Discursos Bento XVI 25506

NO ENCONTRO COM OS SACERDOTES E RELIGIOSOS Catedral de Varsóvia Quinta-feira, 25 de Maio de 2006


"Antes de mais, dou graças ao meu Deus por todos vós, por meio de Jesus Cristo... É que eu anseio por vos ver, para vos comunicar algum dom espiritual e assim vos fortalecer, ou antes, para, estando convosco, ser reconfortado pela fé que nos é comum, a vós e a mim" (Rm 1,8-12). Com estas palavras do Apóstolo Paulo dirijo-me a vós, queridos sacerdotes, pois nelas encontro perfeitamente reflectidos os meus sentimentos e pensamentos, os desejos e as orações. Saúdo em especial o Cardeal Józef Glemp, Arcebispo de Varsóvia e Primaz da Polónia, a quem apresento as minhas mais cordiais felicitações pelo 50º aniversário de Ordenação sacerdotal, que ocorre precisamente hoje. Cheguei à Polónia, à dilecta Pátria do meu grande Predecessor João Paulo II, para haurir como ele mesmo costumava dizer deste clima de fé no qual viveis e para "vos comunicar algum dom espiritual e assim vos fortalecer". Estou certo de que a minha peregrinação nestes dias "reconfortará a fé que nos é comum, a vós e a mim".

227 Hoje encontro-me convosco na arquicatedral de Varsóvia, que em cada pedra recorda a história dolorosa da vossa capital e do vosso país. A quais provações fostes expostos em tempos não distantes! Lembremo-nos dos heróicos testemunhos da fé, que ofereceram a sua vida a Deus e aos homens, santos canonizados mas também homens comuns, que perseveraram na rectidão, na autenticidade e na bondade, sem nunca ceder ao desânimo. Nesta catedral recordo particularmente o Servo de Deus Card. Stefan Wyszynski, por vós chamado "o Primaz do Milénio" que, ao abandonar-se a Cristo e à sua Mãe, soube servir fielmente a Igreja mesmo no meio de provações dolorosas e prolongadas. Recordamos com reconhecimento e gratidão os que não se deixaram subjugar pelas forças das trevas, deles aprendemos a coragem da coerência e da constância na adesão ao Evangelho de Cristo.

Hoje encontro-me convosco, sacerdotes chamados por Cristo para O servir no novo milénio. Fostes escolhidos entre o povo, constituídos nas coisas que dizem respeito a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. Acreditai no poder do vosso sacerdócio! Em virtude do sacramento recebestes tudo o que sois. Quando pronunciais as palavras "eu" ou "meu" ("Eu te absolvo... Este é o meu Corpo..."), o fazeis não no vosso nome mas no nome de Cristo, "in persona Christi", que quer servir-se dos vossos lábios e das vossas mãos, do vosso espírito de sacrifício e do vosso talento. No momento da vossa Ordenação, mediante o sinal litúrgico da imposição das mãos, Cristo tomou-vos sob a sua especial protecção; vós encontrastes amparo nas suas mãos e no seu Coração. Imergi-vos no seu amor e doai-lhe o vosso amor! Quando as vossas mãos foram ungidas com o óleo, sinal do Espírito Santo, elas foram destinadas a servir ao Senhor como as suas mãos no mundo de hoje. Elas não podem servir mais o egoísmo, mas devem transmitir ao mundo o testemunho do seu amor.

A grandeza do sacerdócio de Cristo pode incutir temor. Podemos ser tentados a exclamar com Pedro: "Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador" (
Lc 5,8), pois sentimos dificuldade em acreditar que Cristo nos tenha chamado precisamente a nós. Não poderia ter escolhido alguém mais capaz, mais santo? Jesus, contudo, olhou com amor justamente para cada um de nós, e devemos confiar neste seu olhar. Não nos deixemos levar pela pressa, como se o tempo dedicado a Cristo em silenciosa oração fosse tempo perdido. Ao contrário, é precisamente aí que se escondem os frutos mais maravilhosos do serviço pastoral. Não é necessário desencorajar-se pelo facto de que a oração exige um esforço, nem pela impressão de que Jesus se cale. Ele age no silencio. Apraz-me lembrar, a este propósito, a experiência vivida em Colónia no ano passado. Lá fui testemunha de um profundo, inesquecível silencio de um milhão de jovens, no momento da adoração do Santíssimo Sacramento! Aquele silencio orante uniu-nos, doou-nos muito alívio. Num mundo em que há demasiado rumor, tanta perturbação, temos a necessidade da adoração silenciosa de Jesus escondido na Eucaristia. Sede assíduos na oração em adoração e ensinai-a aos fiéis. Nela eles encontrarão conforto e luz, sobretudo as pessoas provadas.

Dos sacerdotes os fiéis esperam somente uma coisa: que sejam especialistas na promoção do encontro do homem com Deus. Ao sacerdote não se pede para ser perito em economia, em construção ou em política. Dele espera-se que seja perito em vida espiritual. Para este fim, quando um jovem sacerdote dá os seus primeiros passos, é preciso que tenha como referencia um mestre experiente, que o ajude a não desanimar no meio de tantas propostas da cultura do momento. Diante das tentações do relativismo ou do permissivismo, não é de facto necessário que o sacerdote conheça todas as actuais, mutáveis correntes de pensamento; o que os fiéis esperam dele é que seja testemunha da eterna sabedoria, contida na palavra revelada. A solicitude pela qualidade da oração pessoal e por uma boa formação teológica traz frutos na vida. Viver sob a influência do totalitarismo pode ter gerado uma inconsciente tendência a esconder-se debaixo de uma máscara exterior, com a consequência do cedimento a uma forma qualquer de hipocrisia. É claro que isto não ajuda a autenticidade das relações fraternas e pode conduzir a uma exagerada concentração sobre si mesmos. Na realidade, crescemos na maturidade afectiva quando o nosso coração adere a Deus. Cristo precisa de sacerdotes que sejam maduros, vigorosos, capazes de cultivar uma verdadeira paternidade espiritual. Para que isto aconteça, servem a honestidade consigo mesmos, a abertura ao director espiritual e a confiança na divina misericórdia.

O Papa João Paulo II, por ocasião do Grande Jubileu, exortou mais de uma vez os cristãos a fazer penitencia das infidelidades passadas. Cremos que a Igreja é santa, não obstante nela haja homens pecadores. É preciso afastar o desejo de identificar-se somente com aqueles que são sem pecado. Como poderia a Igreja excluir das suas fileiras os pecadores? Pela sua salvação Jesus encarnou-se, morreu e ressuscitou. Portanto, é necessário aprender a viver com sinceridade a penitencia crista. Ao praticá-la, confessamos os nossos pecados individuais em união com os outros, diante deles e de Deus. Contudo, convém evitar a pretensão de apresentar-se com arrogância como juízes das gerações precedentes, vividas noutros tempos e em diferentes circunstâncias. É preciso a humilde sinceridade para não negar os pecados do passado, e todavia, não permitir fáceis acusas em ausência de provas reais ou ignorando as diversas pré-compreensões de então. Além disso, a confessio peccati, para usar uma expressão de Santo Agostinho, deve ser sempre acompanhada da confessio laudis da confissão ao louvor. Ao pedir perdão pelo mal cometido no passado devemos recordar também o bem realizado com a ajuda da graça divina que, embora depositada em vasos de argila, produziu com frequência frutos excelentes.

Hoje a Igreja na Polónia encontra-se diante de um grande desafio pastoral: cuidar dos fiéis que deixaram o país. A chaga do desemprego obriga inúmeras pessoas a partir para o estrangeiro. É um fenómeno difundido em vasta escala. Quando as famílias são separadas deste modo, quando se quebram os vínculos sociais, a Igreja não pode permanecer indiferente. É necessário que as pessoas que partem sejam acompanhadas por sacerdotes que, unindo-se com as Igrejas locais, assumam a obra pastoral no meio dos emigrantes. A Igreja que está na Polónia já deu numerosos sacerdotes e religiosas, que desempenham o seu serviço não só em favor dos Polacos fora dos confins do país, mas também, e às vezes em condições dificílimas, nas missões da África, da Ásia, da América Latina e noutras regiões. Não vos esqueçais, queridos sacerdotes, destes missionários. O dom de numerosas vocações, com as quais Deus abençoou a vossa Igreja, deve ser acolhido em perspectiva verdadeiramente católica. Sacerdotes polacos, não tenhais medo de deixar o vosso mundo seguro e conhecido para servir onde faltam os sacerdotes e onde a vossa generosidade pode produzir abundantes frutos.

Permanecei firmes na fé! Também a vós confio o lema desta minha peregrinação. Sede autênticos na vossa vida e no vosso ministério. Olhando para Cristo, vivei uma vida modesta, solidária com os fiéis aos quais sois enviados. Servi a todos; sede acessíveis nas paróquias e nos confessionários, acompanhai os novos movimentos e as associações, ajudai as famílias, não descuideis o relacionamento com os jovens, recordai-vos dos pobres e dos abandonados. Se viverdes de fé, o Espírito Santo sugerir-vos-á o que devereis dizer e como devereis servir. Podereis sempre contar com a ajuda d'Aquele que precede a Igreja na fé. Exorto-vos a invocá-lo sempre com as palavras a vós bem conhecidas: "Estamos próximos a Ti, recordamos-te, vigiamos".

A todos a minha Bênção!



AOS REPRESENTANTES DO CONSELHO ECUMÉNICO DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL POLACA E DE OUTRAS RELIGIÕES Varsóvia, 25 de Maio de 2006

Igreja Luterana da Santíssima Trindade



Queridos irmãos e irmãs em Cristo!

228 "Graça e paz da parte daquele que é, que era e que há-de vir, da parte dos sete espíritos que estão diante do seu trono e da parte de Jesus Cristo, a Testemunha fiel, o Primeiro vencedor da morte e o Soberano dos reis da terra" (Ap 1,4-5).

Com as palavras do Livro do Apocalipse, com as quais São João saúda as sete Igrejas da Ásia, desejo dirigir a minha calorosa saudação a todos os que estão aqui presentes, antes de tudo aos representantes das Igrejas e das Comunidades Eclesiais associadas no Conselho Ecuménico Polaco. Agradeço ao Arcebispo Jeremiasz da Igreja Ortodoxa Autocéfala a saudação e as palavras de união espiritual que me dirigiu há pouco. Saúdo o Arcebispo Alfons Nossol, Presidente do Conselho Ecuménico da Conferência Episcopal Polaca.

Une-nos hoje aqui o desejo de nos encontrarmos para, na oração comum, prestar honra e glória a Nosso Senhor Jesus Cristo: "Àquele que nos ama e nos purificou dos nossos pecados com o seu sangue, e fez de nós um reino, sacerdotes para Deus e Seu Pai" (Ap 1,5-6). Estamos gratos a nosso Senhor, porque nos reúne, nos concede o seu Espírito e nos permite além do que ainda nos separa de invocar "Abbà, Pai". Estamos convictos de que Ele intercede incessantemente em nosso favor, pedindo por nós: "para que eles cheguem à perfeição da unidade e assim o mundo reconheça que Tu me enviaste e que amaste a eles como a mim" (Jn 17,23).

Juntamente convosco agradeço o dom deste encontro de oração comum. Vejo nele uma das etapas para realizar o firme propósito que fiz no início do meu pontificado, o de considerar uma prioridade do meu ministério a restituição da unidade plena e visível entre os cristãos. O meu amado Predecessor, o Servo de Deus João Paulo II, quando visitou esta igreja da Santíssima Trindade, no ano de 1991, realçou: "por muito que nos comprometamos pela unidade, ela permanece sempre um dom do Espírito Santo. Estaremos disponíveis para receber este dom na medida em que teremos as nossas mentes e os nossos corações abertos a Ele através da vida cristã e sobretudo através da oração". De facto, não nos será possível "fazer a unidade" unicamente com as nossas forças. Como recordei durante o encontro ecuménico do ano passado em Colónia: "Só a podemos obter como dom do Espírito Santo".

É por isto que as nossas aspirações ecuménicas devem estar permeadas da oração, do perdão recíproco e da santidade da vida de cada um de nós. Exprimo o meu regozijo pelo facto de que aqui, na Polónia, o Conselho Ecuménico Polaco e a Igreja católica romana empreendem numerosas iniciativas neste âmbito.

"Olhai: Ele vem no meio das nuvens! Todos os olhos o verão, até mesmo os que o trespassaram" (Ap 1,7). As palavras do Apocalipse recordam que todos estamos a caminho rumo ao encontro definitivo com Cristo, quando Ele revelará diante de nós o sentido da história humana, cujo centro é a cruz do seu sacrifício salvífico. Como comunidade de discípulos, estamos dirigidos para aquele encontro com a esperança e a confiança que será para nós o dia da salvação, o dia do cumprimento de tudo aquilo que desejamos, graças à nossa disponibilidade a deixar-nos guiar pela caridade recíproca que o seu Espírito suscita em nós. Edifiquemos esta confiança não sobre os nossos merecimentos, mas sobre a oração na qual Cristo revela o sentido da sua vinda à terra e da sua morte redentora: "Pai, quero que onde Eu estiver estejam também comigo aqueles que Tu me confiaste, para que contemplem a minha glória, a glória que me deste, por me teres amado antes da criação do mundo" (Jn 17,24).

A caminho rumo ao encontro com Cristo que "vem sobre as nuvens", com a nossa vida anunciamos a sua morte, proclamamos a sua ressurreição, na expectativa da sua vinda. Sentimos o peso da responsabilidade que tudo isto exige; de facto, a mensagem de Cristo deve chegar a cada homem sobre a terra, graças ao compromisso daqueles que crêem n'Ele e que são chamados a testemunhar que Ele é verdadeiramente enviado pelo Pai (cf. Jn 17,23). Portanto, é preciso que anunciemos o Evangelho, que sejamos movidos pela aspiração a cultivar relacionamentos recíprocos de caridade sincera, de modo que, à luz delas, todos saibam que o Pai enviou o seu Filho e ama a Igreja e cada um de nós, assim como amou a Ele (cf. Jn 17,23). Tarefa dos discípulos de Cristo, tarefa de cada um de nós, é portanto tender para esta unidade, de modo a tornar-nos, como cristãos, sinal visível da sua mensagem salvífica, dirigida a cada ser humano.

Permiti que eu mencione mais uma vez o encontro ecuménico realizado nesta igreja com a participação do vosso grande Concidadão João Paulo II e a sua intervenção, na qual ele apresentou do seguinte modo os esforços destinados à plena unidade dos cristãos: "o desafio que se apresenta é superar pouco a pouco os obstáculos (...) e crescer juntos naquela unidade de Cristo que é uma só, aquela unidade com a qual dotou a Igreja desde o início. A seriedade da tarefa proíbe qualquer precipitação ou impaciência, mas o dever de responder à vontade de Cristo exige que permaneçamos firmes no caminho rumo à paz e à unidade entre todos os cristãos. Sabemos bem que não somos nós que curaremos as feridas da divisão e que restabeleceremos a unidade; somos simples instrumentos que Deus poderá utilizar. A unidade entre os cristãos será dom de Deus, no seu tempo de graça. Tendamos humildemente para aquele dia, crescendo no amor, no perdão e na confiança recíprocos".

A partir daquele encontro muito mudou. Deus concedeu-nos fazer muitos passos rumo à compreensão e à aproximação recíprocas. Permiti que eu recorde alguns acontecimentos ecuménicos, que naquele tempo tiveram lugar no mundo: a publicação da Encíclica Ut unum sint; os acordos cristológicos com as Igrejas pré-calcedónias; a subscrição em Ausburgo da "Declaração Conjunta sobre a doutrina da justificação"; o encontro por ocasião do Grande Jubileu do Ano 2000 e a memória ecuménica das testemunhas da fé do século XX; a retomada do diálogo católico-ortodoxo a nível mundial, o funeral de João Paulo II com a participação de quase todas as Igrejas e Comunidades eclesiais. Estou ao corrente do facto de que também aqui, na Polónia, esta aspiração fraterna pela unidade pode orgulhar-se dos sucessos concretos. Neste momento, gostaria de mencionar: a assinatura, no ano 2000, feita também neste templo pela Igreja católica romana e pelas Igrejas associadas no Conselho Ecuménico Polaco, da declaração do reconhecimento recíproco da validez do baptismo; a instituição da Comissão para o Diálogo, da Conferência Episcopal Polaca e do Conselho Ecuménico Polaco, à qual pertencem os Bispos católicos e os Chefes de outras Igrejas; a instituição das comissões bilaterais para o diálogo teológico entre católicos e ortodoxos, luteranos, membros da Igreja nacional polaca, mariavitas e adventistas; a publicação da tradução ecuménica do Novo Testamento e do Livro dos Salmos; a iniciativa chamada "Obra natalícia de ajuda às Crianças", na qual colaboram as organizações caritativas das Igrejas: católica, ortodoxa e evangélica.

Verificamos muitos progressos no campo do ecumenismo e contudo aguardamos sempre algo mais. Concedei que eu faça observar duas questões, talvez mais pormenorizadamente. A primeira refere-se ao serviço caritativo das Igrejas. São numerosos os irmãos que aguardam de nós o dom do amor, da confiança, do testemunho, de uma ajuda espiritual e material concreta. Fiz referência a este problema na minha primeira Encíclica Deus caritas est. Nela escrevi: "O amor do próximo, radicado no amor de Deus, é um dever antes de mais para cada um dos fiéis, mas é-o também para a comunidade eclesial inteira, e isto a todos os seus níveis: desde a comunidade local passando pela Igreja particular até à Igreja universal na sua globalidade.

A Igreja também enquanto comunidade deve praticar o amor" (n. 20). Não podemos esquecer a ideia fundamental que desde o início constituiu o fundamento muito forte da unidade dos discípulos: "no seio da comunidade dos crentes não deve haver uma forma de pobreza tal que sejam negados a alguém os bens necessários para uma vida condigna" (ibid.). Esta ideia é sempre actual, mesmo se ao longo dos séculos tenham mudado as formas de ajuda fraterna; aceitar os desafios caritativos contemporâneos depende em grande medida da nossa colaboração recíproca. Alegro-me porque este problema tem um grande eco no mundo sob forma de numerosas iniciativas ecuménicas. Vejo com apreço que na comunidade da Igreja Católica e nas outras Igrejas e Comunidades eclesiais se difundiram novas formas diversas de actividades caritativas e também surgiram antigas com impulso renovado. São formas que com frequência unem a evangelização com as obras de caridade (cf. ibid., 30).

229 Parece que, apesar de todas as diferenças que devem ser superadas no âmbito do diálogo interconfessional, seja legítimo atribuir o compromisso caritativo à comunidade ecuménica dos discípulos de Cristo na busca de uma plena unidade. Todos nos podemos inserir na colaboração a favor dos necessitados, servindo-se desta rede de relações recíprocas, fruto do diálogo entre nós e da acção comum. No espírito do mandamento evangélico devemos assumir esta atenciosa solicitude em relação aos irmãos que se encontram em necessidade, sejam eles quem for. A este propósito na minha Encíclica escrevi que: "para o progresso rumo a um mundo melhor, é necessária a voz comum dos cristãos, o seu empenho em "fazer triunfar o respeito pelos direitos e necessidades de todos, especialmente dos pobres, humilhados e desprotegidos"" (n. 30b). A quantos participam no nosso encontro desejo hoje que a prática da caritas fraterna nos aproxime cada vez mais e torne mais credível o nosso testemunho em favor de Cristo perante o mundo.

A segunda questão à qual desejo fazer referência, diz respeito à vida conjugal e à familiar. Sabemos que entre as comunidades cristãs, chamadas a testemunhar o amor, a família ocupa um lugar particular. No mundo de hoje, no qual se estão a multiplicar relações internacionais e interculturais, cada vez com mais frequência se decidem a fundar uma família jovens que são provenientes de diversas tradições, de diversas religiões, de diversas confissões cristãs. Várias vezes, para os próprios jovens e para os seus familiares, é uma decisão difícil que inclui vários perigos relativos quer à perseverança na fé quer à construção futura da ordem familiar, assim como à criação de um clima de unidade da família e de condições oportunas para o crescimento espiritual dos filhos.

Contudo, precisamente graças à difusão numa escala mais ampla do diálogo ecuménico, a decisão pode originar a formação de um laboratório prático de unidade. Por isso são necessárias as benevolências recíprocas, a compreensão e a maturidade na fé de ambas as partes, assim como das comunidades das quais provêm. Desejo expressar o meu apreço pela Comissão Bilateral do Conselho para as Questões do Ecumenismo da Conferência Episcopal Polaca e do Conselho Ecuménico Polaco que iniciaram a elaboração de um documento no qual é apresentada a comum doutrina cristã sobre o matrimónio e sobre a família e são estabelecidos princípios, aceitáveis para todos, para contrair matrimónios interconfessionais, indicando um programa comum de solicitude pastoral para esses matrimónios. Desejo a todos que nesta delicada questão, seja incrementada a confiança recíproca entre as Igrejas e a colaboração que respeita plenamente os direitos e a responsabilidade dos cônjuges para a formação na fé da própria família e para a educação dos filhos.

"Eu dei-lhes a conhecer quem Tu és e continuarei a dar-Te a conhecer, a fim de que o amor que me tiveste esteja neles e Eu esteja neles também" (
Jn 17,26). Irmãos e irmãs, pondo toda a nossa confiança em Cristo, que nos faz conhecer o seu nome, caminhamos todos os dias rumo à plenitude da reconciliação fraterna. A sua oração faça com que a comunidade dos seus discípulos na terra, no seu mistério e na sua unidade visível, se torne cada vez mais uma comunidade de amor na qual se reflecte a unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.



NO ENCONTRO COM OS RELIGIOSOS NO SANTUÁRIO DE JASNA GÓRA Czestochowa, 26 de Maio de 2006


Amados religiosos, religiosas, pessoas consagradas e todos vós que, impelidos pela voz de Jesus, O seguistes por amor!
Estimados seminaristas, que estais a preparar-vos para o ministério sacerdotal!
Estimados representantes dos movimentos eclesiais, que levais a força do Evangelho ao mundo das vossas famílias, dos vossos lugares de trabalho, das universidades, ao mundo dos meios de comunicação e da cultura, bem como às vossas paróquias!

Como os Apóstolos, juntamente com Maria, "subiram para a sala de cima" e ali, "unidos pelo mesmo sentimento, entregavam-se assiduamente à oração" (Ac 1,13-14), assim também nós hoje nos reunimos aqui em Jasna Góra, que é para nós nesta hora, a "sala de cima" onde Maria, Mãe do Senhor, se encontra no meio de nós. Hoje é Ela que orienta a nossa meditação; Ela ensina-nos a rezar. É Ela que nos mostra o modo como abrir as nossas mentes e os nossos corações ao poder o Espírito Santo, que vem até nós para ser por nós transmitido ao mundo inteiro. Temos necessidade de um instante de silêncio e de recolhimento para nos submetermos à sua escola, a fim de que Ela nos ensine como viver de fé, como crescer nela, como permanecer em contacto com o mistério de Deus nos acontecimentos ordinários, quotidianos da nossa vida. Com delicadeza feminina e com a "capacidade de conjugar a intuição penetrante com a palavra de apoio e de encorajamento" (João Paulo II, Redemptoris Mater RMA 46), Maria sustentou a fé de Pedro e dos Apóstolos no Cenáculo e hoje sustenta tanto a minha como a vossa fé.

"A fé, efectivamente, é um contacto com o mistério de Deus" (Ibid., n. 17), porque "acreditar quer dizer "abandonar-se" à própria verdade da palavra de Deus vivo, sabendo e reconhecendo humildemente "como são insondáveis os seus desígnios e imperscrutáveis as suas vias"" (Ibid., n. 14). A fé é um dom que nos foi concedido mediante o baptismo e que torna possível o nosso encontro com Deus. Ele esconde-se no mistério: pretender compreendê-lo significaria desejar limitá-lo aos nossos conceitos e ao nosso saber e, assim, perdê-lo de maneira irremediável.

Mediante a fé, contudo, podemos abrir uma brecha através dos conceitos, até mesmo teológicos, e podemos "tocar" o Deus vivo. E quando Ele é tocado, transmite-nos imediatamente a sua força.

230 Quando nos abandonamos ao Deus vivo, quando na humildade da mente recorremos a Ele, permanecemos interiormente imbuídos como que por uma oculta torrente de vida divina. Como é importante que acreditemos no poder da fé, na sua capacidade de estabelecer um vínculo directo com Deus vivo! Devemos cuidar com determinação da nossa fé, a fim de que ela permeie realmente todas as nossas atitudes, os pensamentos, as acções e as intenções. A fé tem um lugar não somente nos estados de ânimo e nas experiências religiosas, mas em primeiro lugar no pensamento e na acção, no trabalho quotidiano, na luta contra si mesmo, na vida comunitária e no apostolado, porque ela faz com que a nossa vida seja impregnada pelo poder do próprio Deus. A fé pode levar-nos sempre até Deus, mesmo quando o nosso pecado nos faz mal.

No Cenáculo, os Apóstolos não sabiam o que os esperava. Cheios de medo, estavam preocupados com o seu próprio futuro. Ainda continuavam a experimentar a surpresa suscitada pela morte e a ressurreição de Jesus, sentindo-se angustiados por terem ficado sozinhos depois da sua Ascensão ao céu. Maria, "Aquela que acreditou no cumprimento das palavras do Senhor" (cf.
Lc 1,45) juntamente com os Apóstolos assídua na oração, ensinava a perseverança na fé. Com todas as suas atitudes, convencia-os de que o Espírito Santo, na sua sabedoria, conhecia muito bem o caminho ao longo do qual estava a conduzi-los, que portanto se podia depositar a própria confiança em Deus, entregando-se a Ele, bem como os seus talentos, os seus limites e o seu futuro, de maneira incondicionada.

Muitos de vós aqui presentes reconheceram esta vocação secreta do Espírito Santo e responderam com todo o impulso do seu coração. O amor por Jesus, "derramado nos vossos corações por meio do Espírito Santo que vos foi concedido" (cf. Rm 5,5), indicou-vos o caminho da vida consagrada. Não fostes vós que a procurastes. Foi Jesus que vos chamou, convidando-vos para uma união mais profunda com Ele. No sacramento do santo Baptismo renunciastes a Satanás e às suas obras e recebestes as graças necessárias para a vida cristã e para a santidade. A partir daquele momento, brotou em vós a graça da fé, que vos permitiu unir-vos a Deus. No momento da profissão religiosa ou da promessa, a fé levou-vos rumo à adesão total ao mistério do Coração de Jesus, cujos tesouros chegastes a descobrir. Então, renunciastes a coisas boas, a dispor livremente da vossa vida, a formar uma família e a acumular bens, para poderdes assim ser livres de vos entregardes incondicionadamente a Cristo e ao seu Reino. Recordais-vos do vosso entusiasmo, quando empreendestes a peregrinação da vida consagrada, confiando na ajuda da graça? Procurai não perder o impulso originário, e deixai que Maria vos conduza para uma adesão cada vez mais plena!

Amados religiosos, dilectas religiosas, queridas pessoas consagradas, qualquer que seja a missão a vós confiada, independentemente do serviço claustral ou apostólico que estais a desempenhar, conservai no vosso coração o primado da vossa vida consagrada. Que ela reaviva a vossa fé! A vida consagrada vivida na fé une estreitamente a Deus, desperta os carismas e confere ao vosso serviço uma fecundidade extraordinária.

Caríssimos candidatos ao sacerdócio, como é grande a ajuda que também vós podeis haurir da reflexão sobre o modo como Maria aprendia de Jesus! Desde o seu primeiro "fiat", através dos longos e ordinários anos da vida escondida, enquanto educava Jesus, ou quando em Caná da Galileia pedia o primeiro sinal ou quando finalmente, no calvário ao lado da cruz, fixava Jesus e "aprendia-O" momento por momento. Primeiro na fé e depois no seu próprio seio, acolheu o Corpo de Jesus e deu-o à luz. No dia-a-dia, adorou-O extasiada, servindo-O com amor responsável e cantando o Magnificat no seu Coração. No vosso caminho e no vosso futuro ministério sacerdotal, deixai-vos orientar por Maria a fim de "aprenderdes" Jesus! Fixai-O, permiti que Ele vos forme para que no futuro, no cumprimento do vosso ministério, sejais capazes de mostrá-lo a quantos se aproximarem de vós. Quando tomardes nas vossas mãos o Corpo eucarístico de Jesus, para alimentar com Ele o Povo de Deus, e quando assumirdes a responsabilidade por aquela parte do Corpo Místico que vos for confiada, recordai a atitude de admiração e de adoração que caracterizou a fé de Maria. Assim como Ela, no seu amor responsável e materno por Jesus, conservou o amor virginal repleto de maravilha, também vós, ajoelhando-vos liturgicamente no momento da consagração, conservai no vosso ânimo a capacidade de vos admirardes e de adorardes. Sabei reconhecer no Povo de Deus que vos for confiado os sinais da presença de Cristo. Sede atentos e sensíveis aos sinais de santidade, que Deus vos fizer ver no meio dos fiéis. Não temais os deveres e as incógnitas do futuro! Não tenhais medo que vos venham a faltar as palavras, ou de vos embaterdes na rejeição! O mundo e a Igreja têm necessidade de sacerdotes, de sacerdotes que sejam santos.

Estimados representantes dos novos Movimentos na Igreja. A vitalidade das vossas comunidades é um sinal da presença activa do Espírito Santo! É da fé da Igreja e da riqueza dos frutos do Espírito Santo que a vossa missão nasceu. Os meus bons votos são para que possais ser cada vez mais numerosos, para servirdes a causa do Reino de Deus no mundo de hoje. Crede na graça de Deus que vos acompanha e levai-a aos tecidos vivos da Igreja e de maneira particular aonde o sacerdote, o religioso ou a religiosa não conseguem chegar. Os Movimentos a que pertenceis são múltiplos. Vós alimentais-vos de uma doutrina proveniente de diversas escolas de espiritualidade, reconhecidas pela Igreja. Beneficiai da sabedoria dos Santos, recorrei à herança que eles deixaram. Formai as vossas mentes e os vossos corações segundo as obras dos grandes mestres e das testemunhas da fé, conscientes de que as escolas de espiritualidade não devem ser um tesouro fechado nos conventos ou nas bibliotecas.

A sabedoria evangélica, lida nas obras dos grandes Santos e verificada na própria vida, deve ser transmitida de maneira amadurecida, não infantil e nem agressiva, nos sectores da cultura e do trabalho, nas áreas dos meios de comunicação e da política, nos campos da vida familiar e social. A verificação da autenticidade da vossa fé e da vossa missão, que não chama a atenção para si, mas realmente transmite ao seu redor a fé e o amor, será o confronto com a fé de Maria. Inspirai-vos no seu Coração. Permanecei na sua escola!

Quando os Apóstolos, repletos do Espírito Santo, partiram pelo mundo inteiro para anunciar o Evangelho, um deles, João o Apóstolo do amor, de modo particular "recebeu Maria na sua casa" (cf. Jn 19,27). Foi precisamente graças ao seu profundo vínculo com Jesus e com Maria que ele pôde insistir de forma tão eficaz sobre a verdade de que "Deus é amor" (1Jn 4,8 1Jn 4,16). Eu mesmo recorri a estas palavras para introduzir a primeira Encíclica do meu Pontificado: Deus caritas est!

Esta verdade sobre Deus é a mais importante, a mais fulcral. A todas as pessoas que julgam difícil acreditar em Deus, hoje desejo repetir: "Deus é amor". Queridos amigos, sede vós mesmos testemunhas desta verdade. Sê-lo-eis de maneira realmente eficaz, se vos puserdes na escola de Maria. Ao seu lado, vós mesmos haveis de experimentar que Deus é amor, e trasmitireis a sua mensagem ao mundo com a riqueza e a variedade que o próprio Espírito Santo saberá suscitar.
Louvado seja Jesus Cristo!




AOS JOVENS REUNIDOS NA PRAÇA DIANTE DO PALÁCIO ARQUIEPISCOPAL DE CRACÓVIA Sexta-feira, 26 de Maio de 2006

231 Caríssimos irmãos e irmãs!

Seguindo a tradição que nasceu durante as estadias de João Paulo II em Cracóvia, reunistes-vos diante da sede arquiepiscopal para saudar o Papa. Agradeço-vos a vossa presença e o acolhimento cordial.

Sei que no dia 2 de cada mês, na hora da morte do meu amado Predecessor, vos recolheis aqui para o comemorar e para rezar pela sua elevação às honras dos altares. Esta oração ampare quantos se ocupam da causa, e enriqueça os vossos corações com todas as graças. Durante a última viagem à Polónia, João Paulo II disse-vos em relação ao tempo que passa: "Não podemos remediar. Há um só remédio. É o Senhor Jesus. "Eu sou a ressurreição e a vida", significa apesar da velhice, apesar da morte a juventude está em Deus. Isto vos desejo. A toda a juventude de Cracóvia, da Polónia e do mundo" (17de Agosto de 2002). Era esta a sua fé, a sua firme convicção, o seu testemunho. E hoje, apesar da morte, ele jovem em Deus está entre nós. Convida-nos a revigorar a graça da fé, a renovar-nos no Espírito e "revestir-vos do homem novo, que foi criado em conformidade com Deus, na justiça e na santidade, próprias da verdade" (
Ep 4,24).

Mais uma vez vos agradeço a vossa visita, que me quisestes fazer esta noite. Levai a minha saudação e a bênção aos vossos familiares e aos amigos. Obrigado!




Discursos Bento XVI 25506