Discursos Bento XVI 325

AO SEGUNDO GRUPO DE BISPOS DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sábado, 18 de Novembro de 2006


Senhores Cardeais!
Estimados Irmãos no Episcopado!

É com particular alegria que vos dou as boas-vindas, queridos Irmãos da nossa comum pátria alemã e bávara, aqui à casa do Papa. A vossa visita "ad limina Apostolorum" conduz-vos junto dos túmulos dos Apóstolos, que não falam apenas do passado, mas nos remetem sobretudo para o Senhor Ressuscitado, que está sempre presente na sua Igreja e sempre a "precede" (Mc 16,7). Os túmulos falam-nos do facto de que a Igreja permanece sempre ligada ao testemunho dos primórdios, mas que ao mesmo tempo continua a estar viva no sacramento da sucessão dos Apóstolos; que o Senhor, através do ministério apostólico, nos fala sempre no presente. Com isto é abordada a nossa tarefa como sucessores dos Apóstolos: vivemos no vínculo que nos liga Àquele que é o Alfa e o Ómega (cf. Ap 1,8 Ap 21,6 Ap 22,13), Àquele que é, que era e que há-de vir (Ap 1,4). Anunciamos o Senhor na comunidade viva do seu corpo animada pelo seu Espírito na comunhão viva com o Sucessor de Pedro e com o Colégio dos Bispos. A visita ad Limina deve fortalecer-nos nesta comunhão; deve ajudar-nos para que, em medida crescente, possamos ser julgados como administradores fiéis e sábios dos bens que o Senhor nos confiou (cf. Lc 12,42).

326 Para permanecer fiel ao Senhor e, por conseguinte, a si mesma, a Igreja deve ser renovada continuamente. Mas como se realiza isto? Para responder a esta pergunta devemos antes de tudo conhecer a vontade do Senhor, Chefe da Igreja, e reconhecer claramente que qualquer forma eclesial nasce do compromisso sério para chegar a um conhecimento mais profundo das verdades da fé católica e da aspiração persistente pela purificação moral e pelas virtudes. Este é um apelo que se destina antes de tudo a cada indivíduo e depois a todo o povo de Deus.

A busca da reforma pode facilmente transformar-se num activismo exterior se quem age não leva uma autêntica vida espiritual e se não verifica constantemente as motivações do seu agir à luz da fé. Isto é válido para todos os membros da Igreja: para os Bispos, os sacerdotes, os diáconos, os religiosos e todos os fiéis. O Santo Papa Gregório Magno, na sua Regula pastoralis, coloca diante do Bispo como que um espelho: "Devido ao compromisso exterior o Bispo não descuide a vida interior (...). Muitas vezes considera ser superior a todos graças à sua alta posição (...). Do exterior recebe louvores inoportunos, mas interiormente perde a verdade" (2, 1). Trata-se e isto é também a tarefa quotidiana de cada cristão de prescindir do próprio eu e de se expor ao olhar amoroso e interpelante de Jesus. No centro do nosso serviço está sempre o encontro com Cristo vivo, um encontro que dá à nossa vida a orientação decisiva. N'Ele olha para nós o amor de Deus que, através do nosso ministério sacerdotal e episcopal, se transmite aos homens nas situações mais diversas, tanto ao sadio como ao doente, ao que sofre como a quem é culpado. Deus oferece-nos o seu amor que perdoa, que cura e que santifica. Vem sempre de novo ao nosso encontro "através de homens nos quais Ele Se revela; através da sua Palavra, nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia. Na liturgia da Igreja, na sua oração, na comunidade viva dos crentes, nós experimentamos o amor de Deus, sentimos a sua presença e aprendemos deste modo também a reconhecê-la na nossa vida quotidiana" (Encíclica Deus caritas est ).

Naturalmente na Igreja é necessária também uma planificação institucional e estrutural. Instituições eclesiais, programações pastorais e outras estruturas jurídicas são, até um certo grau, simplesmente necessárias. Mas por vezes são apresentadas como essenciais, impedindo assim que se veja o que é verdadeiramente essencial. Elas correspondem ao seu significado autêntico se forem medidas e orientadas segundo o critério da verdade da fé. Definitivamente, deve e será a própria fé a marcar, em toda a sua grandeza, clareza e beleza, o ritmo da reforma que é fundamental e da qual temos necessidade. Sem dúvida, em tudo isto nunca se deve esquecer que aqueles de cuja capacidade e boa vontade depende a realização das medidas de reforma são sempre seres humanos. Por quanto possa parecer difícil em cada caso individual devem ser sempre tomadas de novo claras decisões pessoais.

Queridos Irmãos no ministério episcopal! Sei que muitos de vós, com razão, estais preocupados por um desenvolvimento das estruturas pastorais que seja adequado à presente situação.

Face ao número actualmente em diminuição quer de sacerdotes, quer infelizmente também de fiéis que frequentam a Missa (dominical), em diversas Dioceses de língua alemã são aplicados modelos para a alteração e restruturação do cuidado pastoral no qual a imagem do pároco, isto é, do sacerdote que como homem de Deus e da Igreja guia uma comunidade paroquial, ameaça ofuscar-se. Tenho a certeza de que vós, queridos Irmãos, não deixais a elaboração destes projectos a planificações frias, mas que as confiais só a sacerdotes e colaboradores que dispõem não só do necessário juízo iluminado da fé e de uma adequada formação teológica, canónica, histórica e prática, assim como de uma experiência pastoral suficiente, mas que se preocupam verdadeiramente pela salvação dos homens e que, por conseguinte, como dissemos no passado, se distingam pelo "zelo das almas" e tenham a salvação integral e portanto eterna do homem como suprema lex do seu pensamento e da sua acção. Sobretudo dareis a vossa aprovação unicamente àquelas reformas estruturais que estejam em plena sintonia com o ensinamento da Igreja acerca do sacerdócio e com as suas normas jurídicas, tendo a preocupação de que a aplicação das reformas não diminua a força de atracção do ministério sacerdotal.

Se por vezes se afirma que os leigos não podem inserir-se suficientemente nas estruturas da Igreja, é por que na base existe uma fixação restritiva sobre a colaboração nos organismos directivos, sobre as posições de relevo dentro das estruturas financiadas pela Igreja ou no exercício de determinadas funções litúrgicas. Também estes âmbitos têm naturalmente a sua importância.

Contudo, não devem fazer esquecer o campo vasto e aberto do apostolado laical urgentemente necessário e as suas numerosas tarefas: o anúncio da Boa Nova a milhões de concidadãos que ainda não conhecem Cristo e a sua Igreja; a catequese das crianças e dos adultos, nas nossas comunidades paroquiais; os serviços caritativos; o trabalho nos meios de comunicação social, assim como o compromisso social para uma tutela integral da vida humana, pela justiça social e no âmbito das iniciativas culturais cristãs. Verdadeiramente não faltam tarefas aos leigos católicos comprometidos, mas talvez haja hoje uma falta de espírito missionário, de criatividade e de coragem para percorrer caminhos também novos.

No discurso ao primeiro grupo de Bispos alemães já mencionei brevemente os numerosos serviços litúrgicos da parte dos leigos que hoje são possíveis na Igreja: o ministério extraordinário da Eucaristia, ao qual se acrescentam o do leitor e o da guia da liturgia da Palavra. Não desejo voltar de novo a este tema. É importante que estas tarefas não sejam desempenhadas, reivindicando-as quase como um direito mas com um espírito de serviço. A Liturgia chama-nos a todos ao serviço de Deus, para Deus e para os homens, no qual não queremos mostrar-nos a nós próprios, mas colocar-nos com humildade diante de Deus e deixar-nos permear pela sua luz. Neste discurso gostaria de tratar brevemente outros quatro pontos que considero muito importantes.

O primeiro é o anúncio da fé aos jovens do nosso tempo. Os jovens de hoje vivem numa cultura secularizada, orientada totalmente para as coisas materiais. Na vida quotidiana nos meios de comunicação, no trabalho, no tempo livre experimentam muito mais uma cultura na qual Deus não está presente. E contudo eles esperam Deus. As Jornadas Mundiais da Juventude demonstram-nos a expectativa e disponibilidade para Deus e para o Evangelho que existem nos jovens do nosso tempo. A nossa resposta a esta expectativa deve ser multiforme. As Jornadas Mundiais da Juventude pressupõem que os jovens possam obter nos seus âmbitos de vida, em particular na paróquia, o encontro com a fé. Aqui, por exemplo, é importante o serviço dos acólitos, que faz com que as crianças e os jovens estejam em contacto com o altar, com a palavra de Deus, com a vida íntima da Igreja. Foi belo, durante a peregrinação dos acólitos, ver jubilosamente reunidos na fé tantos jovens provenientes da Alemanha. Prossegui este empenho e fazei com que os acólitos possam deveras encontrar na Igreja Deus, a sua Palavra, o sacramento da sua presença, e que possam aprender a modelar, a partir disto, a sua vida. Um caminho importante é também o trabalho com os corais, onde os jovens podem receber uma educação para o belo, para a comunhão, experimentar a alegria de participar na Missa, e desta forma receber uma formação na fé. Depois do Concílio o Espírito Santo deu-nos os "movimentos". Por vezes eles podem parecer um pouco estranhos ao Pároco ou ao Bispo, mas são lugares de fé em que os jovens e os adultos experimentam um modelo de vida na fé como oportunidades para a vida de hoje. Por isso peço-vos para irdes ao encontro dos movimentos com muito amor. Em certos aspectos devem ser corrigidos, inseridos no conjunto da paróquia ou da Diocese. Mas devemos respeitar o carácter específico dos seus carismas e ser felizes por nascerem formas comunitárias de fé em que a palavra de Deus se torna vida.

O segundo tema sobre o qual desejo falar pelo menos brevemente são as obras caritativas eclesiais. Na minha Encíclica "Deus caritas est" falei do serviço da caridade como expressão fundamental e irrenunciável da fé na vida da Igreja, mencionando também o princípio interior das obras caritativas: "O amor de Cristo nos impulsiona", disse São Paulo (
2Co 5,14). O mesmo "dever" da caridade (1Co 9,16), que impeliu São Paulo a ir por todo o mundo para anunciar o Evangelho, este mesmo "dever" do amor de Cristo, levou os católicos alemães a fundar as obras caritativas para ajudar as pessoas que vivem na pobreza a reivindicar o seu direito a participar dos bens da terra. Mas é importante prestar atenção, para que estas obras caritativas, nos seus programas e nas suas acções, correspondam verdadeiramente a este impulso interior de amor amparado pela fé. É importante dedicar atenção a que não caiam em dependências políticas, mas que sirvam unicamente a sua tarefa de justiça e de amor. Por isso, por sua vez, é necessária uma colaboração estreita com os Bispos e com as Conferências Episcopais, que conhecem verdadeiramente a situação local e são capazes de fazer com que o dom dos fiéis seja mantido fora da confusão dos interesses políticos e de outros géneros e seja utilizado para o bem das pessoas.

O Pontifício Conselho "Cor Unum" dispõe de uma grande experiência neste âmbito e oferecerá de bom grado a sua ajuda com os seus conselhos para todas estas questões.

327 Por fim, tenho particularmente a peito o tema matrimónio e família. A ordenação do matrimónio como foi estabelecido pela criação, e do qual a Bíblia nos fala expressamente no final da narração da criação (Gn 2,24), hoje está progressivamente ofuscado. Na mesma medida na qual o homem procura construir para si de modo novo no mundo no seu conjunto, pondo assim em perigo de modo cada vez mais perceptível as suas bases, ele perde também a visão da ordem da criação em relação à própria existência. Considera que se pode definir a si próprio como lhe apraz em virtude de uma liberdade vazia. Assim, os fundamentos sobre os quais se baseiam a sua existência e a da sociedade começam a vacilar. Para os jovens torna-se difícil ligar-se definitivamente. Têm medo do que é definitivo, que lhe parece irrealizável e em oposição com a liberdade. Assim, torna-se sempre mais difícil aceitar filhos e dar-lhes o espaço duradouro de crescimento e de maturação que só pode ser a família fundada no matrimónio. Nesta situação agora mencionada é muito importante ajudar os jovens a dizer o "sim" definitivo, que não está em contraste com a liberdade, mas representa a sua maior oportunidade. Na paciência do seu estar juntos toda a vida o amor alcança a sua verdadeira maturidade. Neste ambiente de amor por toda a vida também os filhos aprendem a viver e a amar. Portanto, desejo pedir-vos que façais tudo o que é possível para que o matrimónio e a família sejam formados, promovidos e encorajados.

E por fim, algumas breves palavras sobre o ecumenismo. Todas as louváveis iniciativas sobre o caminho rumo à plena unidade de todos os cristãos encontram na oração comum e na reflexão sobre as Sagradas Escrituras um terreno fértil sobre o qual a comunhão pode crescer e maturar.

Na Alemanha os nossos esforços devem ser orientados sobretudo para os cristãos de fé luterana e reformada. Ao mesmo tempo, não percamos de vista os irmãos e as irmãs das Igrejas ortodoxas, mesmo se em proporção eles sejam menos numerosos. O mundo tem o direito de esperar de todos os cristãos uma profissão unívoca de fé em Jesus Cristo, o Redentor da humanidade. Portanto, o compromisso ecuménico não pode terminar com documentos conjuntos. Torna-se visível e eficaz onde os cristãos de diversas Igrejas e comunidades eclesiais, num contexto social cada vez mais alheio à religião, professam juntos e de maneira convicta os valores transmitidos pela fé cristã e os evidenciam com vigor no seu agir político e social.

Queridos Irmãos no Episcopado! Dado que eu mesmo provenho do vosso País que me é tão querido, sinto-me particularmente tocado pelas realizações da Igreja na Alemanha assim como pelos desafios que ela deve enfrentar. Conheço tudo o que há de bom na Igreja do nosso País não só pela observação e experiência pessoal, mas também porque repetidamente Bispos, sacerdotes e outros visitantes provenientes da Europa e de muitas partes do mundo me falam do bem efectivo que recebem através de pessoas e estruturas eclesiais. A Igreja na Alemanha dispõe verdadeiramente de grandes recursos espirituais e religiosos. Sobretudo o serviço fiel, com frequência muito pouco apreciado, de tantos sacerdotes, diáconos, religiosos e colaboradores eclesiais profissionais em situações pastorais nem sempre fáceis, merece respeito e reconhecimento.

Além disso, estou sinceramente grato porque há sempre numerosos cristãos dispostos a comprometer-se nas comunidades paroquiais e nas dioceses, nas associações e nos movimentos, e a assumir, como católicos crentes, a responsabilidade também dentro da sociedade. Neste contexto partilho convosco a firme esperança de que a Igreja na Alemanha se torne sempre mais missionária e encontre modos para transmitir a fé às gerações futuras.

Queridos Irmãos no Episcopado, conheço bem o vosso compromisso generoso e também o de tantos sacerdotes, diáconos, religiosos e leigos nas vossas Dioceses. Por isso, desejo testemunhar-vos hoje de novo o meu afecto e encorajar-vos a desempenhar unidos e confiantes o vosso serviço de Pastores. Tenho a certeza de que o Senhor acompanhará e recompensará a vossa fidelidade e o vosso zelo com a sua Bênção. A Virgem Santíssima e Mãe de Deus, Maria, Mãe da Igreja e Auxílio dos cristãos, possa impetrar para vós, para o clero e para os fiéis da nossa pátria a força, a alegria e a perseverança para enfrentar o compromisso necessário por uma autêntica renovação da vida de fé com coragem e com a firme confiança na ajuda do Espírito Santo. Por sua intercessão materna e pela de todos os santos e santas veneradas no nosso País, concedo-vos de coração a vós e a todos os fiéis na Alemanha a Bênção Apostólica.



PALAVRAS NO FINAL DO CONCERTO DO "PHILHARMONIA QUARTETT BERLIN", OFERECIDO PELO PRESIDENTE DA ALEMANHA Sábado, 18 de Novembro de 2006


Senhor Presidente da República
Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
Ilustres Senhores e Senhoras

328 Em primeiro lugar, desejo manifestar o meu agradecimento pessoal e particular aos quatro músicos do "Philharmonia Quartett Berlin", Daniel Stabrawa, Christian Stadelmann, Neithard Resa e Jan Diesselhorst, por este concerto que executaram magistralmente. Ilustres Senhores, nos mais de vinte anos da vossa comum actividade concertista como quarteto de arcos, adquiristes um nome a nível internacional, e o confirmastes também hoje com o requinte de estilo, com um modo perfeito de tocar em conjunto, com a grande riqueza de expressão nos delicados matizes do timbre e na maravilhosa harmonia do vosso ensemble. Tocar em conjunto, como solistas, exige de cada indivíduo não apenas o compromisso de todas as suas capacidades técnicas e musicais na execução da própria parte, mas ao mesmo tempo exige sempre também que se saiba retirar na escuta atenta dos outros. Somente se isto se realizar, ou seja, se cada um não se colocar no centro mas, em espírito de serviço, se inserir no conjunto e, por assim dizer, se puser à disposição como "instrumento", a fim de que o pensamento do compositor possa tornar-se som e assim alcançar o coração dos ouvintes, somente assim é possível ter uma interpretação verdadeiramente grandiosa, como a que acabamos de ouvir. Esta é uma bonita imagem também para nós que, no âmbito da Igreja, nos comprometemos a ser "instrumentos" para comunicar aos homens o pensamento do grande "Compositor", cuja obra é a harmonia do universo.

Agradeço-lhe, ilustre Presidente da República, porque nos tornou possível esta intensa experiência de escuta de uma música preciosa, e estou-lhe grato outrossim pelas cordiais palavras com que nos quis saudar e preparar a nossa alma para ouvir a magistral execução musical. Dirijo o meu sincero agradecimento também a todos aqueles que contribuíram para a realização deste concerto. Prezado Presidente, Vossa Excelência não poderia ter-me oferecido um presente mais bonito do que este.

As composições que acabamos de ouvir ajudaram-nos a meditar sobre a complexidade da vida e sobre as pequenas vicissitudes quotidianas. Cada dia representa um entrelaçamento de alegrias e sofrimentos, de esperanças e decepções, de expectativas e surpresas, que se alternam de maneira movimentada e que despertam no nosso íntimo as interrogações fundamentais a respeito do "de onde", do "para onde" e do autêntico sentido da nossa própria existência. Num momento como este a música, que expressa todas estas percepções da alma, oferece ao ouvinte a possibilidade de perscrutar como num espelho as vicissitudes da história pessoal e universal. Todavia, oferece-nos algo mais: mediante os seus sons, leva-nos como que a outro mundo e harmoniza o nosso íntimo.

Encontrando assim um instante de paz, somos capazes de ver, como que a partir de um ponto elevado, as misteriosas realidades que o homem procura decifrar e que a luz da fé nos ajuda a compreender melhor. Efectivamente, podemos imaginar a história do mundo como uma maravilhosa sinfonia composta por Deus, e cuja execução é por Ele mesmo sábio Maestro de orquesta dirigida. Mesmo se a partitura por vezes nos pareça muito complicada e difícil, Ele conhece-a da primeira à última nota. Nós não somos chamados a pegar na batuta do director, e menos ainda a mudar as melodias a nosso bel-prazer. Contudo, somos chamados cada qual no seu lugar e com as próprias capacidades a colaborar com o grande Mestre para a execução da sua grande obra-prima. Além disso, durante a execução ser-nos-á concedido compreender gradualmente o grandioso desígnio da partitura divina.

Desta forma, queridos amigos, vemos que a música pode conduzir-nos à oração: ela convida-nos a elevar a mente a Deus, para encontrar nele as razões da nossa esperança e a assistência nas dificuldades da vida. Fiéis aos seus mandamentos e respeitosos do seu plano salvífico, podemos construir juntos um mundo em que ressoe a melodia consoladora de uma transcendente sinfonia de amor. Aliás, é o próprio Espírito divino que transformará todos nós em instrumentos bem harmonizados e em colaboradores responsáveis de uma admirável execução, em que o plano da salvação universal está a expressar-se ao longo dos séculos.

Ao renovar a demonstração do meu agradecimento aos componentes do "Philharmonia Quartett Berlin", assim como a todos aqueles que contribuíram para a realização desta tarde musical, asseguro a cada um a minha lembrança na oração, enquanto concedo a todos a minha carinhosa Bênção.




DURANTE O ENCONTRO COM SUA EX.CIA O SENHOR GIORGIO NAPOLITANO, PRESIDENTE DA REPÚBLICA ITALIANA Segunda-feira, 20 de Novembro de 2006


Senhor Presidente da República!

Estou-lhe profundamente grato por esta sua visita, com a qual Vossa Excelência hoje me honra, e dirijo a minha cordial saudação a Vossa Excelência e, por seu intermédio, a todo o Povo italiano, cujos representantes no passado mês de Maio o chamaram a desempenhar o cargo supremo do Estado. Desejo, nesta solene circunstância, renovar-lhe pessoalmente as minhas sentidas felicitações pela alta missão que lhe foi conferida. Faço extensiva a minha saudação também aos ilustres Membros da Delegação que o acompanha. Ao mesmo tempo gostaria de manifestar também de novo, em relação a todos os Italianos, a gratidão que já tive a ocasião de expressar durante a minha visita ao Quirinal, a 24 de Junho de 2005. De facto, eles, desde a minha eleição demonstram-me quase quotidianamente, com calor e entusiasmo, os seus sentimentos de acolhimento, de atenção e de apoio espiritual no cumprimento da minha missão. De resto, nesta proximidade sentida ao Papa encontra uma expressão significativa aquele particular vínculo de fé e de história, que liga desde há séculos a Itália ao Sucessor do apóstolo Pedro, o qual tem neste País, não sem disposição da Divina Providência, a sua sede. Para garantir à Santa Sé "a absoluta e visível independência" e "lhe garantir uma soberania indiscutível também no âmbito internacional", com o Tratado lateranense foi constituído o Estado da Cidade do Vaticano. Em virtude deste Tratado, a República italiana oferece a diversos níveis e com várias modalidades um precioso e diuturno contributo ao desenvolvimento da minha missão de Pastor da Igreja universal. A visita ao Vaticano do Chefe do Estado italiano é para mim, por conseguinte, agradável ocasião para fazer chegar o meu deferente pensamento a todos os organismos do Estado, agradecendo-lhes a sua efectiva colaboração em benefício do ministério petrino e da obra da Santa Sé.

A sua visita de hoje, Senhor Presidente, não é só a feliz confirmação de uma já pluridecenal tradição de visitas recíprocas, feitas entre o Sucessor de Pedro e o mais alto Representante do Estado Italiano, mas reveste um importante significado, porque permite uma particular pausa de reflexão sobre as razões profundas dos encontros que se realizam entre os representantes da Igreja e os do Estado. Elas são claramente expostas pelo Concílio Vaticano II, que na Constituição pastoral "Gaudium et spes" afirma: "No terreno que lhe é próprio, a comunidade política e a Igreja são independentes e autónomas. Mas ambas, embora a títulos diferentes, estão ao serviço da vocação pessoal e social dos mesmos homens. Exercerão tanto mais eficazmente este serviço para bem de todos quanto mais cultivarem entre si uma sã cooperação, tendo em conta as circunstâncias do lugar e do tempo" (n. 76).

Trata-se de uma visão partilhada também pelo Estado italiano, que na sua Constituição afirma antes de tudo que "o Estado e a Igreja católica são, cada um na própria ordem, independentes e soberanos" e reafirma depois que "as suas relações estão reguladas pelos Pactos Lateranenses" (art. 7). Esta orientação das relações entre a Igreja e o Estado inspirou também o Acordo que alega modificações à Concordata Lateranense, assinada pela Santa Sé e pela Itália a 18 de Fevereiro de 1984, na qual foram reconfirmadas quer a independência e soberania do Estado e da Igreja quer a "recíproca colaboração para promoção do homem e para bem do País (art. 1). Associo-me de bom grado aos votos formulados por Vossa Excelência, Senhor Presidente, no início do seu mandato, por que esta colaboração possa continuar a desenvolver-se concretamente.

329 Sim, Igreja e Estado, mesmo se plenamente distintos, ambos estão chamados, segundo a sua respectiva missão e com as próprias finalidades e meios, a servir o homem, que é ao mesmo tempo destinatário e partícipe da missão salvífica da Igreja e cidadão do Estado. É no homem que estas duas sociedades se encontram e colaboram para melhor promover o seu bem integral.

Esta solicitude da comunidade civil em relação ao bem dos cidadãos não se pode limitar a algumas dimensões da pessoa, como a saúde física, o bem-estar económico, a formação intelectual ou as relações sociais. O homem apresenta-se diante do Estado também com a sua dimensão religiosa, que "consiste, primeiro que tudo, em actos internos voluntários e livres, pelos quais o homem se ordena directamente para Deus" (Dignitatis humanae
DH 3). Tais actos, "não podem ser impostos nem impedidos" pela autoridade humana, a qual, ao contrário, é obrigada a respeitar e a promover esta dimensão: como ensinou autorizadamente o Concílio Vaticano II a propósito do direito à liberdade religiosa, ninguém pode ser obrigado "a agir contra a sua consciência" nem se pode "impedir-lhe de agir em conformidade com ela, sobretudo em âmbito religioso" (ibid.). Mas contudo seria redutivo considerar que esteja suficientemente garantido o direito de liberdade religiosa, quando não se faz violência ou não se intervém sobre as condições pessoais ou nos limitamos a respeitar a manifestação da fé que acontece no âmbito do lugar de culto. De facto, não se pode esquecer que "a própria natureza social do homem exige que se manifeste externamente os actos internos da religião, comunique com outros em matéria religiosa e professe a sua religião de modo comunitário" (ibid.). A liberdade religiosa é, por conseguinte, um direito não só do indivíduo, mas também da família, dos grupos religiosos e da própria Igreja (cf. Dignitatis humanae DH 4-5 DH 13) e a prática deste direito tem uma influência sobre os numerosos âmbitos e situações nas quais o crente se encontra a trabalhar. Um respeito adequado do direito à liberdade religiosa exige, portanto, o compromisso do poder civil a "criar condições propícias ao desenvolvimento da vida religiosa, de modo que os cidadãos possam realmente exercer os direitos da religião e cumprir os seus deveres, e a própria sociedade goze dos bens da justiça e da paz, que provêm da fidelidade dos homens a Deus e à Sua Santa Vontade" (Dignitatis humanae DH 6).

Estes nobres princípios, proclamados pelo Concílio Vaticano II, são realmente património de muitas sociedades civis, inclusive da Itália. De facto, eles estão presentes quer na Carta constitucional italiana quer nos numerosos documentos internacionais que proclamam os direitos do homem. E também Vossa Excelência, Senhor Presidente, não deixou de recordar oportunamente a necessidade do reconhecimento que deve ser dado à dimensão social e pública do facto religioso. O mesmo Concílio recorda que, quando a sociedade respeita e promove a dimensão religiosa dos seus membros, ela recebe em retribuição os "bens da justiça e da paz, que provêm da fidelidade dos homens a Deus e à Sua Santa vontade" (ibid.). A liberdade, que a Igreja e os cristãos reivindicam, não prejudica os interesses do Estado ou de outros grupos sociais e não tem por finalidade uma supremacia autoritária sobre eles, mas é ao contrário a condição para que, como disse durante o recente Congresso Nacional Eclesial realizado em Verona, se possa cumprir aquele serviço precioso que a Igreja oferece à Itália e a cada País em que está presente. Este serviço à sociedade, que consiste principalmente em "dar respostas positivas e convincentes às expectativas e às interrogações do nosso povo" (cf. Discurso aos participantes no Congresso Nacional Eclesial em Verona) oferecendo à sua vida a luz da fé, a força da esperança e o calor da caridade, expressa-se também em relação ao âmbito civil e político. De facto, se é verdade que pela sua natureza e missão "a Igreja não é e não pretende ser um agente político", contudo ela "tem um interesse profundo pelo bem da comunidade política" (ibid.).

Este contributo específico é dado principalmente pelos fiéis leigos, os quais, agindo com plena responsabilidade e servindo-se do direito à vida pública, se comprometem com outros membros da sociedade para "construir uma ordem justa na sociedade" (ibid.). Na sua acção, aliás, eles baseiam-se nos "valores e princípios antropológicos e éticos radicados na natureza do ser humano" (ibid.), reconhecíveis também através do recto uso da razão. Assim, quando se comprometem com palavras e acções a enfrentar os grandes desafios actuais, representandos pelas guerras e pelo terrorismo, pela fome e pela sede, pela extrema pobreza de tantos seres humanos, por algumas terríveis epidemias, assim como pela tutela da vida humana em todas as suas fases, desde a concepção até à morte natural, e pela promoção da família, fundada no matrimónio e primeira responsável da educação, não agem por um seu interesse peculiar ou em nome de princípios perceptíveis unicamente por quem professa um determinado credo religioso: fazem-no, ao contrário, no contexto e segundo as regras da convivência democrática, para o bem de toda a sociedade e em nome de valores que cada pessoa com sentimentos rectos pode partilhar. Disto dá provas o facto de que grande parte dos valores, que mencionei, são proclamados pela Constituição italiana, que foi elaborada há quase sessenta anos por homens de diversas posições ideais.

Senhor Presidente, gostaria de concluir estas reflexões com os votos cordiais de que a Nação italiana saiba progredir pelo caminho do progresso autêntico e possa oferecer à Comunidade internacional o seu precioso contributo, promovendo sempre aqueles valores humanos e cristãos que fundam a sua história, a sua cultura, o seu património ideal, jurídico e artístico, e que ainda hoje estão na base da existência e do compromisso dos seus cidadãos. Neste esforço não faltará, sem dúvida, a contribuição leal e generosa dada pela Igreja Católica através do ensinamento dos seus Bispos, que em breve encontrarei durante a sua visita ad limina Apostolorum, e graças à obra de todos os fiéis.

Formulo estes votos também na oração, com a qual imploro de Deus omnipotente uma particular bênção para este nobre País, para os seus habitantes e em particular para quantos governam o seu destino.

DECLARAÇÃO CONJUNTA E DO ARCEBISPO DE CANTERBURY, ROWAN WILLIAMS




Há quarenta anos, encontraram-se nesta cidade santificada pelo ministério e o sangue dos Apóstolos Pedro e Paulo os nossos predecessores, Papa Paulo VI e Arcebispo Michael Ramsey.

Começaram um novo percurso de reconciliação, assente nos Evangelhos e nas antigas tradições comuns. Séculos de desavença entre anglicanos e católicos cederam o lugar a um vivo desejo de colaboração e cooperação, quando foi novamente descoberta e confirmada a comunhão real, embora incompleta, que possuímos. Naquela ocasião, o Papa Paulo VI e o Arcebispo Ramsey comprometeram-se a instaurar um diálogo pelo qual questões que nos dividiram no passado pudessem ser orientadas a partir duma nova perspectiva com verdade e amor.

Desde aquele encontro, a Igreja Católica Romana e a Comunhão Anglicana entraram num processo de diálogo fecundo, que se tem caracterizado pela descoberta de significativos elementos de fé que compartilhamos e por um desejo de manifestar o que temos em comum, através conjuntamente da oração, do testemunho e do serviço. Ao longo de trinta e cinco anos, a Comissão Internacional Anglicana e Católica Romana (ARCIC) publicou uma série de documentos importantes procurando articular a fé que compartilhamos. Nos dez anos passados desde a última Declaração Comum que foi assinada pelo Papa e pelo Arcebispo de Cantuária, a segunda fase da ARCIC levou a termo o seu mandato tendo publicado os documentos O Dom da Autoridade (1999) e Maria: Graça e Esperança em Cristo (2005). Estamos gratos aos teólogos que rezaram e trabalharam conjuntamente na preparação destes textos que aguardam ulterior estudo e reflexão.

O verdadeiro ecumenismo estende-se para além do diálogo teológico, abrangendo a nossa vida espiritual e o testemunho comum. À medida que o nosso diálogo vai progredindo, o amor a Cristo, que tantos católicos e anglicanos têm descoberto uns nos outros, convida-nos à cooperação e ao serviço concretos. Esta solidariedade no serviço de Cristo, experimentada por muitas das nossas comunidades no mundo inteiro, fornece novo ímpeto ao nosso relacionamento. A Comissão Internacional Anglicana e Católica Romana para a Unidade e a Missão (IARCCUM) tem-se empenhado na busca dos caminhos apropriados para se conseguir apressar e robustecer a nossa missão comum de proclamar ao mundo a vida nova em Cristo. O seu relatório, que apresenta um resumo das conclusões centrais da ARCIC e, simultaneamente, faz propostas para crescermos juntos na missão e no testemunho, foi recentemente concluído e submetido, para revisão, ao Departamento da Comunhão Anglicana e ao Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e aqui lhes deixamos o testemunho da nossa gratidão pelo seu trabalho.

Nesta visita fraterna, celebramos todo o bem que nasceu destas quatro décadas de diálogo.


Discursos Bento XVI 325