Discursos Bento XVI 330

330 Agradecemos a Deus os dons de graça com que as favoreceu. Ao mesmo tempo, o longo caminho que fizemos em comum obriga-nos a reconhecer publicamente o desafio posto por novos desenvolvimentos que, além de suscitar divisões entre os anglicanos, levantam sérios obstáculos no nosso percurso ecuménico. Por isso, torna-se premente que, ao renovar o nosso compromisso de prosseguirmos pela senda que conduz à plena comunhão visível na verdade e no amor de Cristo, nos empenhemos, no nosso diálogo permanente, a abordar também os graves problemas resultantes do aparecimento de tais factores eclesiológicos e éticos que tornam este caminho mais difícil e árduo.

Como líderes cristãos chamados a enfrentar os desafios do novo milénio, reafirmamos o nosso público devotamento à revelação da vida divina, singularmente iniciada por Deus na divindade e humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Acreditamos que a purificação e a reconciliação nos são oferecidas, a nós e ao mundo, através de Cristo e dos meios de salvação n'Ele instituídos.
Muitas são as áreas de testemunho e serviço em que podemos dar-nos as mãos e que, de facto, clamam por uma cooperação mais estreita entre nós: a busca da paz na Terra Santa e noutras partes do mundo transtornadas por conflitos e ameaças de terrorismo; promoção do respeito pela vida humana desde a concepção até à morte natural; defesa da sacralidade do matrimónio e do bem-estar dos filhos no âmbito duma vida familiar sadia; ajuda aos pobres, aos oprimidos e aos mais vulneráveis, especialmente a quantos são perseguidos por causa da sua fé; superação dos efeitos negativos do materialismo; e cuidado da criação e do meio ambiente. Comprometemo-nos também no diálogo inter-religioso pelo qual poderemos caminhar juntos ao encontro dos nossos irmãos e irmãs não cristãos.

Cônscios destes nossos quarenta anos de diálogo e do testemunho dos santos e santas comuns às nossas tradições, nomeadamente Maria, a Theotókos, os santos Pedro e Paulo, Bento, Gregório Magno e Agostinho de Cantuária, comprometemo-nos a uma oração mais fervorosa e a um esforço mais diligente a fim de acolher e viver segundo aquela verdade para a qual o Espírito do Senhor deseja conduzir os seus discípulos (cf.
Jn 16,13). Confiados na esperança apostólica "de que Aquele que começou em vós esta boa obra, a completará" (cf. Ph 1,6), acreditamos que, se conseguirmos juntos ser instrumentos de Deus para chamar todos os cristãos a uma obediência mais profunda a Nosso Senhor, aproximar-nos-emos também mais estreitamente uns dos outros, encontrando na sua vontade a plenitude da unidade e a vida comum para a qual Ele nos convida.

Vaticano, 23 de Novembro de 2006.



POR OCASIÃO DA VISITA DE S. G. ROWAN WILLIAMS,

ARCEBISPO DE CANTERBURY Quinta-feira, 23 de Novembro de 2006

Vossa Graça,
Queridos amigos,

Graça e paz lhes sejam dadas no Senhor Jesus Cristo! A sua vinda aqui, hoje, evoca o significativo costume instaurado pelos nossos predecessores nas últimas décadas. E recorda-nos também a história, muito mais longa, das relações entre a Sé de Roma e a Sé de Cantuária, que teve início, há mais de 1400 anos, quando o Papa Gregório Magno enviou Santo Agostinho à terra dos Anglo-Saxões. Sinto-me feliz por poder, hoje, dar as boas-vindas a Vossa Graça e à distinta delegação que o acompanha. Este não é o nosso primeiro encontro. Na realidade, muito reconhecido fiquei pela presença de Vossa Graça e de outros representantes da Comunhão Anglicana no funeral do Papa João Paulo II e, depois, no solene início do meu Pontificado, ano e meio atrás.

Esta sua visita à Santa Sé realiza-se no quadragésimo aniversário da visita do Arcebispo de Cantuária de então, Dr. Michael Ramsey, ao Papa Paulo VI. Tratou-se de uma visita muito promissora, uma vez que nela a Comunhão Anglicana e a Igreja Católica deram os passos necessários para iniciar um diálogo sobre as questões a ser abordadas na busca da plena unidade visível.

No nosso relacionamento durante os últimos quarenta anos, há muitas coisas pelas quais devemos dar graças. O trabalho da comissão para o diálogo teológico tem sido fonte de encorajamento à medida que se vão abordando pontos doutrinais que nos mantinham separados no passado. A amizade e as boas relações existentes em muitos lugares entre anglicanos e católicos têm ajudado a criar um novo contexto, que revigora e aperfeiçoa o nosso testemunho comum do Evangelho de Jesus Cristo. As visitas dos Arcebispos de Cantuária à Santa Sé serviram para fortalecer estas relações e têm desempenhado um papel importante para se contornarem os obstáculos que nos mantinham separados. Esta tradição ajudou a tornar realidade um encontro muito construtivo de bispos anglicanos e católicos em Mississauga, no Canadá, em Maio de 2000, durante o qual se concordou em formar uma comissão conjunta de bispos para discernir formas apropriadas de expressar na vida eclesial os progressos que já se tinham alcançado. Por tudo isto, damos graças a Deus.

331 Mas, na situação actual especialmente no mundo ocidental secularizado há muitas influências e pressões negativas que investem os cristãos e as comunidades cristãs. Ao longo dos últimos três anos, Vossa Graça tem-se pronunciado publicamente sobre as pressões e dificuldades que assediam a Comunhão Anglicana e, consequentemente, sobre a incerteza do futuro da mesma.

Recentes desenvolvimentos, relativos sobretudo ao ministério ordenado e a determinados ensinamentos morais, têm afectado as relações não só dentro da Comunhão Anglicana, mas também entre esta e a Igreja Católica. Nós julgamos que estes assuntos, actualmente em debate no seio da Comunhão Anglicana, são de vital importância para a pregação do Evangelho na sua integridade, e que as vossas actuais discussões condicionarão o futuro das nossas relações.

Esperamos que o trabalho do diálogo teológico, que tem registado um grau assinalável de entendimento nestas e noutras matérias teológicas importantes, continuará a ser tomado a sério em vosso discernimento. Em tais deliberações, acompanhamos Vossa Graça com fervorosa oração. É nossa ardente esperança que a Comunhão Anglicana permaneça alicerçada nos Evangelhos e na Tradição Apostólica, que formam o nosso património comum e constituem a base da aspiração comum que nos anima ao trabalharmos pela plena unidade visível.

O mundo precisa do nosso testemunho e da força que deriva duma proclamação unânime do Evangelho. Os sofrimentos enormes da família humana e as formas de injustiça que desgraçam as vidas de tantas pessoas constituem um apelo urgente ao nosso testemunho e serviço comuns.

Precisamente por esta razão, e não obstante as dificuldades de momento, é importante continuarmos o nosso diálogo teológico. Espero que a sua visita ajudará a encontrar caminhos que permitam seguir em frente nas actuais circunstâncias.

Que o Senhor continue a abençoar Vossa Graça e sua família, e o fortaleça no seu serviço à Comunhão Anglicana!



AOS DIRIGENTES E FUNCIONÁRIOS

DOS MUSEUS DO VATICANO Quinta-feira, 23 de Novembro de 2006


Queridos Irmãos e irmãs!

É com grande alegria que vos recebo e dirijo a cada um de vós as minhas cordiais boas-vindas. Saúdo em primeiro lugar, D. Giovanni Lajolo, Presidente do Governatorato, e agradeço-lhe as palavras com que se fez intérprete do vosso afecto, realçando a atenção especial reservada pelos Sumos Pontífices aos Museus do Vaticano, que este ano celebram o seu quinto centenário. Saúdo também o Secretário-Geral, D. Renato Boccardo, e o Director dos Museus, Dr. Francesco Buranelli. O encontro convosco, que formais o grupo de funcionários mais numeroso da Cidade do Vaticano, estava naturalmente incluído nos meus propósitos, e sinto-me feliz que se realize durante estas celebrações jubilares. Além disso, gostaria de saudar os familiares presentes e incluir nos meus pensamentos as vossas famílias.

Todos os dias milhares de pessoas visitam os Museus do Vaticano. No ano de 2005 contaram-se 3 milhões e 800 mil, e no corrente ano de 2006 já superaram os 4 milhões. Isto faz reflectir! Quem são na realidade estes visitantes? São uma representação bastante heterogénea da humanidade.

Entre eles, muitos não são católicos, tantos não são cristãos e talvez nem sequer crentes. Grande parte deles visita também a Basílica de São Pedro, mas muitos, do Vaticano, visitam só os museus.

332 Tudo isto faz reflectir sobre a extraordinária responsabilidade que investe esta instituição sob o ponto de vista da mensagem cristã. Vem à mente a frase que o Papa Bento XIV, a meados do séc. XVIII, mandou inscrever na entrada deste Museu Cristão, para declarar a sua finalidade: "Ad augendum Urbis splendorem / et asserendam Religionis veritatem", "Para promover o esplendor de Roma e afirmar a verdade da Religião cristã". A abordagem da verdade cristã mediada pela expressão artística ou histórico-cultural tem uma oportunidade a mais de falar à inteligência e à sensibilidade de pessoas que não pertencem à Igreja católica e por vezes podem ter em relação a ela preconceitos e desconfiança. Quem visita os Museus do Vaticano têm a oportunidade de se "imergir" num concentrado de "teologia por imagens", entrando neste santuário de arte e de fé. Conheço o empenho necessário para a sua tutela, conservação e protecção quotidiana destes ambientes, e agradeço-vos o esforço que fazeis para que eles falem a todos e no melhor dos modos. É um trabalho no qual, queridos amigos, todos estais comprometidos e todos sois importantes: porque o bom funcionamento do Museu, vós bem o sabeis, depende do contributo de cada um.

Permiti que agora eu evidencie uma verdade que está escrita no "código genético" dos Museus do Vaticano: isto é, que a grande civilização clássica e a judaico-cristã não estão opostas entre si, mas convergem no único plano de Deus. Demonstra isto o facto de que a origem remota desta instituição remonta a uma obra que podemos classificar "profana" o magnífico grupo escultural do Laocoonte mas que, na realidade, inserida no contexto vaticano, adquire a sua luz mais plena e autêntica. É a luz da criatura humana plasmada por Deus, pela liberdade no drama da sua redenção, orientada entre terra e céu, entre carne e espírito. É a luz de uma beleza que irradia a partir de dentro a obra artística e conduz o espírito à abertura ao sublime, onde o Criador encontra a criatura feita à sua imagem e semelhança. Podemos ler tudo isto numa obra-prima como precisamente o Laocoonte, mas trata-se de uma lógica própria dentro do Museu, que nesta perspectiva se apresenta deveras em total sintonia com a complexa articulação das suas repartições, mesmo se muito diferentes entre si. A síntese entre Evangelho e cultura torna-se ainda mais explícita nalgumas repartições e quase "materializada" noutras obras: penso nos sarcófagos do museu Pio-cristão, ou nos túmulos das Necrópoles na Via Triunfal, que este ano viu duplicar a sua área dedicada a museu, ou à excepcional colecção etnológica de proveniência missionária. O Museu mostra verdadeiramente um entrelaçamento contínuo de Cristianismo com cultura, fé e arte, divino e humano. A Capela Sistina constitui, a este propósito, um vértice insuperável.

Voltemos agora a vós, queridos amigos. Os Museus do Vaticano são o vosso lugar de trabalho.

Muitos de vós estão em contacto directo com os visitantes: como são importantes então as vossas maneiras e o vosso exemplo para oferecer a todos um testemunho de fé simples mas incisivo. Um templo de arte e de cultura como os Museus do Vaticano exige que a beleza das obras esteja acompanhada pela beleza de quem neles trabalha: beleza espiritual, que torna o lugar deveras eclesial, impregnando-o de espírito cristão. O facto de trabalhar no Vaticano constitui, portanto, um compromisso a mais para cultivar a própria fé e testemunho cristão. Em relação a isto, além da participação activa na vida das vossas comunidades paroquiais, é-vos oferecida uma ajuda útil também pelos momentos de celebração e de formação espiritual animados pelos vossos assistentes espirituais, aos quais agradeço a sua dedicação. Mas convido-vos principalmente a fazer com que as vossas famílias sejam uma "pequena Igreja", na qual a fé e a vida se entrelacem no desenvolver-se das vicissitudes alegres e tristes de todos os dias. E precisamente por isto sinto-me feliz que esteja aqui presente hoje uma significativa representação dos vossos familiares. A Virgem Maria e São José vos ajudem a viver em perene acção de graças, apreciando as alegrias simples de cada dia e multiplicando as obras de bem. Garanto a minha oração por cada um de vós, de modo especial pelos idosos, as crianças e os doentes e, ao agradecer-vos pela vossa agradável visita, com afecto vos abençoo a vós e aos vossos familiares.




AOS PARTICIPANTES DA XXI CONFERÊNCIA INTERNACIONAL ORGANIZADA PELO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL NO CAMPO DA SAÚDE Sexta-feira, 24 de Novembro de 2006


Amados irmãos e irmãs

Estou feliz por me encontrar convosco por ocasião da Conferência Internacional organizada pelo Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde. Dirijo a cada um de vós a minha cordial saudação e, em primeiro lugar, ao Cardeal Javier Lozano Barragán, a quem agradeço as amáveis palavras. A escolha do tema "Os aspectos pastorais da cura das doenças infecciosas" oferece a oportunidade para reflectir, sob vários pontos de vista, sobre as patologias infecciosas que desde sempre acompanharam o caminho da humanidade. É impressionante o número e a variedade dos modos como elas ameaçam, muitas vezes mortalmente, a vida humana, também nesta nossa época.

Termos como lepra, peste, tuberculose, sida e ébola evocam cenários dramáticos de sofrimento e de medo. Sofrimento pelas vítimas e pelos seus entes queridos, muitas vezes esmagados por um sentido de impotência diante da gravidade inexorável do mal; medo pela população em geral e por quantos, em virtude da profissão ou de opções voluntárias, se aproximam destes doentes.

A persistência das doenças infecciosas que, apesar dos efeitos benéficos da prevenção que se fundamenta no progresso da ciência, da tecnologia médica e das políticas sociais, continuam a ceifar numerosas vítimas, põe em evidência os limites inevitáveis da condição humana. Porém, o compromisso humano nunca deve desistir de procurar meios e modalidades de intervenção mais eficazes para combater estes males e para reduzir as dificuldades de quantos são vítimas das mesmas. No passado, um número enorme de homens e mulheres puseram à disposição dos doentes com patologias repugnantes as suas competências e a sua carga de generosidade humana.

No âmbito da Comunidade cristã, numerosas "foram as pessoas consagradas que sacrificaram a sua vida ao serviço das vítimas de doenças contagiosas, mostrando que pertence à índole profética da vida consagrada a dedicação até ao heroísmo" (Exortação Apostólica pós-sinodal Vita consecrata VC 83). Todavia, a estas iniciativas louváveis e a gestos de amor tão generosos opõem-se não poucas injustiças. Como esquecer os numerosos enfermos infecciosos, obrigados a viver segregados e por vezes assinalados por um estigma que os humilha? Estas situações lastimáveis manifestam-se com maior gravidade na desigualdade das condições sociais e económicas entre o Norte e o Sul do mundo. É importante responder-lhes com intervenções concretas, que favoreçam a proximidade ao doente, tornem mais viva a evangelização da cultura e proponham motivos inspiradores dos programas económicos e políticos dos governos.

Em primeiro lugar, a proximidade ao enfermo atingido por doenças infecciosas: trata-se de uma finalidade para a qual a Comunidade eclesial deve tender sempre. O exemplo de Cristo que, interrompendo as prescrições do tempo, não só se deixava aproximar pelos leprosos, mas também lhes restituía a saúde e a dignidade de pessoas, "contagiou" muitos dos seus discípulos ao longo de mais de dois mil anos de história cristã. O beijo ao leproso, dado por Francisco de Assis, encontrou imitadores não apenas em figuras heróicas como o Beato Damião de Veuster, morto na ilha de Molokai enquanto prestava assistência aos leprosos, ou como a Beata Teresa de Calcutá, ou ainda como as religiosas italianas mortas há alguns anos pelo vírus do ébola, mas inclusive em numerosos promotores de iniciativas em benefício dos doentes infecciosos, sobretudo nos países menos desenvolvidos. Esta rica tradição da Igreja católica deve conservar-se viva a fim de que, através do exercício da caridade para com aqueles que sofrem, se tornem visíveis os valores inspirados na humanidade autêntica e no Evangelho: a dignidade da pessoa, a misericórdia, a identificação de Cristo com o doente. Qualquer intervenção permanece insuficiente, se não é perceptível nela o amor pelo homem, um amor que se nutre do encontro com Cristo.

333 A insubstituível proximidade ao doente deve estar unida à evangelização do ambiente cultural em que vivemos. Entre os preconceitos que obstam ou limitam uma ajuda eficaz às vítimas de enfermidades infecciosas há a atitude de indiferença e até de exclusão e de rejeição das mesmas, que às vezes sobressai na sociedade do bem-estar. Este comportamento é favorecido também pela imagem transmitida através dos mass media de homens e mulheres preocupados predominantemente pela beleza física, pela saúde e pela vitalidade biológica. É uma perigosa tendência cultural que leva a colocar-nos no centro, a fechar-nos no nosso pequeno mundo e evitar o compromisso no serviço aos necessitados. O meu venerado predecessor João Paulo II, na Carta Apostólica Salvifici doloris, formula votos a fim de que o sofrimento ajude a "desencadear no homem o amor, precisamente esse dom desinteressado do próprio "eu" em favor dos outros homens, dos homens que sofrem". Sucessivamente, ele acrescenta: "O mundo do sofrimento humano almeja sem cessar, por assim dizer, outro mundo: o mundo do amor humano; e aquele amor desinteressado que vem do coração e transparece nas acções da pessoa que sofre; amor que, aliás, esta deve em certo sentido ao sofrimento" (n. 29). Então, é necessária uma pastoral capaz de ajudar os doentes a enfrentarem o sofrimento, ajudando-os a transformar a sua condição num momento de graça para si e para os outros, através de uma profunda participação no mistério de Cristo.

Enfim, gostaria de reiterar como é importante a colaboração com os vários organismos públicos, para que se realize a justiça social num delicado sector como o do cuidado e da assistência aos doentes infecciosos. Gostaria de mencionar, por exemplo, a distribuição equitativa dos recursos para a pesquisa e a terapia, assim como a promoção de condições de vida que impeçam o aparecimento e a difusão das enfermidades infecciosas. Tanto neste como noutros ambientes, à Igreja incumbe a tarefa "mediata" de "contribuir para a purificação da razão e o despertar das forças morais, sem as quais não se constroem estruturas justas, nem estas permanecem operativas por muito tempo". Entretanto, "o dever imediato de trabalhar por uma ordem justa na sociedade é próprio dos fiéis leigos, que... são chamados a participar pessoalmente na vida pública"(Encíclica Deus caritas est ).

Obrigado, queridos amigos, pelo compromisso com que vos dedicais ao serviço de uma causa em que encontra a sua actualização a obra purificadora e salvadora de Jesus, divino Samaritano das almas e dos corpos. Enquanto vos formulo os bons votos por um feliz encerramento dos vossos trabalhos, concedo-vos de coração, tanto a vós como aos vossos entes queridos, uma especial Bênção Apostólica.


AOS PARTICIPANTES NO ENCONTRO PROMOVIDO PELA FEDERAÇÃO ITALIANA DOS SEMANAIS CATÓLICOS Sábado, 25 de Novembro de 2006


Amados irmãos e irmãs

É com alegria que vos recebo e estou grato pela vossa amável visita. A todos vós, a minha cordial saudação, que se dirige em primeiro lugar a D. Giuseppe Betori, Secretário da Conferência Episcopal Italiana, e ao Pe. Giorgio Zucchelli, Presidente da Federação Italiana dos Semanais Católicos, enquanto lhes manifesto o meu agradecimento também por se terem feito intérpretes dos sentimentos de todos. Torno a minha saudação extensiva aos Directores dos mais de 160 jornais diocesanos e aos numerosos colaboradores que, de várias formas, contribuem para a redacção de cada um dos semanais. Saúdo o Director e os jornalistas da Agência Sir, assim como o Director do diário Avvenire. Estou-vos particularmente reconhecido porque, no encerramento do vosso Congresso sobre o tema "Católicos na política. Livres ou dispersos?", quisestes visitar o Sucessor do Apóstolo Pedro, renovando deste modo o testemunho da vossa fidelidade à Igreja, a cujo serviço dedicais todos os dias as vossas energias humanas e profissionais. A este propósito, sinto também o dever de vos agradecer a obra de sensibilização que levais a cabo junto dos fiéis, a propósito das iniciativas de bem do Sucessor de Pedro, em prol das necessidades da Igreja universal.

A Federação Italiana dos Semanais Católicos que, como há pouco recordou o vosso Presidente, reúne os jornais diocesanos, celebra nestes dias quarenta anos desde a sua fundação. Com efeito, era o dia 27 de Novembro de 1966, quando os vossos predecessores tomaram a iniciativa de unir as vossas potencialidades intelectuais e criativas dos vários organismos de informação, que já desempenhavam um serviço profícuo nas várias dioceses italianas. Esta iniciativa nasceu do desejo de dar maior visibilidade e incisividade à presença e à acção pastoral da Igreja, cujo compromisso se desejava apoiar, sobretudo nos momentos de maior cansaço.

Folheando os vossos semanais das últimas quatro décadas, é possível percorrer de novo a vida da Igreja e da sociedade na Itália: foram muitos os acontecimentos que a assinalaram e são notáveis as mudanças sociais e religiosas que se verificaram. Tais acontecimentos e mudanças são pontualmente inscritos e comentados nestas páginas, com uma atenção especial à vivência quotidiana das paróquias e das comunidades diocesanas. Diante de uma acção multiforme em vista de debelar as raízes cristãs da civilização ocidental, a função peculiar dos instrumentos de comunicação social de inspiração católica é a de educar a inteligência e de formar a opinião pública em conformidade com o espírito do Evangelho. A sua tarefa consiste em servir a verdade com coragem, ajudando a opinião pública a olhar, a interpretar e a viver a realidade com os olhos de Deus. A finalidade do jornal diocesano é a de oferecer a todos uma mensagem de verdade e de esperança, ressaltando acontecimentos e realidades onde o Evangelho é vivido, onde o bem e a verdade triunfam, onde o homem constrói e reconstrói com diligência e originalidade o tecido humano das pequenas realidades comunitárias.

Prezados amigos, a rápida evolução dos meios de comunicação social e o advento de diversificadas e avançadas tecnologias no campo dos mass media não tornaram inútil a vossa função; pelo contrário, sob diversos aspectos, ela tornou-se ainda mais significativa e importante, porque dá voz às comunidades locais que não podem encontrar um eco adequado nos grandes agentes de informação. Narrando e alimentando a vitalidade e o impulso apostólico de cada uma das comunidades, as páginas dos vossos jornais constituem um precioso veículo de informação e um meio de propagação evangélica. A importância da vossa presença, oportunamente reiterada também no recente Congresso da Igreja italiana em Verona, é testemunhada pela vossa profunda difusão. Vós podeis chegar também lá onde não se consegue influenciar com os instrumentos tradicionais da pastoral.

Além disso, os vossos semanais são justamente definidos "jornais do povo", porque permanecem vinculados aos acontecimentos e à vida da população do território e transmitem as tradições populares e o rico património cultural e religioso dos vossos países e das vossas cidades. Ao narrardes as vicissitudes de todos os dias, difundis o conhecimento daquela realidade impregnada de fé e de bondade, que não faz ruídos mas que constitui o tecido genuíno da sociedade italiana.

Queridos amigos, continuai a fazer dos vossos jornais uma rede de ligação que facilite os relacionamentos e o encontro entre os cidadãos individualmente e as instituições, entre as associações e os vários grupos sociais, entre as paróquias e os movimentos eclesiais. Continuai a ser "jornais do povo e no meio do povo", palestras de diálogo e de debate leal entre diferentes opiniões, de maneira a favorecer um diálogo autêntico, indispensável para o crescimento da comunidade civil e eclesial. Trata-se de um serviço que vós podeis desempenhar também nos campos social e político. Se, efectivamente, como afirmastes durante o vosso Congresso, o pluralismo legítimo das opções políticas nada tem a ver com uma diáspora cultural dos católicos, então os vossos semanais podem representar alguns significativos "lugares" de encontro e de atento discernimento para os fiéis leigos, comprometidos nos sectores social e político, com a finalidade de dialogar e de encontrar convergências e objectivos de acção compartilhada, ao serviço do Evangelho e do bem comum.

Estimados amigos, para cumprirdes a vossa importante tarefa, é necessário em primeiro lugar que vós mesmos cultiveis um relacionamento constante e profundo com Cristo na oração, na escuta da sua palavra e numa intensa vida sacramental. Ao mesmo tempo, é preciso que vos conserveis activos e sejais membros responsáveis da comunidade eclesial, em comunhão com os vossos Pastores. Como Directores, redactores e administradores de semanais católicos estai convictos disto vós não desempenhais um "trabalho qualquer", mas sois "cooperadores" na grande missão evangelizadora da Igreja. As dificuldades que não faltam, os obstáculos que às vezes podem chegar a parecer insuperáveis, nunca vos desanimem. A experiência do passado demonstra que as pessoas têm necessidade de fontes de informação como os vossos jornais.

Confio à Virgem Maria a vossa Federação e o vasto público dos leitores dos semanais diocesanos. Que Ela vos ajude no serviço quotidiano, que levais a cabo diligentemente. Enquanto invoco sobre vós também a celeste intercessão de São Francisco de Sales, protector dos jornalistas, abençoo-vos a todos do íntimo do coração, juntamente com os vossos familiares e com as vossas comunidades diocesanas.



VIAGEM APOSTÓLICA À TURQUIA (28 DE NOVEMBRO A 1º DE DEZEMBRO DE 2006)


ENCONTRO COM OS JORNALISTAS ANTES DA PARTIDA DO AEROPORTO DE ROMA Terça-feira, 28 de Novembro de 2006

28116

Queridos amigos jornalistas, fotógrafos, saúdo-vos a todos cordialmente neste voo e gostaria de expressar sinceramente a minha gratidão pelo trabalho que fazeis. Sei que é um trabalho árduo, com frequência em condições difíceis, informar em breve tempo sobre coisas complexas e difíceis, fazer a síntese e tornar compreensíveis a essência do que aconteceu e de quanto foi dito. Todos os acontecimentos chegam à humanidade só através da vossa mediação, e assim prestais realmente um serviço de grande importância, pelo qual estou cordialmente grato. Sabemos que a finalidade desta viagem é o diálogo, a fraternidade: um compromisso pela compreensão entre as culturas, pelo encontro das culturas com as religiões, pela reconciliação. Todos sentimos a mesma responsabilidade neste momento difícil da história e colaboramos, e o vosso trabalho é muito importante. Por isso vos digo mais uma vez obrigado.

Esta viagem que hoje começa, pelas tensões que se foram somando à volta do seu núcleo ecuménico, apresenta-se como uma das mais delicadas na história das viagens papais modernas. Com que espírito a empreende?

Empreendo-a com grande confiança e esperança. Sei que muitas pessoas nos acompanham com a sua simpatia, com a sua oração. Sei que também o povo turco é um povo hospitaleiro, aberto, que deseja a paz. Sei que a Turquia é desde sempre uma ponte entre as culturas e assim também um lugar de encontro e de diálogo. Gostaria de realçar que esta não é uma viagem política, é uma viagem pastoral e precisamente como tal tem por sua definição característica o diálogo e o compromisso comum pela paz. Diálogo em diversas dimensões: entre as culturas, entre cristianismo e islão, com os nossos irmãos cristãos, sobretudo a Igreja ortodoxa de Constantinopla, e em geral diálogo para uma melhor compreensão entre todos nós. Naturalmente não devemos exagerar, não podemos esperar grandes resultados destes três dias, diria que o valor é simbólico, o fruto dos encontros como tais, dos encontros em amizade e no respeito, o facto de nos encontrarmos como servos da paz tem o seu peso. Parece-me que este simbolismo do compromisso pela paz e pela fraternidade deveria ser o resultado desta viagem.

Vossa Santidade vai a um País com tantas tensões mas também com tantas esperanças, que deseja tornar-se uma nação europeia. Pensa que a Europa possa ajudar a Turquia para que se possa falar de modo mais consciente de integração, de respeito das várias identidades culturais e também religiosas?

Talvez seja útil recordar que o Pai da Turquia moderna, Kemal Atatürk, tinha diante de si como modelo para a reconstrução da Turquia a constituição francesa. No berço da Turquia moderna está o diálogo com a razão europeia e com o seu pensamento, o seu modo de viver, para ser realizado de maneira nova e num contexto histórico e religioso diverso. Por conseguinte, o diálogo entre a razão europeia e a tradição muçulmana turca está inscrito precisamente na existência da Turquia moderna e neste sentido temos uma responsabilidade recíproca uns em relação aos outros. Temos na Europa o debate entre laicidade "sadia" e laicismo. E parece-me que isto seja precisamente importante para o verdadeiro diálogo com a Turquia. O laicismo, ou seja, uma ideia que separa totalmente a vida pública de qualquer valor das tradições, é um caminho cego, sem saída. Devemos voltar a definir o sentido de uma laicidade que realça e preserva a verdadeira diferença e autonomia entre as esferas, mas também a sua coexistência, a responsabilidade comum. Só com uma base de valores que têm fundamentalmente uma origem comum, a religião e a laicidade podem viver, numa fecundação recíproca. Nós, europeus, devemos reconsiderar a nossa razão laica, laicista, e a Turquia deve, partindo da sua história, das suas origens, pensar connosco sobre como reconstruir para o futuro este vínculo entre laicidade e tradição, entre uma razão aberta, tolerante, que tem como elemento fundamental a liberdade, e os valores que dão conteúdo à liberdade.

Nesta viagem ocupa um lugar importante a visita e o encontro com o Patriarca Bartolomeu. Que significado tem isto no programa de compromisso para a aproximação com as Igrejas cristãs que Vossa Santidade afirmou desde o início do seu Pontificado?

Não contam os números, as quantidades: é o peso simbólico, histórico e espiritual que conta. E sabemos que Constantinopla é como a "segunda Roma". Foi sempre o ponto de referência para a Ortodoxia, deu-nos a grande cultura bizantina ortodoxa, e permanece sempre um ponto de referência para todo o mundo ortodoxo e assim para toda a cristandade. Por conseguinte, é o valor simbólico do Patriarcado de Constantinopla que existe também hoje. Mesmo se o Patriarca não tem uma jurisdição como o Papa, contudo é um ponto de orientação para o mundo ortodoxo. É um encontro com o Patriarca, um encontro com a Igreja do apóstolo André, irmão de São Pedro. É um encontro de grande qualidade entre as duas Igrejas irmãs de Roma e de Constantinopla e por isso um momento muito importante na busca da unidade dos cristãos. Há outras comunidades cristãs; com todas, mesmo se são pequenas, mas estão presentes, nos encontramos, naturalmente também com a pequena comunidade católica. Digamos que se trata de um acontecimento de comunhão, além de relacionamento entre esferas geográficas e culturais. Neste sentido, penso que o símbolo não é só uma coisa por si, vazia, mas algo denso de realidade. Neste simbolismo de Constantinopla, esta função verdadeira e real do Patriarcado para a Ortodoxia, confere-lhe também grande importância para todo o caminho ecuménico.

E agora peço desculpa porque não podemos fazer uma verdadeira conferência de imprensa, o tempo não é suficiente, espero pelo menos que o que disse possa ser útil.




Discursos Bento XVI 330