Discursos Bento XVI 561

561 Para esta finalidade, é necessário mobilizar e reunir todos os profissionais católicos da saúde e as pessoas de boa vontade, para aprofundar a sua formação não só a nível técnico, mas também no que concerne às questões de bioética, assim como para propor tal formação a todos os profissionais. O ser humano, sendo imagem de Deus, deve estar sempre no centro das pesquisas e opções em matéria biomédica. De igual modo, o princípio natural do dever de curar o doente é fundamental. As ciências biomédicas estão ao serviço do homem; se assim não fosse, elas teriam apenas um carácter frio e desumano. Qualquer conhecimento científico no campo da saúde e qualquer progresso terapêutico estão ao serviço do homem doente, considerado no seu ser integral, que deve ser um parceiro activo das suas curas e respeitado na sua autonomia.

Ao confiar-vos, assim como os doentes que sois chamados a assistir, à intercessão de Nossa Senhora e de Santo Alberto o Grande, concedo-vos, assim como a todos os membros da vossa Federação e às vossas famílias, a Bênção Apostólica.


                                                           Novembro 2007


AOS PARTICIPANTES NO ENCONTRO INTERNACIONAL PROMOVIDO PELO MOVIMENTO DOS FOCOLARES Sábado, 3 de Novembro de 2007


Prezados irmãos e irmãs

Bem-vindos e obrigado pela vossa visita. Vós vindes dos cinco continentes e pertenceis ao Movimento Famílias novas, nascido há quarenta anos no âmbito do Movimento dos Focolares.

Portanto, sois um ramo dos Focolares, e hoje formais uma rede de 800.000 famílias que trabalham em 182 nações, todas comprometidas em fazer da sua casa um "lar" que irradie no mundo o testemunho de uma experiência familiar caracterizada pelo Evangelho. A cada um de vós, dirijo a minha mais cordial saudação, que se estende também a quantos quiseram acompanhar-vos neste nosso encontro. De modo particular, saúdo os vossos responsáveis centrais, que se fizeram intérpretes dos sentimentos corais e me explicaram o estilo com que trabalha e as finalidades do vosso Movimento. Agradeço as saudações que me foram transmitidas por parte de Chiara Lubich, a quem dirijo de coração o meu pensamento de bons votos, enquanto lhe agradeço porque, com sabedoria e com firme adesão à Igreja, continua a orientar a grande família dos Focolares.

Como acabou de ser recordado, é precisamente no âmbito desta vasta e benemérita instituição que vós, queridos casais, vos pondes ao serviço do mundo das famílias com uma acção pastoral importante e sempre actual, orientada em conformidade com quatro directrizes: a espiritualidade, a educação, a socialidade e a solidariedade. Com efeito, o vosso é um compromisso de evangelização silencioso e profundo, que visa dar testemunho do modo como a unidade familiar, dom de Deus-Amor, pode fazer da família um verdadeiro ninho de amor, um lar acolhedor da vida e uma escola de virtudes e de valores cristãos para os filhos. Diante dos numerosos desafios sociais e económicos, culturais e religiosos que a sociedade contemporânea deve enfrentar em todas as regiões do mundo, a vossa obra, verdadeiramente providencial, constitui um sinal de esperança e um encorajamento pelas famílias cristãs a ser "espaço" privilegiado em que se proclame na vida de todos os dias, e também com muitas dificuldades, a beleza do facto de pôr no centro Jesus Cristo e de seguir fielmente o seu Evangelho.

O próprio tema do vosso encontro "Uma casa construída sobre a rocha O Evangelho vivido, resposta aos problemas da família hoje" põe em evidência a importância deste itinerário ascético e pastoral. O segredo é precisamente viver o Evangelho! Por conseguinte, justamente nos trabalhos das assembleias destes dias, além das contribuições que explicam a situação em que hoje se encontra a família nos vários contextos culturais, vós previstes o aprofundamento da Palavra de Deus e a escuta de testemunhos que mostram o modo como o Espírito Santo age nos corações e na vivência familiar, também em situações complicadas e difíceis. Pensemos nas incertezas dos noivos diante de opções definitivas para o futuro, na crise dos casais, nas separações e nos divórcios, assim como nas uniões irregulares, na condição das viúvas, nas famílias em dificuldade e no acolhimento dos menores abandonados. Formulo votos cordiais a fim de que, também graças ao vosso compromisso, possam ser encontradas estratégias pastorais destinadas a irem ao encontro das crescentes necessidades da família contemporânea e dos múltiplos desafios que se lhe apresentam, para que não vacile a sua missão peculiar na Igreja e na sociedade.

A este propósito, na Exortação Apostólica pós-sinodal Christifideles laici, o meu venerado e amado predecessor João Paulo II anotava: "A Igreja afirma que o casal e a família constituem o primeiro espaço para o empenhamento social dos fiéis leigos" (n. 40). Para cumprir esta sua vocação, a família, consciente de que é a célula primária da sociedade, não deve esquecer que pode haurir a força da graça de um sacramento, desejado por Cristo para corroborar o amor entre o homem e a mulher: um amor compreendido como dom de si, recíproco e profundo. Como pôde observar ainda João Paulo II, "à família é confiada a missão de conservar, revelar e comunicar o amor, como reflexo vivo e participação real do amor de Deus pela humanidade e pelo amor de Cristo Senhor pela Igreja, sua esposa" (Exortação Apostólica Familiaris consortio FC 17). Segundo o projecto divino, a família é portanto um lugar sagrado e santificador, e a Igreja, desde sempre próxima dela, sustém-na ainda hoje nesta sua missão, porque são numerosas as ameaças que a atingem a partir de dentro e de fora. Para não ceder ao desânimo, é necessária a ajuda divina; por isso, é preciso que cada família cristã olhe com confiança para a Sagrada Família, esta "igreja doméstica" original em que, "por um misterioso desígnio de Deus... viveu o Filho de Deus muitos anos: ela é, pois, o protótipo e o exemplo de todas as famílias cristãs" (Ibid., n. 86).

Dilectos irmãos e irmãs, a humilde e Sagrada Família de Nazaré, ícone e modelo de todas as famílias humanas, não vos fará faltar a sua ajuda celestial. No entanto, é indispensável o vosso recurso constante à oração, à escuta da Palavra de Deus e a uma intensa vida sacramental, juntamente com um esforço permanente de viver o mandamento cristão do amor e do perdão. O amor não procura o seu próprio interesse, não se irrita nem guarda ressentimento, mas alegra-se com a verdade. O amor "tudo desculpa, tudo crê, tudo espera e tudo suporta" (cf. 1Co 13,5-7).

562 Estimados irmãos e irmãs, dai continuidade ao vosso caminho e sede testemunhas deste Amor, que vos tornará cada vez mais "coração" e "fermento" de todo o Movimento Famílias novas. Garanto a minha lembrança na oração por todos e cada um de vós, pelas vossas actividades e por quantos encontrais no vosso apostolado, enquanto com carinho vos concedo a todos a Bênção Apostólica.




NO ENCONTRO COM OS JOVENS DA FEDERAÇÃO UNIVERSITÁRIA CATÓLICA ITALIANA (FUCI) Sexta-feira, 9 de Novembro de 2007

Queridos jovens amigos da FUCI!

É-me particularmente agradável esta vossa visita, que realizais no final das celebrações para o 110º aniversário do nascimento da vossa Associação, a FUCI, Federação Universitária Católica Italiana. Dirijo a cada um de vós a minha saudação cordial, começando pelos Presidentes Nacionais e pelo Assistente Eclesiástico Central, e agradeço as palavras que me dirigiram em vosso nome. Saúdo D. Giuseppe Betori, Secretário-Geral da Conferência Episcopal Italiana, e D. Domenico Sigalini, Bispo de Palestrina e Assistente Eclesiástico Geral da Acção Católica Italiana, que vos acompanhou nesta Audiência e com a sua presença testemunham o forte enraizamento da FUCI na Igreja que está na Itália. Saúdo os Assistentes diocesanos e os membros da Fundação da FUCI. A todos e a cada um renovo o apreço da Igreja pelo trabalho que a vossa Associação desempenha no mundo universitário ao serviço do Evangelho.

A FUCI celebra os seus 110 anos: uma ocasião propícia para olhar para o caminho percorrido e para as perspectivas futuras. A preservação da memória histórica representa um precioso valor para que, ao considerar a qualidade e a consistência das próprias raízes, somos mais facilmente estimulados a prosseguir com entusiasmo o percurso iniciado. Nesta feliz circunstância, retomo de bom grado as palavras que há dez anos o meu amado predecessor João Paulo II vos dirigiu, por ocasião do vosso centenário: "A história destes 100 anos disse ele confirma precisamente que a vicissitude da FUCI constitui um capítulo significativo na vida da Igreja na Itália, em particular naquele vasto e multiforme movimento laical que tem o seu eixo fundamental na Acção Católica" (Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIX, 1 [1996], pág. 1110).

Como não reconhecer que a FUCI contribuiu para a formação de gerações inteiras de cristãos exemplares, que souberam traduzir na vida e com a vida o Evangelho, comprometendo-se a níveis cultural, civil, social e eclesial? Penso, em primeiro lugar, nos beatos Piergiorgio Frassati e Alberto Marvelli, vossos coetâneos; recordo personalidades ilustres como Aldo Moro e Vittorio Bachelet, ambos barbaramente assassinados; também não posso esquecer o meu venerado predecessor Paulo VI, que foi atento e corajoso Assistente eclesiástico central da FUCI nos anos difíceis do fascismo, e depois os Monsenhores Emílio Guano e Franco Costa. Além disso, os últimos dez anos caracterizaram-se pelo compromisso decidido da FUCI em redescobrir a própria dimensão universitária. Depois de não poucos debates e intensas discussões, nos meados dos anos 90, na Itália foi lançada mão de uma radical reforma do sistema académico, que agora apresenta uma nova fisionomia, cheia de prometedoras perspectivas, mas também com elementos que suscitam uma legítima preocupação. E vós, quer nos recentes Congressos quer nas páginas da revista Ricerca, preocupastes-vos constantemente pela nova configuração dos estudos académicos, das relativas modificações legislativas, do tema da participação estudantil e dos modos como as dinâmicas globais da comunicação incidem sobre a formação e transmissão do saber.

É precisamente neste âmbito que a FUCI pode expressar plenamente também hoje o seu antigo e sempre actual carisma: isto é, o testemunho convicto da "possível amizade" entre a inteligência e a fé, que exige o esforço incessante de conjugar a maturação na fé com o crescimento no estudo e a aquisição do saber científico. Neste contexto adquire um valor significativo a expressão que tanto apreciais: "crer no estudo". De facto, por que considerar que quem tem fé deve renunciar à pesquisa livre da verdade, e quem procura livremente a verdade deve renunciar à fé? Ao contrário é possível, precisamente durante os estudos universitários e graças a eles, realizar uma autêntica maturação humana, científica e espiritual. "Crer no estudo" significa reconhecer que o estudo e a pesquisa especialmente durante os anos da Universidade prosseguem com uma força intrínseca de ampliação dos horizontes da inteligência humana, sob condição de que o estudo académico conserve um perfil exigente, rigoroso, sério, metódico e progressivo. Aliás, com estas condições ele representa uma vantagem para a formação global da pessoa humana, como costumava dizer o Beato Giuseppe Tovini, afirmando que com o estudo os jovens nunca seriam pobres, enquanto que sem o estudo nunca seriam ricos.

O estudo constitui, ao mesmo tempo, uma providencial oportunidade para progredir no caminho da fé, porque a inteligência bem cultivada abre o coração do homem à escuta da voz de Deus, ressaltando a importância do discernimento e da humildade. Referi-me precisamente ao valor da humildade no recente Encontro de Loreto, quando exortei os jovens italianos a não seguir o caminho do orgulho, mas o de um sentido realista da vida aberto à dimensão transcendente. Hoje, como no passado, quem quer ser discípulo de Cristo é chamado a ir contra a corrente, a não se deixar levar por atractivos interessantes e persuasivos que provêm de diversos púlpitos onde são difundidos comportamentos marcados pela arrogância e pela violência, pela prepotência e pela conquista do sucesso com qualquer meio. Registra-se na sociedade actual uma corrida por vezes desenfreada para o parecer e ter em desvantagem infelizmente do ser, e a Igreja, mestra em humildade, nunca se cansa de exortar especialmente as novas gerações, às quais vós pertenceis, a permanecer vigilantes e a não temer a escolha de vias "alternativas" que só Cristo sabe indicar.

Sim, queridos amigos, Jesus chama todos os seus amigos a orientar a sua existência para um modo de viver sóbrio e solidário, a tecer relações afectivas sinceras e gratuitas com os outros. A vós, queridos jovens estudantes, pede que vos comprometais honestamente no estudo, cultivando um sentido maduro de responsabilidade e um interesse partilhado pelo bem comum. Portanto, os anos da Universidade sejam palestra de testemunho evangélico convicto e corajoso. E para realizar esta vossa missão, procurai cultivar uma amizade íntima com o Mestre divino, colocando-vos na escola de Maria, Sede da Sabedoria. Confio-vos à sua materna intercessão e, ao garantir-vos uma lembrança na oração, concedo de coração a todos com afecto uma especial Bênção Apostólica, que de bom grado faço extensiva às vossas famílias e às pessoas que vos são queridas.




AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DE PORTUGAL POR OCASIÃO DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sábado, 10 de Novembro de 2007



Senhor Cardeal Patriarca,
563 Amados Bispos portugueses!

Sinto grande alegria em receber-vos hoje na Casa de Pedro, pela força de Deus sólido pilar daquela ponte que sois chamados a ser e a estabelecer entre a humanidade e o seu destino supremo, a Santíssima Trindade. Oito anos depois da vossa última Visita ad Limina, encontrais modificado o rosto de Pedro mas não o coração nem os braços que vos acolhem e confirmam na força de Deus que nos sustenta e irmana em Cristo Senhor: «Graça e paz vos sejam dadas em abundância» (
1P 1,2). Com estas palavras de boas-vindas, a todos saúdo, agradecendo ao presidente da Conferência Episcopal, Dom Jorge Ortiga, o esboço feito da vida e situação das vossas dioceses e os devotados sentimentos que me exprimiu em nome de todos e que retribuo com vivo afecto e a certeza das minhas orações por vós e quantos estão confiados à vossa solicitude pastoral.

Amados Bispos de Portugal, cruzastes a Porta Santa do Jubileu do ano 2000 à cabeça da peregrinação dos vossos diocesanos, convidando-os a entrar e permanecer em Cristo como a Casa dos seus desejos mais profundos e verdadeiros, ou seja, a Casa de Deus, e a medir até onde já se fizeram realidade tais desejos, isto é, até onde a vida e o ser de cada um encarna o Verbo de Deus, à semelhança de São Paulo que dizia: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Ga 2,20). Indicador concreto dessa encarnação: o transbordar para os outros da vida de Cristo que irrompe em mim. É que «eu não posso ter Cristo só para mim; posso pertencer-Lhe apenas unido a todos aqueles que se tornaram ou hão-de tornar Seus. (…) Tornamo-nos "um só corpo", fundidos todos numa única existência» (Carta enc. Deus caritas est ). Este «corpo» de Cristo que abraça a humanidade de todos os tempos e lugares é a Igreja. Prefiguração desta viu-a Santo Ambrósio naquela «terra santa» indicada por Deus a Moisés: «Tira as tuas sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é uma terra santa» (Ex 3,5); e lá, mais tarde, foi-lhe ordenado: «Tu, porém, permanece aqui comigo» (Dt 6,31) – ordem esta, que o Santo Bispo de Milão actualiza para os fiéis nestes termos: «Tu permaneces comigo [com Deus], se permaneces na Igreja. (…) Permanece, pois, na Igreja; permanece onde te apareci; aí Eu estou contigo. Onde está a Igreja, aí encontras o ponto de apoio mais firme para a tua mente; onde te apareci na sarça ardente, aí está o alicerce da tua alma. De facto, Eu te apareci na Igreja, como outrora na sarça ardente. Tu és a sarça, Eu o fogo; fogo na sarça, sou Eu na tua carne. Por isso, Eu sou fogo: para te iluminar, para destruir os teus espinhos, os teus pecados, e te manifestar a minha benevolência» (Epistulae extra collectionem: Ep 14,41-42). Estas palavras bem traduzem a vivência e o apelo deixado por Deus aos peregrinos do Grande Jubileu.

Neste momento, quero convosco dar graças a Cristo Senhor pela grande misericórdia que usou para com a sua Igreja peregrina em Portugal nos dias do Ano Santo e nos anos sucessivos permeados do mesmo espírito jubilar, que vos fez olhar, sem medo, limitações e falhas que vos deixaram à míngua de pão e tomar o caminho de regresso à Casa do Pai, onde há pão em abundância. De facto, sente-se perdurar o mesmo clima do Jubileu em numerosas iniciativas por vós tomadas nos anos imediatos: o recenseamento geral da prática dominical, o retomar a caminhada sinodal feita ou a fazer, a convocação em mais do que uma diocese da statio eucarística ou da missão geral segundo modalidades novas e antigas, a realização nacional do encontro de movimentos e novas comunidades eclesiais e do congresso da família, a vontade de servir o homem consignada pela Igreja e o Estado numa nova Concordata, a aclamação da santidade exemplar na pessoa de novos Beatos… Neste longo peregrinar, a confissão mais frequente nos lábios dos cristãos foi falta de participação na vida comunitária, propondo-se encontrar novas formas de integração na comunidade. A palavra de ordem era, e é, construir caminhos de comunhão. É preciso mudar o estilo de organização da comunidade eclesial portuguesa e a mentalidade dos seus membros para se ter uma Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II, na qual esteja bem estabelecida a função do clero e do laicado, tendo em conta que todos somos um, desde quando fomos baptizados e integrados na família dos filhos de Deus, e todos somos corresponsáveis pelo crescimento da Igreja.

Esta eclesiologia da comunhão na senda do Concílio, à qual a Igreja portuguesa se sente particularmente interpelada na sequência do Grande Jubileu, é, meus amados Irmãos, a rota certa a seguir, sem perder de vista eventuais escolhos tais como o horizontalismo na sua fonte, a democratização na atribuição dos ministérios sacramentais, a equiparação entre a Ordem conferida e serviços emergentes, a discussão sobre qual dos membros da comunidade seja o primeiro (inútil discutir, pois o Senhor Jesus já decidiu que é o último). Com isto não quero dizer que não se deva discutir acerca do recto ordenamento na Igreja e sobre a atribuição das responsabilidades; sempre haverá desequilíbrios, que exigem correcção. Mas tais questões não nos podem distrair da verdadeira missão da Igreja: esta não deve falar primariamente de si mesma, mas de Deus.

Os elementos essenciais do conceito cristão de «comunhão» encontram-se neste texto da primeira Carta de São João: «O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também vós tenhais comunhão connosco. Quanto à nossa comunhão, ela é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo» (1, 3). Sobressai aqui o ponto de partida da comunhão: está na união de Deus com o homem, que é Cristo em pessoa; o encontro com Cristo cria a comunhão com Ele mesmo e, n’Ele, com o Pai no Espírito Santo. Vemos assim – como escrevi na primeira Encíclica – que, «ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa [Jesus Cristo] que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo» (Deus caritas est ); a evangelização da pessoa e das comunidades humanas depende, absolutamente, da existência ou não deste encontro com Jesus Cristo.

Sabemos que o primeiro encontro pode revestir-se duma pluralidade de formas, como o demonstram inúmeras vidas de Santos (a apresentação destas faz parte da evangelização, que deve ser acompanhada por modelos de pensamento e de conduta), mas a iniciação cristã da pessoa passa, normalmente, pela Igreja: a presente economia divina da salvação requer a Igreja. À vista da maré crescente de cristãos não praticantes nas vossas dioceses, talvez valha a pena verificardes «a eficácia dos percursos de iniciação actuais, para que o cristão seja ajudado, pela acção educativa das nossas comunidades, a maturar cada vez mais até chegar a assumir na sua vida uma orientação autenticamente eucarística, de tal modo que seja capaz de dar razão da própria esperança de maneira adequada ao nosso tempo» (Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis, 18).

Amados Bispos de Portugal, há quatro semanas encontrastes-vos no Santuário de Fátima com o Cardeal Secretário de Estado que lá enviei como meu Legado Especial no encerramento das celebrações pelos 90 anos das Aparições de Nossa Senhora. Apraz-me pensar em Fátima como escola de fé com a Virgem Maria por Mestra; lá ergueu Ela a sua cátedra para ensinar aos pequenos Videntes e depois às multidões as verdades eternas e a arte de orar, crer e amar. Na atitude humilde de alunos que necessitam de aprender a lição, confiem-se diariamente, a Mestra tão insigne e Mãe do Cristo total, todos e cada um de vós e os sacerdotes vossos directos colaboradores na condução do rebanho, os consagrados e consagradas que antecipam o Céu na terra e os fiéis leigos que moldam a terra à imagem do Céu. Sobre todos implorando, pelo valimento de Nossa Senhora de Fátima, a luz e a força do Espírito, concedo-lhes a minha Bênção Apostólica.



AOS MEMBROS DAS CONFRARIAS

DAS DIOCESES ITALIANAS Sábado, 10 de Novembro de 2007

Queridos irmãos e irmãs!

Sinto-me feliz por receber todos vós, que idealmente representais o vasto e variado mundo das Confrarias presentes em cada região e diocese da Itália. Saúdo os Prelados que vos acompanham e em particular D. Armando Brambilla, Bispo Auxiliar de Roma e Delegado da Conferência Episcopal Italiana para as Confrarias e as Sociedades, agradecendo-lhe as palavras que me dirigiu em vosso nome. Saúdo o Dr. Francesco Antonetti, Presidente da Confederação que reúne as Confrarias italianas, assim como os membros dos Conselhos Directivos e os vossos Assistentes Eclesiásticos. Vós, queridos amigos, viestes à Praça de São Pedro com os vossos hábitos característicos, que recordam antigas tradições cristãs bem radicadas no Povo de Deus. Obrigado pela vossa visita, que deseja ser uma manifestação de fé e ao mesmo tempo um gesto que expressa afeição filial ao Sucessor de Pedro.

564 Como não recordar imediatamente a importância e a influência que as Confrarias exerceram nas comunidades cristãs da Itália desde os primeiros séculos do passado milénio? Muitas delas, suscitadas por pessoas cheias de zelo, se tornaram depressa agregações de fiéis leigos dedicados a evidenciar algumas características da religiosidade popular relacionadas com a vida de Jesus Cristo, especialmente com a sua paixão, morte e ressurreição, à devoção para com a Virgem Maria e os Santos, unindo quase sempre obras concretas de misericórdia e de solidariedade. Assim, desde as origens, as vossas Confrarias distinguiram-se pelas suas típicas formas de piedade popular, às quais se uniam numerosas iniciativas caritativas para com os pobres, os doentes e os sofredores, envolvendo nesta competição de ajuda generosa aos necessitados numerosos voluntários de todas as camadas sociais. Compreende-se melhor este espírito de caridade fraterna se se considera que elas começaram a surgir durante a Idade Média, quando ainda não existiam formas estruturadas de assistência pública que garantissem intervenções sociais e no âmbito da saúde para as camadas mais débeis das colectividades. Tal situação foi perdurando nos séculos seguintes até, poderíamos dizer, aos nossos dias quando, mesmo tendo aumentado o bem-estar económico, contudo não desapareceram as concentrações de pobreza e portanto, hoje como no passado, há ainda muito a fazer no campo da solidariedade.

Mas as Confrarias não são simples sociedades de recíproco socorro ou associações filantrópicas, mas um conjunto de irmãos que, querendo viver o Evangelho na consciência de ser parte viva da Igreja, se proponham pôr em prática o mandamento do amor, que estimula a abrir o coração aos outros, particularmente a quem se encontra em dificuldade. O amor evangélico amor a Deus e aos irmãos é o sinal distintivo e o programa de vida de cada discípulo de Cristo como de qualquer comunidade eclesial. Na Sagrada Escritura é claro que o amor de Deus está estreitamente ligado com o amor ao próximo (cf.
Mc 12,29-31). Escrevi na Encíclica Deus caritas est "Para a Igreja, a caridade não é uma espécie de actividade de assistência social que se poderia mesmo deixar a outros, mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável da sua própria essência" (n. 25). Para comunicar aos irmãos a ternura providente do Pai celeste é, contudo, necessário haurir da fonte, que é o próprio Deus, graças a momentos prolongados de oração, à escuta constante da sua Palavra e a uma existência toda centrada no Senhor e alimentada pelos Sacramentos, especialmente pela Eucaristia.

Na época de grandes mudanças que estamos a atravessar, a Igreja na Itália precisa também de vós, queridos amigos, para fazer chegar o anúncio do Evangelho da caridade a todos, percorrendo caminhos antigos e novos. Radicadas no sólido fundamento da fé em Cristo, as vossas beneméritas Confrarias, com a singular multiplicidade de carismas e com a vitalidade eclesial que as distinguem, continuem a difundir a mensagem da salvação entre os povos, agindo nas múltiplas fronteiras da nova evangelização! Vós podeis cumprir esta vossa importante missão, se cultivardes sempre um amor profundo ao Senhor e uma obediência dócil aos vossos Pastores. Sob estas condições, mantendo bem firmes os requisitos da "evangelização" e da "eclesialidade", as vossas Confrarias continuarão a ser escolas populares de fé vivida e centros de santidade; poderão continuar a ser na sociedade "levedura" e "fermento" evangélico e contribuir para suscitar aquele despertar espiritual que todos desejamos.

É vasto portanto o campo onde deveis trabalhar, queridos amigos, e encorajo-vos a multiplicar as iniciativas e actividades de cada uma das vossas Confrarias. Peço-vos sobretudo que cuideis da vossa formação espiritual e que tendais para a santidade, seguindo os exemplos de perfeição cristã autêntica, que não faltam na história das vossas Confrarias. Muitos dos vossos irmãos, com coragem e grande fé, se distinguiram, ao longo dos séculos, como sinceros e generosos trabalhadores do Evangelho, por vezes até ao sacrifício da vida. Segui os passos deles! Hoje é ainda mais necessário cultivar um verdadeiro impulso ascético e missionário para enfrentar os numerosos desafios da época moderna. Proteja-vos e guie-vos a Virgem Santa, e assistam-vos do Céu os vossos santos Padroeiros! Com estes sentimentos, formulo para vós aqui presentes e para cada uma das Confrarias da Itália votos de um apostolado fecundo e, enquanto garanto a minha recordação na oração, a todos abençoo com afecto.




AO SENHOR SUPRAPTO MARTOSEMOTO NOVO EMBAIXADOR DA INDONÉSIA JUNTO DA SANTA SÉ Segunda-feira, 12 de Novembro de 2007

Excelência

É-me grato dar-lhe as boas-vindas ao Vaticano, no momento em que apresenta as Cartas mediante as quais é acreditado como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Indonésia junto da Santa Sé. Agradeço-lhe calorosamente as saudações que Vossa Excelência me transmitiu da parte do governo e do povo indonésio, e peço-lhe que tenha a amabilidade de comunicar as minhas saudações pessoais ao Presidente Susilo Bambang Yudhoyono, juntamente com a certeza das minhas preces pela paz e pela prosperidade da nação e dos seus cidadãos.

Vossa Excelência falou sobre o empenhamento da Indonésia na busca de políticas destinadas ao progresso das nobres finalidades da democracia e da harmonia social, inseridas na constituição e eloquentemente expressas na filosofia nacional da Pancasila. Esta determinação, que exige sacrifício, esforços decisivos para discernir e promover o bem comum, e a cooperação de todos os grupos políticos e sociais, é indispensável para superar as forças da polarização e do conflito, promovendo a renovação da vida económica e consolidando uma justa ordem democrática no pleno respeito pelos direitos de cada indivíduo e da comunidade.

Sem dúvida, no presente uma das mais graves ameaças contra o apreciado ideal indonésio da unidade nacional é o fenómeno do terrorismo internacional. Valorizo profundamente a confirmação da posição do seu governo na condenação da violência terrorista, sob qualquer pretexto que se venha a verificar, como uma ofensa criminosa que, devido ao seu desprezo pela vida e liberdade do homem, debilita os próprios fundamentos da sociedade. Um exemplo é quando o santo nome de Deus é invocado como uma justificação para estes gestos. A Igreja a todos os níveis, em fidelidade ao ensinamento do seu Mestre, condena de modo inequívoco a manipulação da religião para finalidades políticas, enquanto exige a aplicação das leis humanitárias internacionais em todos os aspectos da luta contra o terrorismo (cf. Mensagem para o dia mundial da paz de 2007, n. 14).

A Indonésia, como um país multirreligioso com a maior população muçulmana entre as nações do mundo, desempenha um papel importante e positivo na promoção da cooperação inter-religiosa, tanto dentro dos seus confins como no seio da comunidade internacional. O diálogo, o respeito pelas convicções do próximo e a colaboração ao serviço da paz são os instrumentos mais seguros para garantir a concórdia social. Estas são algumas das mais nobres finalidades que podem reunir homens e mulheres de boa vontade e, de maneira particular, todos os adoradores do único Deus, que é o Criador e o Senhor beneficente de toda a família humana.

A este propósito, um desenvolvimento promissor é representado pelos crescentes exemplos de cooperação entre cristãos e muçulmanos na Indonésia, visando de modo particular a prevenção dos conflitos étnicos e religiosos nas regiões mais complicadas.

565 Não obstante representem uma minoria, os católicos da Indonésia desejam participar plenamente na vida da nação, "em vista de contribuir para o progresso material e espiritual da sociedade, e ser fonte de coesão e harmonia" (cf. Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé, 8 de Janeiro de 2007). Através da sua rede de instituições educativas e de assistência à saúde, eles procuram oferecer um serviço significativo aos irmãos e às irmãs, independentemente da religião e de incutir os valores éticos fundamentais para o autêntico progresso cívico e a coexistência pacífica.

Enquanto o seu direito ao livre exercício da própria religião, em completa igualdade com os seus concidadãos, for garantido pela constituição nacional, a salvaguarda deste direito humano fundamental exige uma vigilância constante da parte de todos. A este propósito, observo que recentemente a Indonésia subscreveu o Pacto internacional sobre os direitos civis e políticos, e estou persuadido de que isto há-de ajudar a consolidar a liberdade e a autonomia legítima dos cristãos individualmente e das suas instituições.

Agora que a Indonésia está a ocupar um lugar como membro não permanente do conselho de segurança da Organização das Nações Unidas, aproveito a ocasião para expressar a minha confiança em que os princípios inspiradores das suas políticas nacionais de pacificação, de diálogo e de tolerância hão-de tornar a Indonésia capaz de oferecer uma contribuição fecunda para a solução dos conflitos planetários e para a promoção de uma paz alicerçada na solidariedade internacional e na solicitude pelo desenvolvimento integral dos indivíduos e das populações.

Excelência, no momento em que assume a missão de representar a República da Indonésia junto da Santa Sé, peço-lhe que queira aceitar os meus melhores votos pessoais pelo bom êxito do seu importante trabalho. Tenha a certeza de que poderá contar sempre com os departamentos da Santa Sé, que o assistirão e ajudarão no cumprimento das suas altas responsabilidades. Sobre Vossa Excelência, a sua família e todo o querido povo indonésio, invoco cordialmente as abundantes bênçãos de Deus todo-poderoso.




Discursos Bento XVI 561