Discursos Bento XVI 28136

DURANTE O ENCONTRO COM O PRESIDENTE DOS ASSUNTOS RELIGIOSOS DA TURQUIA Ankara, 28 de Novembro de 2006

28136
Excelências, Senhoras e Senhores!

Estou grato pela oportunidade de visitar esta terra, tão rica de história e de cultura, para admirar as belezas naturais, para ver com os meus olhos a criatividade do Povo turco, e para experimentar a vossa antiga cultura assim como a vossa longa história, quer civil quer religiosa.

Logo que cheguei à Turquia, fui gentilmente recebido pelo Presidente da República. Foi para mim uma grande honra também encontrar e saudar o Primeiro-Ministro, Senhor Erdogan, no aeroporto. Ao saudá-los, tive a honra de expressar o meu profundo respeito por todos os habitantes desta grande Nação e de honrar, no seu Mausoléu, o fundador da moderna Turquia, Mustafa Kemal Atatürk.

Tenho agora a alegria de me encontrar com Vossa Excelência, que é o Presidente do Directorado para os Assuntos Religiosos. Apresento-lhe a expressão dos meus sentimentos de estima, reconhecendo as suas grandes responsabilidades, e faço extensiva a minha saudação a todos os Representantes religiosos da Turquia, especialmente aos Grão-Muftis de Ankara e Istambul. Na sua pessoa, Senhor Presidente, saúdo todos os muçulmanos da Turquia com particular estima e consideração afectuosa.

O seu País é muito querido aos cristãos: muitas das comunidades primitivas da Igreja foram fundadas aqui, onde alcançaram a maturidade, inspiradas pela pregação dos Apóstolos, particularmente de São Paulo e de São João. A tradição que chegou até nós afirma que Maria, a Mãe de Jesus, viveu em Éfeso, na casa do apóstolo São João.

Além disso, esta nobre terra viu um considerável florescimento da civilização islâmica nos âmbitos mais variados, inclusive a literatura e a arte, assim como as instituições.

Encontram-se aqui numerosos monumentos cristãos e muçulmanos que testemunham o passado glorioso da Turquia. Disto vós vos sentis justamente orgulhosos, preservando-os para a admiração de um número cada vez maior de visitantes que aqui vêm com mais frequência.

Preparei-me para esta visita na Turquia com os mesmos sentimentos expressos pelo meu Predecessor, o Beato João XXIII, quando chegou aqui como Arcebispo Angelo Giuseppe Roncalli, para cumprir o cargo de Representante Pontifício em Istambul: "Sinto que estimo o Povo turco, junto do qual o Senhor me enviou... Eu estimo os Turcos, aprecio as qualidades naturais deste Povo, que também tem o seu lugar preparado no caminho da civilização" (Giornale dell'anima, 231.237).

Por meu lado, também eu desejo ressaltar as qualidades da população turca. Faço aqui minhas as palavras do meu imediato Predecessor, o Papa João Paulo II de venerada memória, o qual disse, por ocasião da sua visita em 1979: "Pergunto-me se não é urgente, precisamente hoje, momento em que os cristãos e os muçulmanos entraram num novo período da história, reconhecer e desenvolver os vínculos espirituais que nos unem, a fim de promover e defender juntos os valores morais, a paz e a liberdade" (À comunidade católica de Ankara, 29 de Novembro de 1979, 3).

Estas questões continuaram a surgir ao longo dos anos sucessivos; de facto, como realcei precisamente no início do meu Pontificado, elas estimulam-nos a dar continuidade ao nosso diálogo como um sincero intercâmbio entre amigos. Quando tive a alegria de encontrar os membros das comunidades islâmicas no ano passado em Colónia, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, reafirmei a necessidade de enfrentar o diálogo inter-religioso e intercultural com optimismo e esperança. Ele não pode ser limitado a mais uma opção: ao contrário, ele é "uma necessidade vital, da qual depende em grande medida o nosso futuro" (Aos representantes das comunidades islâmicas, Colónia, 20 de Agosto de 2005).

Os cristãos e os muçulmanos, seguindo as suas respectivas religiões, chamam a atenção sobre a verdade do carácter sagrado e da dignidade da pessoa. Esta é a base do nosso respeito e estima recíprocos, esta é a base para a colaboração ao serviço da paz entre as nações e os povos, o desejo mais querido de todos os crentes e de todas as pessoas de boa vontade.

Durante mais de quarenta anos, o ensinamento do Concílio Vaticano II inspirou e guiou a abordagem feita pela Santa Sé e pelas Igrejas locais de todo o mundo nas relações com os seguidores das outras religiões. Em continuidade com a tradição bíblica, o Concílio ensina que todo o género humano partilha uma origem comum e um mesmo destino: Deus, nosso Criador e fim da nossa peregrinação terrena. Os cristãos e os muçulmanos pertencem à família de quantos crêem no único Deus e que, segundo as respectivas tradições, fazem referência a Abraão (cf. Concílio Vaticano II, Declaração sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs Nostra Aetate
NAE 1,3). Esta unidade humana e espiritual nas nossas origens e nos nossos destinos estimula-nos a procurar um percurso comum ao fazermos a nossa parte naquela busca de valores fundamentais que é tão característica das pessoas do nosso tempo. Como homens e mulheres de religião, somos colocados diante do desafio da difundida aspiração à justiça, ao desenvolvimento, à solidariedade, à liberdade, à segurança, à paz, à defesa do ambiente e dos recursos da terra. E isto porque também nós, ao respeitarmos a legítima autonomia das coisas temporais, temos uma contribuição específica para oferecer à busca de soluções adequadas para estas urgentes questões.

Em particular, podemos oferecer uma resposta credível à questão que emerge claramente da sociedade hodierna, mesmo se com frequência ela é posta de lado, isto é, a questão relativa ao significado e à finalidade da vida, para cada indivíduo e para toda a humanidade. Somos chamados a trabalhar juntos, de modo a ajudar a sociedade a abrir-se ao transcendente, reconhecendo a Deus Omnipotente o lugar que lhe compete. O melhor modo para ir em frente é o diálogo autêntico entre cristãos e muçulmanos, baseado na verdade e inspirado no desejo sincero de se conhecer melhor uns aos outros, respeitando as diferenças e reconhecendo o que temos em comum. Isto levará contemporaneamente a um respeito autêntico pelas opções responsáveis que cada pessoa realiza, especialmente as que se referem aos valores fundamentais e às convicções religiosas pessoais.

Como exemplo do respeito fraterno com que os cristãos e os muçulmanos podem trabalhar juntos, apraz-me citar algumas palavras dirigidas pelo Papa Gregório VII, no ano de 1076, a um príncipe muçulmano do Norte de África, que agiu com grande benevolência para com os cristãos colocados sob a sua jurisdição. O Papa Gregório VII falou da especial caridade que cristãos e muçulmanos se devem reciprocamente, porque "nós cremos e confessamos um só Deus, mesmo se de modo diferente, louvámo-lo e venerámo-lo todos os dias como Criador dos séculos e governador deste mundo" (PL 148, 451).

A liberdade de religião, institucionalmente garantida e efectivamente respeitada, quer para os indivíduos quer para as comunidades, constitui para todos os crentes a condição necessária para a sua leal contribuição para a edificação da sociedade, numa actitude de serviço autêntico, sobretudo em relação aos mais vulneráveis e pobres.

Senhor Presidente, desejo terminar louvando o Deus Omnipotente e Misericordioso pela feliz ocasião que nos proporciona de nos encontrarmos juntos no seu nome. Rezo a fim de que este seja um sinal do nosso compromisso comum no diálogo entre cristãos e muçulmanos, assim como um encorajamento a perseverar neste caminho, no respeito e na amizade. Faço votos por que possamos chegar a conhecer-nos melhor, fortalecendo os vínculos de afecto entre nós, no desejo comum de viver juntos em harmonia, em paz e na confiança recíproca. Como crentes, haurimos da oração a força necessária para superar qualquer vestígio de preconceito e oferecer um testemunho comum da nossa firme fé em Deus. Que a sua bênção esteja sempre sobre nós! Obrigado!




DURANTE O ENCONTRO COM O CORPO DIPLOMÁTICO ACREDITADO JUNTO DA REPÚBLICA DA TURQUIA Terça-feira, 28 de Novembro de 2006

28146

Excelências
Senhoras e Senhores!

Preparei o meu discurso em francês, porque é a língua da diplomacia, e espero que possa ser compreendido. Saúdo-vos com grande alegria, a vós que, como Embaixadores, exerceis o nobre cargo de representar os vossos Países junto da República da Turquia e que de bom grado quisestes encontrar-vos com o Sucessor de Pedro nesta Nunciatura. Agradeço ao vosso Vice-Decano, o Senhor Embaixador do Líbano, pelas amáveis palavras que me acabou de dirigir. Sinto-me feliz por confirmar a estima que a Santa Sé expressou numerosas vezes pelas vossas funções, que revestem hoje uma dimensão cada vez mais global. De facto, se a vossa missão vos leva antes de tudo a proteger e a promover os interesses legítimos de cada uma das vossas Nações, "a inevitável interdependência que hoje relaciona cada vez mais todos os povos do mundo convida todos os diplomatas a ser, num espírito sempre novo e original, os artífices do entendimento entre os povos, da segurança internacional e da paz entre as Nações" (João Paulo II, Discurso ao Corpo Diplomático, México, 26 de Janeiro de 1979).

Desejo antes de tudo evocar diante de vós a recordação das memoráveis visitas dos meus dois predecessores na Turquia, o Papa Paulo VI, em 1967, e o Papa João Paulo II, em 1979. De igual modo, não posso deixar de mencionar também o Papa Bento XV, artífice infatigável da paz durante o primeiro conflito mundial, e do Beato João XXIII, o papa "amigo dos Turcos", que foi Delegado Apostólico na Turquia e Administrador Apostólico do Vicariato latino em Istambul, deixando em todos a recordação de um pastor atento e cheio de caridade, desejoso de modo especial de encontrar e conhecer a população turca, da qual era hóspede reconhecido! Por conseguinte, sinto-me feliz por ser hoje hóspede da Turquia, chegando aqui como amigo e como apóstolo do diálogo e da paz.

Há mais de quarenta anos, o Concílio Vaticano II escrevia que "a paz não é unicamente a ausência da guerra, nem se reduz a um mero equilíbrio de forças adversas", mas "é fruto de uma ordem inscrita na sociedade humana pelo seu divino Fundador e que os homens, sempre desejosos de uma justiça mais perfeita, hão-de fazer amadurecer" (Gaudium et spes
GS 78). Na realidade, aprendemos que a verdadeira paz precisa da justiça, para corrigir as desigualdades económicas e as desordens políticas que são sempre factores de tensões e ameaças em toda a sociedade.

O desenvolvimento recente do terrorismo e a evolução de certos conflitos regionais, por outro lado, ressaltaram a necessidade de respeitar as decisões das Instituições internacionais e também de as apoiar, dotando-as em particular de meios eficazes para prevenir os conflitos e para manter, graças a forças de interposição, zonas de neutralidade entre os beligerantes. Contudo, isto não é suficiente se não se obtém o verdadeiro diálogo, isto é, a harmonização entre as exigências das partes envolvidas, a fim de alcançar soluções políticas aceitáveis e duradouras, respeitosas das pessoas e dos povos. Penso, de modo particular, no conflito no Médio Oriente, que perdura de maneira preocupante pesando sobre toda a vida internacional, com o risco de ver expandir-se conflitos periféricos e difundir-se as acções terroristas; congratulo-me pelos esforços feitos por numerosos países que se comprometem hoje na reconstrução da paz no Líbano, e entre eles a Turquia.

Faço apelo mais uma vez, diante de vós, Senhoras e Senhores Embaixadores, à vigilância da comunidade internacional para que não se subtraia às suas responsabilidades e empregue todos os esforços necessários para promover, entre todas as partes em causa, o diálogo, o único que permite garantir o respeito em relação aos outros, mesmo salvaguardando os interesses legítimos e rejeitando o recurso à violência. Como escrevi na minha primeira Mensagem para o Dia Mundial da Paz, "A verdade da paz chama todos a cultivarem relações fecundas e sinceras, estimula a procurarem e a percorrerem os caminhos do perdão e da reconciliação, a serem transparentes nas conversações e fiéis à palavra dada" (1 de Janeiro de 2006, n. 6).

A Turquia, que sempre se encontrou numa situação de ponte entre o Oriente e o Ocidente, entre o Continente asiático e o europeu, de encruzilhada de culturas e religiões, dotou-se no século passado de meios para se tornar um grande País moderno, em particular fazendo a opção por um regime de laicidade, distinguindo claramente a sociedade civil e a religião, de modo a permitir que cada uma seja autónoma no próprio âmbito, respeitando sempre a esfera da outra. O facto de que a maioria da população deste País seja muçulmana constitui um elemento significativo na vida da sociedade, que o Estado não pode deixar de considerar, mas a Constituição turca reconhece a cada cidadão os direitos à liberdade de culto e à liberdade de consciência.

Compete às Autoridades civis em cada País democrático garantir a liberdade efectiva de todos os crentes e permitir que organizem livremente a vida da própria comunidade religiosa. Sem dúvida, faço votos por que os crentes, seja qual for a comunidade religiosa a que pertençam, continuem a beneficiar destes direitos, na certeza de que a liberdade religiosa é uma expressão fundamental da liberdade humana e de que a presença activa das religiões na sociedade é um factor de progresso e de enriquecimento para todos. Sem dúvida, isto exige que as religiões, por seu lado, não procurem exercer directamente um poder político, porque não estão chamadas a fazê-lo e, sobretudo, que renunciem absolutamente a justificar o recurso à violência como expressão legítima da prática religiosa. A este propósito, saúdo a comunidade católica deste País, pouco numerosa mas muito desejosa de participar no melhor dos modos no desenvolvimento do País, especialmente através da educação dos jovens, e da edificação da paz e da harmonia entre todos os cidadãos.

Como recordei recentemente, "temos absolutamente necessidade de um diálogo autêntico entre as religiões e entre as culturas, um diálogo capaz de nos ajudar a superar juntos todas as tensões num espírito de entendimento proveitoso" (Discurso no encontro com os Embaixadores dos Países muçulmanos, Castel Gandolfo, 25 de Setembro de 2006). Este diálogo deve permitir que as diversas religiões se conheçam melhor e se respeitem reciprocamente, a fim de agir cada vez mais ao serviço das aspirações mais nobres do homem, que está em busca de Deus e da felicidade. Por meu lado, desejo poder afirmar de novo durante esta viagem na Turquia toda a minha estima pelos muçulmanos, convidando-os a continuar a comprometer-se juntos, graças ao respeito recíproco, em favor da dignidade de cada ser humano e do crescimento de uma sociedade na qual a liberdade pessoal e a atenção em relação ao outro permitam que cada um viva em paz e em serenidade. Só assim as religiões poderão fazer a sua parte ao enfrentar os numerosos desafios com os quais as nossas sociedades actualmente se confrontam.

Certamente, o reconhecimento do papel positivo que as religiões desempenham no tecido do corpo social pode e deve estimular as nossas sociedades a aprofundar cada vez mais o seu conhecimento do homem e a respeitar sempre melhor a sua dignidade, colocando-o no centro da acção política, económica, cultural e social. O nosso mundo deve consciencializar-se cada vez mais do facto de que todos os homens são profundamente solidários e convidá-los a ressaltar as suas diferenças históricas e culturais não para se confrontarem mas para se respeitarem reciprocamente.

A Igreja, como bem sabeis, recebeu do seu Fundador uma missão espiritual e, por conseguinte, ela não pretende intervir directamente na vida política ou económica. Contudo, devido à sua missão e fortalecida pela sua longa experiência da história das sociedades e das culturas, ela deseja fazer ouvir a própria voz no concerto das nações, para que seja sempre honrada a dignidade fundamental do homem e especialmente dos mais frágeis. Face ao desenvolvimento recente do fenómeno da globalização dos intercâmbios, a Santa Sé espera que a comunidade internacional se organize ulteriormente, para se dar regras que permitam governar melhor as evoluções económicas, regular os mercados, como por exemplo suscitando entendimentos regionais entre os Países. Não duvido minimamente, Senhoras e Senhores, que tendes a preocupação, na vossa missão de diplomatas, de fazer conciliar os interesses particulares do vosso País e as necessidades de se compreenderem uns aos outros, e que assim podeis contribuir em grande medida para o serviço de todos.

A voz da Igreja sobre o cenário diplomático caracteriza-se sempre pela vontade, contida no Evangelho, de servir a causa do homem, e eu faltaria a esta obrigação fundamental se não recordasse diante de vós a necessidade de colocar a dignidade humana cada vez mais no centro das nossas preocupações. O desenvolvimento extraordinário das ciências e das técnicas que o mundo hoje conhece, com as consequências quase imediatas para a medicina, a agricultura e a produção de recursos alimentares, como também pela comunicação do saber, não deve ser perseguido sem finalidades e sem referências, dado que se trata do nascimento do homem, da sua educação, do seu modo de viver e de trabalhar, da sua velhice e da sua morte. É necessário como nunca inserir de novo o progresso de hoje na continuidade da história humana e, portanto, geri-lo seguindo o projecto que habita em todos nós de fazer crescer a humanidade e que o livro do Génesis já expressava a seu modo: "Crescei e multiplicai-vos, enchei e subjugai a terra" (1, 28).

Permiti-me por fim, pensando nas primeiras comunidades cristãs que cresceram nesta terra e particularmente no apóstolo Paulo, que pessoalmente fundou diversas, que eu cite as suas palavras aos Gálatas. Ele diz: "foi para a liberdade que vós fostes chamados. Só que não deveis deixar que essa liberdade se torne uma ocasião para os vossos apetites carnais... fazei-vos servos uns dos outros" (5, 13). A liberdade é serviço de uns para outros. Formulo votos para que o entendimento entre as nações, por vós respectivamente servidas, contribua cada vez mais para fazer crescer a humanidade do homem, criado à imagem de Deus. Objectivo tão nobre exige o concurso de todos.

É por isso que a Igreja católica deseja intensificar a colaboração com a Igreja ortodoxa e eu desejo sentidamente que o meu próximo encontro com o Patriarca Bartolomeu I no Fanar para isto contribua eficazmente. Como realçava o Concílio Ecuménico Vaticano II, a Igreja procura igualmente colaborar com os crentes e com os responsáveis de todas as religiões, e particularmente com os Muçulmanos, para "defender e promover em comum a justiça social, os bens morais, a paz e a liberdade para todos os homens" (Nostra aetate NAE 3). Faço votos por que, nesta perspectiva, a minha viagem à Turquia dê numerosos frutos.

Senhoras e Senhores Embaixadores, sobre as vossas pessoas, as vossas famílias e colaboradores, invoco de todo o coração as Bênçãos do Altíssimo.




DURANTE O ENCONTRO COM SUA SANTIDADE BARTOLOMEU I NA IGREJA PATRIARCAL DE SÃO JORGE Istambul, 29 de Novembro de 2006

29116
"Como é bom e agradável que os irmãos vivam unidos!" (
Ps 133,1).

Santidade

Estou profundamente grato pela fraterna hospitalidade que me foi reservada por Vossa Santidade, pessoalmente, e pelo Santo Sínodo do Patriarcado Ecuménico, e conservarei para sempre com apreço esta lembrança no meu coração. Agradeço ao Senhor o dom deste encontro, tão repleto de autêntica boa vontade e de significado eclesial.

É com grande alegria que me encontro no meio de vós, irmãos em Cristo, nesta Igreja-Catedral, enquanto rezamos juntos ao Senhor e recordamos os importantes acontecimentos que sustentaram o nosso compromisso para trabalhar pela plena unidade de católicos e ortodoxos. Antes de tudo, desejo recordar a corajosa decisão de cancelar a memória dos anátemas de 1054. A declaração conjunta do Papa Paulo VI e do Patriarca Atenágoras, escrita no espírito de um amor redescoberto, foi lida de forma solene numa cerimónia que se realizou, simultaneamente, na Basílica de São Pedro em Roma e nesta Catedral Patriarcal. O Tomos do Patriarca alicerçava-se na profissão de fé joanina: "Ho Theós agapé estín" (1Jn 4,8), Deus caritas est! Com sintonia perfeita, o Papa Paulo VI escolheu começar a sua Carta com a Exortação paulina: "Ambulate in dilectione" (Ep 5,2), "Procedei com amor". Foi a partir deste fundamento de amor recíproco que se desenvolveram novas relações entre as Igrejas de Roma e de Constantinopla.

Sinais deste amor foram evidentes em numerosas declarações de compromisso compartilhado e de muitos gestos repletos de significado. Tanto Paulo VI como João Paulo II foram recebidos com entusiasmo, como visitantes nesta igreja de São Jorge e associaram-se, respectivamente, aos Patriarcas Atenágoras I e Demétrio I, revigorando o impulso rumo à compreensão recíproca e à busca da plena unidade. Sejam honrados e abençoados os seus nomes!

Além disso, alegro-me por me encontrar nesta terra tão estreitamente vinculada à fé cristã, onde floresceram muitas Igrejas nos tempos antigos. Penso nas exortações de São Pedro às comunidades cristãs primitivas, "do Ponto, da Galácia, da Capadócia, da Ásia e da Bitínia" (1P 1,1), e na rica messe de mártires, de teólogos, de pastores, de monges, de santos e de santas que estas Igrejas geraram ao longo dos séculos.

Do mesmo modo, recordo os insignes santos e pastores que velaram sobre a Sede de Constantinopla, entre os quais São Gregório de Nazianzo e São João Crisóstomo, que também o Ocidente venera como Doutores da Igreja. As suas relíquias jazem na Basílica de São Pedro no Vaticano, e uma parte delas foi doada a Vossa Santidade em sinal de comunhão, pelo saudoso Papa João Paulo II, a fim de que fossem veneradas nesta Catedral. Na verdade, eles são nossos dignos intercessores diante do Senhor.

Nesta parte do mundo oriental realizaram-se os sete Concílios Ecuménicos que Ortodoxos e Católicos reconhecem como importantes para a fé e a disciplina da Igreja. Eles constituem marcos miliários e guias permanentes ao longo do caminho rumo à plena unidade.

Concluo, expressando mais uma vez a minha alegria por estar no meio de vós. Que este encontro revigore o nosso afecto mútuo e renove o nosso compromisso comum a perseverar no itinerário que leva à reconciliação e à paz das Igrejas.

Saúdo-vos no amor de Cristo. O Senhor esteja sempre convosco.



NA CELEBRAÇÃO DA DIVINA LITURGIA DE SÃO JOÃO CRISÓSTOMO NA IGREJA PATRIARCAL DE SÃO JORGE Istambul, 30 de Novembro de 2006

30116

Esta Divina Liturgia, celebrada na festa do Apóstolo Santo André, Santo Padroeiro da Igreja de Constantinopla, faz-nos remontar à Igreja primitiva, à época dos Apóstolos. Os Evangelhos de Marcos e de Mateus mencionam o modo como Jesus chamou os dois irmãos, Simão, a quem Jesus atribuiu o nome de Cefas ou Pedro, e André: "Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens" (
Mt 4,19 Mc 1,17). Além disso, o quarto Evangelho apresenta André como o primeiro que foi chamado, "ho protoklitos", como ele é conhecido na tradição bizantina. É André que conduz a Jesus o seu irmão Simão (cf. Jn 1,40ss.).

Hoje, nesta Igreja Patriarcal de São Jorge, podemos experimentar mais uma vez a comunhão e a chamada dos dois irmãos, Simão Pedro e André, no encontro entre o Sucessor de Pedro e o seu Irmão no ministério episcopal, o chefe desta Igreja, segundo a tradição fundada pelo Apóstolo André. O nosso encontro fraterno salienta a relação especial que une as Igrejas de Roma e de Constantinopla, como Igrejas Irmãs.

Com alegria cordial, damos graças a Deus porque incute nova vitalidade ao relacionamento que se desenvolveu desde o memorável encontro em Jerusalém, em Dezembro de 1964, entre os nossos Predecessores o Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras. O seu intercâmbio de cartas, publicado no volume intitulado Tomos Agapis, dá testemunho da profundidade dos vínculos que cresceram entre si, laços que se reflectem na relação entre as Igrejas Irmãs, de Roma e de Constantinopla.

No dia 7 de Dezembro de 1965, na véspera da sessão final do Concílio Vaticano II, os nossos venerados Predecessores deram um novo passo, singular e inesquecível, respectivamente na Igreja Patriarcal de São Jorge e na Basílica de São Pedro no Vaticano: eles apagaram da memória da Igreja as trágicas excomunhões de 1054. Deste modo, confirmaram uma mudança decisiva nos nossos relacionamentos. Desde então, muitos outros passos importantes foram dados ao longo do caminho da reaproximação recíproca. Recordo em particular a visita do meu Predecessor, o Papa João Paulo II, a Constantinopla em 1979 e as visitas a Roma do Patriarca Ecuménico Bartolomeu I.

Neste mesmo espírito, a minha presença hoje aqui está destinada a renovar o compromisso comum de continuar ao longo do caminho rumo ao estabelecimento com a graça de Deus da plena comunhão entre a Igreja de Roma e a Igreja de Constantinopla. Posso assegurar-vos que a Igreja Católica está pronta a fazer todo o possível para superar os obstáculos e para buscar, juntamente com os nossos irmãos e irmãs ortodoxos, meios cada vez mais eficazes de colaboração pastoral, tendo em vista esta finalidade.

Os dois irmãos, Simão chamado Pedro, e André, eram pescadores que Jesus chamou para se tornarem pescadores de homens. Antes da sua Ascensão, o Senhor ressuscitado enviou-os juntamente com os demais Apóstolos, com a missão de fazer discípulos de todas as nações, baptizando-as e proclamando os seus ensinamentos (cf. Mt 28,19 ss.; Lc 24,47 Ac 1,8).

Esta missão que nos foi legada pelos Santos irmãos Pedro e André está longe de ter sido completada. Pelo contrário, hoje ela é ainda mais urgente e necessária. Com efeito, diz respeito não apenas às culturas tocadas marginalmente pela mensagem do Evangelho, mas também às culturas europeias, desde há muito tempo profundamente radicadas na tradição cristã. O processo de secularização debilitou o vigor dessa tradição; aliás, ela é posta em dúvida e chega mesmo a ser rejeitada. Diante de tal realidade, juntamente com todas as outras comunidades cristãs, somos chamados a renovar a consciência da Europa acerca das próprias raízes, tradições e valores cristãos, dando-lhes uma nova vitalidade.

Os nossos esforços para criar vínculos entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas fazem parte desta tarefa missionária. As divisões existentes entre os cristãos representam um escândalo para o mundo e um obstáculo para a proclamação do Evangelho. Na véspera da própria paixão e morte, o Senhor reunido com os discípulos rezou com fervor para que eles sejam um só, a fim de que o mundo creia (cf. Jn 17,21). É somente através da comunhão fraterna entre os cristãos e mediante o amor recíproco, que a mensagem do amor de Deus pelo homem e pela mulher se há-de tornar credível. Quem quer que lance, hoje, um olhar realista ao mundo cristão, descobrirá a urgência de tal testemunho.

Simão Pedro e André foram chamados, em conjunto, a tornar-se pescadores de homens. Mas o mesmo compromisso adquiriu formas diferenciadas para cada um dos dois irmãos. Apesar da sua fragilidade pessoal, Simão foi chamado "Pedro", a "rocha" sobre a qual seria edificada a Igreja; foram-lhe confiadas, de maneira particular, as chaves do Reino dos Céus (cf. Mt 16,18). O seu itinerário tê-lo-ia conduzido de Jerusalém para Antioquia, e de Antioquia para Roma, de tal forma que naquela cidade ele pudesse exercer uma responsabilidade universal. Infelizmente, o tema do serviço universal de Pedro e dos seus Sucessores deu origem às nossas diferenças de opinião, que esperamos superar também graças ao diálogo teológico, recentemente retomado.

340 O meu venerado Predecessor, o Servo de Deus Papa João Paulo II, falou da misericórdia que caracteriza o serviço à unidade de Pedro, uma misericórdia que o próprio Pedro foi o primeiro a experimentar (cf. Encíclica Ut unum sint UUS 91). Tendo isto como fundamento, o Papa João Paulo II convidou a entrar em diálogo fraterno, com a finalidade de identificar caminhos em que o ministério petrino poderia ser exercido hoje, contudo respeitando a sua natureza e a sua essência, de modo a "realizar um serviço de amor reconhecido por uns e por outros" (Ibid., 95). Hoje desejo evocar e renovar este convite.

André, o irmão de Simão Pedro, recebeu mais um cargo do Senhor, um encargo sugerido pelo seu próprio nome. Sendo capaz de falar em grego, tornou-se juntamente com Filipe o Apóstolo do encontro com os Gregos que foram ter com Jesus (cf. Jn 12,20 ss.). A tradição narra-nos que foi missionário não só na Ásia Menor e nos territórios ao sul do Mar Negro, ou seja, nesta mesma região, mas também na Grécia, onde sofreu o martírio.

Por conseguinte, o Apóstolo André representa o encontro entre a cristandade primitiva e a cultura grega. Este encontro, particularmente na Ásia Menor, tornou-se possível especialmente graças aos grandes Padres da Capadócia, que enriqueceram a liturgia, a teologia e a espiritualidade, tanto das Igrejas Orientais como das Ocidentais. A mensagem cristã, como o grão de trigo (cf. Jn 12,24), caiu nesta terra e deu muito fruto. Temos que estar profundamente gratos pela herança que derivou do encontro fecundo entre a mensagem cristã e a cultura helénica. Isto teve um impacto duradouro sobre as Igrejas do Oriente e do Ocidente. Os Padres gregos legaram-nos um precioso tesouro, do qual a Igreja continua a haurir riquezas antigas e novas (cf. Mt 13,52).

A lição do grão de trigo que morre para dar fruto tem também um precedente na vida de Santo André. A tradição narra-nos que ele seguiu o destino do seu Senhor e Mestre, terminando os seus dias em Patrassos, na Grécia. Como Pedro, também ele sofreu o martírio numa cruz, a diagonal, que hoje veneramos como a cruz de Santo André. Do seu exemplo aprendemos que o caminho de cada cristão, assim como o da Igreja inteira, leva à vida nova, à vida eterna, através da imitação de Cristo e da experiência da cruz.

Ao longo da história, ambas as Igrejas de Roma e de Constantinopla experimentaram com frequência a lição do grão de trigo. Em conjunto, nós veneramos muitos dos mesmos mártires cujo sangue, em conformidade com as célebres palavras de Tertuliano, se tornou semente de novos cristãos (Apologeticum 50, 13). Juntamente com eles, compartilhamos a mesma esperança, que obriga a Igreja a continuar "a sua peregrinação entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus" (Lumen gentium LG 8 cf. Santo Agostinho, De Civitate Dei, XVIII, LG 51,2, PL LG 41,102).

Por sua vez, também o século que acaba de terminar viu intrépidas testemunhas da fé, tanto no Oriente como no Ocidente. Também hoje existem tais testemunhas de várias partes do mundo. Recordemo-las na nosso oração e, de todos os modos possíveis, ofereçamos-lhes o nosso apoio, enquanto pedimos com insistência a todos os líderes do mundo que respeitem a liberdade religiosa como direito humano fundamental.

A Divina Liturgia em que participamos foi celebrada segundo o Rito de São João Crisóstomo. A Cruz e a Ressurreição de Jesus Cristo estiveram misticamente presentes. Para nós, cristãos, isto é fonte e sinal de uma esperança constantemente renovada. Encontramos esta esperança magnificamente expressa no antigo texto, conhecido como Paixão de Santo André: "Saúdo-te, ó Cruz, consagrada pelo Corpo de Cristo e adornada pelos seus membros como pedras preciosas... Que os fiéis conheçam a tua alegria e os dons que em ti estão conservados...".

Esta fé na morte redentora de Jesus na cruz e esta esperança que Cristo ressuscitado oferece a toda a família humana, são compartilhadas por nós, Ortodoxos e Católicos. Que a nossa oração e actividade de todos os dias sejam inspiradas pelo desejo ardente não só de estarmos presentes na Divina Liturgia, mas de sermos capazes de celebrá-la em conjunto, para participarmos na única mesa do Senhor, compartilhando o mesmo pão e o mesmo cálice. Que o nosso encontro de hoje sirva como impulso e alegre antecipação do dom da plena comunhão. E que o Espírito de Deus nos acompanhe no nosso caminho!




Discursos Bento XVI 28136