Discursos Bento XVI 60907

AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DO LAOS E DO CAMBOJA POR OCASIÃO DA VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM" Quinta-feira, 6 de Setembro de 2007

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Queridos Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio

É para mim uma grande alegria receber-vos, nestes dias em que realizais a vossa visita ad Limina junto dos túmulos dos Apóstolos. Desta forma, manifestais a comunhão da Igreja que está no Laos e no Camboja com a Igreja universal, em volta do Sucessor de Pedro. Agradeço a D. Émile Destombes, Vigário Apostólico de Phnom Penh, Presidente da Conferência Episcopal, as palavras que me dirigiu em vosso nome, apresentando-me as realidades eclesiais dos vossos países. Quando regressardes ao Laos e ao Camboja, levai a saudação afectuosa do Sucessor de Pedro aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas, aos catequistas e aos leigos das vossas comunidades.

Conheço as suas provações e a força interior que todos tiveram para viver na fidelidade ao Senhor Jesus e à sua Igreja. Hoje, convido-os a permanecer firmes na fé e a testemunhar com generosidade o amor de Deus a todos os seus irmãos. Dirijo a minha cordial saudação também a todo o povo laociano e cambojano. Encorajo-os a prosseguir os seus esforços por edificar uma sociedade cada vez mais fraterna e aberta aos outros, na qual cada um possa desenvolver os dons recebidos do Criador.

Queridos Irmãos, exerceis o vosso ministério ao serviço da Igreja em condições muitas vezes difíceis e numa grande diversidade de situações. Tende a certeza do meu apoio fraterno e da Igreja universal no vosso serviço ao povo de Deus! De facto, "se se deve dizer que um Bispo nunca está só, enquanto permanece sempre unido ao Pai pelo Filho no Espírito Santo, há que acrescentar que ele nunca está só também porque se encontra sempre e continuamente unido com os seus irmãos no episcopado e com aquele que o Senhor escolheu como Sucessor de Pedro" (Pastores gregis ). A profunda comunhão manifestada entre vós, assim como as colaborações que se expressam sob várias formas, sempre que seja possível, são uma ajuda preciosa na vossa tarefa pastoral, para o bem do povo que vos está confiado. A vossa proximidade aos fiéis, sobretudo aos mais isolados, é para eles encorajamento a perseverar de modo inabalável na fé cristã e a crescer na descoberta da pessoa de Cristo, apesar das dificuldades da vida quotidiana. A ajuda que recebeis de Igrejas de evangelização mais antiga, em diversos âmbitos, sobretudo no que diz respeito ao pessoal apostólico ou à formação é também um sinal eloquente da solidariedade que os discípulos de Cristo devem ter uns para com os outros.

Saúdo calorosamente os sacerdotes, que cooperam convosco no anúncio do Evangelho, sobretudo aqueles cuja vocação nasceu no seio das comunidades cristãs dos vossos países. Em colaboração com os missionários, aos quais expresso o meu reconhecimento por terem levado a mensagem de Jesus Cristo e o dom da fé, guiam o povo de Deus com zelo e abnegação. Que todos, mediante um caminho espiritual profundo e uma existência exemplar, continuem a dar um testemunho eloquente do Evangelho, na Igreja e na sociedade! Faço votos também porque os vossos esforços por promover vocações sacerdotais e religiosas em vista da proclamação de Jesus Salvador dêem frutos abundantes, com modalidades que tenham em consideração a sensibilidade dos vossos povos, tornando-a inteligível às suas mentalidades e culturas. Nesta perspectiva, um cuidado particular deve ser dedicado, mesmo à custa de sacrifícios noutros campos, para que seja garantida aos futuros sacerdotes uma sólida formação humana, espiritual, teológica e pastoral.

Com efeito, uma das importantes questões com que o vosso ministério pastoral se confronta, é o anúncio da fé cristã numa cultura particular. A celebração recente dos quatrocentos e cinquenta anos da presença da Igreja no Camboja é uma ocasião oferecida aos fiéis para tomarem consciência cada vez maior da longa história dos cristãos na região, história marcada pelo dom generoso e por vezes heróico da sua vida da qual deram provas numerosos discípulos de Cristo, para que o Evangelho fosse anunciado e vivido. "Jesus é a Boa Nova para todos os homens e mulheres de todas as épocas e lugares que procuram o sentido da existência e a verdade da sua humanidade" (Ecclesia in Asia ). Ao anunciá-lo a todos os povos, a Igreja não procura impôr-se, mas dá testemunho da sua estima pelo homem e pela sociedade na qual vive.

No contexto social e religioso da vossa região, é particularmente importante que os católicos manifestem a sua identidade própria, respeitando totalmente as outras tradições religiosas e as culturas dos povos. Esta identidade deve sobretudo expressar-se através de uma experiência espiritual autêntica, que encontra o seu fundamento no acolhimento da Palavra de Deus e nos sacramentos da Igreja. Os membros dos Institutos de vida consagrada, dos quais os vossos relatórios ressaltam o importante compromisso na pastoral e no serviço dos mais débeis, têm a responsabilidade primária de recordar a todos a primazia de Deus e contribuir "para a realização cada vez mais profunda, mediante a Igreja, da sua natureza de sacramento "de união íntima com Deus e da unidade de todo o género humano"" (Vita consecrata
VC 46). Nesta perspectiva, a formação dos fiéis, particularmente das religiosas e dos catequistas, dos quais conheço o compromisso corajoso ao serviço do Evangelho, é uma prioridade, para que possam ser evangelizadores capazes de responder aos desafios da sociedade, fortalecidos pela verdade de Cristo. De facto, é muito importante o seu papel a favor da vitalidade das comunidades cristãs.

Com os sacerdotes, eles dão a sua contribuição específica e indispensável à vida e à missão da Igreja. Que eles sejam em toda a parte testemunhas autênticas de Cristo assumindo com serenidade e convicção as tarefas que lhes são confiadas! De igual modo, tendo uma fé cristã garantida, eles poderão comprometer-se num diálogo autêntico com os membros das outras religiões, para trabalharem juntos na construção do vosso país e promover o bem comum.

Encorajo-vos também a desenvolver uma educação dos jovens das vossas comunidades. Face à vida da sociedade, a fim de assumir os seus compromissos de cristãos, eles confrontam-se com frequência com situações complexas que exigem que lhes dediquemos uma atenção pastoral específica. Uma preparação apropriada para o matrimónio cristão é particularmente indispensável; assim os jovens poderão enfrentar as pressões sociais e desenvolver as qualidades humanas e espirituais necessárias à constituição de casais unidos e harmoniosos. Que eles aprendam a conservar os valores familiares "como o respeito filial, o amor e o cuidado dos idosos e dos doentes, o amor pelas crianças e a harmonia [que] são tidos em grande estima em todas as culturas do Continente e religiões tradicionais" (Ecclesia in Asia ). Nas famílias os jovens devem encontrar o lugar normal para crescer humana e espiritualmente. Por conseguinte, faço votos de que elas sejam cada vez mais verdadeiros lares de evangelização nas quais cada um faz a experiência do amor de Deus, que assim poderá ser comunicado aos outros e antes de tudo às crianças.

O compromisso corajoso da comunidade cristã junto das pessoas mais débeis é também um sinal específico da autenticidade da sua fé. As obras sociais da Igreja, que podem desenvolver-se em particular graças à solidariedade eclesial e ao apoio das Representações da Santa Sé nos vossos Países, são apreciadas pela população e pelas Autoridades. Elas manifestam de modo eloquente o amor que Deus tem por todos os homens sem distinção. De facto, o amor pelo próximo, enraizado no amor de Deus é uma tarefa fundamental para a comunidade cristã e para cada um dos seus membros. Todavia, como escrevi na encíclica Deus caritas est, "é muito importante que a actividade caritativa da Igreja mantenha todo o seu esplendor e não se dissolva na organização assistencial comum, tornando-se uma simples variante da mesma" (n. 31). Garanto o meu reconhecimento a todas as pessoas comprometidas nas obras caritativas da Igreja, em particular as religiosas que se consagram ao serviço dos mais débeis com competência e abnegação, dedicando a cada pessoa atenções que vêm do coração, consequência de uma fé que age.

Queridos irmãos, no final do nosso encontro, gostaria de vos convidar a olhar para o futuro deixando-vos guiar por Cristo e depondo n'Ele a vossa esperança, porque "a esperança não nos deixa confundidos porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito, que nos foi concedido" (Rm 5,5). Confio cada uma das vossas comunidades à intercessão materna da Virgem Maria, modelo de todos os discípulos; ela vos proteja e vos conduza pelos caminhos de seu Filho. De todo o coração concedo-vos a Bênção Apostólica assim como aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas, aos catequistas e a todos os leigos dos vossos Países.






AOS MEMBROS DA COMISSÃO INTERNACIONAL DA PASTORAL NOS CÁRCERES Sala dos Suíços do Palácio Pontifício

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de Castel Gandolfo

Quinta-feira, 6 de Setembro de 2007


Caros amigos

É-me grato dar-vos as boas-vindas, no momento em que vos congregais em Roma para o XII Congresso Mundial da Comissão Internacional para o Cuidado Pastoral Católico nas Prisões. Estou grato ao vosso Presidente, Dr. Christian Kuhn, pelas amáveis palavras que quis expressar em nome da Directoria da Comissão.

O tema do Congresso do corrente ano, "Descobrir o Rosto de Cristo em cada prisioneiro" (cf.
Mt 25,36), descreve adequadamente o vosso ministério como um encontro vivo com o Senhor. De facto, em Cristo "o amor a Deus e o amor ao próximo fundem-se num todo"; desta forma, "no mais pequenino dos irmãos, encontramos o próprio Jesus e, em Jesus, encontramos Deus" (Deus caritas est ).

O vosso ministério exige muita paciência e perseverança. Não raro, verificam-se desilusões e frustrações. O fortalecimento dos vínculos que vos unem aos vossos Bispos tornar-vos-ão capazes de encontrar a ajuda e a orientação que vos são necessárias para adquirir uma maior consciência acerca da vossa missão vital. Com efeito, este ministério no seio da vossa comunidade cristã local há-de encorajar os outros a unirem-se a vós na realização de obras corporais de misericórdia, enriquecendo deste modo a vida eclesial da diocese. De igual modo, contribuirá para aproximar do coração da Igreja universal aqueles que vós servis, especialmente através da sua participação regular na celebração dos sacramentos da Penitência e da sagrada Eucaristia (cf. Sacramentum caritatis, 59).

Os prisioneiros podem ser facilmente subjugados por sentimentos de isolamento, de vergonha e de rejeição que ameaçam as suas esperanças e aspirações para o futuro. Em tal contexto, os capelães e os seus colaboradores são chamados a ser arautos da compaixão e do perdão infinitos de Deus.

Em cooperação com as autoridades civis, eles têm a grave tarefa de ajudar os encarcerados a descobrirem um sentido de finalidade, de tal forma que, com a graça de Deus, possam mudar a sua vida, reconciliar-se com as próprias famílias e os seus amigos e, na medida do possível, assumir as responsabilidades e os deveres que os hão-de levar a uma vida recta e honesta no seio da sociedade.

As instituições judiciárias e penais desempenham um papel fundamental na tutela dos cidadãos e na salvaguarda do bem comum (cf. Catecismo da Igreja Católica, CEC 2266). Ao mesmo tempo, elas têm o dever de contribuir para a reconstrução dos "relacionamentos sociais corrompidos pelo gesto criminoso cometido" (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 403). Portanto, pela sua própria natureza estas instituições devem contribuir para a reabilitação dos agressores, facilitando assim a sua transição do desespero para a esperança, e da irresponsabilidade para a confiança.

Quando as condições nos cárceres e nas prisões não favorecem o processo de reconquista do sentido do valor e da aceitação dos respectivos deveres, estas instituições deixam de alcançar uma das suas finalidades essenciais. As autoridades públicas devem ser sempre vigilantes nesta tarefa, evitando quaisquer instrumentos de punição ou de correcção que debilitam ou desestabilizam a dignidade humana dos prisioneiros. A este propósito, reitero o facto de que a proibição da tortura "não pode ser transgredida em qualquer circunstância" (Ibid., n. 40).

Estou persuadido de que o vosso Congresso oferecerá uma oportunidade para compartilhar as vossas experiências do misterioso Rosto de Cristo, que brilha através dos rostos dos prisioneiros. Encorajo-vos nos vossos esforços em vista de mostrar este rosto ao mundo, promovendo maior respeito pela dignidade dos detidos. Enfim, rezo para que o vosso Congresso constitua uma ocasião para vós mesmos apreciardes de novo o modo como, atendendo às necessidades dos encarcerados, os vossos olhos permanecem abertos às maravilhas que Deus realiza para vós todos os dias (cf. (Deus caritas est ).

Com estes sentimentos, estendo a vós e a todos os participantes no Congresso os meus votos mais sinceros pelo bom êxito dos vossos encontros e, de bom grado, concedo-vos a minha Bênção apostólica, a vós e aos vossos entes queridos.





VIAGEM APOSTÓLICA À ÁUSTRIA POR OCASIÃO DO 850º ANIVERSÁRIO DA FUNDAÇÃO DO SANTUÁRIO DE MARIAZELL


PALAVRAS DURANTE O ENCONTRO COM OS JORNALISTAS NO AVIÃO 7 de Setembro de 2007

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P. Esta viagem leva o Santo Padre a um País que conhece desde a sua infância. Que importância atribui a este regresso à Áustria?

R. A minha viagem pretende ser sobretudo uma peregrinação; gostaria de me inserir nesta longa fila de peregrinos ao longo dos séculos são 850 anos e assim, peregrino com os peregrinos, rezar com eles que rezam. E parece-me importante este sinal da unidade que cria a fé: unidade entre os povos, porque é uma peregrinação de muitos povos, unidade entre os tempos e portanto, um sinal da força unificante, da força de reconciliação que existe na fé. Neste sentido deseja ser um sinal da universalidade da comunidade de fé da Igreja, um sinal também da humildade e sobretudo também um sinal da confiança em Deus, da prioridade de Deus, que Deus existe, que temos necessidade da ajuda de Deus. E naturalmente, também expressão do amor por Nossa Senhora. Portanto gostaria simplesmente de confirmar estes elementos fundamentais da fé, neste momento da história.

P. A Igreja austríaca nos anos noventa atravessou um período difícil e atormentado, com tensões pastorais e contestações. O Santo Padre considera que estas dificuldades estejam superadas? Pensa com esta visita ajudar a sanar as feridas e promover a unidade na Igreja, também entre os que se sentem nas margens da Igreja?

R. Antes de tudo, gostaria de agradecer a todos os que sofreram nestes últimos anos. Sei que a Igreja na Áustria viveu tempos difíceis: também estou grato a todos leigos, religiosos e sacerdotes que permaneceram, com todas estas dificuldades, fiéis à Igreja, ao testemunho a Jesus, que na Igreja dos pecadores reconheceram contudo o rosto de Cristo. Não diria que já estão totalmente superadas estas dificuldades: a vida neste nosso século mas isto é válido também para todos os séculos é difícil; também a fé vive sempre em contextos difíceis. Mas espero poder ajudar um pouco a curar estas feridas, e vejo que há uma nova alegria da fé, há um novo impulso na Igreja, e gostaria na medida do possível, de confirmar esta disponibilidade para prosseguir com o Senhor, a ter confiança que o Senhor permanece presente na sua Igreja e que assim, precisamente vivendo a fé na Igreja, podemos também nós próprios alcançar a meta da nossa vida e contribuir para um mundo melhor.

P. A Áustria é um País de tradição profundamente católica, contudo mostra também sinais de secularização. Com que mensagem de encorajamento espiritual o Santo Padre se dirigirá à sociedade austríaca?

R. Gostaria simplesmente de confirmar o povo na fé, que precisamente também hoje temos necessidade de Deus, temos necessidade de uma orientação que dê um rumo à nossa vida. Vê-se que uma vida sem orientações, sem Deus, não tem êxito: permanece vazia. O relativismo relativiza tudo e no final, bem ou mal já não se distinguem. Portanto, gostaria simplesmente de confirmar nesta convicção, que se torna sempre mais evidente, da nossa necessidade de Deus, de Cristo e da grande comunhão da Igreja que une os povos e os reconcilia.

P. Viena é sede de muitas organizações internacionais, entre as quais também a Agência Internacional da Energia Atómica, e é o lugar tradicional de encontro entre Oriente e Ocidente. O Santo Padre pretende enviar mensagens também sobre a política internacional e sobre a paz, ou sobre as relações com a ortodoxia e o islão, para superar divergências e polémicas?

R. A minha não é uma viagem política, é uma peregrinação, como disse. São apenas dois dias inicialmente, estava prevista só uma peregrinação a Mariazell, agora temos justamente mais tempo para estar também em Viena, para estar com diversas componentes da sociedade austríaca. Não estão previstas imediatamente, neste tempo tão breve, encontros com as outras confissões ou religiões; só um momento diante do Shoah para manifestar digamos a nossa tristeza, o nosso arrependimento e também a nossa amizade para com os irmãos judeus, para prosseguir nesta grande união que Deus criou com o seu povo. Portanto, imediatamente, não estão previstas tais mensagens. Só no início, no encontro com o mundo político, gostaria de falar um pouco sobre esta realidade que é a Europa, das raízes cristãs da Europa, do caminho a empreender. Mas é evidente que fazemos tudo baseando-nos sempre no diálogo quer com os outros cristãos quer também com os muçulmanos e com as outras religiões; o diálogo está sempre presente: é uma dimensão do nosso agir, mesmo se nesta circunstância não deve ser muito explicitado devido ao carácter específico desta peregrinação.



NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS Viena, 7 de Setembro de 2007

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Senhor Presidente Federal
Senhor Chanceler Federal
Venerado Senhor Cardeal
Queridos Irmãos no Episcopado
Ilustres Senhoras e Senhores
Queridos jovens amigos!

Com grande alegria hoje, pela primeira vez após o início do meu Pontificado, piso o solo da Áustria, país que me é familiar devido à proximidade geográfica ao lugar do meu nascimento, e não apenas por isto. Agradeço-lhe, Senhor Presidente Federal, as cordiais palavras com as quais, em nome do inteiro povo austríaco, me dirigiu a sua saudação de boas-vindas. Vossa Excelência sabe quanto me sinto ligado à sua Pátria e a muitas pessoas e lugares do seu país. Este espaço cultural no centro da Europa supera fronteiras e une impulsos e forças de várias partes do Continente. A cultura deste país está essencialmente permeada pela mensagem de Jesus Cristo e pela acção que a Igreja realizou em seu nome. Tudo isto e muitas outras coisas ainda dão a forte impressão, queridos Austríacos, de estar um pouco "em casa" entre vós.

O motivo da minha vinda à Áustria é o 850º aniversário do lugar sagrado de Mariazell. Num certo sentido, este Santuário de Nossa Senhora representa o coração materno da Áustria e possui desde sempre uma importância especial também para os húngaros e para os povos eslavos. É símbolo de uma abertura que não supera somente fronteiras geográficas e nacionais, mas na pessoa de Maria remete para uma dimensão essencial do homem: a capacidade de se abrir à palavra de Deus e à sua verdade.

Com esta perspectiva, durante os próximos três dias, desejo realizar aqui na Áustria a minha peregrinação rumo a Mariazell. Nos últimos anos constata-se com alegria um interesse crescente por parte de tantas pessoas pela peregrinação. No estar a caminho durante a peregrinação, sobretudo os jovens descobrem uma nova via de reflexão meditativa; conhecem-se uns aos outros e juntos se encontram diante da criação, mas também diante da história da fé que, não raro, inesperadamente acolhem como uma força para o presente. Considero a minha peregrinação rumo a Mariazell como um estar a caminho junto com os peregrinos do nosso tempo. Neste sentido iniciarei daqui a pouco no centro de Viena a oração comum que, quase como peregrinação espiritual, acompanhará estes dias em todo o país.

Mariazell representa não só uma história de 850 anos, mas com base na experiência da história e sobretudo em virtude do reenvio materno da Imagem milagrosa a Cristo indica também a estrada para o futuro. Nesta perspectiva gostaria hoje, junto com as Autoridades políticas deste país e com os Representantes das Organizações internacionais, de lançar mais uma vez um olhar sobre o nosso presente e o nosso futuro.

O dia de amanhã levar-me-á, pela festa da Natividade de Maria, a Festa patronal de Mariazell, àquele Lugar de graça. Na Celebração eucarística diante da Basílica reunir-nos-emos, segundo a indicação de Maria, ao redor de Cristo que vem ao meio de nós. A Ele pediremos para poder contemplá-Lo cada vez mais claramente, reconhecê-Lo nos nossos irmãos, servi-Lo neles e ir junto com Ele rumo ao Pai. Como peregrinos ao Santuário, na oração e através dos meios de comunicação, estaremos unidos a todos os fiéis e aos homens de boa vontade aqui no país e amplamente além dos seus confins.

Peregrinação não significa apenas caminho rumo a um Santuário. Essencialmente é também o caminho de regresso ao dia-a-dia. A nossa vida quotidiana de cada semana começa com o Domingo dom liberatório de Deus que queremos acolher e conservar. Celebraremos assim este Domingo na Basílica de Santo Estêvão em comunhão com todos os que nas paróquias da Áustria e em todo o mundo se reunirão para a Santa Missa.

Senhoras e Senhores! Sei que na Áustria o Domingo, como dia livre do trabalho, e também os tempos livres durante outros dias da semana, são em parte usados por muitas pessoas para um empenho voluntário ao serviço dos outros. Também um empenho semelhante, oferecido com generosidade e abnegação pelo bem e a salvação dos demais, assinala a peregrinação da nossa vida. Quem "olha" para o próximo vê-o e faz-lhe o bem olha para Cristo e serve-O. Guiados e encorajados por Maria queremos aguçar o nosso olhar cristão para os desafios a enfrentar no espírito do Evangelho e, cheios de gratidão e de esperança, de um passado às vezes difícil, mas também sempre rico de graça, encaminhamo-nos para um futuro pleno de promessas.

Senhor Presidente Federal, queridos amigos! Alegro-me por estes dias na Áustria e no início da minha peregrinação saúdo Vossa Excelência e todos vós com um cordial "Grüß Gott".



SAUDAÇÃO E ORAÇÃO AOS FIÉIS AOS PÉS DA "MARIENSÄULE" Praça Am Hof, Viena, Sexta-feira, 7 de Setembro de 2007

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Venerado, estimado Senhor Cardeal
Ilustre Senhor Presidente
da Câmara Municipal
Queridos irmãos e irmãs!

Como primeira etapa da minha peregrinação rumo a Mariazell escolhi a Mariensäule, para reflectir um momento convosco sobre o significado da Mãe de Deus para a Áustria do passado e do presente, assim como sobre o significado para cada um de nós. Saúdo de coração todos vós reunidos aqui aos pés da Mariensäule. Agradeço a Vossa Eminência, estimado Senhor Cardeal, as calorosas palavras de boas-vindas no início desta nossa celebração. Saúdo o Senhor Presidente Municipal da Capital e todas as Autoridades presentes. Dirijo uma particular saudação aos jovens e aos representantes das comunidades de língua estrangeira na Arquidiocese de Viena, que depois desta Liturgia da Palavra se reunirão na igreja, onde permanecerão até amanhã em adoração diante do Santíssimo. Ouvi que já estão aqui desde há três horas. Posso unicamente admirá-los e dizer: "Vergelt's Gott!". Com esta adoração realizais de modo muito concreto o que nestes dias todos nós desejamos fazer: com Maria olhar para Cristo.

Com a fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, relaciona-se desde os primeiros tempos uma veneração particular por sua Mãe, por aquela Mulher, em cujo seio Ele assumiu a natureza humana participando até nas palpitações do seu coração, a Mulher que acompanhou com delicadeza e respeito a sua vida até à sua morte na cruz, e a cujo amor materno ele, no final, confiou o discípulo predilecto e com ele a humanidade inteira. No seu sentimento materno Maria acolhe também hoje sob a sua protecção pessoas de todas as línguas e culturas, para as conduzir juntas, numa unidade multiforme, a Cristo. A ela podemos dirigir-nos nas nossas preocupações e necessidades. Dela, porém, devemos também aprender a acolher-nos reciprocamente com o mesmo amor com que Ela acolhe todos nós: cada um na sua singularidade, como tal querido e amado por Deus. Na família universal de Deus, na qual para cada pessoa está previsto um lugar, cada um deve desenvolver os próprios dons para o bem de todos.

A Mariensäule, erigida pelo imperador Fernando III como agradecimento pela libertação de Viena de um grande perigo e por ele inaugurada precisamente há 360 anos, deve ser também para nós hoje um sinal de esperança. Quantas pessoas, desde então, se detiveram junto desta coluna e, rezando, elevaram os olhos para Maria! Quantos experimentaram nas dificuldades pessoais a força da sua intercessão! Mas a nossa esperança cristã alarga-se muito mais além da realização dos nossos desejos pequenos e grandes. Nós elevamos os olhos para Maria, que nos mostra para qual esperança fomos chamados (cf. Ef
Ep 1,18); Ela, de facto, personifica aquilo que o homem é deveras!

Acabámos de ouvir isto na Leitura bíblica: já antes da criação do mundo, Deus nos escolheu em Cristo. Ele conhece e ama cada um de nós desde a eternidade! E para que finalidade nos escolheu? Para sermos santos e imaculados diante de Si na caridade! E isto não é uma tarefa irrealizável: em Cristo Ele já nos deu a realização. Nós somos remidos! Em virtude da nossa comunhão com Cristo ressuscitado, Deus abençoou-nos com todas as bênçãos espirituais. Abramos o nosso coração, recebamos a herança preciosa! Poderemos então entoar, juntamente com Maria, o louvor da sua graça. E se continuarmos a levar as nossas preocupações quotidianas diante da Mãe imaculada de Cristo, ela ajudar-nos-á a abrir as nossas pequenas esperanças sempre para a grande, verdadeira esperança que dá sentido à nossa vida e pode colmar-nos com uma alegria profunda e indestrutível.

Neste sentido gostaria agora, juntamente convosco, de elevar os olhos para a Imaculada, confiar-lhe as orações que há pouco pronunciastes e pedir a sua protecção materna para este País e para os seus habitantes:

Santa Maria, Mãe Imaculada de nosso Senhor Jesus Cristo, em ti Deus deu-nos o protótipo da Igreja e do modo recto de concretizar a nossa humanidade. A ti confio o País da Áustria e os seus habitantes: ajuda todos nós a seguir o teu exemplo e a orientar a nossa vida totalmente para Deus! Faz com que, olhando para Cristo, nos tornemos cada vez mais semelhantes a Ele: verdadeiros filhos de Deus! Então também nós, cheios de todas as bênçãos espirituais, poderemos corresponder cada vez melhor à sua vontade e assim tornar-nos instrumentos de paz para a Áustria, para a Europa e para o mundo. Amém!



ENCONTRO COM AS AUTORIDADES E COM O CORPO DIPLOMÁTICO REALIZADO NA HOFBURG Viena, 7 de Setembro de 2007

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Ilustre Senhor Presidente Federal
Ilustre Senhor Chanceler Federal
Ilustres Membros do Governo Federal
Senhores Deputados do Parlamento nacional e Membros do Senado Federal
Ilustres Presidentes Regionais
Estimados Representantes do Corpo Diplomático
Ilustres Senhoras e Senhores!

Introdução

É para mim uma grande alegria e uma honra encontrar-me hoje com Vossa Excelência, Senhor Presidente Federal, com os Membros do Governo Federal, assim como também com os Representantes da vida política e pública da República da Áustria. Neste encontro na Hofburg reflectem-se as boas relações, caracterizadas por confiança recíproca, entre o Vosso País e a Santa Sé, das quais Vossa Excelência, Senhor Presidente, falou. Por isto me alegro vivamente.

As relações entre a Santa Sé e a Áustria inserem-se no vasto complexo das relações diplomáticas, que encontram na cidade de Viena uma importante encruzilhada, porque aqui têm sede também vários Organismos internacionais. Sinto-me feliz pela presença de muitos Representantes diplomáticos, aos quais dirijo a minha deferente saudação. Agradeço-vos, Senhoras e Senhores Embaixadores, a vossa dedicação não só ao serviço dos Países que representais e dos seus interesses, mas também da causa comum da paz e do entendimento entre os povos.

Esta é a minha primeira visita como Bispo de Roma e Pastor supremo da Igreja Católica universal neste País, que, contudo, conheço desde há muito tempo e devido a numerosas visitas precedentes. É permiti que o diga para mim uma verdadeira alegria encontrar-me aqui. Tenho aqui muitos amigos e, como vizinho bávaro, o modo de viver e as tradições austríacas são-me familiares. O meu grande Predecessor de venerada memória, o Papa João Paulo II, visitou a Áustria por três vezes. De cada vez foi recebido pelo povo deste País com grande cordialidade, as suas palavras foram ouvidas com atenção e as suas viagens apostólicas deixaram os seus vestígios.

Áustria

A Áustria nos últimos anos e decénios registrou sucessos, que há somente duas gerações ninguém teria ousado imaginar. O vosso País não só viveu um notável progresso económico, mas desenvolveu também uma convivência social exemplar, da qual a expressão "solidariedade social" se tornou um sinónimo. Os austríacos têm toda a razão de serem gratos por isto, e manifestam-no tendo um coração aberto aos pobres e aos indigentes no próprio País, mas sendo também generosos quando se trata de demonstrar solidariedade por ocasião de catástrofes e desgraças no mundo. As grandes iniciativas de "Licht ins Dunkel" "Luz nas trevas" antes do Natal e "Nachbar in Not" "Próximos na necessidade" são um bonito testemunho destes sentimentos.


Áustria e alargamento da Europa

Encontramo-nos aqui num lugar histórico, do qual, durante séculos, foi governado um império que uniu sempre amplas partes da Europa central e oriental. Este lugar e este momento oferecem, portanto, uma ocasião providencial para fixar o olhar sobre toda a Europa de hoje. Depois dos erros da guerra e as experiências traumáticas do totalitarismo e da ditadura, a Europa empreendeu o caminho rumo à unidade do Continente, propensa para garantir uma ordem duradoura de paz e de desenvolvimento justo. A divisão que durante decénios separou o Continente de modo doloroso, sem dúvida, está superada politicamente, mas a unidade ainda deve em grande parte ser realizada na mente e no coração das pessoas. Mesmo se depois da queda da cortina de ferro em 1989 algumas esperanças excessivas podem ter sido desiludidas e sobre alguns aspectos se podem levantar justificadas críticas em relação a algumas instituições europeias, o processo de unificação é contudo uma obra de grande alcance que concedeu a este Continente, antes corroído por contínuos conflitos e guerras fratricidas fatais, um período de paz que havia muito tempo era desconhecido. Em particular, para os Países da Europa central e oriental a participação neste processo é um ulterior estímulo a consolidar no seu interior a liberdade, o Estado e a democracia.

Gostaria de recordar, a este propósito, a contribuição que o meu predecessor, o Papa João Paulo II deu àquele processo histórico. Também a Áustria, que se encontra na fronteira entre o Ocidente e o Oriente de então, como País-ponte, contribuiu muito para esta união e também não se deve esquecer isto tirou grandes vantagens.

Europa

A "casa Europa", como gostamos de chamar à comunidade deste Continente, só será para todos lugar agradavelmente habitável se for construída sobre um sólido fundamento cultural e moral de valores comuns que tiramos da nossa história e das nossas tradições. A Europa não pode e não deve renegar as suas raízes cristãs. Elas são uma componente dinâmica da nossa civilização para o caminho no terceiro milénio. O cristianismo modelou profundamente este Continente: disto dão testemunho em todos os Países e particularmente na Áustria não só as numerosas igrejas e os importantes mosteiros. A fé tem a sua manifestação sobretudo nas numerosas pessoas que ela, no decorrer da história até aos nossos dias, levou a uma vida de esperança, de amor e de misericórdia. Mariazell, o grande Santuário nacional austríaco, é ao mesmo tempo um lugar de encontro para vários povos europeus. É um daqueles lugares nos quais os homens encontraram e ainda encontram a "força do alto" para uma recta via.

Nestes dias o testemunho de fé cristã no centro da Europa é expresso também mediante a "Terceira Assembleia Ecuménica Europeia" em Sibiu/Hermannstadt (na Roménia) sob o mote: "A luz de Cristo a todos ilumina. Esperança de renovação e de unidade na Europa". É espontânea a recordação do "Katholikentag" centro-europeu que em 2004, sob o mote "Cristo esperança da Europa", reuniu tantos crentes em Mariazell!

Hoje fala-se com frequência do modelo de vida europeu. Com isto pretende-se dizer uma ordem social que relaciona eficiência económica com justiça social, pluralidade política com tolerância, liberalismo e abertura, mas significa também preservação de valores que dão a este Continente a sua posição particular. Este modelo, sob os condicionamentos da economia moderna, encontra-se perante um grande desafio. A frequentemente citada globalização não pode ser impedida, mas é uma tarefa urgente e uma grande responsabilidade da política dar à globalização ordenamentos e limites adequados para evitar que ela se realize em desvantagem dos Países mais pobres e das pessoas pobres nos Países ricos e seja em desvantagem das gerações futuras.

Certamente sabemo-lo a Europa viveu e sofreu também terríveis caminhos errados. Deles fazem parte: restricções ideológicas da filosofia, da ciência e também da fé, o abuso de religião e razão para finalidades imperialistas, a degradação do homem mediante um materialismo teórico e prático, e por fim a degeneração da tolerância numa indiferença privada de referências a valores permanentes. Mas faz parte das características da Europa a capacidade de autocrítica que, no vasto panorama das culturas do mundo, a distingue e a qualifica.

A vida

Foi na Europa que, pela primeira vez, se formulou o conceito de direitos humanos. O direito humano fundamental, o pressuposto para todos os outros direitos, é o direito à própria vida. Isto é válido para a vida desde a concepção até ao seu fim natural. O aborto, por conseguinte, não pode ser um direito humano é o seu contrário. É uma "profunda ferida social", como ressaltava sem se cansar o nosso defunto Irmão, Cardeal Franz König.

Ao dizer isto não expresso um interesse especificamente eclesial. Gostaria antes de me fazer advogado de um pedido profundamente humano e porta-voz dos nascituros que não têm voz. Com isto não fecho os olhos diante dos problemas e dos conflitos de muitas mulheres e dou-me conta de que a credibilidade do nosso discurso depende também do que a própria Igreja faz para ajudar as mulheres em dificuldade.

Faço apelo, neste contexto, aos responsáveis da política, para que não permitam que os filhos sejam considerados como casos de doença nem que a qualificação de injustiça atribuída pelo vosso ordenamento jurídico ao aborto seja de facto abolida. Digo isto devido à preocupação pelos valores humanos. Mas este é apenas um aspectos do que nos preocupa. O outro, é fazer o possível para tornar os Países europeus novamente mais abertos ao acolhimento das crianças. Peço-vos que encorajeis os jovens, que com o matrimónio fundam novas famílias, a tornar-se mães e pais!

Com isto fareis o bem deles próprios, mas também da inteira sociedade. Confirmo-vos também decididamente na vossa solicitude política por favorecer condições que tornem possível aos jovens casais crescer os seus filhos. Mas tudo isto de nada servirá se não conseguirmos criar de novo nos nossos Países um clima de alegria e de confiança na vida, no qual as crianças não sejam consideradas um peso, mas um dom para todos.

É para mim motivo de grande preocupação também o debate sobre a chamada "ajuda activa a morrer". Deve temer-se que um dia possa ser exercida uma pressão não declarada ou também explícita sobre as pessoas gravemente doentes ou idosas, para que peçam a morte ou a pratiquem por si. A resposta justa ao sofrimento no final da vida é uma atenção amorosa, o acompanhamento rumo à morte em particular também com a ajuda da medicina paliativa e não uma "ajuda activa a morrer". Para afirmar um acompanhamento humano rumo à morte seriam contudo necessárias reformas estruturais em todos os campos do sistema de saúde e social e a organização de estruturas de assistência paliativa. Depois, são também necessários passos concretos: no acompanhamento psicológico e pastoral das pessoas gravemente doentes e dos moribundos, dos seus parentes, dos médicos e do pessoal de cura. Neste campo a "Hospizbewegung" realiza coisas grandiosas. Mas todo o conjunto destas tarefas não pode ser delegado só a eles. Muitas outras pessoas devem estar prontas ou ser encorajadas na sua disponibilidade a não se preocupar com o tempo nem com as despesas na assistência solícita dos doentes graves e dos moribundos.

O diálogo da razão

Por fim, pertence à herança europeia uma tradição de pensamento, para a qual é fundamental uma correspondência substancial entre fé, verdade, e razão. Trata-se aqui, em definitiva, da questão se a razão esteja na base de todas as coisas e como seu fundamento ou não. Trata-se da questão se a realidade tem na sua origem o caso e a necessidade, portanto se a razão é um produto casual secundário do irracional e no oceano da irracionalidade, no final de contas, esteja também privada de sentido, ou se ao contrário é verdadeiro o que constitui a convicção de fundo da fé cristã: In principio erat Verbum No princípio era o Verbo na origem de todas as coisas está a Razão criadora de Deus que decidiu revelar-se a nós, seres humanos.

Permiti que eu cite neste contexto Jürgen Habermas, um filósofo que portanto não adere à fé cristã. Ele afirma: "Para a autoconsciência normativa do tempo moderno o cristianismo não foi apenas um catalizador. O universalismo igualitário, do qual surgiram as ideias de liberdade e de convivência solidária, é uma herança imediata da justiça judaica e da ética cristã do amor. Invariada na substância, esta herança foi sempre de novo feita própria de modo crítico e novamente interpretada. Para isto, até hoje, não existe alternativa".

As tarefas da Europa no mundo

Contudo, da unicidade da sua chamada deriva para a Europa também uma responsabilidade única no mundo. A este propósito ela não deve antes de tudo renunciar a si mesma. O continente que, demograficamente, envelhece de modo rápido não se deve tornar um continente espiritualmente velho. Além disso, a Europa adquirirá uma consciência melhor de si mesma se assumir uma responsabilidade no mundo que corresponda à sua singular tradição espiritual, às suas capacidades extraordinárias e à sua grande força económica. Portanto, a União Europeia deveria assumir um papel-guia na luta contra a pobreza no mundo e no compromisso a favor da paz. Com gratidão podemos constatar que Países europeus e a União Europeia encontram-se entre aqueles que contribuem em maior medida para o desenvolvimento internacional, mas deveriam também fazer valer a sua relevância política face, por exemplo, aos urgentíssimos desafios apresentados pela África, pelas imanes tragédias daquele Continente, como o flagelo da Sida, a situação no Darfur, a injusta exploração dos recursos naturais e o preocupante tráfico de armas. Assim também o empenho político e diplomático da Europa e dos seus Países não pode esquecer a permanente grave situação do Médio Oriente, onde é necessária a contribuição de todos para favorecer a renúncia à violência, o diálogo recíproco e uma convivência verdadeiramente pacífica. Também deve continuar a crescer a relação com as Nações da América Latina e com as do Continente asiático, mediante oportunos vínculos de intercâmbio.

Conclusão

Ilustre Senhor Presidente Federal, ilustres Senhoras e Senhores! A Áustria é um País rico de muitas bênçãos: grandes belezas paisagísticas que, ano após ano, atraem milhões de pessoas para uma estadia de repouso; uma inaudita riqueza cultural, criada e acumulada por muitas gerações; muitas pessoas dotadas de talento artístico e de grandes forças criativas. Em toda a parte se podem ver os testemunhos das prestações produzidas pela diligência e pelos dotes da população que trabalha.

Este é um motivo de gratidão e de orgulho. Mas certamente a Áustria não é uma "ilha feliz" nem sequer pensa que o é. A autocrítica faz sempre bem e, sem dúvida, está difundida na Áustria. Um País que recebeu tanto deve também dar muito. Pode contar muito consigo e também exigir de si uma certa responsabilidade em relação aos Países vizinhos e do mundo.

Muito daquilo que a Áustria é e possui, deve-o à fé cristã e à sua rica eficiência sobre as pessoas. Portanto é do interesse de todos não permitir que um dia neste País talvez sejam apenas as pedras que falam de cristianismo! Uma Áustria sem uma fé cristã viva deixaria de ser a Áustria.

Desejo a vós e a todos os austríacos, sobretudo aos idosos e aos doentes, assim como aos jovens que têm a vida ainda diante de si, esperança, confiança, alegria e a bênção de Deus! Muito obrigado.




Discursos Bento XVI 60907