensiva a quantos fazem parte das vossas numerosas Famílias espirituais.


VIAGEM APOSTÓLICA À POLÓNIA


NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS Aeroporto Internacional de Varsóvia/Okecie Quinta-feira, 25 de Maio de 2006

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Senhor Presidente
Ilustres Senhores e Senhoras
Senhores Cardeais e Irmãos no Episcopado
Queridos Irmãos e Irmãs em Cristo!

Estou feliz por poder estar hoje convosco na terra da República Polaca. Desejei muito esta visita ao país e ao povo do qual provinha o meu amado Predecessor, o servo de Deus João Paulo II.

Vim para seguir as suas pegadas deixadas ao longo do itinerário da sua vida, desde a infância até à partida para o memorável conclave de 1978. Sobre este caminho quero encontrar e conhecer melhor as gerações dos crentes que o ofereceram ao serviço de Deus e da Igreja, e os que nasceram e amadureceram para o Senhor sob a sua guia pastoral como Sacerdote, como Bispo e como Papa. O nosso caminho conjunto será acompanhado pelo lema: "Permanecei firmes na fé".

Recordo-o desde o início para confirmar que não se trata simplesmente de uma viagem sentimental, embora seja válida também sob este aspecto, mas de um itinerário de fé, inscrito na missão que me foi confiada pelo Senhor na pessoa de Pedro Apóstolo, que foi chamado a confirmar os irmãos na fé (cf.
Lc 22,32). Também eu quero haurir da fonte abundante da vossa fé, que jorra ininterruptamente há mais de um milénio.

Saúdo o Senhor Presidente e agradeço-lhe de coração as palavras que me dirigiu em nome das autoridades da República e da Nação. Saúdo os Senhores Cardeais, os Arcebispos e os Bispos. Dirijo também uma saudação ao Senhor Primeiro-Ministro e a todo o Governo, aos representantes do Parlamento e do Senado, aos membros do Corpo Diplomático com o Decano, ao Núncio Apostólico na Polónia. Alegra-me a presença das Autoridades regionais com o Presidente da Câmara Municipal de Varsóvia. Gostaria de saudar também os representantes da Igreja ortodoxa, da Igreja evangélica-ausbúrgica e das demais Igrejas e Comunidades eclesiais. Faço-o também em relação à comunidade judaica e aos seguidores do islão. Enfim, saúdo de coração toda a Igreja na Polónia: os sacerdotes, as pessoas consagradas, os alunos dos Seminários, todos os fiéis, e sobretudo os doentes, os jovens e as crianças. Peço-vos que me acompanheis com o pensamento e a oração, a fim de que esta viagem seja frutuosa para todos nós e nos leve ao aprofundamento e ao fortalecimento da nossa fé.

Eu disse que o percurso do meu caminho nesta viagem à Polónia está marcado pelos sinais da vida e do serviço pastoral de Karol Wojtyla e pelo itinerário que realizou como Papa peregrino na própria pátria. Por isso escolhi permanecer principalmente em duas cidades tão queridas a João Paulo II: a capital da Polónia, Varsóvia, e Cracóvia, a sua sede arquiepiscopal. Em Varsóvia encontrar-me-ei com os sacerdotes, com as diversas Igrejas e Comunidades eclesiais não católicas e com as Autoridades estatais. Espero que estes encontros dêem abundantes frutos para a nossa fé comum em Cristo e para as realidades sociais e políticas nas quais vivem os homens e as mulheres de hoje. Estão previstos uma breve visita a Czestochowa e um encontro com os representantes dos religiosos e religiosas, com os seminaristas e com os membros dos movimentos eclesiais. O olhar benévolo de Maria acompanhar-nos-á na nossa busca conjunta de um vínculo profundo e fiel com Cristo, seu Filho. E, finalmente, irei à Cracóvia, para dali poder ir a Wadowice, Kalwaria, Lagiewniki, à Catedral de Wawel. Bem sei que estes são os lugares mais amados por João Paulo II, porque estão ligados ao seu crescimento na fé e ao seu serviço pastoral. Não faltará um encontro com os doentes e os sofredores no lugar talvez mais apropriado para uma reunião com eles o Santuário da Divina Misericórdia em Lagiewniki. Nem poderei faltar quando os jovens se reunirem para a vigília de oração. Estarei com eles de bom grado e espero aproveitar do seu testemunho de fé jovem e vigorosa. No domingo, encontrar-nos-emos na esplanada de Blonia para celebrar a solene Santa Missa de acção de graças pelo pontificado do meu amado Predecessor e pela fé na qual sempre nos confirmou com a palavra e o exemplo da sua vida. Por fim, irei a Auschwitz, onde espero encontrar-me sobretudo com os sobreviventes das vítimas do terror nazista, provenientes de diversas nações, que sofreram a trágica opressão. Rezaremos todos juntos para que as chagas do século passado sarem sob a medicação que o bom Deus nos indica ao chamar-nos ao perdão recíproco e nos oferece no mistério da sua misericórdia.

"Permanecei firmes na fé" eis o lema desta viagem apostólica. Gostaria muito que estes dias trouxessem uma consolidação na fé para nós todos para os fiéis da Igreja que está na Polónia e para mim mesmo. Para aqueles que não têm a graça da fé, mas nutrem no coração a boa vontade, esta minha visita seja um tempo de fraternidade, de benevolência e de esperança. Estes eternos valores da humanidade constituem um fundamento sólido para criar um mundo melhor, no qual cada um possa encontrar a prosperidade material e a felicidade espiritual. São os meus votos a todo o povo polaco. Ao agradecer mais uma vez ao Senhor Presidente e ao Episcopado polaco pelo convite, abraço cordialmente todos os polacos e peço-lhes para me acompanhar com a oração neste caminho de fé.





Discursos Bento XVI 221