Discursos Bento XVI 19106


VISITA À PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE LATERANENSE Sábado, 21 de Outubro de 2006

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Saudação do Papa aos estudantes
e aos funcionários reunidos na praça:

Sinto-me feliz por estar aqui na "minha" Universidade, porque esta é a Universidade do Bispo de Roma. Sei que aqui se procura a verdade e assim, em última análise procura-se Cristo, porque Ele é a Verdade em pessoa. Este caminho rumo à verdade procurai conhecer melhor a verdade em todas as suas expressões na realidade é um serviço fundamentalmente eclesial. Um grande teólogo belga escreveu um livro: "O amor às letras e o desejo de Deus", e mostrou que na tradição do monaquismo as duas coisas caminham juntas, porque Deus é Palavra e nos fala através da Escritura. Por conseguinte, supõe que nós comecemos a ler, estudar e aprofundar o conhecimento das letras, e assim aprofundemos o nosso conhecimento da Palavra. Neste sentido, a abertura da Biblioteca é um acontecimento quer universitário e académico, quer também espiritual e teológico, porque precisamente lendo, a caminho rumo à verdade, estudando as palavras para encontrar a Palavra, estamos ao serviço do Senhor. Um serviço do Evangelho para o mundo, porque o mundo precisa da verdade. Sem verdade não há liberdade, não estamos completamente na ideia originária do Criador.

Obrigado pelo vosso trabalho! O Senhor vos abençoe durante todo este ano académico.
***


Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Ilustres Senhores e gentis Senhoras
Caríssimos estudantes!

Apraz-me de modo particular poder partilhar convosco o início do Ano Académico, que coincide com a solene inauguração da nova Biblioteca e desta Aula Magna. Agradeço ao Grão-Chanceler, o Senhor Cardeal Camillo Ruini, as palavras de boas-vindas que tão gentilmente me dirigiu em nome de toda a comunidade académica. Saúdo o Magnífico Reitor, D. Rino Fisichella, e agradeço-lhe tudo o que disse, dando início a este solene acto académico. Saúdo os Cardeais, os Arcebispos e os Bispos, as Autoridades académicas e todos os Professores, assim como quantos trabalham nesta Universidade. Saúdo, depois, com especial afecto todos os estudantes, porque a Universidade foi criada para eles.

Recordo com prazer a minha última visita ao Latrão e, como se o tempo não tivesse passado, gostaria de retomar o tema então tratado, como se o tivéssemos interrompido só por alguns momentos. Um contexto como o académico convida de modo muito especial a entrar de novo no tema da crise de cultura e de identidade, que estes decénios apresentam aos nossos olhos não sem dramaticidade. A Universidade é um dos lugares mais qualificados para procurar encontrar os caminhos oportunos para sair desta situação. Na Universidade, de facto, conserva-se a riqueza da tradição que permanece viva nos séculos e precisamente a Biblioteca é um instrumento fundamental para guardar a riqueza da tradição; nela pode ser ilustrada a fecundidade da verdade quando é acolhida na sua autenticidade com ânimo simples e aberto. Na Universidade formam-se as novas gerações, que esperam uma proposta séria, empenhativa e capaz de responder em novos contextos à perene pergunta acerca do sentido da própria existência. Esta expectativa não deve ser desiludida. O contexto contemporâneo parece dar a primazia a uma inteligência artificial que se torna cada vez mais escrava da técnica experimental e se esquece, desta forma, que qualquer ciência deve sempre salvaguardar o homem e promover a sua propensão para o bem autêntico.

Sobreestimar o "fazer" obscurecendo o "ser" não ajuda a recompor o equilíbrio fundamental de que cada um tem necessidade para dar à própria existência um fundamento sólido e uma finalidade válida.

305 De facto, cada homem está chamado a dar sentido ao próprio agir sobretudo quando se coloca no horizonte de uma descoberta científica que anula a própria essência da vida pessoal. Deixar-se arrebatar pelo gosto da descoberta sem salvaguardar os critérios que provêm de uma visão mais profunda faria facilmente cair no drama do qual falava o mito antigo: o jovem Ícaro, tomado pelo gosto do voo para a liberdade absoluta e esquecendo as advertências do velho pai, Dédalo, aproxima-se cada vez mais do sol, esquecendo que as asas com que se elevou para o céu são de cera. A queda desastrosa e a morte são as consequências que ele paga por esta sua ilusão. A fábula antiga tem uma sua lição de valor perene. Há na vida outras ilusões nas quais não podemos confiar, sem arriscar consequências desastrosas para a própria existência e para a dos outros.

O professor universitário tem a tarefa não só de averiguar a verdade e suscitar a sua perene admiração, mas também de promover a sua consciência em cada um dos seus aspectos e defendê-la de interpretações redutivas e deturpadas. Colocar o tema da verdade no centro não é um acto meramente especulativo, limitado a um pequeno grupo de pensadores; ao contrário, é uma questão vital para dar profunda identidade à vida pessoal e suscitar a responsabilidade nas relações sociais (cf. Ef
Ep 4,25). De facto, se não respondemos à pergunta sobre a verdade e a possibilidade concreta para cada pessoa de a poder alcançar, a vida acaba por se limitar a um leque de hipóteses, privadas de referências certas. Como dizia o famoso humanista Erasmo: "As opiniões são fonte de felicidade a bom preço! Aprender a verdadeira essência das coisas, mesmo se se trata de coisas de mínima importância, custa grande fadiga" (Elogio da loucura, XL VII). A Universidade deve comprometer-se em cumprir esta fadiga; ela passa através do estudo e da pesquisa, em espírito de perseverança paciente. Esta fadiga, contudo, habilita a entrar progressivamente no coração das questões e abre à paixão pela verdade e à alegria por a ter encontrado. Permanecem com a sua actualidade as palavras do santo Bispo Anselmo de Aosta: "Que eu te procure desejando-te, que eu te deseje procurando-te, que te encontre amando-te, que te ame reencontrando-te" (Proslogion, 1). O espaço do silêncio e da contemplação, que são o cenário indispensável sobre o qual colocar as interrogações que a mente suscita, pode encontrar dentro destes muros pessoas atentas que saibam avaliar a sua importância, a eficiência e as consequências para o viver pessoal e social.

Deus é a verdade última para a qual qualquer razão naturalmente propende, solicitada pelo desejo de realizar totalmente o percurso que lhe foi estabelecido. Deus não é uma palavra nem uma hipótese abstracta; ao contrário, é o fundamento sobre o qual construir a própria vida. Viver no mundo "veluti si Deus daretur" obriga a assumir uma responsabilidade que sabe comprometer-se na averiguação de qualquer percurso realizável para se aproximar o mais possível d'Ele, que é o fim para o qual tudo propende (cf. 1Co 15,24). O crente sabe que este Deus tem um rosto e que, de uma vez para sempre, em Jesus Cristo se fez próximo de cada homem. O Concílio Vaticano II recordou isto com perspicácia: "pela Sua encarnação o Filho de Deus uniu-se de alguma sorte a todo o homem. Trabalhou com mãos humanas, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascendo da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, em tudo semelhante a nós, excepto no pecado" (Gaudium et spes GS 22). Conhecê-l'O significa conhecer a verdade plena, graças à qual se encontra a liberdade: "Conhecereis a verdade e a verdade libertar-vos-á" (Jn 8,32).

Antes de concluir, desejo expressar profundo apreço pela realização dos novos ambientes que completam as estruturas universitárias, tornando-as cada vez mais adequadas para o estudo, para a pesquisa e para a animação da vida de toda a comunidade. Quisestes dedicar à minha pobre pessoa esta Aula Magna. Agradeço-vos o gesto; espero que possa ser um centro fecundo de actividade científica. através do qual a Universidade do Latrão possa fazer-se instrumento de um diálogo frutuoso entre as diversas realidades religiosas e culturais, na busca comum de percursos que favoreçam o bem e o respeito de todos.

Com estes sentimentos, enquanto peço ao Senhor que efunda neste lugar a abundância da sua luz, confio o caminho deste Ano académico à protecção da Virgem Santíssima, e a todos concedo a propiciadora Bênção Apostólica.




AOS MEMBROS DA FUNDAÇÃO JOÃO PAULO II Segunda-feira, 23 de Outubro de 2006


Ilustres Senhores e Senhoras!

Saúdo cordialmente todos vós, que viestes a Roma, para celebrar solenemente o vigésimo quinto aniversário da Fundação João Paulo II. Agradeço ao Senhor Cardeal Stanislaw Dziwisz, Metropolita de Cracóvia, as palavras que acabou de me dirigir. Dou as boas-vindas ao Senhor Cardeal Adam Maida e a todos os Arcebispos e Bispos aqui presentes. Saúdo o Conselho da Fundação com o seu presidente, o Arcebispo Szczepan Wesoly, os directores de cada uma das instituições da Fundação, assim como também os presidentes e os membros dos Círculos dos Amigos da Fundação, que vieram de diversos países do mundo.

Sinto-me feliz por poder hospedar hoje os representantes de quantos, em todo o mundo, se comprometem para manter viva a memória de João Paulo II, do seu ensinamento e da obra apostólica por ele desempenhada durante o Pontificado. E é preciso dizer que este é um compromisso deveras prometedor, porque não se refere apenas à arquivística ou à pesquisa, mas já atinge o mistério da santidade do Servo de Deus. Graças ao vosso apoio espiritual e económico, a Fundação continua a actividade traçada pelos Estatutos no campo quer cultural e científico, quer social e pastoral. Reúne a documentação relativa ao pontificado de João Paulo II, estuda e difunde o ensinamento pontifício e o magistério da Igreja, estabelecendo contactos e colaborando com os centros científicos e artísticos polacos e internacionais. Este compromisso da Fundação assume um novo significado depois do desaparecimento do Pontífice.

A recolha dos escritos pontifícios e da rica documentação da actividade da Santa Sé, assim como das obras literárias e dos comentários apresentados nos meios de comunicação social, certamente constitui um arquivo completo, bem organizado, e forma a base para o estudo pormenorizado e aprofundado do património espiritual de João Paulo II. É precisamente esta dimensão da actividade da Fundação que hoje gostaria de realçar, porque é de primordial importância: o estudo do Pontificado. João Paulo II, filósofo e teólogo, grande pastor da Igreja, deixou uma riqueza de escritos e de gestos que expressam o seu desejo de difundir o Evangelho de Cristo no mundo, usando os métodos indicados pelo Concílio Vaticano II e de traçar as linhas de desenvolvimento da vida da Igreja no novo milénio.

Estes dons preciosos não podem ser esquecidos. Hoje confio a vós, queridos membros e amigos da Fundação João Paulo II, a tarefa de aprofundar e manifestar às futuras gerações a riqueza da sua mensagem.

306 Por fim, uma obra de realce particular é constituída pela ajuda oferecida aos jovens, de modo particular da Europa Centro-Oriental, na consecução dos vários graus de instrução nos diversos campos do saber.

Manifesto o meu obrigado a quantos no arco destes vinte e cinco anos apoiaram de várias formas a actividade da Fundação e aos que a guiaram com sabedoria e dedicação. Peço-vos que não desistais desta boa obra. Que ela prossiga o desenvolvimento. O esforço comum, amparado pela ajuda de Deus, continue a dar frutos magníficos.

Agradeço-vos por terdes vindo e por este encontro. Deus vos abençoe!




DURANTE O ENCONTRO COM OS PROFESSORES E OS ESTUDANTES DAS UNIVERSIDADES ECLESIÁSTICAS DE ROMA Segunda-feira, 23 de Outubro de 2006


Senhor Cardeal
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Queridos irmãos e irmãs!

Sinto-me feliz por me encontrar convosco no final da Santa Missa e de vos poder assim apresentar os meus votos pelo novo Ano académico. Saúdo em primeiro lugar o Senhor Cardeal Zenon Grocholewski, Prefeito da Congregação para a Educação Católica, que presidiu a Concelebração eucarística e agradeço-lhe cordialmente as palavras que me dirigiu em vosso nome. Saúdo o Secretário e os outros colaboradores da Congregação para a Educação Católica, renovando a todos a expressão do meu reconhecimento pelo precioso serviço que prestam à Igreja num âmbito tão importante para a formação das novas gerações. A minha saudação alarga-se aos reitores, aos Professores e aos alunos de cada Pontifícia Universidade e Ateneu aqui presentes e a quantos estão idealmente unidos a nós na oração.

Como todos os anos, também esta tarde marcou encontro a comunidade académica eclesiástica romana formada por cerca de quinze mil pessoas e caracterizada por uma ampla multiplicidade de proveniências. Das Igrejas de todas as partes do mundo, em particular das Dioceses de constituição recente e dos territórios missionários, vêm para Roma seminaristas e diáconos a fim de frequentar os Ateneus pontifícios, assim como presbíteros, religiosos e religiosas e muitos leigos para completar os estudos superiores de licença ou de doutoramento, ou para participar noutros cursos de especialização e de actualização. Eles encontram aqui professores e formadores que por sua vez são de diversas nacionalidades e de diferentes culturas.

Mas esta verdade não produz dispersão porque, como expressa na forma mais alta também esta celebração litúrgica, todos os Ateneus, as Faculdades e os Colégios propendem para uma unidade superior, obedecendo a critérios comuns de formação, principalmente para o da fidelidade ao Magistério. Portanto, no início de um novo ano, louvemos o Senhor por esta singular comunidade de professores e de estudantes, que manifesta de modo eloquente a universalidade e a unidade da Igreja Católica. Uma comunidade muito mais bela porque se dirige prevalecentemente a jovens, dando-lhes a oportunidade de entrar em contacto com instituições de alto valor teológico e cultural, e oferecendo-lhes, ao mesmo tempo, a possibilidade de experiências eclesiais e pastorais enriquecedoras.

307 Gostaria de recordar nesta ocasião, como tive a oportunidade de fazer em vários encontros com sacerdotes e seminaristas, a importância prioritária da vida espiritual e a necessidade de cuidar, ao lado do crescimento cultural, uma equilibrada maturação humana e uma profunda formação ascética e religiosa. Quem quer ser amigo de Jesus e tornar-se seu autêntico discípulo seja ele seminarista, sacerdote, religioso, religiosa ou leigo não pode deixar de cultivar uma íntima amizade com Ele na meditação e na oração. O aprofundamento das verdades e o estudo da teologia ou de outra disciplina religiosa pressupõem uma educação para o silêncio e para a contemplação, porque é necessário tornar-se capazes de ouvir com o coração Deus que fala.

O pensamento tem sempre necessidade de purificação para poder entrar na dimensão na qual Deus pronuncia a sua Palavra criadora e redentora, o seu Verbo "que saiu do silêncio", para usar a bonita expressão de Santo Inácio de Antioquia (Carta aos Magnésios, VIII, 2). Unicamente se provêm do silêncio da contemplação as nossas palavras podem ter algum valor e utilidade, e não recair na inflação dos discursos do mundo, que procuram o consenso da opinião comum.

Quem estuda num Instituto eclesiástico deve portanto dispôr-se à obediência à verdade e por conseguinte cultivar uma especial ascese de pensamento e de palavra. Tal ascese baseia-se sobre a familiaridade amorosa com a Palavra de Deus e diria ainda antes com aquele "silêncio" do qual a Palavra tem origem no diálogo de amor entre o Pai e o Filho no Espírito Santo. Nós temos acesso a este diálogo mediante a santa humanidade de Cristo. Por isso, queridos amigos, como fizeram os discípulos do Senhor, pedi-Lhe: Mestre, "ensina-nos a rezar" (
Lc 11,1), e também: ensina-nos a pensar, a escrever e a falar, porque estas coisas estão entre si estreitamente relacionadas.

São estas as sugestões que dirijo a cada um de vós, queridos irmãos e irmãs, no início deste novo ano académico. Juntamente com elas dou a certeza de uma recordação constante na oração, para que o Espírito ilumine os vossos corações e vos conduza a um conhecimento claro de Cristo, capaz de transformar a vossa existência, porque só Ele tem palavras de vida eterna (cf. Jn 6,68).

O vosso apostolado será amanhã rico e frutuoso na medida em que, nestes anos, vos preparardes estudando seriamente, e sobretudo alimentardes a vossa relação pessoal com Ele, tendendo para a santidade e tendo como única finalidade da vossa existência a realização do Reino de Deus. Confio estes votos à intercessão materna de Maria Santíssima, Sede da Sabedoria: ela vos acompanhe durante este novo ano de estudos e satisfaça todas as vossas expectativas e esperanças. Concedo com afecto a cada um de vós e às vossas Comunidades de estudos, assim como aos vossos queridos, uma especial Bênção Apostólica.




AO SENHOR FRANK DE CONINCK NOVO EMBAIXADOR DA BÉLGICA JUNTO DA SANTA SÉ Quinta-feira, 26 de Outubro de 2006

Senhor Embaixador

É com prazer que recebo Vossa Excelência no Vaticano para a apresentação das Cartas que o acreditam como Embaixador extraordinário e plenipotenciário do Reino da Bélgica junto da Santa Sé e agradeço-lhe profundamente por me ter transmitido a amável mensagem de Sua Majestade o Rei Alberto II e de Sua Majestade a Rainha. Recordando-me da visita que Suas Majestades me fizeram em Abril passado, ficar-lhe-ia grato por se dignar expressar-lhes os meus melhores votos pelas suas pessoas, pela Rainha Fabíola, pelo Príncipe Filipe e pela Princesa Matilde, assim como pelos responsáveis da vida civil e por todo o povo belga.

Cinquenta anos depois do lançamento do grande projecto da construção europeia, que provinha do espírito cristão e do qual a Bélgica era parte activa desde o início, os progressos são consideráveis, mesmo se recentemente surgiram novas dificuldades: o continente europeu reencontra pouco a pouco a sua unidade na paz, e a União Europeia tornou-se, no mundo, uma força económica de primeiro plano, e também um sinal de esperança para muitos. Perante as exigências da mundialização e da solidariedade entre os homens, a Europa deve continuar a abrir-se e a comprometer-se nos grandes canteiros do planeta. O primeiro destes desafios é a questão da paz e da segurança, quando se observa uma situação internacional fragilizada por conflitos que duram, sobretudo no Médio Oriente com as situações cada vez mais dramáticas da Terra Santa, do Líbano e do Iraque, mas também em África e na Ásia.

É necessário mobilizar-se com determinação, sobretudo nos mais altos níveis da comunidade internacional e especialmente da União europeia, em favor da paz, do diálogo entre as nações e do desenvolvimento. Sei que a Bélgica não poupa os seus esforços neste sentido e congratulo-me particularmente por quanto faz em favor dos Países da África central para que determinem na paz o seu futuro assim como por quanto realiza no âmbito do Líbano, que Vossa Excelência acaba de mencionar. Por meu lado, desejo certificá-lo do compromisso resoluto da Santa Sé em trabalhar na medida das suas possibilidades em favor da paz e do progresso.

Outro desafio diz respeito ao futuro do homem e da sua identidade. Os enormes progressos da técnica alteraram numerosos procedimentos no campo das ciências médicas, de modo que a liberalização dos costumes relativizou em grande medida as normas que pareciam ser inalteráveis. Deste modo, nas sociedades ocidentais mais caracterizadas pela superabundância dos bens de consumo e pelo subjectivismo, o homem confronta-se com uma crise de sentido. Num certo número de países, vê-se com efeito surgir novas legislações que põem em causa o respeito da vida humana desde a sua concepção até ao seu fim natural, ou corre o risco de a utilizar como objecto de pesquisa e de experimentação, atentando desta forma gravemente contra a dignidade fundamental do ser humano.

308 Baseando-se na longa experiência e no tesouro da Revelação que recebeu como depósito para ser partilhado, a Igreja deseja recordar com vigor o que ela pensa em relação ao homem e ao seu prodigioso destino, dando a cada um a chave de leitura da existência e a razão para ter esperança. É quanto ela deseja propor durante a sua missão que terá início daqui a poucos dias, "Bruxelles Toussaint 2006". Quando os Bispos da Bélgica se proclamam a favor do desenvolvimento das curas paliativas, a fim de permitir a quantos o desejam morrer com dignidade, ou quando intervêm nos debates da sociedade, para recordar que existe "um limite moral invisível perante o qual o progresso técnico se deve inclinar: a dignidade do homem" (Declaração dos Bispos da Bélgica, Dignidade das crianças e técnica médica), eles pretendem servir toda a sociedade e indicam as condições de um verdadeiro futuro de liberdade e de dignidade para o homem. Juntamente com eles, convido os responsáveis políticos que têm a função de estabelecer as leis para o bem de todos a medir com gravidade a responsabilidade que lhes compete e as consequências destas questões de humanidade.

O seu País, o Reino da Bélgica, construiu-se com base no princípio monárquico, sendo o Rei o garante da unidade nacional e do respeito das características linguísticas e culturais de cada comunidade que constitui a Nação. A unidade de um país, que deve ser sempre aperfeiçoada como bem sabemos, exige da parte de todos a vontade de servir o interesse comum e de se conhecer cada vez melhor graças ao diálogo e ao enriquecimento recíproco. Hoje, o acolhimento de imigrados cada vez mais numerosos e a multiplicação no mesmo território de comunidades diferentes pela sua cultura de origem ou religião tornam absolutamente necessário, nas nossas sociedades, o diálogo entre as culturas e entre as religiões, como recordei durante a minha recente viagem à Baviera e como Vossa Excelência acabou de realçar.

É necessário aprofundar o conhecimento mútuo, respeitando as convicções religiosas de cada um e as exigências legítimas da vida social, em conformidade com as leis em vigor, e acolher os imigrantes respeitando sempre a sua dignidade. Por conseguinte, é necessário realizar uma política de imigração que saiba conciliar os interesses próprios do país de acolhimento com o desenvolvimento necessário dos países menos favorecidos, política sustentada também pela vontade de integração que não deixe desenvolver-se situações de recusa ou de não-direito, como revela o drama dos irregulares. Evitar-se-ão também os riscos do fechamento em si, do nacionalismo exacerbado ou até da xenofobia, e poder-se-á esperar num desenvolvimento harmonioso das nossas sociedades para o bem de todos os cidadãos.

No final do nosso encontro, permita-me, Senhor Embaixador, saudar por seu intermédio os Bispos e todos os membros da comunidade católica da Bélgica, a fim de os encorajar a dar testemunho sem perder a esperança, em todos os sectores da vida social e profissional, sem esquecer as prisões, os hospitais e todas as situações novas de pobreza que podem existir. Que eles levem consigo a Boa Nova do amor de Deus!

No momento em que inaugura a sua nobre missão, com a certeza de que encontrará sempre acolhimento atento junto dos meus colaboradores, apresento-lhe os meus melhores votos para o seu cumprimento e para que sejam prosseguidos e desenvolvidos relacionamentos harmoniosos entre a Santa Sé e o Reino da Bélgica.

Invoco a abundância das Bênçãos divinas sobre Vossa Excelência, sobre a sua família e sobre todos os funcionários da Embaixada, assim como sobre a família real, os Responsáveis e todos os habitantes do País.




AOS PARTICIPANTES NO V CONGRESSO INTERNACIONAL DOS ORDINARIATOS MILITARES Quinta-feira, 26 de Outubro de 2006

Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio

É para mim um prazer encontrar-me convosco por ocasião do V Congresso Internacional dos Ordinariatos Militares, e dirijo a minha saudação a cada um de vós. Saúdo de modo especial o Cardeal Giovanni Battista Re e agradeço-lhe as suas cordiais palavras. Há vinte anos, nomeadamente no dia 21 de Abril de 1986, o amado João Paulo II promulgava a Constituição Apostólica Spirituali militum curae, com a qual se actualizava a regulamentação canónica da assistência espiritual aos militares, à luz do Concílio Vaticano II, tendo em consideração as transformações relativas às forças armadas e à sua missão nos planos nacional e internacional. Na verdade, nas últimas décadas o cenário mundial mudou ulteriormente. Por isso o Documento pontifício, embora conserve a plena actualidade porque a orientação pastoral da Igreja não muda, exige que seja cada vez melhor adaptado às necessidades do momento presente. Foi o que, muito oportunamente, tencionastes fazer com este Congresso, organizado pela Congregação para os Bispos.

309 Antes de tudo, é importante reler o Proémio da Constituição Apostólica: ele contém as motivações da intervenção magisterial e exprime o espírito pastoral que anima, inspira e orienta as disposições normativas. Dois são os valores fundamentais que o Documento põe em evidência: o valor da pessoa e o valor da paz. Toda a revisão estrutural que assimila os Ordinariatos às Dioceses, o Ordinário ao Bispo diocesano e o Capelão ao Pároco, obedece ao critério do serviço às pessoas dos militares, que "têm necessidade de uma concreta e específica forma de assistência pastoral" (Proémio).

Ao mesmo tempo, porém, afirma-se que as pessoas às quais o Ordinariato se dirige não cessam de ser fiéis à Igreja particular em que residem ou a cujo rito pertencem (cf. IV). Isto apresenta uma exigência de comunhão e de coordenação entre o Ordinariato Militar e as outras Igrejas particulares (cf. II, 4). Tudo isto põe em evidência a finalidade prioritária do cuidado dos christifideles, que consiste em fazer com que eles possam viver em plenitude a vocação baptismal e a pertença eclesial. Assim, encontramo-nos na mesma perspectiva em que se colocou o próprio Servo de Deus João Paulo II, por ocasião do III Congresso dos Ordinários Militares, em 1994 (cf. Insegnamenti, XVII, 1 [1994], págs. 656-657). Pôr em primeiro lugar as pessoas significa privilegiar a formação cristã do militar, acompanhando-o, bem como os seus familiares, ao longo do percurso da iniciação cristã, do caminho vocacional, do amadurecimento na fé e no testemunho; e, contemporaneamente, favorecer as formas de fraternidade e de comunidade, bem como de oração litúrgica e não, que sejam apropriadas para o ambiente e para as condições de vida dos militares.

O segundo aspecto que gostaria de evidenciar é a importância fundamental do valor da paz. A este propósito, a Spirituali militum curae cita expressamente no Proémio a Constituição pastoral conciliar Gaudium et spes, recordando que aqueles que prestam serviço militar podem considerar-se "como instrumentos da segurança e da liberdade dos povos" porque, "exercendo rectamente esta função, contribuem [também eles] realmente para estabelecer a paz" (Gaudium et spes
GS 79).

Por conseguinte, se o Concílio define os militares como ministros da paz, muito mais o serão os Pastores aos quais aqueles são confiados! Por conseguinte, exorto todos vós a fazer com que os Capelães militares sejam peritos e mestres autênticos daquilo que a Igreja ensina e põe em prática em ordem à construção da paz no mundo. A Constituição Apostólica do Papa João Paulo II constitui uma etapa significativa deste magistério e a sua contribuição, a este propósito, deixa-se resumir na expressão que vós justamente retomastes e escolhestes como tema do presente Congresso: "Ministerium pacis inter arma Ministério de paz entre as armas". O meu Predecessor expunha-o como "o novo anúncio do Evangelho no mundo militar, de que os militares e as suas comunidades não podem deixar de ser os primeiros arautos" (Discurso no III Congresso dos Ordinários Militares, 4 em: Insegnamenti, op. cit., pág. 657).

A Igreja é por sua natureza missionária, e a sua primeira tarefa é a evangelização, que visa anunciar e dar testemunho de Cristo e promover em cada ambiente e cultura o seu Evangelho de paz e de amor. Também no mundo militar a Igreja é chamada a ser "sal", "luz" e "fermento", utilizando aqui as imagens às quais o próprio Jesus faz referência, a fim de que as mentalidades e as estruturas estejam cada vez mais plenamente orientadas para a construção da paz, ou seja, daquela "ordem designada e desejada pelo amor de Deus" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 2006, n. 3), em que as pessoas e os povos podem desenvolver-se integralmente e ver que são reconhecidos os seus direitos fundamentais (cf. ibid., n.4).

O magistério da Igreja sobre o tema da paz constitui um aspecto essencial da sua doutrina social e, a partir de raízes antiquíssimas, foi-se desenvolvendo ao longo do século passado, numa espécie de "crescendo", culminando na Constituição pastoral Gaudium et spes, nas Cartas Encíclicas do Beato João XXIII e dos Servos de Deus Paulo VI e João Paulo II, assim como nas suas intervenções na ONU e nas mensagens para os Dias Mundias da Paz. Esta insistente exortação à paz influiu a cultura ocidental, promovendo o ideal que as forças armadas estejam "ao serviço exclusivo da defesa, da segurança e da liberdade dos povos" (cf. João Paulo II, Discurso no III Congresso dos Ordinários Militares, 4 em: Insegnamenti, op. cit., pág.657).

Infelizmente, às vezes outros interesses económicos e políticos fomentados pelas tensões internacionais, fazem com que esta tendência construtiva encontre obstáculos e atrasos, como transparece também das dificuldades que se opõem aos processos de desarmamento. Partindo do interior do mundo militar, a Igreja continuará a oferecer o seu próprio serviço à formação das consciências, convicta de que a Palavra de Deus, generosamente semeada e acompanhada com coragem pelo serviço da caridade e da verdade, produz fruto no momento oportuno.

Dilectos e venerados Irmãos, para oferecer às pessoas um adequado serviço pastoral e para cumprir a missão evangelizadora, os Ordinariatos Militares têm necessidade de presbíteros e de diáconos motivados e formados, assim como de leigos que colaborem concreta e responsavelmente com os Pastores. Por conseguinte, uno-me a vós na oração ao Senhor da messe, a fim de que mande trabalhadores para esta messe, na qual já trabalhais com zelo admirável. Os luminosos exemplos de tantos Capelães militares, como o Beato Padre Secondo Pollo, que com dedicação heróica serviram a Deus e os irmãos, animem os jovens a colocar toda a sua vida ao serviço do Reino de Deus, Reino de amor, de justiça e de paz. Vele sempre sobre o vosso ministério a Virgem Maria e acompanhe-vos a minha Bênção, que concedo de coração a todos vós e às vossas respectivas Comunidades eclesiais.




AOS PARTICIPANTES NA REUNIÃO DAS "CHRISTIAN WORLD COMMUNIONS" Sexta-feira, 27 de Outubro de 2006



Queridos amigos

"Graça e paz vos sejam dadas da parte de nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo" (Rm 1,7). Com estas expressões, o Apóstolo Paulo saudava a primeira comunidade cristã de Roma, e é com esta mesma oração que vos ofereço as boas-vindas hoje aqui, à cidade onde Pedro e Paulo exerceram o seu ministério e chegaram a derramar o seu sangue por Cristo.

310 Durante décadas a Conferência dos Secretários das Comunhões Cristãs Mundiais ofereceu um foro para contactos fecundos entre as várias comunidades eclesiais. Isto levou os seus representantes a construir aquela confiança recíproca, necessária para um sério compromisso em vista de fazer com que as riquezas das diferentes tradições religiosas sirvam a vocação comum ao discipulado. Estou feliz por me encontrar com todos vós hoje aqui, e por vos encorajar no vosso trabalho. Cada passo rumo à unidade cristã contribui para a proclamação do Evangelho, e isto só se torna possível mediante a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que rezou a fim de que os seus discípulos sejam um só, "para que o mundo creia" (Jn 17,21).

Para todos nós torna-se evidente que o mundo contemporâneo tem necessidade de uma nova evangelização, de que os cristãos voltem a dar uma resposta a quem lhes perguntar a razão da sua esperança (cf. 1P 3,15). Contudo, aqueles que confessam que Jesus Cristo é Senhor encontram-se tragicamente divididos e nem sempre podem oferecer um consistente testemunho conjunto. Esta é uma enorme responsabilidade para todos nós.

Nesta perspectiva, estou feliz por saber que o tema do vosso encontro "Visões da Unidade Cristã" está centrado numa questão ecuménica fundamental. Os diálogos teológicos, em que estão comprometidas numerosas Comunhões Cristãs Mundiais, são caracterizados por um compromisso em vista de ir além daquilo que divide, rumo à unidade em Cristo, que nós buscamos. Por mais desanimador que o caminho possa parecer, não devemos perder de vista o objectivo derradeiro: a plena comunhão visível em Cristo e na Igreja. Talvez nos sintamos desencorajados, quando o progresso é lento, mas o que está em jogo é demasiado importante para voltar atrás. Pelo contrário, há boas razões para ir em frente, como o meu Predecessor Papa João Paulo II indicava na sua Carta Encíclica Ut unum sint, sobre o compromisso ecuménico da Igreja, onde fala de fraternidade redescoberta e de maior solidariedade no serviço à humanidade (cf. nn. UUS 41 ss.).

A Conferência dos Secretários das Comunhões Cristãs Mundiais continua a abordar questões importantes, relativas à sua identidade e ao seu papel específico no movimento ecuménico. Oremos para que esta reflexão estimule novas considerações acerca da questão ecuménica da "recepção" (cf. ibid., nn. UUS 80 ss.) e a fim de que contribua para fortalecer o testemunho comum, tão necessário nos dias de hoje.

O Apóstolo assegura-nos que "o Espírito nos assiste na nossa debilidade" (Rm 8,26). Não obstante ainda existam muitos obstáculos a serem superados, acreditamos firmemente que o Espírito Santo está sempre presente e há-de orientar-nos ao longo do caminho recto. Continuemos a percorrer o nosso itinerário com paciência e determinação, oferecendo todos os nossos esforços a Deus, "através de Jesus Cristo. A Ele seja dada glória pelos séculos" (Rm 16,27).




Discursos Bento XVI 19106