Discursos Bento XVI 286

AO SENHOR MARTIN BOLLDORF NOVO EMBAIXADOR DA ÁUSTRIA JUNTO DA SANTA SÉ Segunda-feira, 18 de Setembro de 2006

Excelência
Senhor Embaixador!

É com alegria que lhe dou as boas-vindas por ocasião da apresentação das Cartas que o acreditam como Embaixador extraordinário e plenipotenciário da República da Áustria junto da Santa Sé. Agradeço-lhe as cordiais palavras que me dirigiu e os bons votos que me transmitiu da parte do Presidente Heinz Fisher.

Por meu lado, envio ao Chefe do Estado, ao Governo federal e a todo o povo austríaco as minhas saudações mais cordiais. Com elas transmito os votos e a confiança em que durante o seu mandato as relações entre a Áustria e a Santa Sé, que hoje, e também por tradição são boas, possam progredir e tornar-se mais profundas.

De facto, a união entre a Áustria e a Santa Sé é antiga e fecunda. Esta união é mais que um facto histórico. Baseia-se sobretudo sobre a pertença da maioria da população austríaca à Igreja católica. Disto brotam orientações, opções e interesses comuns. Eles dizem respeito sobretudo ao homem, à sua liberdade e à sua dignidade, ao seu futuro no tempo e na sociedade. Sob diversos pontos de vista quer o Estado quer a Igreja ocupam-se do bem do homem. É ao serviço do homem que a política austríaca, nos pequenos municípios e nas grandes cidades, quer a nível distrital quer regional, no Parlamento e, sobretudo, no governo, se deixa guiar por uma "visão do mundo", na qual são determinantes os valores transmitidos pela fé cristã.

Por conseguinte, quem, como a Revelação judaico-cristã, coloca o homem criado por Deus no centro da Criação e da História, orienta o seu agir social e político para o bem autêntico do homem, cujo interesse e dignidade nunca podem ser subordinados aos parâmetros da "possibilidade", da utilidade e da produtividade. Qualquer política humana autêntica deriva sempre do facto que a maior riqueza de uma nação é constituída pelos seus habitantes.

Dos "interesses comuns" da Santa Sé e da Áustria fazem parte a Europa e, em particular, o ulterior desenvolvimento do processo de união europeia. Como talvez em nenhuma outra parte do mundo, a história e a cultura da Europa são plasmadas pelo cristianismo. Portanto, isto é válido para a área na qual vivem 457 milhões de habitantes dos 25 Países membros da União Europeia, dos quais a maior parte se declara de fé cristã. A área regional e nacional, a pátria mais próxima e mais distante, da qual, normalmente, a maior parte das pessoas tiram os elementos mais importantes da sua identidade cultural, torna-se cada vez mais pátria comum europeia. Para isto contribuem de modo não secundário a mobilidade que supera os confins e os meios de comunicação social. Como criadora da história e da cultura do continente europeu ao longo dos séculos, a Igreja católica aprova este desenvolvimento. Onde quer que homens e povos se considerem membros da mesma família, aumenta a possibilidade de paz, de solidariedade, de intercâmbio e enriquecimento recíproco.

A sociedade moderna com confins abertos deixa-se definir cada vez menos em termos de nacionalidade. Por isso e pela sua profunda consciência histórica os austríacos, como parentes dos povos vizinhos, sentem-se justamente europeus, cidadãos e cidadãs da Europa unida que assume cada vez mais forma. A Áustria é um País que viaja na Europa. A sua rica história de ex-País composto por vários povos predestinou-a a um compromisso europeu determinado no âmbito de directrizes político-institucionais e outras. Por fim, o esforço dedicado na solicitude e no aprofundamento de relações de boa vizinhança e na colaboração confiante de todos os membros pela paz e o bem dos povos da área do Danúbio é uma constante da política estrangeira austríaca.

287 Estes princípios e experiências também inspiraram a Presidência austríaca do Conselho da União Europeia na primeira metade de 2006, que se quis interpretar como "serviço à Europa" e foi centrada sobre a obra de criar confiança entre os Estados-Membro da União Europeia.

Senhor Embaixador, o caminho da integração europeia, a edificação coroada pelo enorme sucesso de uma grande casa europeia, sob cujo tecto os povos do continente forjam o próprio futuro na paz e no respeito e intercâmbio recíprocos, depende essencialmente da confiança que os cidadãos têm neste projecto. Nos debates sobre o processo de ampliação da União Europeia por um lado e, por outro, sobre a constituição europeia surgem questões novas de importância fundamental. No final, trata-se sempre da questão da identidade e das bases espirituais, sobre as quais se baseia a comunidade dos povos e dos Estados europeus. Nem uma união económica mais ou menos válida nem uma normativa burocrática que regule a convivência jamais poderão satisfazer completamente as expectativas das pessoas para a Europa. As raízes mais profundas de uma "reciprocidade" europeia sólida e sem crises afundam nas convicções e nos valores comuns da história e da tradição cristã e humanista do continente. Sem uma autêntica comunidade de valores não é possível edificar nenhuma comunidade de direito confiável, que, ao contrário, as pessoas esperam. Na Europa, a Áustria é hoje um dos Países mais pequenos. Contudo, pode oferecer um grande contributo: um contributo para que na Europa, sempre e em qualquer circunstância, sejam respeitados e tutelados os direitos e a dignidade inviolável do homem, criado à imagem e semelhança de Deus, e o papel da família como célula primária da sociedade; uma contribuição, para que a Europa, no processo necessário de autodeterminação dirija o olhar para Deus, Criador de toda a vida, no qual coincidem a justiça e o amor.

O seu acreditamento, Senhor Embaixador, é também para mim uma boa ocasião para recordar mais uma vez com satisfação que no seu precioso País subsiste uma cooperação fecunda e válida entre Estado e Igreja para o bem de todos os habitantes. Em ocasiões precedentes falou-se em diversos âmbitos desta cooperação. Nesta sede desejo mencionar só o desenvolvimento das escolas superiores de acordo com a Igreja e realçar o compromisso do Estado, baseado na Concordata, para o ensino da religião católica, que na Áustria faz parte das matérias obrigatórias. Perante o número crescente de estudantes que não pertencem a qualquer confissão religiosa o Estado encontra-se diante da tarefa de fazer conhecer também a estas crianças e jovens as bases do pensamento ocidental e da "civilização do amor" marcada pelo espírito cristão.

Senhor Embaixador, a Áustria é conhecida pela sua grande abertura à missão universal do Sucessor de Pedro ao serviço da difusão do Evangelho da esperança e da fé libertadora em Jesus Cristo, Senhor e Salvador da humanidade, que deseja doar a todos os povos reconciliação, justiça e paz. Digo-lhe também que em todo o mundo há gratidão pela ajuda que os católicos austríacos e numerosas pessoas de boa vontade oferecem na pátria para projectos sociais, humanitários e missionários. No decurso da sua actividade diplomática já se familiarizou com a missão da Santa Sé. Tenho certeza de que a sua nova tarefa em Roma lhe dará alegria e satisfação plena. Por intercessão da Mãe de Deus de Mariazell, de São Carlos da Áustria e de todos os Padroeiros do seu País, concedo de coração a Vossa Excelência, aos membros da Embaixada da República da Áustria junto da Santa Sé e à sua querida família a minha Bênção Apostólica.

SAUDAÇÃO AO CARDEAL TARCISIO BERTONE, SECRETÁRIO DE ESTADO, JUNTAMENTE COM SEUS FAMILIARES Segunda-feira, 18 de Setembro de 2006


Eminência
Queridos amigos

Sinto-me feliz por saudar aqui mais uma vez publicamente o novo Secretário de Estado e toda a sua família. Conhecemo-nos quando Sua Eminência era Consultor da Congregação para a Doutrina da Fé. Ajudou-me muitíssimo nalguns colóquios difíceis que tivemos em 1988.

Depois, quando o querido Mons. Bovone passou à Congregação para as Causas dos Santos, devia-se procurar um novo Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé. E não tive necessidade de reflectir por muito tempo, porque as recordações daquele trabalho comum eram tão vivas que compreendi que o Senhor já me tinha indicado o sucessor. E seguiram-se anos muito agradáveis de colaboração na Doutrina da Fé. Sempre esteve presente Santo Eusébio de Vercelli, não sei se também hoje há a continuidade desta presença a preservar a fé. Fizémos o que podíamos. Tive a possibilidade de ver Vercelli e conhecer aquela bonita Arquidiocese. Naquele tempo, vindo para a Congregação, o Cardeal Bertone tinha "perdido" a púrpura que tivera em Vercelli. Mais tarde, indo para Génova, voltou a púrpura e teve também a ocasião de ver as belezas de Génova.

Depois aproximou-se o tempo de apresentar a demissão para alguns Cardeais da Cúria que nasceram em 1927. E assim recordei-me de novo dos anos comuns de trabalho e o Senhor concedeu-me esta graça do "sim" de Sua Eminência.

Comecemos juntos com coragem o nosso caminho. Sinto-me feliz por ver que é apoiado por uma forte família. Felicidades a todos vós!




AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO DOS NOVOS BISPOS 21 de Setembro de 2006

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Sala dos Suíços do Palácio Pontifício de Castel Gandolfo

Quinta-feira, 21 de Setembro de 2006



Queridos Irmãos no Episcopado!

Dirijo a cada um de vós a minha cordial saudação. Antes de tudo, dirijo-a ao Senhor Cardeal Giovanni Battista Re, o qual se fez intérprete dos vossos sentimentos, e faço-a extensiva com afecto a quantos organizaram e coordenaram este vosso encontro. Ouvistes nestes dias a experiência de alguns Chefes de Dicastérios da Cúria Romana e de Bispos, que vos ajudaram a reflectir sobre alguns aspectos do ministério episcopal de grande importância para o nosso tempo. Hoje é o Papa que vos recebe com alegria e se sente feliz por partilhar convosco os sentimentos e as expectativas que viveis nestes primeiros meses do vosso ministério episcopal. Sem dúvida, já experimentastes como Jesus, o Bom Pastor, age nas almas com a sua graça. "Basta-te a Minha graça" (
2Co 12,9) foi a resposta que ouviu o apóstolo Paulo quando pediu ao Senhor que o poupasse dos sofrimentos. Esta mesma consciência alimente sempre a vossa fé, estimule a busca dos caminhos para alcançar o coração de todos com aquele optimismo sadio que deveis irradiar sempre em vosso redor.

Na Encíclica Deus caritas est escrevi que os Bispos têm como primeira responsabilidade edificar a Igreja como família de Deus e como lugar de ajuda recíproca e de disponibilidade (cf. ). Para poder cumprir esta missão recebestes, com a consagração episcopal, três ofícios peculiares: o munus docendi, o munus sanctificandi e o munus regendi, que no seu conjunto constituem o munus pascendi. Em particular, a finalidade do munus regendi é o crescimento na comunhão eclesial, isto é, a construção de uma comunidade concorde na escuta do ensinamento dos apóstolos, na fracção do pão, nas orações e na união fraterna (cf. Ac 2,42). Estreitamente unido aos ofícios de ensinar e de santificar, o de governar precisamente o munus regendi constitui para o bispo um autêntico acto de amor para com Deus e para com o próximo, que se expressa na caridade pastoral. O Concílio Vaticano II indicou isto de modo autorizado na Constituição Lumen gentium, propondo aos Bispos como modelo Cristo, Bom Pastor, que não veio para ser servido mas para servir (cf. LG 27). Em continuidade com ela, a Carta apostólica pós-sinodal Pastores gregis convida o Bispo a inspirar-se constantemente no ícone evangélico do lava-pés (cf. ). Só Cristo, que é o amor encarnado de Deus (cf. Deus caritas est ), nos pode indicar de modo autorizado como amar e servir a Igreja.

Queridos Irmãos, a exemplo de Cristo cada um de vós, na solicitude quotidiana pela grei, se faça "tudo para todos" (cf. 1Co 9,22) propondo a verdade da fé, celebrando os sacramentos da nossa santificação e testemunhando a caridade do Senhor. Acolhei de coração aberto quantos batem à vossa porta: aconselhai-os, confortai-os e apoiai-os no caminho de Deus, procurando guiar todos àquela unidade na fé e no amor da qual, por vontade do Senhor, deveis ser princípio visível e o fundamento nas vossas Dioceses (cf. Lumen gentium LG 23). Tende esta solicitude em primeiro lugar em relação aos sacerdotes. Comportai-vos sempre com eles como pais e irmãos maiores que sabem ouvir, acolher, confortar e, quando for necessário, também corrigir; procurai a sua colaboração e estai próximos deles especialmente nos momentos significativos do seu ministério e da sua vida. Depois, procurai ter a mesma solicitude em relação aos jovens que se preparam para a vida sacerdotal e religiosa.

Em virtude do ofício de governar (cf. Lumen gentium LG 27) o Bispo também está chamado a julgar e disciplinar a vida do Povo de Deus confiado aos seus cuidados pastorais com leis, indicações e sugestões, segundo quanto está previsto pela disciplina universal da Igreja. Este direito e dever do Bispo é importante como nunca para que a Comunidade diocesana esteja unida no seu interior e proceda em profunda comunhão de fé, de amor e de disciplina com o Bispo de Roma e com toda a Igreja. Por conseguinte, exorto-vos, queridos Irmãos no Episcopado, a ser guardiães atentos desta comunhão eclesial e a promovê-la e defendê-la vigiando constantemente sobre o rebanho do qual fostes constituídos Pastores. Trata-se de um acto de amor que exige discernimento, coragem apostólica e paciente bondade ao procurar convencer e comprometer, para que as vossas indicações sejam acolhidas de bom grado e concretizadas com convicção e rapidez. Com a dócil obediência ao Bispo, cada fiel contribui responsavelmente para a edificação da Igreja. Isto será possível se, conscientes da vossa missão e das vossas responsabilidades, souberdes alimentar em cada um deles o sentido de pertença à Igreja e a alegria da comunhão fraterna, comprometendo os organismos competentes previstos pela disciplina eclesial. Construir a comunhão eclesial seja o vosso empenho quotidiano.

A Carta apostólica Pastores gregis e o Directório para o ministério pastoral dos Bispos insistem em indicar a cada Pastor que a sua autoridade objectiva deve ser apoiada pela respeitabilidade da sua vida. A serenidade nos relacionamentos, a delicadeza dos modos e a simplicidade da vida são dotes que, sem dúvida, enriquecem a personalidade humana do Bispo. Na "Regra Pastoral", São Gregório Magno escreve que "o governo das almas é a arte das artes" (n. 1). Arte que exige o crescimento constante das virtudes, entre as quais desejo recordar a da prudência, definida por São Bernardo a mãe da fortaleza. A prudência tornar-vos-á pacientes convosco e com os outros, corajosos e firmes nas decisões, misericordiosos e justos, preocupando-vos unicamente da vossa salvação e dos vossos irmãos "com temor e tremor" (Ph 2,12).O dom total de vós próprios, que a solicitude do rebanho do Senhor exige, tem necessidade do apoio de uma intensa vida espiritual, alimentada pela oração pessoal e comunitária assídua. Um contacto constante com Deus caracterize portanto os vossos dias e acompanhe cada uma das vossas actividades. Viver em íntima união com Cristo ajudar-vos-á a alcançar aquele equilíbrio necessário entre o recolhimento interior e o esforço necessário exigido pelas numerosas ocupações da vida, evitando cair num activismo exagerado. No dia da vossa consagração episcopal fizestes a promessa de rezar incansavelmente pelo vosso povo. Queridos Irmãos, permanecei sempre fiéis a este compromisso que vos tornará capazes de exercer de modo irrepreensível o vosso ministério pastoral. Mediante a oração, as portas do vosso coração abrem-se ao projecto de Deus, que é projecto de amor ao qual Ele vos chamou unindo-vos mais intimamente a Cristo com a graça do Episcopado. Seguindo-O, o Pastor e Bispo das vossas almas (cf. 1P 2,25), sereis estimulados a tender sem vos cansardes para a santidade, que é a finalidade fundamental da existência de cada cristão.

Queridos Irmãos, ao agradecer-vos a vossa agradável visita, desejo garantir-vos a minha recordação quotidiana ao Senhor pelo vosso serviço eclesial, que confio a Nossa Senhora Mater Ecclesiae. Invoco a sua protecção sobre vós, sobre as vossas Dioceses e sobre o vosso ministério. Com estes sentimentos concedo a vós e a quantos vos são queridos uma especial Bênção Apostólica.




AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA OS LEIGOS Sexta-feira, 22 de Setembro de 2006


Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
289 no Episcopado e no Sacerdócio
Queridos irmãos e irmãs!

Hoje tenho a alegria de me encontrar pela primeira vez convosco, queridos membros e consultores do Pontifício Conselho para os Leigos, que vos reunistes para a Assembleia Plenária. O vosso Pontifício Conselho tem a peculiaridade de contar entre os seus membros e consultores, ao lado dos Cardeais, Bispos, sacerdotes e religiosos, uma maioria de fiéis leigos, provenientes de diversos continentes e Países e das mais variadas experiências apostólicas. Saúdo-vos com afecto e agradeço-vos pelo serviço que prestais à Sé de Pedro e à Igreja difundida em todas as partes do mundo. A minha saudação dirige-se de modo especial ao Presidente, D. Stanislaw Rylko, ao qual agradeço as gentis e devotas palavras, ao Secretário, D. Josef Clemens, juntamente a quantos quotidianamente trabalham no vosso Conselho.

Durante os anos do meu serviço à Cúria Romana já tive a ocasião de me dar conta da crescente importância assumida pelo Pontifício Conselho para os Leigos na Igreja; importância que vejo ainda mais desde quando o Senhor me chamou a suceder ao Servo de Deus João Paulo II na guia de todo o povo cristão, porque vejo mais directamente o trabalho que desempenhais. De facto, tive a ocasião de presidir a encontros de indiscutível importância eclesial promovidos pelo vosso Conselho: a Jornada Mundial da Juventude, realizada em Colónia no mês de Agosto do ano passado e o Encontro realizado na Praça de São Pedro, na Vigília de Pentecostes deste ano, com a presença de mais de cem Movimentos eclesiais e novas Comunidades. Depois, penso no primeiro Congresso latino-americano dos Movimentos eclesiais e das novas Comunidades, que o vosso Pontifício Conselho organizou em colaboração com o CELAM, em Bogotá, de 9 a 12 de Março de 2006, em vista da V Conferência geral do Episcopado latino-americano.

Depois de ter examinado na Assembleia plenária anterior a natureza teológica e pastoral da comunidade paroquial, estais agora a enfrentar a questão sob um ponto de vista prático, procurando elementos úteis para favorecer uma autêntica renovação pastoral. De facto, o tema do vosso encontro é: "A paróquia reencontrada. Percursos de renovação". Com efeito, o aspecto teológico pastoral e o prático não podem ser separados, se se quiser ter acesso ao mistério de comunhão do qual a paróquia está chamada a ser cada vez mais sinal e instrumento de concretização. O evangelista Lucas nos Actos dos Apóstolos indica os critérios fundamentais para uma recta compreensão da natureza da comunidade cristã, e por conseguinte também de qualquer paróquia, onde descreve a primeira comunidade de Jerusalém perseverante na escuta do ensinamento dos Apóstolos, na união fraterna, na "fracção do pão e nas orações", uma comunidade acolhedora e solidária a ponto de pôr tudo em comum (cf. 2, 42; 4, 32-35).

A paróquia poderá reviver esta experiência e crescer no entendimento e na união fraterna se rezar incessantemente e permanecer à escuta da Palavra de Deus, sobretudo se participar com fé na celebração da Eucaristia presidida pelo sacerdote. A este propósito, o amado João Paulo II escreveu na sua última Encíclica Ecclesia de Eucharistia: "a paróquia é uma comunidade de baptizados que exprime e afirma a sua identidade, sobretudo através da celebração do sacrifício eucarístico" (n. 32). Por conseguinte, a desejada renovação da paróquia não pode surgir unicamente das oportunas iniciativas pastorais, mesmo sendo úteis, nem muito menos de programas elaborados no papel. Inspirando-se no modelo apostólico, como aparece nos Actos dos Apóstolos, a paróquia "reencontra-se" a si mesma no encontro com Cristo, especialmente na Eucaristia. Alimentada pelo pão eucarístico, ela cresce na comunhão católica, caminha em plena fidelidade ao Magistério e está sempre atenta a acolher e discernir os diversos carismas que o Senhor suscita no Povo de Deus. Da união constante com Cristo a paróquia tira vigor para se comprometer depois continuamente no serviço aos irmãos, particularmente aos pobres, para os quais ela é de facto a primeira referência.

Amados irmãos e irmãs, ao expressar-vos o profundo apreço pela actividade de animação e de serviço que desempenhais, desejo de coração que os trabalhos da Assembleia Plenária contribuam para que os fiéis leigos se tornem cada vez mais conscientes da sua missão na Igreja, em particular no âmbito da comunidade paroquial, que é uma "família" de famílias cristãs. Para esta finalidade garanto uma constante recordação na oração e, ao invocar sobre cada um a materna protecção de Maria, concedo de bom grado a todos vós, aos vossos familiares e às comunidades a que pertenceis a minha Bênção.




AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DO CHADE EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM" Castel Gandolfo, 23 de Setembro de 2006


Queridos Irmãos no Episcopado!

Nestes dias nos quais realizais a vossa visita "ad Limina", sinto-me feliz por vos receber, a vós que o Senhor escolheu para guiar o povo de Deus no Chade. A vossa peregrinação a Roma conduz-vos sobre os passos dos Apóstolos Pedro e Paulo, e permite-vos encontrar o Sucessor de Pedro e os seus colaboradores para afirmar a vossa comunhão com a Igreja universal. Faço votos por que esta estadia constitua para vós a ocasião de fortalecer o vosso fervor apostólico, a fim de que as vossas comunidades recebam um renovado impulso para que sejam uma luz que ilumina e orienta para Aquele que dá a salvação. Agradeço ao vosso Presidente, D. Jean-Claude Bouchard, Bispo de Pala, a apresentação das realidades eclesiais no vosso País. Ao regressar às vossas Dioceses, transmiti aos sacerdotes, aos consagrados, aos catequistas e a todos os fiéis, a minha saudação afectuosa e a certeza da minha proximidade espiritual, assim como o meu encorajamento para a sua vida cristã!

Amados Irmãos no Episcopado, à imagem de Cristo, Bom Pastor, vós sois enviados para serdes missionários da Boa Nova. Continuai a desempenhar este cargo com confiança e coragem! A santidade da vossa vida fará de vós sinais autênticos do amor de Deus. Mediante a proclamação do Evangelho, guiai as vossas comunidades para o encontro do Senhor e ajudai-as a testemunhar a sua esperança, contribuindo para o restabelecimento de uma sociedade mais justa, fundada na reconciliação e na unidade entre todos! A participação regular dos fiéis nos sacramentos, sobretudo na Eucaristia, dar-lhes-á a força para se colocarem no seguimento de Cristo; eles sentirão assim a necessidade de partilhar com os seus irmãos a alegria de se encontrarem com o Senhor. No prolongamento do primeiro Congresso eucarístico nacional que as vossas Dioceses celebraram em Moundou no início deste ano, todos terão a solicitude de aprofundar o conhecimento deste grande sacramento, a fim de o fazer frutificar na sua vida. De igual modo, uma sólida formação religiosa, fundada em fortes convicções espirituais, permitirá que os fiéis conduzam uma existência em conformidade com os compromissos do seu Baptismo e testemunhem os valores cristãos na sociedade.

290 Gostaria de saudar com afecto particular os vossos sacerdotes e encorajá-los na sua missão difícil mas exaltante de anunciar o Evangelho e de servir o Povo de Deus. Como já tive a ocasião de ressaltar, "ser sacerdote significa tornar-se amigo de Jesus Cristo, e isto cada vez mais com toda a nossa existência" (Missa crismal, 13 de Abril de 2006). A partir da sua formação, os sacerdotes serão portanto estimulados a comprometer-se cada vez mais profundamente na amizade que o Senhor incessantemente lhes propõe. A fim de garantir tal formação nas melhores condições, convido-vos a vigiar atentamente sobre os vossos seminários, incentivando os formadores na sua tarefa de discernimento das vocações. A amizade com Cristo exige uma busca constante e jubilosa de comunhão de pensamento, vontade e acção com Ele, numa obediência humilde e fiel. Esta comunhão só se poderá realizar na medida em que o sacerdote for um autêntico homem de oração. Queridos Irmãos no Episcopado, preocupai-vos pela vida espiritual dos vossos sacerdotes, encorajando-os a permanecer fiéis a uma regra de vida sacerdotal que os ajudará a conformar a sua existência com a chamada recebida do Senhor. Manifestai-lhes a vossa proximidade fraterna no seu ministério; nos tempos das provações e das incertezas confortai e, se for necessário, corrigi convidando-os a manter o olhar fixo em Jesus.

Entre os desafios pastorais que devem ser realçados, encontra-se a urgência de proclamar a verdade integral sobre o matrimónio e a família. De facto, é primordial mostrar que a instituição do matrimónio contribui para o verdadeiro desenvolvimento das pessoas e da sociedade, e permite garantir a dignidade, a igualdade e a verdadeira liberdade do homem e da mulher, assim como o crescimento humano e espiritual dos filhos. "Criados os dois à imagem de Deus, o homem e a mulher, embora diferentes, são essencialmente iguais sob o ponto de vista da natureza humana" (Ecclesia in Africa ). Uma séria formação dos jovens favorecerá uma renovação da pastoral familiar e contribuirá para resolver as dificuldades de ordem social, cultural ou económica que, para numerosos fiéis, constituem impedimentos para o matrimónio cristão. Preservando os valores fundamentais da família africana, possam os jovens do vosso país acolher na sua vida a beleza e a grandeza do matrimónio cristão que, na sua unicidade, exige um amor indissolúvel e fiel dos esposos.

A acção caritativa, manifestação do amor ao próximo, enraizada no amor de Deus, ocupa um lugar preeminente na pastoral das vossas Dioceses. "É amor o serviço que a Igreja exerce para acorrer constantemente aos sofrimentos e às necessidades, mesmo materiais, dos homens" (Deus caritas est ). O meu reconhecimento dirige-se a todas as pessoas, sobretudo aos religiosos, que, nas vossas Dioceses, exercem uma actividade caritativa ao serviço do desenvolvimento, da educação e da saúde, bem como do acolhimento dos refugiados. Favorecendo uma solidariedade autêntica com as pessoas em necessidade, sem distinção alguma de origem, elas não se esqueçam da especificidade eclesial das suas actividades e fortaleçam a consciência de serem testemunhas críveis de Cristo junto dos seus irmãos e irmãs.

A consolidação da fraternidade entre as diferentes comunidades que compõem a nação é um objectivo que exige o compromisso de todos, a fim de proteger o País de confrontos que levariam apenas ao desencadeamento de novas violências. O reconhecimento da dignidade de cada um, da identidade de cada grupo humano e religioso, e da liberdade de praticar a sua religião, faz parte dos valores comuns da paz e da justiça que devem ser promovidos por todos e nos quais os responsáveis pela sociedade civil desempenham um papel importante.

Alegro-me por saber que no vosso País os relacionamentos entre cristãos e muçulmanos geralmente são bons, graças sobretudo à busca de um melhor conhecimento recíproco. Por conseguinte, encorajo-vos a prosseguir a colaboração num espírito de diálogo sincero e de respeito recíproco, para ajudar todos a levar uma vida em conformidade com a dignidade recebida de Deus, com a preocupação por uma solidariedade autêntica e um progresso harmonioso da sociedade.

Queridos Irmãos no Episcopado, confio o vosso País à protecção materna de Nossa Senhora, Rainha da África. Que ela interceda junto de seu Filho para obter a paz e a justiça para este continente tão provado. Concedo de coração a Bênção Apostólica a todos vós, assim como aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas, aos catequistas e a todos os fiéis das vossas Dioceses.


AOS PARTICIPANTES NO CURSO DE ACTUALIZAÇÃO PROMOVIDO PELA CONGREGAÇÃO PARA A EVANGELIZAÇÃO DOS POVOS Castel Gandolfo, 23 de Setembro de 2006



Senhor Cardeal
Amados Irmãos no Episcopado

É-me grato poder encontrar-me convosco por ocasião do Seminário de actualização promovido pela Congregação para a Evangelização dos Povos, e dirijo a minha mais cordial saudação a cada um de vós. Em primeiro lugar, saúdo o Senhor Cardeal Ivan Dias, Prefeito do Dicastério missionário há apenas poucos meses, e agradeço-lhe as amáveis palavras que me dirigiu também no vosso nome. Além disso, saúdo e agradeço àqueles que prestaram a sua colaboração para o bom êxito deste Curso formativo. Estendo o meu pensamento carinhoso às vossas Comunidades diocesanas, jovens e repletas de entusiasmo, onde a evangelização oferece promissores sinais de desenvolvimento, embora o contexto seja árduo e difícil. Sem dúvida, estes dias de convivência fraterna são úteis para o serviço pastoral à missão pastoral que, há pouco tempo, vos foi confiada pelo Senhor.

Sois chamados a tornar-vos Pastores no meio das populações que, em boa parte, ainda não conhecem Jesus Cristo. Portanto, como primeiros responsáveis pelo anúncio evangélico, deveis realizar esforços não indiferentes para que a todos seja dada a possibilidade de O receber. Vós sentis cada vez mais a exigência de inculturar o Evangelho, de evangelizar as culturas e de alimentar um diálogo sincero e aberto com todos, para que em conjunto se construa uma humanidade mais fraterna e solidária. Somente impelido pelo amor a Cristo é possível realizar este serviço apostólico que exige o ardor intrépido de quem, pelo Senhor, não teme nem sequer a perseguição e a morte.
291 Como deixar de recordar os numerosos sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos que, nos séculos passados e também nestes nossos tempos, selaram nos Territórios de missão com o sangue a sua fidelidade a Cristo e à Igreja? Nos últimos dias, ao número destas testemunhas heróicas do Evangelho foi acrescentado o sacrifício da Ir. Leonella Sgorbati, Missionária da Consolata, barbaramente morta em Mogadixo, na Somália. Este martirológio adorna a história da Igreja, tanto ontem como hoje, e apesar do sofrimento e da apreensão, conserva viva na nossa alma a confiança num glorioso florescimento de fé cristã porque, como afirma Tertuliano, "o sangue dos mártires é semente de novos cristãos".

A vós, Pastores da grei de Deus, confiou-se a missão de conservar e transmitir a fé em Cristo, que nos foi legada pela tradição viva da Igreja e pela qual muitos entregaram a sua própria vida. Para cumprir esta tarefa, é essencial que vós sejais os primeiros a dar o "exemplo de boas obras, de integridade na doutrina, de dignidade, de palavra sã e irrepreensível" (
Tt 2,7-8). "O homem contemporâneo escrevia o meu Predecessor, o Servo de Deus Papa Paulo VI, de venerada memória escuta de melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres... ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas" (Evangelii nuntiandi EN 41). Eis por que motivo é necessário que, no vosso ministério episcopal, vós reserveis uma importância primordial à oração e à tensão incessante à santidade. É importante que vos preocupeis com uma formação séria dos seminaristas e com uma actualização permanente dos sacerdotes e dos catequistas. Conservar a unidade da fé na diversidade das suas expressões culturais é outro precioso serviço que se pede de vós, estimados Irmãos no Episcopado. Isto exige que permaneçais unidos ao rebanho, segundo o exemplo de Cristo Bom Pastor, e que a grei caminhe sempre unida a vós. Como sentinelas do Povo de Deus, evitai com determinação e coragem as divisões, especialmente quando são devidas a motivos étnicos e socioculturais. Efectivamente, elas atentam contra a unidade da fé e debilitam o anúncio e o testemunho do Evangelho de Cristo, que veio ao mundo para transformar a humanidade inteira num povo santo e numa única família em que Deus é o Pai de todos.

É motivo de alegria e de consolação constatar que, em numerosas das vossas Igrejas, se assiste a um constante florescimento de vocações ao sacerdócio e à vida religiosa, maravilhoso dom de Deus, a ser acolhido e promovido com gratidão e zelo. Tende a preocupação de oferecer aos vossos seminários um número suficiente de formadores, escolhidos e preparados com cuidado, que sejam em primeiro lugar exemplos e modelos para os seminaristas. Como sabeis, o seminário é o coração da Diocese, e é bem por este motivo que o Bispo o acompanha pessoalmente. Da preparação dos futuros presbíteros e de todos os outros agentes de pastoral, em particular dos catequistas, depende o porvir das vossas Comunidades e o futuro da Igreja universal.
Venerados e dilectos Irmãos, enriquecidos por esta vossa estadia formativa em Roma, daqui a alguns dias regressareis às vossas respectivas Dioceses. Continuarei a sentir-me espiritualmente unido a vós, enquanto vos peço que transmitais o meu carinho e a minha proximidade na oração também às vossas Comunidades, sobre as quais invocamos a protecção maternal de Maria Santíssima, Estrela da Evangelização, e a intercessão de São Pio de Pietrelcina, cuja memória litúrgica estamos a celebrar no dia de hoje. É com estes sentimentos que concedo a minha Bênção a cada um de vós, enquanto a faço extensiva a quantos são confiados aos vossos cuidados pastorais, de modo particular às crianças, aos jovens, aos idosos, aos doentes, aos pobres e a todas as pessoas que sofrem.




Discursos Bento XVI 286