Discursos Bento XVI 231

NO ENCONTRO COM A POPULAÇÃO DE WADOVICE Sábado, 27 de Maio de 2006


Seguindo as pegadas de João Paulo II, testemunha da fé!
Amados irmãos e irmãs!

Cheguei com grande emoção ao lugar de nascimento do meu grande Predecessor, o Servo de Deus João Paulo II, na cidade da sua infância e da sua juventude. Wadowice não podia faltar no percurso da peregrinação que estou a realizar na terra polaca seguindo as suas pegadas. Quis parar precisamente aqui, em Wadowice, nos lugares em que a sua fé despertou e amadureceu, para rezar juntamente convosco para que ele seja logo elevado à glória dos altares. Johann Wolfgang von Goethe, o Grande poeta alemão disse: "Quem quer compreender um poeta, deveria ir ao seu país". Assim também para compreender a vida e o ministério de João Paulo II, era necessário vir à sua cidade natal. Ele mesmo confessou que aqui, em Wadowice, "começou tudo: começou a vida, a escola, os estudos, o teatro... o sacerdócio" (Wadowice, 16 de Junho de 1999).

João Paulo II, voltando àqueles inícios, referia-se com frequência a um sinal: o da pia baptismal, que ele circundava de particular veneração na igreja de Wadowice. Em 1979, durante a sua primeira peregrinação à Polónia confessou: "Nesta pia baptismal, a 20 de Junho de 1920 foi-me concedida a graça de me tornar filho de Deus, e de receber a fé no meu Redentor e fui acolhido na comunidade da sua Igreja. Esta pia baptismal já a beijei uma vez, solenemente, no ano do Milénio do Baptismo da Polónia, quando era Arcebispo de Cracóvia. Em seguida fi-lo outra vez (...) no cinquentenário do meu baptismo, quando era Cardeal, e hoje beijei esta pia baptismal pela terceira vez, vindo de Roma como Sucessor de São Pedro" (Wadowice, 7 de Junho de 1979). Parece que nestas palavras de João Paulo II esteja contida a chave para compreender a coerência da sua fé, o radicalismo da sua vida cristã e o desejo da santidade que ele manifestou continuamente. Há aqui a profunda consciência da graça divina, do amor gratuito de Deus pelo homem, que mediante o lavacro com a água e com a efusão do Espírito Santo introduz o catecúmeno na multidão dos seus filhos remidos pelo Sangue de Cristo. Mas há também a consciência de que o baptismo que justifica é também uma chamada a ocupar-se da justiça que brota da fé. O programa mais comum de uma vida autenticamente cristã resume-se na fidelidade às promessas do santo Baptismo. A palavra de ordem desta peregrinação: "Permanecei firmes na fé", encontra aqui a sua dimensão concreta que se poderia expressar com a exortação: "Permanecei firmes na observância das promessas baptismais". Testemunha de uma tal fidelidade que neste lugar fala de maneira muito especial é o Servo de Deus João Paulo II.

O meu grande Predecessor indicava a Basílica de Wadowice e a paróquia nativa como um lugar de particular importância para o desenvolvimento da sua vida espiritual e da vocação sacerdotal que se estava a revelar nele. Uma vez disse: "Neste templo fiz a primeira confissão e a Sagrada Comunhão. Aqui fui coroinha. Aqui dei graças a Deus pelo dom do sacerdócio e já como Bispo de Cracóvia vivi aqui o meu jubileu do 25º aniversário de sacerdócio. Quanto bem, quantas graças recebi neste templo e nesta comunidade paroquial, sabe-o Aquele que é o Dador de todas as graças. A Ele, Deus uno e trino, hoje glorifico na entrada desta Igreja" (Wadowice, 16 de Junho de 1999). O templo é sinal da comunhão dos crentes unidos pela presença de Deus que habita no meio deles. Esta comunidade é a Igreja amada por João Paulo II. O seu amor pela Igreja nasceu na paróquia de Wadowice. Nela ele viu o ambiente da vida sacramental, da evangelização e da formação numa fé madura. Por isso, como sacerdote, como Bispo e como Papa circundava com tanta solicitude as comunidades paroquiais. No espírito da mesma solicitude, durante a visita ad limina Apostolorum, pedi aos Bispos polacos que fizessem o possível para que a paróquia polaca seja realmente uma "comunidade eclesial" e uma "família da Igreja".

Para terminar, deixai que eu recorde mais uma característica da fé e da espiritualidade de João Paulo II, ligada a este lugar. Ele mesmo recordou várias vezes a profunda afeição dos habitantes de Wadowice à imagem local de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e o costume da oração quotidiana diante dela dos estudantes do ginásio de então. Esta recordação permite-nos chegar à nascente da convicção que João Paulo II alimentava a convicção do lugar excepcional ocupado por Maria na história da salvação e na da Igreja. Dela brotava também a convicção do lugar excepcional que a Mãe de Deus tinha na sua vida, uma convicção que se expressava no "Totus tuus" cheio de dedicação. Até aos últimos momentos da sua peregrinação terrena ele permaneceu fiel a esta entrega.

232 No espírito desta devoção, diante desta Imagem desejo dar graças a Deus pelo pontificado de João Paulo II e como ele, pedir a Nossa Senhora que proteja a Igreja da qual, por vontade de Deus, me foi confiada a guia. Peço também a vós, queridos irmãos e irmãs, que me acompanheis com a mesma oração com que circundáveis o vosso grande Compatriota. Abençoo de coração todos vós aqui presentes e quantos vêm a Wadowice para beber das fontes do espírito de fé de João Paulo II.



AOS FRANCISCANOS NO SANTUÁRIO DE KALWARIA ZEBRZYDOWSKA Sábado, 27 de Maio de 2006



Estimados Frades (franciscanos)
Caríssimos irmãos e irmãs

Durante a sua primeira viagem à Polónia, João Paulo II visitou este Santuário e dedicou o seu discurso à oração. No final, disse: "E peço-vos também isto: peço-vos que oreis aqui por mim, tanto durante a minha vida como depois da minha morte". Hoje, desejei deter-me por um momento na capela de Nossa Senhora e, com gratidão, rezar por ele, em conformidade com o seu pedido.

Seguindo o exemplo de João Paulo II, também eu me dirijo a vós com o cordial pedido de oração por mim e por toda a Igreja.

Gostaria de dizer que também eu, como o amado Cardeal Stanislaw, espero que a Providência logo conceda a Beatificação e a Canonização do nosso amado Papa João Paulo II.



AOS DOENTES NO SANTUÁRIO DA DIVINA MISERICÓRDIA Cracóvia-Lagiewnik, 27 de Maio de 2006


Caríssimos irmãos e irmãs

É-me grato encontrar-me convosco por ocasião da minha visita a este Santuário da Divina Misericórdia. Saúdo todos vós do íntimo do coração: os doentes, os assistentes, os sacerdotes que neste santuário se dedicam ao serviço pastoral, as religiosas da Bem-Aventurada Virgem Maria da Misericórdia, os membros do "Faustinum" e todos os outros.

Nesta circunstância, encontramo-nos diante de dois mistérios: o mistério do sofrimento humano e o mistério da Divina Misericórdia. Após um primeiro olhar, estes dois mistérios parecem opor-se um ao outro. Mas quando procuramos aprofundá-los à luz da fé, observamos que eles se colocam numa harmonia recíproca. Isto graças ao mistério da Cruz de Cristo. Como disse aqui João Paulo II, "a cruz "é a mais profunda inclinação da Divindade sobre o homem... A cruz é como um toque do amor eterno nas feridas mais dolorosas da existência terrena do homem"" (17 de Agosto de 2002).

233 Vós, queridos doentes, assinalados pelo sofrimento do corpo ou da alma, estais mais unidos à cruz de Cristo, mas ao mesmo tempo sois as mais eloquentes testemunhas da misericórdia de Deus. Através de vós e mediante o vosso sofrimento, Ele debruça-se sobre a humanidade com amor. Sois vós que, dizendo no silêncio do coração: "Jesus, confio em Vós", nos ensinais que não há uma fé mais profunda, uma esperança mais viva e um amor mais ardoroso do que a fé, a esperança e o amor daqueles que, na angústia, se colocam nas mãos seguras de Deus. E as mãos de quem vos ajuda em nome da misericórdia sejam uma prolongação destas grandes mãos de Deus.

Gostaria muito de abraçar cada um e cada uma de vós. Embora isto, de modo concreto, seja impossível, estreito-vos espiritualmente ao meu coração e concedo-vos a minha Bênção, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.



DURANTE O ENCONTRO COM OS JOVENS NO PARQUE DE BLONIA Cracóvia, 27 de Maio de 2006

Queridos amigos jovens

Dou-vos as minhas cordiais boas-vindas! A vossa presença enche-me de alegria. Estou grato ao Senhor por este encontro com o entusiasmo da vossa cordialidade. Sabemos que "onde dois ou três estão reunidos em nome de Jesus, Ele está no meio deles" (cf. Mt 18,20). Mas hoje aqui sois muito mais numerosos! Agradeço a cada um e a cada uma de vós. Por conseguinte, Jesus encontra-se aqui connosco. Ele está presente entre os jovens da terra polaca, para falar de uma casa, que jamais desmoronará, porque está edificada sobre a rocha. Esta é a palavra evangélica que acabamos de ouvir (cf. Mt 7,24-27).

No coração de cada homem existe, meus amigos, o desejo de uma casa. Ainda mais num coração jovem, há o grande anseio pela própria casa, que seja sólida, aonde não só se possa voltar com alegria, mas também onde com júbilo se possa receber cada hóspede que chegar. É a saudade de uma casa em que o pão quotidiano seja o amor, o perdão, a necessidade de compreensão, em que a verdade seja a fonte da qual brota a paz do coração. É a nostalgia de uma casa da qual se possa sentir orgulho, de que não se deva envergonhar e cujo desmoronamento nunca seja preciso chorar.

Esta saudade não é senão o desejo de uma vida plena, feliz, bem sucedida. Não tenhais medo desta aspiração. Não a rejeiteis! Não desanimeis ao ver casas desabadas, desejos malogrados, saudades dissipadas. Deus Criador, que infunde num jovem coração o imenso desejo da felicidade, jamais o abandona na cansativa construção daquela casa que se chama vida.

Meus amigos, impõe-se uma interrogação: "Como construir esta casa?". É uma pergunta que, sem dúvida, já surgiu com frequência no vosso coração e que ainda há-de voltar muitas vezes. Trata-se de uma interrogação que é necessário levantar não somente uma vez. Ela deve estar todos os dias diante dos olhos do coração: como construir a casa chamada vida? Jesus, cujas palavras pudemos ouvir na redacção do evangelista Mateus, exorta-nos a construir na rocha. Efectivamente, só assim a casa não desabará. Mas o que significa construir a casa sobre a rocha? Edificar sobre a rocha quer dizer em primeiro lugar: construir sobre Cristo e com Cristo. Jesus diz: "Todo aquele que escuta estas minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha" (Mt 7,24). Aqui, não se trata de palavras vazias, proferidas por uma pessoa qualquer, mas das palavras de Jesus. Não significa ouvir uma pessoa qualquer, mas ouvir Jesus. Não se trata de realizar aqui uma coisa qualquer, mas sim de cumprir as palavras de Jesus.

Construir sobre Cristo e com Cristo significa edificar sobre um fundamento que se chama amor crucificado. Quer dizer construir com Alguém que, conhecendo-nos mais do que nós mesmos, nos diz: "És precioso aos meus olhos... te estimo e te amo" (Is 43,4). Quer dizer construir com Alguém que é sempre fiel, não obstante nós faltemos à fidelidade, porque ele não pode renegar-se a si mesmo (cf. 2Tm 2,13). Significa edificar com Alguém que se debruça constantemente sobre o coração ferido do homem e diz: "Não te condeno. Vai, e doravante não tornes a pecar" (Jn 8,11). Quer dizer construir com Alguém, que do alto da cruz estende os seus braços, para repetir por toda a eternidade: "Entrego a minha vida por ti, homem, porque te amo". Enfim, construir sobre Cristo quer dizer fundamentar na sua vontade todas as aspirações pessoais, as expectativas, os sonhos, as ambições e todos os seus projectos. Significa dizer a si mesmo, à própria família, aos próprios amigos e ao mundo inteiro, mas sobretudo a Cristo: "Senhor, na minha vida nada quero fazer contra ti, porque Tu sabes o que é melhor para mim. Tu tens palavras de vida eterna" (cf. Jn 6,68). Meus amigos, não tenhais medo de apostar em Cristo! Tende saudades de Cristo, como fundamento da vida! Inflamai em vós o desejo de construir a vossa própria vida com Ele e por Ele! Porque não pode perder aquele que aposta tudo no amor crucificado do Verbo encarnado.

Edificar sobre a rocha significa em Cristo e com Cristo, que é a rocha. Na primeira Leitura aos Coríntios, São Paulo, falando do caminho do povo eleito através do deserto, explica que "todos beberam... de um rochedo espiritual que os seguia, e este rochedo era Cristo" (1Co 10,4). Sem dúvida, os pais do povo eleito não sabiam que esta rocha era Cristo. Não estavam conscientes de que eram acompanhados por Aquele que, quando chegasse a plenitude dos tempos, teria encarnado, assumindo um corpo humano. Não tinham necessidade de compreender que a sua sede seria saciada pela própria Fonte da vida, capaz de oferecer água viva para satisfazer todos os corações. No entanto, eles beberam do rochedo espiritual que é Cristo, porque tinham saudades, tinham necessidade da água da vida. A caminho pelas sendas da vida, talvez por vezes não estejamos conscientes da presença de Jesus. Mas precisamente esta presença, viva e fiel, a presença na obra da criação, a presença na Palavra de Deus e na Eucaristia, na comunidade dos fiéis e em cada homem remido pelo precioso Sangue de Cristo, esta presença é o manancial inesgotável da força humana. Jesus de Nazaré, Deus que se fez Homem, encontra-se ao nosso lado na boa e na má sorte, e tem sede deste vínculo, que na realidade constitui o fundamento da humanidade autêntica. No Apocalipse, podemos ler estas significativas palavras: "Olha que Eu estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo" (Ap 3,20).

Meus amigos, o que quer dizer construir sobre a rocha? Edificar no rochedo significa também construir sobre Alguém que foi rejeitado. São Pedro fala aos seus fiéis de Cristo como de uma "pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus" (1P 2,4). O facto inegável da eleição de Jesus por parte de Deus não oculta o mistério do mal, em virtude do qual o homem é capaz de rejeitar Aquele que o amou até ao fim. Esta negação de Jesus por parte dos homens, mencionada por São Pedro, prolonga-se na história da humanidade e chega até aos nossos dias. Não é necessária uma grande perspicácia de mente para vislumbrar as múltiplas manifestações da rejeição de Jesus, mesmo lá onde Deus nos concedeu crescer. Muitas vezes Jesus é ignorado, escarnecido, proclamado rei do passado mas não do presente e ainda menos do futuro, é marginalizado no âmbito de questões e de pessoas das quais não se deveria falar em voz alta e em público. Se na construção da casa da vossa vida vós encontrais aqueles que desprezam o fundamento sobre o qual estais a edificar, não desanimeis! Uma fé vigorosa deve atravessar certas provações. Uma fé viva deve crescer sempre. Para permanecer assim, a nossa fé em Jesus Cristo há-de confrontar-se frequentemente com a falta de fé dos outros.

234 Amados amigos, o que quer dizer edificar sobre o rochedo? Construir sobre a rocha significa estar consciente de que haverá contrariedades. Cristo afirma: "Caiu a chuva, engrossaram os rios e sopraram os ventos contra aquela casa..." (Mt 7,25). Estes fenómenos naturais não são apenas a imagem das múltiplas contrariedades da sorte humana, mas indicam também a normal previsibilidade. Cristo não promete que numa casa em construção jamais cairá um aguaceiro, mas promete que uma onda impetuosa não abalará aquilo que para nós é mais querido; não promete que ventos violentos não levarão o que conseguimos construir, às vezes à custa de sacrifícios enormes. Cristo compreende não só a aspiração do homem a uma casa duradoura, mas está também plenamente consciente de tudo o que pode reduzir em ruínas a felicidade do homem.

Portanto, não vos assusteis com as contrariedades, quaisquer que sejam. Não permitais que elas vos desanimem! Um edifício construído sobre o rochedo não equivale a uma construção subtraída à influência das forças naturais, inscritas no mistério do homem. Edificar sobre a rocha significa poder contar com a consciência de que nos momentos difíceis existe uma força segura em que confiar.

Meus amigos, permiti-me insistir: o que quer dizer construir sobre o rochedo? Significa edificar com sabedoria. Não é sem motivo que Jesus compara aquele que escuta as suas palavras e as põe em prática, com um homem sábio que edificou a sua casa sobre a rocha. Com efeito, é insensato construir na areia, quando se pode edificar sobre o rochedo, dispondo deste modo de uma casa capaz de resistir a todas as tempestades. É insensato construir a própria casa num terreno que não oferece garantias de resistência nos momentos mais difíceis. Talvez seja até mais fácil fundamentar a própria vida sobre as areias movediças da visão pessoal do mundo, construir o próprio futuro distante da palavra de Jesus e por vezes até mesmo contra ela. Todavia, resta o facto de que aquele que edifica deste modo não é prudente, porque deseja persuadir-se a si mesmo e aos outros, de que na sua vida não se desencadeará qualquer tempestade, que nenhuma onda se abaterá sobre a sua casa. Ser sábio significa saber que a solidez da casa depende da escolha do fundamento. Não tenhais medo de ser sábios, isto é, não tenhais medo de construir sobre o rochedo!

Meus amigos, uma vez mais: o que significa construir sobre a rocha? Edificar sobre a rocha quer dizer também edificar sobre Pedro e com Pedro. Com efeito, o Senhor diz: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela" (Mt 16,18). Se Cristo, a Rocha, a Pedra viva e preciosa, chama ao seu Apóstolo pedra; isto significa que ele quer que Pedro e, juntamente com ele, a Igreja inteira sejam um sinal visível do único Salvador e Senhor. Aqui em Cracóvia, a cidade preferida do meu Predecessor João Paulo II, as palavras sobre a construção com Pedro e sobre Pedro certamente não espantam ninguém. Por isso, digo-vos: não tenhais medo de construir a vossa vida na Igreja e com a Igreja! Sede orgulhosos do amor a Pedro e à Igreja que lhe foi confiada. Não vos deixeis enganar por aqueles que desejam opor Cristo à Igreja! Só existe um rochedo sobre o qual vale a pena construir a própria casa. Esta rocha é Cristo. Só há uma pedra sobre a qual vale a pena fundamentar tudo. Esta pedra é aquele a quem Cristo disse: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja" (Mt 16,18). Vós, jovens, conhecestes bem o Pedro dos nossos tempos. Por isso, não vos esqueçais que nem aquele Pedro que da janela de Deus Pai está a observar o nosso encontro, nem este Pedro que agora se encontra diante de vós, nem qualquer Pedro sucessivo jamais será contra vós, nem contra a construção de uma casa duradoura sobre o rochedo. Ao contrário, ele há-de empenhar o seu coração e ambas as suas mãos para vos ajudar a edificar a vossa vida sobre Cristo e com Cristo.

Queridos amigos, meditando as palavras de Cristo acerca da rocha como fundamento adequado para a casa, não podemos deixar de relevar que a última palavra é uma palavra de esperança. Jesus afirma que, não obstante o desencadear-se dos elementos, a casa não ruiu, porque estava assente sobre a rocha. Nestas suas palavras há uma extraordinária confiança na força do fundamento, a fé que não teme contradições, porque é confirmada pela morte e a ressurreição de Cristo. Esta é a fé que, depois de muitos anos, será professada por São Pedro na sua própria carta: "Eis que ponho em Sião uma pedra angular, escolhida, preciosa; quem nela crer não será confundido" (1P 2,6). Sem dúvida, "não será confundido...". Estimados jovens amigos, por vezes o temor do mau êxito pode impedir mesmo os sonhos mais bonitos. Pode paralisar a vontade e tornar o homem incapaz de acreditar que possa existir uma casa edificada sobre o rochedo. Pode persuadir que a saudade da casa é apenas uma aspiração juvenil, e não um projecto para a vida inteira. Juntamente com Jesus, dizei a este medo: "Não pode ruir uma casa fundamentada sobre a rocha!". Juntamente com São Pedro, dizei à tentação da dúvida: "Quem crer em Cristo não será confundido!". Sede testemunhas da esperança, daquela esperança que não teme construir a casa da própria vida, porque sabe muito bem que pode contar com o fundamento, que jamais será abalado: nosso Senhor Jesus Cristo.



SAUDAÇÃO AOS JOVENS Cracóvia, 27 de Maio de 2006

Queridos amigos

Hoje à tarde encontrei-me com os jovens congregados no parque de Blonia. Foi uma tarde inesquecível, em que foi possível dar testemunho da fé e da vontade de construir o futuro tendo como base os ensinamentos que Cristo deixou aos seus discípulos. Agradeço de coração aos jovens polacos este testemunho que deram. Nele inscreve-se também a vossa presença na rua Franciszkanska. Bem sei que ela é a expressão do vosso grande carinho pelo Papa, pelo que também vos estou grato. O dia de amanha está à nossa frente. Enquanto vos saúdo, convido-vos também para a Santa Missa que celebrarei amanhã. Abençoo-vos do íntimo do coração: em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Boa noite!





DURANTE A VISITA AO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE AUSCHWITZ-BIRKENAU Domingo, 28 de Maio de 2006


Tomar a palavra neste lugar de horror, de acúmulo de crimes contra Deus e contra o homem sem igual na história, é quase impossível e é particularmente difícil e oprimente para um cristão, para um Papa que provém da Alemanha. Num lugar como este faltam as palavras, no fundo pode permanecer apenas um silêncio aterrorizado um silêncio que é um grito interior a Deus: Senhor, por que silenciaste? Por que toleraste tudo isto? É nesta atitude de silêncio que nos inclinamos profundamente no nosso coração face à numerosa multidão de quantos sofreram e foram condenados à morte; todavia, este silêncio torna-se depois pedido em voz alta de perdão e de reconciliação, um grito ao Deus vivo para que jamais permita uma coisa semelhante.

Há 27 anos, no dia 7 de Junho de 1979, estava aqui o Papa João Paulo II; então ele disse: "Venho hoje aqui... Quantas vezes! E desci muitas vezes à cela da morte de Maximiliano Kolbe e detive-me diante do muro do extermínio e passei entre as ruínas dos fornos crematórios de Birkenau.

235 Como Papa, não podia deixar de vir aqui". O Papa João Paulo II veio aqui como filho daquele povo que, ao lado do povo judeu, teve que sofrer mais neste lugar e, em geral, durante a guerra: "Foram seis milhões de Polacos, que perderam a vida durante a segunda guerra mundial: um quinto da nação", recordou então o Papa. Aqui, ele elevou a solene admoestação ao respeito dos direitos do homem e das nações, que antes dele tinham elevado diante do mundo os seus Predecessores João XXIII e Paulo VI, e acrescentou: "Pronuncia estas palavras [...] o filho da nação que na sua história remota e mais recente sofreu numerosas angústias infligidas por outros. E não o diz para acusar, mas para recordar. Fala em nome de todas as nações, cujos direitos são violados e esquecidos...".

O Papa João Paulo II veio aqui como um filho do povo polaco. Hoje eu vim aqui como um filho do povo alemão, e precisamente por isto devo e posso dizer como ele: não podia deixar de vir aqui. Tinha que vir. Era e é um dever perante a verdade e o direito de quantos sofreram, um dever diante de Deus, de estar aqui como sucessor de João Paulo II e como filho do povo alemão filho daquele povo sobre o qual um grupo de criminosos alcançou o poder com promessas falsas, em nome de perspectivas de grandeza, de recuperação da honra da nação e da sua relevância, com previsões de bem-estar e também com a força do terror e da intimidação, e assim o nosso povo pôde ser usado e abusado como instrumento da sua vontade de destruição e de domínio. Sim, não podia deixar de vir aqui. A 7 de Junho de 1979 estive aqui como Arcebispo de Munique-Frisinga entre os numerosos Bispos que acompanhavam o Papa, que o escutavam e rezavam com ele. Em 1980 voltei mais uma vez a este lugar de horror com uma delegação de Bispos alemães, abalado por causa do mal e reconhecido pelo facto de que acima das trevas tinha surgido a estrela da reconciliação. Ainda é esta a finalidade pela qual me encontro hoje aqui: para implorar a graça da reconciliação antes de tudo de Deus, o único que pode abrir e purificar os nossos corações; depois, dos homens que sofreram; e por fim, a graça da reconciliação para todos os que, neste momento da nossa história, sofrem de maneira nova sob o poder do ódio e sob a violência fomentada pelo ódio.

Quantas perguntas surgem neste lugar! Sobressai sempre de novo a pergunta: Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele silenciou? Como pôde tolerar este excesso de destruição, este triunfo do mal? Vêm à nossa mente as palavras do Salmo 44, a lamentação de Israel que sofre: "... Tu nos esmagaste na região das feras e nos envolveste em profundas trevas... por causa de ti, estamos todos os dias expostos à morte; tratam-nos como ovelhas para o matadouro. Desperta, Senhor, por que dormes? Desperta e não nos rejeites para sempre! Por que escondes a tua face e te esqueces da nossa miséria e tribulação? A nossa alma está prostrada no pó, e o nosso corpo colado à terra. Levanta-te! Vem em nosso auxílio; salva-nos, pela tua bondade!" (
Ps 44,20 Ps 44,23-27).Este grito de angústia que Israel sofredor eleva a Deus em períodos de extrema tribulação, é ao mesmo tempo um grito de ajuda de todos os que, ao longo da história ontem, hoje e amanhã sofrem por amor de Deus, por amor da verdade e do bem; e há muitos, também hoje.

Nós não podemos perscrutar o segredo de Deus vemos apenas fragmentos e enganamo-nos se pretendemos eleger-nos a juízes de Deus e da história. Não defendemos, nesse caso, o homem, mas contribuiremos apenas para a sua destruição. Não em definitiva, devemos elevar um grito humilde mas insistente a Deus: Desperta! Não te esqueças da tua criatura, o homem! E o nosso grito a Deus deve ao mesmo tempo ser um grito que penetra o nosso próprio coração, para que desperte em nós a presença escondida de Deus para que aquele seu poder que Ele depositou nos nossos corações não seja coberto e sufocado em nós pela lama do egoísmo, do medo dos homens, da indiferença e do oportunismo. Emitamos este grito diante de Deus, dirijamo-lo ao nosso próprio coração, precisamente nesta nossa hora presente, na qual incumbem novas desventuras, na qual parecem emergir de novo dos corações dos homens todas as forças obscuras: por um lado, o abuso do nome de Deus para a justificação de uma violência cega contra pessoas inocentes; por outro, o cinismo que não conhece Deus e que ridiculariza a fé n'Ele. Nós gritamos a Deus, para que impulsione os homens a arrepender-se, para que reconheçam que a violência não cria a paz, mas suscita apenas outra violência uma espiral de destruição, na qual todos no fim de contas só têm a perder. O Deus, no qual nós cremos, é um Deus da razão mas de uma razão que certamente não é uma matemática neutral do universo, mas que é uma coisa só com o amor, com o bem. Nós rezamos a Deus e gritamos aos homens, para que esta razão, a razão do amor e do reconhecimento da força da reconciliação e da paz prevaleça sobre as ameaças circunstantes da irracionalidade ou de uma falsa razão, separada de Deus.

O lugar no qual nos encontramos é um lugar da memória, é o lugar do Shoá. O passado nunca é apenas passado. Ele refere-se a nós e indica-nos os caminhos que não devem ser percorridos e os que o devem ser. Como João Paulo II, percorri o caminho ao longo das lápides que, nas várias línguas, recordam as vítimas deste lugar: são lápides em bielo-russo, checo, alemão, francês, grego, hebraico, polaco, russo, rom, romeno, eslovaco, sérvio, ucraniano, judaico-hispânico, inglês.

Todas estas lápides comemorativas falam de dor humana, deixam-nos intuir o cinismo daquele poder que tratava os homens como material e não os reconhecia como pessoas, nas quais resplandece a imagem de Deus. Algumas lápides convidam a uma comemoração particular. Há uma em língua hebraica. Os poderosos do Terceiro Reich queriam esmagar o povo judeu na sua totalidade; eliminá-lo do elenco dos povos da terra. Então as palavras do Salmo: "estamos todos os dias expostos à morte; tratam-nos como ovelhas para o matadouro", verificam-se de modo terrível.

No fundo, aqueles criminosos violentos, com a aniquilação deste povo, pretendiam matar aquele Deus que chamou Abraão, que falando no Sinai estabeleceu os critérios orientadores da humanidade que permanecem válidos para sempre. Se este povo, simplesmente com a sua existência, constitui um testemunho daquele Deus que falou ao homem e o assumiu, então aquele Deus devia finalmente estar morto e o domínio devia pertencer apenas ao homem àqueles que se consideravam os fortes que tinham sabido apoderar-se do mundo. Com a destruição de Israel, com o Shoa, queriam, no fim de contas, arrancar também a raiz sobre a qual se baseia a fé cristã, substituindo-a definitivamente com a fé feita por si, a fé no domínio do homem, do forte. Depois, há a lápide em língua polaca: numa primeira fase e antes de tudo queria-se eliminar a élite cultural e cancelar assim o povo como sujeito histórico autónomo para o reduzir, na medida em que continuava a existir, a um povo de escravos. Outra lápide, que convida particularmente a reflectir, é a que está escrita na língua dos Sint e dos Rom. Também aqui se pretendia fazer desaparecer um povo inteiro que vive migrando entre os outros povos. Ele estava inserido entre os elementos inúteis da história universal, numa ideologia na qual só devia contar o útil medível; tudo o resto, segundo os seus conceitos, era classificado como lebensunwertes Leben uma vida indigna de ser vivida.

Depois há a lápide em russo que evoca o imenso número das vidas sacrificadas entre os soldados russos no confronto com o regime do terror nazista; mas, ao mesmo tempo, faz-nos reflectir sobre o trágico duplo significado da sua missão: libertaram os povos de uma ditadura, mas submetendo também os mesmos povos a uma nova ditadura, a de Estalin e da ideologia comunista. Também todas as outras lápides nas numerosas línguas da Europa nos falam do sofrimento de homens de todo o continente; tocariam profundamente o nosso coração, se não fizéssemos apenas memória das vítimas de modo global, mas se víssemos, ao contrário, os rostos das pessoas individualmente que acabaram naquele terror escuro. Senti como um dever íntimo deter-me de modo particular também diante da lápide em língua alemã. Dela emerge diante de nós o rosto de Edith Stein, Theresa Benedicta da Cruz: judia e alemã desaparecida, juntamente com a irmã, no horror da noite do campo de concentração alemão-nazista; como cristã e judia, aceitou morrer juntamente com o seu povo e por ele. Os alemães, que então foram conduzidos a Auschwitz-Birkenau e aqui morreram, eram vistos como Abschaum der Nation como o refugo da nação. Mas agora nós reconhecemo-los com gratidão como as testemunhas da verdade e do bem, que também no nosso povo tinha desaparecido. Agradecemos a estas pessoas, porque não se submeteram ao poder do mal e agora estão diante de nós como luz numa noite escura. Com profundo respeito e gratidão inclinamo-nos diante de todos os que, como os três jovens diante da ameaça da fornalha babilónica, souberam responder: "Só o nosso Deus nos pode salvar. Mas também se não nos libertares, sabe, ó rei, que nós nunca serviremos os teus deuses nem adoraremos a estátua de ouro que erigistes" (cf. Dn Da 3, 17s).

Sim, por detrás destas lápides encerra-se o destino de inumeráveis seres humanos. Eles despertam a nossa memória, despertam o nosso coração. Não querem provocar em nós o ódio: ao contrário, demonstram-nos como é terrível a obra do ódio. Querem conduzir a razão a reconhecer o mal como mal e a rejeitá-lo; querem suscitar em nós a coragem do bem, da resistência contra o mal. Querem dar-nos aqueles sentimentos que se expressam nas palavras que Sófocles coloca nos lábios de Antígona face ao horror que a circunda: "Estou aqui não para odiar mas para, juntos, amar".

Graças a Deus, com a purificação da memória, à qual nos estimula este lugar de horror, crescem à sua volta numerosas iniciativas que desejam pôr um limite ao mal e dar força ao bem. Há pouco pude abençoar o Centro para o Diálogo e a Oração. Nas imediatas proximidades tem lugar a vida escondida das irmãs carmelitas, que estão particularmente unidas ao mistério da cruz de Cristo e nos recordam a fé dos cristãos, que afirma que o próprio Deus desceu ao inferno do sofrimento e sofre juntamente connosco. Em Oswiecim existe o Centro de São Maximiliano e o Centro Internacional de Formação sobre Auschwitz e sobre o Holocausto. Depois, há a Casa Internacional para os Encontros da Juventude. Numa das Antigas Casas de Oração existe o Centro Hebraico. Por fim está a constituir-se a Academia para os Direitos do Homem. Assim podemos esperar que do lugar do horror nasça e cresça uma reflexão construtiva e que recordar ajude a resistir ao mal e a fazer triunfar o amor.

A humanidade atravessou em Auschwitz-Birkenau um "vale escuro". Por isso desejo, precisamente neste lugar, concluir com a oração de confiança com um Salmo de Israel que é, ao mesmo tempo, uma oração da cristandade: "O Senhor é o meu pastor: nada me falta. Em verdes prados me fez descansar e conduz-me às águas refrescantes. Reconforta a minha alma e guia-me por caminhos rectos, por amor do seu nome. Ainda que atravesse vales tenebrosos, de nenhum mal terei medo porque Tu estás comigo. A tua vara e o teu cajado dão-me confiança... habitarei na casa do Senhor para todo o sempre" (Ps 23,1-4 Ps 23,6).




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