Discursos Bento XVI 28106

AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA IRLANDA EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sábado, 28 de Outubro de 2006

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Queridos Irmãos Bispos

Segundo as palavras de uma tradicional saudação irlandesa, dirijo-vos cem mil boas-vindas, Bispos da Irlanda, na circunstância da vossa visita ad Limina. Ao venerardes os túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, possais haurir inspiração da coragem e da visão destes dois grandes Santos, que tão fielmente guiaram o caminho da missão da Igreja de proclamar Cristo ao mundo. Hoje, viestes para fortalecer os vínculos de comunhão com o Sucessor de Pedro, e manifesto com alegria o meu apreço pelas amáveis palavras que me foram dirigidas em vosso nome pelo Arcebispo D. Seán Brady, Presidente da vossa Conferência Episcopal. O testemunho constante de inumeráveis gerações do povo irlandês na sua fé em Cristo, e a sua fidelidade à Santa Sé, forjaram a Irlanda no nível mais profundo da sua história e da sua cultura. Todos nós estamos conscientes da contribuição saliente que a Irlanda tem oferecido para a vida da Igreja, e da extraordinária coragem dos seus filhos e das suas filhas missionários, que levaram a mensagem do Evangelho muito além do seu litoral. Entretanto, a chama da fé continuou a arder intrepidamente na pátria, através das provações que afligiram o seu povo ao longo da sua história. Em conformidade com as palavras do Salmista: "Hei-de cantar para sempre o amor do Senhor; a todas as gerações hei-de anunciar a sua fidelidade" (
Ps 89 [88], 1).

O momento presente oferece numerosas novas oportunidades para dar testemunho de Cristo e dos renovados desafios para a Igreja na Irlanda. Vós falastes sobre as consequências para a sociedade, do aumento da prosperidade que se verificou ao longo dos últimos quinze anos. Depois de séculos de emigração, que envolveu a dor da separação para muitas famílias, pela primeira vez estais a receber uma onda de imigração. A tradicional hospitalidade irlandesa está a passar por renovadas e inesperadas manifestações. Como o sábio pai de família, que "tira coisas novas e velhas do seu tesouro" (Mt 13,52), o vosso povo tem necessidade de considerar com discernimento as mudanças que estão a verificar-se na sociedade, e nisto ele busca a vossa orientação. Ajudai-o a reconhecer a incapacidade que a cultura secular e materialista tem de suscitar satisfação e alegria autênticas. Tende a coragem de lhes falar da alegria que provém do anúncio de Cristo e de uma vida levada em conformidade com os seus mandamentos. Recordai-lhe que os vossos corações foram criados para o Senhor e que estão inquietos, enquanto não descansam nele (cf. Santo Agostinho, Confissões, 1, 1).

Com muita frequência, o testemunho contracorrente oferecido pela Igreja é entendido de modo equívoco, como se fosse algo atrasado e negativo para a sociedade contemporânea. Eis por que motivo é importante pôr em evidência a Boa Nova, a mensagem evangélica que dá vida e a dá em abundância (cf. Jn 10,10). Embora seja necessário falar vigorosamente contra os males que nos ameaçam, contudo temos o dever de corrigir a ideia de que o catolicismo é meramente "uma colectânea de proibições". Aqui são necessárias uma catequese sólida e uma atenta "formação do coração", e a este propósito na Irlanda tendes a bênção de dispor de sólidos recursos na vossa rede de escolas católicas, e em numerosos religiosos empenhados e professores leigos, que estão comprometidos seriamente na educação dos jovens. Continuai a encorajá-los na sua tarefa e certificai-vos de que os seus programas catequéticos permaneçam alicerçados no Catecismo da Igreja Católica, assim como no novo Compêndio. É necessário evitar apresentações superficiais do ensinamento católico, pois somente a plenitude da fé pode comunicar o poder libertador do Evangelho. Mediante o exercício da vigilância sobre a qualidade dos programas de estudo e dos livros de texto utilizados, e através da proclamação da doutrina da Igreja na sua integridade, vós assumis a vossa responsabilidade de "anunciar a palavra... oportuna e inoportunamente... com toda a magnanimidade e doutrina" (2Tm 4,2).

Na prática do vosso ministério pastoral tivestes que responder, ao longo destes últimos anos, a muitos e dilacerantes casos de abuso sexual contra menores. E eles são ainda mais trágicos, quando quem abusa é um clérigo. As feridas causadas por tais actos são profundas, e é urgente a tarefa de reconstruir a confidência e a confiança, onde elas foram prejudicadas. Nos vossos esforços permanentes em vista de resolver eficazmente este problema, é importante estabelecer a verdade a respeito daquilo que aconteceu no passado, dar todos os passos que forem necessários para impedir que ele volte a ocorrer, assegurar que os princípios da justiça sejam plenamente respeitados e, sobretudo, dar alívio às vítimas e a todas as pessoas que foram atingidas por estes crimes hediondos. Desta forma, a Igreja que está na Irlanda será fortalecida, tornando-se cada vez mais capaz de dar testemunho do poder redentor da Cruz de Cristo. Rezo a fim de que, mediante a graça do Espírito Santo, este tempo de purificação torne todo o povo de Deus capaz de, "com a ajuda de Deus, conservar e aperfeiçoar na sua vida a santidade que receberam [de Deus]" (Gaudium et spes GS 40).

O trabalho excelente e a dedicação altruísta da grande maioria de sacerdotes e religiosos na Irlanda não deveriam ser obscurecidos pelas agressões cometidas por alguns dos seus irmãos. Estou persuadido de que as pessoas compreendem isto e continuam a considerar o seu clero com carinho e estima. Encorajo os vossos presbíteros a buscarem sempre a renovação espiritual e a descobrirem novamente a alegria de exercer o seu ministério em favor dos respectivos rebanhos, no seio da grande família da Igreja. Outrora, a Irlanda foi abençoada com tal abundância de vocações sacerdotais e religiosas, que uma boa parte do mundo podia beneficiar das suas obras apostólicas. Todavia, nos anos mais recentes o número de vocações diminuiu vertiginosamente.

Então, como é urgente prestar atenção às palavras do Senhor. "A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao Senhor da messe para que envie trabalhadores para a sua messe" (Mt 9,37-38). É-me grato saber que muitas das vossas dioceses adoptaram a prática da oração silenciosa pelas vocações diante do Santíssimo Sacramento. Isto deveria ser calorosamente encorajado. Mas acima de tudo compete a vós, Bispos, bem como ao vosso clero, oferecer aos jovens uma visão inspiradora e atraente do sacerdócio ordenado. A nossa oração pelas vocações "deve conduzir à acção, a fim de que do nosso coração orante brote uma centelha da nossa alegria em Deus e no Evangelho, suscitando no coração dos outros a disponibilidade para dizer "sim"" (Discurso aos sacerdotes e aos diáconos permanentes, Freising, 14 de Setembro de 2006). Não obstante o compromisso cristão seja considerado obsoleto em determinados contextos, entre os jovens da Irlanda existe uma fome espiritual concreta e um desejo generoso de servir o próximo. A vocação ao sacerdócio ou à vida religiosa oferece a oportunidade de responder a esta aspiração, de maneira a suscitar uma profunda alegria e a realização individual.

Permiti que acrescente uma observação, que me está a peito. Durante muitos anos, os representantes cristãos de todas as denominações, os líderes políticos e numerosos homens e mulheres de boa vontade estiveram comprometidos na busca de instrumentos para garantir um futuro mais resplandecente à Irlanda do Norte. Embora o caminho seja árduo, nos últimos tempos já se alcançou um grande progresso. Rezo a fim de que os esforços decididos, realizados pelas pessoas interessadas, leve à formação de uma sociedade que se caracterize por um espírito de reconciliação, de respeito recíproco e de solícita cooperação, em vista do bem comum de todos.

No momento em que vos preparais para regressar às vossas respectivas Dioceses, confio o vosso ministério apostólico à intercessão de todos os Santos da Irlanda e asseguro-vos o meu profundo afecto, assim como a minha oração constante por todos vós e pelo povo irlandês em geral. Que Nossa Senhora de Knock vele sobre vós, protegendo-vos sempre. A todos vós, aos sacerdotes, aos religiosos e aos fiéis leigos da vossa amada Ilha, concedo do íntimo do coração a minha Bênção Apostólica, como penhor de paz e de júbilo no Senhor Jesus Cristo.



AOS BISPOS DA GRÉCIA EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM » Segunda-feira, 30 de Outubro de 2006

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Venerados Irmãos no Episcopado!

Sendo vós provenientes de uma terra muito amada pelo Apóstolo das Nações, apraz-me saudar-vos com as suas próprias palavras: "Dou incessantemente graças ao meu Deus por vós, pela graça de Deus que vos foi concedida em Cristo Jesus. Pois nele é que fostes enriquecidos com todos os dons" (
1Co 1,4-5). Sinto-me feliz por vos receber como Sucessor de Pedro, o Apóstolo ao qual Cristo confiou de modo particular a responsabilidade de promover a unidade da Igreja, a Esposa pela qual Ele derramou o próprio Sangue na cruz. A visita ad Limina que estais a realizar constitui um acto de particular realce no aprofundamento da comunhão que, por graça de Deus, existe entre nós. É um dom de Deus do qual estamos conscientes e do qual nos propomos ser ciosos guardiães.

Nos encontro que tive com cada um de vós pude compreender a preocupação comum pela rápida evolução da configuração das vossas comunidades. As vicissitudes políticas e sociais, que se verificaram na área na qual surgem as Igrejas que vos estão confiadas, criaram problemas pastorais que exigem soluções urgentes. Em particular, a notável afluência de católicos provenientes das Nações vizinhas apresenta a vós a ao vosso clero novas exigências ministeriais às quais não é fácil prover. Por conseguinte, compreendo os vossos anseios apostólicos em relação a um rebanho notavelmente aumentado e interiormente variado devido à presença de fiéis com ritos e línguas diferentes. Penso que o desenvolvimento de um diálogo construtivo com os outros Episcopados seja oportuno como nunca precisamente à luz da nova situação. Do confronto sobressaem certamente próvidas decisões quer sob o perfil do encontro dos ministérios sagrados quer dos recursos sobre os quais contar. Sem dúvida, deve-se ter presente o respeito das identidades específicas, mas sem por isso sacrificar a vida e os programas das Igrejas que Cristo vos confiou. Sede vós os Pastores do Povo de Deus em terra grega: não se trata simplesmente de um título honorífico, mas de uma verdadeira responsabilidade com tarefas específicas.

A este propósito, exorto-vos cordialmente a perseverar nos vossos esforços para incentivar a pastoral vocacional: é preciso, por um lado, cultivar com solicitude os germes de vocação que Deus continua a incutir no coração dos jovens também no nosso tempo; por outro lado, dever-se-ão convidar as comunidades cristãs a rezar com mais intensidade "ao dono da messe" para que suscite novos ministérios e novas pessoas consagradas para o desempenho conveniente das diversas tarefas exigidas pelo Corpo místico de Cristo. Contudo, faço votos por que, com generosa dedicação da parte de todos, se possa, também na actual situação, ir ao encontro das necessidades espirituais dos numerosos imigrados que encontraram no vosso País acolhimento digno e cordial. É este o estilo próprio do vosso povo, que desde sempre soube abrir-se a um contacto construtivo com os povos vizinhos. Graças também à vossa inata prerrogativa, sabereis sem dúvida encontrar o modo justo para dialogar com os outros Episcopados católicos dos diversos ritos, de modo a organizar adequados cargos pastorais para um testemunho evangélico proveitoso na vossa terra.

A Providência colocou-vos em contacto directo com os nossos irmãos ortodoxos que, numericamente, são a maioria dos vossos concidadãos. É grande em todos o desejo de participar juntos no único altar sobre o qual se oferece sob os véus do Sacramento o único Sacrifício de Cristo! Desejamos intensificar a oração para que se apresse o dia abençoado no qual nos será concedido partir juntos o Pão e beber o cálice no qual está o preço da nossa salvação. Neste contexto, faço votos por que se abram cada vez maiores perspectivas de um diálogo construtivo entre a Igreja Ortodoxa da Grécia e a Igreja Católica e se multipliquem as iniciativas comuns de tipo espiritual, cultural e prático. Tenho também o prazer de dirigir um pensamento de bons votos a Sua Beatitude o Arcebispo Christodoulos de Atenas e de toda a Grécia, pedindo ao Senhor que apoie a sua clarividência e prudência no cumprimento do serviço empenhativo que lhe foi confiado pelo Senhor. Nele desejo saudar com profundo afecto o Santo Sínodo da Igreja Ortodoxa da Grécia e todos os fiéis que ela serve amorosamente com dedicação apostólica. Tenho a certeza de que vós, venerados Irmãos, oferecereis a vossa colaboração eficaz ao Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e aos Membros do Colégio Episcopal da Igreja Ortodoxa da Grécia para favorecer ulteriores progressos pelo caminho da desejada plena unidade.

Nos diálogos que tive convosco ouvi também os vossos desejos de ver definido, da parte do Estado, o direito de ter um estatuto jurídico apropriado e reconhecido. Sobre a questão está a decorrer como sabeis um diálogo que não tem como protagonista primária a Sé Apostólica. De facto, trata-se de matéria interna, à qual contudo a Santa Sé está muito atenta, porque deseja uma adequada solução para os problemas em questão, com base não só na legislação local vigente e nas directrizes europeias, mas também no direito internacional e na prática já consolidada de relações bilaterais cordiais e proveitosas. Além do diálogo, é necessária neste campo a perseverança. Não é necessário acrescentar que a Igreja Católica não procura privilégio algum, mas pede unicamente para ver reconhecida a própria identidade e missão, de forma a poder contribuir eficazmente para o bem-estar integral do nobre Povo grego, do qual vós sois parte integrante. Com paciência e no respeito dos legítimos procedimentos, será possível obter, graças ao compromisso de todos, o entendimento desejado.

Venerados Irmãos, com sentida participação tomei conhecimento directamente de vós das numerosas dificuldades devido aos deslocamentos internos dos fiéis. Muitos deles encontram-se numa situação de dispersão no território, com a consequência de graves dificuldades nas relações com os respectivos Pastores. Também à luz destes fenómenos revela-se toda a importância da unidade afectiva e efectiva de vós, Bispos, mediante uma coordenação interna cada vez mais eficaz. A análise feita juntos dos problemas comuns leva a soluções partilhadas e a um percurso eclesial, no qual cada um está chamado a oferecer o próprio contributo às necessidades do outro, a fim de construir juntos o Reino de Deus.

De facto, é tarefa do ministro de Deus fazer quanto depende de si para que os dons concedidos por Deus a cada um sejam em benefício da edificação de todos, glorificando assim o único Senhor.

Caríssimos, o Espírito de Cristo colocou-vos na Igreja como Pastores e mestres. Não temais as dificuldades, mas em cada coisa dai graças a Deus, cooperando com Ele para a salvação das almas. Tende a certeza de que a Providência não vos abandonará nos vossos esforços. Regressai às vossas respectivas sedes, levando a minha saudação cordial aos vossos sacerdotes, aos religiosos e a todos os fiéis, garantindo-lhes a minha fervorosa oração e o meu afecto constante. Ao invocar sobre cada um a celeste intercessão de Maria, Rainha dos Apóstolos, concedo a vós e a quantos estão confiados aos vossos cuidados pastorais uma especial Bênção, propiciadora do conforto em abundância do Senhor.




AOS MEMBROS DA ASSOCIAÇÃO "PRO PETRIS SEDE" Segunda-feira, 30 de Outubro de 2006

30136 Queridos amigos!

É com alegria que vos recebo, a vós que viestes a Roma para manifestar, particularmente neste momento, a vossa afeição à Sé apostólica.

O sentido da comunhão eclesial que está em vós exprime-se cada ano mediante um gesto generoso de solidariedade, destinado a socorrer os nossos irmãos mais desfavorecidos. Já no tempo dos Apóstolos, os membros da jovem comunidade cristã "punham tudo em comum" (
Ac 2,44-45) e São Paulo tinha a preocupação de organizar em cada comunidade que fundava este serviço da colecta em favor das outras Igrejas (cf. 1Co 16,1). Como recordei na Encíclica Deus caritas est, "para a Igreja, a caridade não é uma espécie de actividade de assistência social que se poderia mesmo deixar a outros, mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável dasuaprópria essência" (). E acrescentei: "A Igreja é a família de Deus no mundo. Nesta família, não deve haver ninguém que sofra por falta do necessário" (ibid.).

Vós conheceis as imensas necessidades da solidariedade, para que os nossos irmãos sejam respeitados na sua dignidade fundamental, sejam alimentados, tenham onde viver e sejam educados; todos os anos vós respondeis-lhes generosamente oferecendo ao Papa o fruto da vossa colecta. Por isto vos agradeço em nome de todas as comunidades cristãs que as vossas ofertas contribuem para ajudar, para que estejam cada vez mais ao serviço da missão, anunciando a Palavra de Vida, oferecendo os sacramentos da salvação e pondo em prática a caridade de Cristo.

Ao confiar-vos, a vós e às vossas famílias,à intercessão benevolente e materna da Mãe de Deus, Nossa Senhora do Rosário, concedo-vos de coração uma particular Bênção apostólica, que faço extensiva a todos os membros das vossas duas associações e aos seus familiares.



DURANTE A VISITA À PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE GREGORIANA Sexta-feira, 3 de Novembro de 2006


Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
313 no Episcopado e no Sacerdócio
Estimados Professores
e queridos estudantes!

Sinto-me feliz por me encontrar hoje convosco. A primeira saudação dirijo-a precisamente a vós, estudantes, que vejo tão numerosos neste elegante e austero quadripórtico, mas sei que também estão presentes em diversas salas e em contacto connosco através dos écrans e dos altofalantes.

Queridos jovens, agradeço-vos os sentimentos que expressastes através do vosso representante e por vós próprios. Num certo sentido a Universidade é precisamente vossa. Ela, desde o longínquo ano de 1551, quando Santo Inácio de Loyola a fundou, existe para vós, estudantes. Todas as energias empregadas pelos vossos Professores e Docentes, no ensinamento e na pesquisa, são para vós. São para vós as preocupações e os esforços quotidianos do Magnífico Reitor, do Vice-Reitor, dos Decanos e dos Directores. Disto vós estais conscientes e tenho a certeza de que também estais gratos.

Dirijo agora uma saudação especial ao Cardeal Zenon Grocholewski. Como Prefeito da Congregação para a Educação Católica, ele é o Grão-Chanceler desta Universidade e nela representa o Romano Pontífice (cf. Statuta Universitas, art. 6 2). Precisamente por isto o meu predecessor Pio XI, de venerada memória, declarava a Universidade Gregoriana "plenissimo iure ac nomine" pontifícia (cf. Carta Apost. Gregorianam studiorum, em AAS 24 [1932], 268). A própria história do Colégio Romano e da Universidade Gregoriana, sua herdeira, como recordou o Pe. Reitor na saudação que me dirigiu, é o fundamento deste estatuto totalmente particular. Saúdo o Rev.do Pe. Peter-Hans Kolvenbach, S.J., que, como Prepósito-Geral da Companhia de Jesus, é o Vice-Gão-Chanceler da Universidade e tem a solicitude mais directa desta obra, que não hesito em qualificar como um dos maiores serviços que a Companhia de Jesus presta à Igreja universal.

Saúdo os benfeitores aqui presentes. O Freundeskreis der Gregoriana da Alemanha, a Gregorian University Foundation de Nova Iorque, a Fundação "La Gregoriana" de Roma, e outros grupos de benfeitores. Caríssimos, estou-vos grato por quanto generosamente fazeis para apoiar esta obra que a Santa Sé confiou e continua a confiar à Companhia de Jesus. Saúdo os Padres Jesuítas que desempenham aqui o seu ensinamento com louvável espírito de abnegação e austeridade de vida; com eles saúdo os outros Professores, fazendo o meu pensamento extensivo também aos Padres e aos Professores do Pontifício Instituto Bíblico e do Pontifício Instituto Oriental, que, juntamente com a Gregoriana, formam um consortium académico (cf. Pio XI, M.p. Quod maxime, 30 de Setembro de 1928) prestigioso no que se refere não só ao ensinamento, mas também ao património livreiro das três bibliotecas, fornecidas de fundos especializados incomparáveis. Por fim, saúdo o pessoal não docente da Universidade, que quis fazer ouvir a própria voz através da voz do Secretário-Geral, ao qual agradeço. O pessoal não docente desempenha quotidianamente um serviço escondido, mas muito importante para a missão que a Gregoriana está chamada a cumprir por mandato da Santa Sé. A cada um deles dirijo o meu cordial encorajamento.

É com alegria que me encontro neste quadripórtico. Recordo-me particularmente da defesa da tese do Padre Lohfink durante o Concílio, na presença de muitos Cardeais e também de pobres padres como eu. Apraz-me recordar de modo particular o tempo em que, sendo professor Ordinário de Dogmática e de História na Universidade de Regensburg, fui convidado em 1972 pelo então Reitor Hervé Carrier, S. J. a ensinar aos estudantes do II Ciclo da especialização de Teologia Dogmática.

Dei um curso sobre a Santíssima Eucaristia. Com a familiaridade de então, digo a vós, queridos Professores e estudantes, que a fadiga do estudo e do ensino, para ter sentido em relação ao Reino de Deus, deve ser apoiada pelas virtudes teologais. De facto, o objecto imediato da ciência teológica, nas suas diversas especificidades, é o próprio Deus, que se revelou em Jesus Cristo, Deus com um rosto humano. Também quando, como no Direito Canónico e na História da Igreja, o objecto imediato é o Povo de Deus na sua dimensão visível e histórica, a análise aprofundada da matéria leva de novo à contemplação, na fé, do mistério de Cristo ressuscitado. É Ele que, presente na sua Igreja, a conduz entre os acontecimentos do tempo rumo à plenitude escatológica, uma meta para a qual caminhamos amparados pela esperança. Mas, não é suficiente conhecer Deus; para o poder realmente encontrar, devemos também amar. O conhecimento deve tornar-se amor. O estudo da Teologia, do Direito canónico e da História da Igreja não é só conhecimento das proposições da fé na sua formulação histórica e na sua aplicação prática, mas é também e sempre inteligência delas na fé, na esperança e na caridade. Só o Espírito perscruta as profundezas de Deus (cf.
1Co 2,10), por conseguinte só na escuta do Espírito se pode perscrutar a profundeza da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus (cf. Rm 11,33). O Espírito ouve-se na oração, quando o coração se abre à contemplação do mistério de Deus, que se revelou no Filho Jesus Cristo, imagem do Deus invisível (cf. Col 1,15), constituído Chefe da Igreja e Senhor de todas as coisas (cf. Ef Ep 1,10 Col 1,18).

A Universidade Gregoriana, desde as suas origens com o Colégio Romano, distinguiu-se pelo estudo da filosofia e da teologia. Seria muito longo elencar os nomes dos insignes filósofos e teólogos que se sucederam nas cátedras deste Centro académico; a eles deveríamos acrescentar os nomes de famosos canonistas e de historiadores da Igreja, que empregaram as suas energias dentro destes muros prestigiosos. Todos contribuíram em grande medida para o progresso das ciências por eles cultivadas e portanto ofereceram um precioso serviço à Sé Apostólica no cumprimento da sua função doutrinal, disciplinar e pastoral. Com a evolução dos tempos necessariamente mudam as perspectivas. Hoje não se pode deixar de ter em consideração o confronto com a cultura secular, que em muitas partes do mundo tende cada vez mais não só para a negação de qualquer sinal da presença de Deus na vida da sociedade e do indivíduo, mas com vários meios, que desorientam e ofuscam a recta consciência do homem, procura corroer a sua capacidade de se pôr à escuta de Deus. Não se pode prescindir, depois, da relação com as outras religiões, que se revela construtiva unicamente se evita toda a forma de ambiguidades que de qualquer forma enfraqueça o conteúdo essencial da fé cristã em Cristo único Salvador de todos os homens (cf. Ac 4,12) e na Igreja sacramento necessário de salvação para toda a humanidade (cf. Decl. Dominus Iesus, nn. 13-15; 20-22; AAS [2000], 742-756).

Neste momento não posso esquecer as outras ciências humanas que nesta insigne Universidade são cultivadas, no seguimento da gloriosa tradição académica do Colégio Romano. É do conhecimento de todos o grandioso prestígio que o Colégio Romano assumiu no campo da matemática, da física, da astronomia. Basta recordar que o calendário, chamado "Gregoriano", porque foi querido pelo meu predecessor Gregório XIII, actualmente usado em todo o mundo, foi elaborado em 1582 pelo Pe. Cristóvão Clávio, professor do Colégio Romano. É suficiente também mencionar o Pe. Matteo Ricci, que levou até à distante China, juntamente com o seu testemunho de fé, o saber adquirido como discípulo do Pe. Clávio. Hoje, estas disciplinas já não são cultivadas na Gregoriana, mas sucederam-lhe outras ciências humanas, como a psicologia, as ciências sociais, a comunicação social. Com elas pretende-se compreender mais profundamente o homem quer na sua dimensão pessoal profunda, quer na sua dimensão externa de construtor da sociedade, na justiça e na paz, e de comunicador da verdade. Precisamente porque estas ciências se referem ao homem não podem prescindir da referência a Deus. De facto, o homem, quer na sua interioridade quer na sua exterioridade, não pode ser plenamente compreendido se o não reconhecermos aberto à transcendência.

314 Privado da sua referência a Deus, o homem não pode responder às perguntas fundamentais que agitam e agitarão sempre o seu coração em relação ao fim e, por conseguinte, ao sentido pleno da sua existência. Consequentemente, nem sequer é possível inserir na sociedade aqueles valores éticos, os únicos que podem garantir uma convivência digna do homem. O destino do homem sem a sua referência a Deus só pode ser a desolação da angústia que conduz ao desespero. Só em referência ao Deus-Amor, que se revelou em Jesus Cristo, o homem pode encontrar o sentido da sua existência e viver na esperança, mesmo se na experiência dos males que ferem a sua existência pessoal e a sociedade na qual vive. A esperança faz com que o homem não se feche num niilismo paralisante e estéril, mas se abra ao compromisso generoso que Deus confiou ao homem ao criá-lo à sua imagem e semelhança, uma tarefa que confere a cada homem a maior dignidade, mas também uma enorme responsabilidade.

É nesta perspectiva que vós, Professores e Docentes da Gregoriana, sois chamados a formar os estudantes que a Igreja vos confia. A formação integral dos jovens é um dos apostolados tradicionais da Companhia de Jesus desde as suas origens; por isso, é uma missão da qual desde o início o Colégio Romano se encarregou. Confiar aos cuidados da Companhia de Jesus, em Roma junto da Sé Apostólica, o Colégio Germânico, o Seminário Romano, o Colégio Húngaro, o Colégio Inglês, o Colégio Grego, o Colégio Escocês e o Colégio Irlandês, tinha a intenção de garantir uma formação do clero daquelas nações, onde estava infringida a unidade da fé e a comunhão com a Sé Apostólica. Ainda hoje estes Colégios enviam, quase exclusivamente ou um bom número, os seus alunos para a Universidade Gregoriana, em continuidade com aquela missão originária. A estes colégios mencionados, ao longo da história, juntaram-se muitos outros. Como é empenhativa a tarefa que pesa sobre os vossos ombros, queridos Professores e Docentes!

Portanto, depois de uma profunda reflexão redigistes oportunamente uma "Declaração de Intenções", fundamental para uma instituição como a vossa, porque indica sinteticamente a sua natureza e missão. Com base nela estais portanto a terminar a renovação dos Estatutos da Universidade e dos Regulamentos Gerais, assim como dos Estatutos e dos Regulamentos das diversas Faculdades, Institutos e Centros. Isto contribuirá para definir melhor a identidade da Gregoriana, permitindo a redacção de programas académicos mais adequados para o cumprimento da missão que lhe é própria. Uma missão que é fácil e difícil ao mesmo tempo. Fácil, porque a identidade e a missão da Gregoriana são claras desde as suas primeiras origens, com base nas indicações recordadas por muitos Romanos Pontífices, entre os quais dezasseis foram alunos desta Universidade. Missão ao mesmo tempo difícil, porque exige fidelidade constante à própria história e tradição, para não perder as suas raízes históricas, e ao mesmo tempo a abertura à realidade actual para responder, depois de um atento discernimento, com espírito criativo, às necessidades da Igreja e do mundo de hoje.

Como Universidade eclesiástica pontifícia, este Centro académico está comprometido a sentire in Ecclesia et cum Ecclesia. Trata-se de um compromisso que nasce do amor à Igreja, nossa Mãe e Esposa de Cristo. Nós devemos amá-la como o próprio Cristo a amou, assumindo sobre nós os sofrimentos do mundo e da Igreja para completar o que falta aos sofrimentos de Cristo na nossa carne (cf.
Col 1,24). Assim podem-se formar as novas gerações de sacerdotes, de religiosos e de leigos comprometidos. De facto, é obrigatório perguntar-se para que tipo de sacerdote, de religioso, de religiosa, de leigo ou leiga se pretende formar os estudantes. Certamente, queridos Professores e Docentes, é vossa intenção formar sacerdotes doutos, mas ao mesmo tempo prontos para consumir a sua vida ao serviço de quantos o Senhor confiar ao seu ministério, com um coração indiviso, na humildade e da austeridade da vida. Assim, pretendeis oferecer uma formação intelectual sólida a religiosos e religiosas, para que saibam viver na alegria a consagração com que Deus os premiou, e propor-se como sinal escatológico daquela vida futura à qual todos estamos chamados. De igual modo, vós desejais preparar leigos e leigas, que saibam desempenhar com competência serviços e cargos na Igreja e, antes de tudo, ser fermento do Reino de Deus na esfera temporal. Nesta perspectiva, precisamente este ano a Universidade deu início a um programa interdisciplinar para formar os leigos a viver a sua vocação especificamente eclesial de compromisso ético no âmbito público.

Mas, queridos estudantes, a formação é também responsabilidade vossa. O estudo exige certamente ascese e abnegação constantes. Mas precisamente por este caminho a pessoa forma-se para o sacrifício e para o sentido do dever. De facto, o que hoje aprendeis é o que amanhã comunicareis, quando vos for confiado pela Igreja o ministério sagrado ou outros serviços e cargos em benefício da comunidade. Aquilo que em qualquer circunstância poderá ser motivo de alegria para o vosso coração será a consciência de ter sempre cultivado a rectidão de intenções, graças à qual se tem a certeza de ter procurado e feito unicamente a vontade de Deus. Sem dúvida, tudo isto exige purificação do coração e discernimento.

Queridos filhos de Santo Inácio, mais uma vez o Papa vos confia esta Universidade, obra tão importante para a Igreja universal e para muitas Igrejas particulares. Ela constitui desde sempre uma prioridade entre as prioridades dos apostolados da Companhia de Jesus. Foi no ambiente universitário de Paris que Santo Inácio de Loyola e os seus primeiros companheiros amadureceram o desejo fervoroso de ajudar as almas amando e servindo Deus em tudo, para sua maior glória. Estimulado pela moção interior do Espírito, Santo Inácio veio a Roma, centro da Cristandade, sede do Sucessor de Pedro, e aqui fundou o Colégio Romano, primeira Universidade da Companhia de Jesus. A Universidade Gregoriana é hoje o ambiente universitário no qual se realiza de modo pleno e evidente, ainda à distância de 456 anos, o desejo de Santo Inácio e dos seus primeiros companheiros de ajudar as almas a amar e servir Deus em tudo, para sua maior glória. Diria que aqui, dentro destes muros, se realiza quanto o Papa Júlio III, a 21 de Julho de 1550, fixou na "formula Istituti", estabelecendo que cada membro da Companhia de Jesus é obrigado a "sub crucis vexillo Deo militare, et soli Domino ac Ecclesia Ipsius sponsae, sub Romano Pontifice, Christi in terris Vicario, servire", comprometendo-se "potissimum... ad fidei defensionem et propagationem, et profectum animarum in vita et doctrina christiana, per publicas praedicationes, lectiones et aliud quodcumque verbi Dei ministerium..." (Carta apost. Exposcit debitum, 1).

Esta especificidade carismática da Companhia de Jesus, expressa institucionalmente no quarto voto de disponibilidade total ao Romano Pontífice em tudo o que ele queira comandar "ad profectum animarum et fidei propagationem" (ibid., n. 3), tem a sua concretização também no facto que o Prepósito-Geral da Companhia de Jesus chama de todo o mundo os Jesuítas mais adequados para que desempenhem a tarefa de Professores nesta Universidade. A Igreja, bem consciente de que isto pode incluir o sacrifício de outras obras e serviços, válidos para as finalidades que a Companhia se propõe alcançar, está-lhe sinceramente grata e deseja que a Gregoriana conserve o espírito inaciano que a anima, expresso no seu método pedagógico e na organização dos estudos.

Caríssimos, com afecto de Pai confio todos vós, que sois os componentes vivos da Universidade Gregoriana Professores e Docentes, estudantes, pessoal não docente, benfeitores e amigos à intercessão de Santo Inácio de Loyola, de São Roberto Bellarmino e da Bem-Aventurada Virgem Maria, Rainha da Companhia de Jesus, que no brasão da Universidade está indicada com o título de Sedes Sapientiae. Com estes sentimentos concedo a todos a Bênção Apostólica, propiciadora de abundantes favores celestes.





Discursos Bento XVI 28106