Discursos Bento XVI 8907

CELEBRAÇÕES DAS VÉSPERAS NO SANTUÁRIO MARIANO Sábado, 8 de Setembro de 2007

8907
Venerados e queridos irmãos
no ministério sacerdotal
Queridos homens de vida consagrada
Estimados amigos!

Reunimo-nos na venerável Basílica da nossa "Magna Mater Austriae", em Mariazell. Há muitas gerações o povo reza aqui para obter a ajuda da Mãe de Deus. Também nós hoje o fazemos.

Desejamos com ela glorificar a bondade imensa de Deus e exprimir ao Senhor a nossa gratidão por todos os benefícios recebidos, em particular pelo grande dom da fé. Desejamos confiar-lhe os pedidos que tomamos a sério: pedir a sua protecção para a Igreja, invocar a sua intercessão pelo dom de boas vocações para as nossas Dioceses e Comunidades religiosas, solicitar a sua ajuda para as famílias e a sua oração misericordiosa para todas as pessoas que procuram uma saída dos pecados e a conversão e, por fim, confiar aos seus cuidados maternos todos os doentes e as pessoas idosas. Que a grande Mãe da Áustria e da Europa ajude todos nós a realizar uma renovação profunda da fé e da vida! Queridos amigos, como sacerdotes, religiosos e religiosas, vós sois servos e servas da missão de Jesus Cristo. Como há dois mil anos Jesus chamou pessoas para o seguir, assim também hoje jovens homens e mulheres, à sua chamada, se põem a caminho, fascinados por Ele e movidos pelo desejo de colocar a própria vida ao serviço da Igreja, oferecendo-a para ajudar os homens. Têm a coragem de seguir Cristo e querem ser suas testemunhas. De facto, a vida no seguimento de Cristo é um empreendimento arriscado, porque somos sempre ameaçados pelo pecado, pela falta de liberdade e pelas imperfeições. Por isso, todos temos necessidade da sua graça, assim como Maria a recebeu em plenitude. Aprendemos a olhar sempre, como Maria, para Cristo tendo-O como critério de medida. Podemos participar na missão universal de salvação da Igreja, da qual Ele é o Chefe. O Senhor chama os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e os leigos a entrar no mundo, na sua realidade complexa, para cooperar na edificação do Reino de Deus. Fazem-no numa multiplicidade grande e variada: no anúncio, na edificação de comunidades, nos vários ministérios pastorais, no amor concreto e na caridade vivida, na pesquisa e na ciência exercidas com espírito apostólico, no diálogo com a cultura do ambiente circunvizinho, na promoção da justiça querida por Deus e em medida não menor na contemplação recolhida do Deus trinitário e no seu louvor comunitário.

O Senhor convida-vos à peregrinação da Igreja "no seu caminho através dos tempos". Convida-vos a fazer-vos peregrinos com Ele e a participar na sua vida que ainda hoje é Via Crucis e caminho do Ressuscitado através da Galileia da nossa existência. Mas é sempre o mesmo e idêntico Senhor que, mediante o mesmo único baptismo, nos chama à única fé. A participação no seu caminho significa portanto as duas coisas: a dimensão da Cruz com falências, sofrimentos, incompreensões, aliás, até desprezo e perseguição mas também a experiência de uma profunda alegria no seu serviço e a experiência do grande conforto derivante do encontro com Ele. Como a Igreja, também cada uma das paróquias, das comunidades e cada cristão baptizado tiram a origem da sua missão na experiência de Cristo crucificado e ressuscitado.

O centro da missão de Jesus Cristo e de todos os cristãos é o anúncio do Reino de Deus. Este anúncio no nome de Cristo significa para a Igreja, para os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, como para todos os baptizados, o compromisso de estarem presentes no mundo como suas testemunhas. De facto, o Reino de Deus é o próprio Deus que se torna presente no meio de nós e reina através de nós. Portanto, a edificação do Reino de Deus verifica-se quando Deus vive em nós e quando levamos Deus ao mundo. Vós fazei-lo dando testemunho de um "sentido" que está radicado no amor criativo de Deus e se opõe a qualquer insensatez e desespero. Vós declarais-vos da parte dos que procuram fadigosamente este sentido, de todos os que desejam dar à vida uma forma positiva. Rezando e pedindo, sois advogados dos que ainda andam em busca de Deus, que estão a caminho para Deus. Vós dais testemunho de uma esperança que, contra qualquer desespero mudo ou evidente, remete para a fidelidade e para a atenção solícita de Deus. Com isto estais da parte dos que estão sobrecarregados por destinos pesados e não conseguem libertar-se dos seus fardos. Dai testemunho daquele Amor que se doa pelos homens e assim venceu a morte. Estai da parte dos que nunca experimentaram o amor, que já não conseguem crer na vida.

Opondes-vos assim aos numerosos tipos de injustiça escondida ou manifesta, assim como ao desprezo dos homens que se está a difundir. Desta forma, queridos irmãos e irmãs, toda a vossa existência deve ser, como a de João Baptista, um grande, vivo envio para Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado. Jesus qualificou João como "uma lâmpada que ardia e brilhava" (
Jn 5,35). Sede também vós semelhantes a lâmpadas! Fazei brilhar a vossa luz na nossa sociedade, na política, no mundo da economia, no mundo da cultura e da pesquisa. Mesmo se é apenas uma pequena luz no meio de tantos fogos-fátuos, contudo ele recebe a sua força e o seu esplendor da grande estrela da manhã, o Cristo ressuscitado, cuja luz brilha deseja brilhar através de nós e nunca conhecerá ocaso.

Seguir Cristo queremos segui-l'O seguir Cristo significa crescer na partilha dos sentimentos e na assimilação do estilo de vida de Jesus; é quanto nos diz a Carta aos Filipenses: "Tende os mesmos sentimentos de Cristo!" (cf. 2, 5). "Contemplar Cristo" é o mote destes dias. Ao olhar para Ele, o grande Mestre de vida, a Igreja descobriu três características que sobressaem na atitude de fundo de Jesus. Estas três características chamámo-las com a Tradição os "conselhos evangélicos" tornaram-se as componentes determinantes de uma vida comprometida no seguimento radical de Cristo: pobreza, castidade e obediência. Reflictamos agora um pouco sobre estas características.

Jesus Cristo, que era rico de toda a riqueza de Deus, fez-se pobre por nós, diz-nos São Paulo na Segunda Carta aos Coríntios (cf. 2Co 8,9); esta é uma parábola inexaurível, sobre a qual devemos sempre reflectir de novo. E na Carta aos Filipenses lê-se: Despojou-se a si mesmo e humilhou-se tornando-se obediente até à morte de cruz (cf. 2Co 2,6ss.). Ele, que se fez pobre, chamou "bem-aventurados" os pobres. São Lucas, na sua versão das Bem-Aventuranças, faz-nos compreender que esta afirmação proclamar bem-aventurados os pobres se refere sem dúvida aos pobres, verdadeiramente pobres, no Israel do seu tempo, onde havia um contraste oprimente entre ricos e pobres. São Mateus na sua versão das Bem-Aventuranças explica-nos, contudo, que a simples pobreza material como tal sozinha ainda não garante a proximidade a Deus, porque o coração pode ser duro e bramar pela riqueza. Mateus como toda a Sagrada Escritura deixa-nos contudo compreender que Deus está próximo dos pobres de modo particular. Assim torna-se claro: o cristão vê neles o Cristo que o aguarda, esperando o seu compromisso. Quem deseja seguir Cristo de modo radical, deve renunciar aos bens materiais. Mas deve viver esta pobreza a partir de Cristo, como um tornar-se interiormente livre para o próximo. Para todos os cristãos, mas sobretudo para nós sacerdotes, para os religiosos e as religiosas, para os indivíduos e para as comunidades, a questão da pobreza e dos pobres deve ser sempre de novo objecto de um severo exame de consciência. Precisamente na nossa situação, na qual não estamos mal, não somos pobres, penso que devemos reflectir particularmente sobre como podemos viver esta chamada de modo sincero. Gostaria de o recomendar ao vosso ao nosso exame de consciência.

Para compreender bem o que significa castidade, devemos partir do seu conteúdo positivo. Encontramo-lo mais uma vez só olhando para Jesus Cristo. Jesus viveu numa dupla orientação: para o Pai e para os homens. Na Sagrada Escritura conhecemo-lo como pessoa que reza, que passa inteiras noites em diálogo com o Pai. Rezando Ele inseria a sua humanidade e a de todos nós na relação filial com o Pai. Depois, este diálogo tornava-se sempre de novo missão para o mundo, para nós. A sua missão levava-o a uma dedicação pura e indivisa aos homens. Nos testemunhos das Sagradas Escrituras não há momento algum da sua existência em que se possa vislumbrar, no seu comportamento para com os homens, qualquer vestígio de interesse pessoal ou de egoísmo.

Jesus amou os homens no Pai, a partir do Pai e assim os amou no seu verdadeiro ser, na sua realidade. Entrar nestes sentimentos de Jesus Cristo neste ser totalmente em comunhão com o Deus vivo e nesta comunhão totalmente pura com os homens, à sua disposição sem reservas este entrar nos sentimentos de Jesus Cristo inspirou Paulo numa teologia e numa prática de vida que corresponde à palavra de Jesus sobre o celibato pelo Reino dos céus (cf. Mt 19,12). Sacerdotes, religiosos e religiosas não vivem sem conexões interpessoais. Ao contrário, castidade significa e por isto queria começar uma relação intensa; é positivamente uma relação com Cristo vivo e a partir disto com o Pai. Por isso, com o voto de castidade no celibato não nos consagramos ao individualismo ou a uma vida isolada, mas prometemos solenemente colocar os relacionamentos intensos dos quais somos capazes e que recebemos como um dom, totalmente e sem reservas ao serviço do Reino de Deus e assim ao serviço dos homens. Deste modo os sacerdotes, as religiosas e os próprios religiosos tornam-se homens e mulheres da esperança: contando totalmente com Deus e demonstrando deste modo que Deus para eles é uma realidade, criam espaço para a sua esperança para a presença do Reino de Deus no mundo. Vós, queridos sacerdotes, religiosos e religiosas, ofereceis uma importante contribuição: no meio de toda a inveja, de todo o egoísmo, de todo o desejo de consumo, no meio do culto do individualismo nós procuramos viver um amor abnegado pelos homens. Vivemos uma esperança que deixa a Deus a tarefa da realização, porque cremos que Ele a cumprirá. Que teria acontecido se na história do cristianismo não tivessem havido figuras indicadoras para o povo? Que seria do nosso mundo, se não houvesse sacerdotes, se não houvesse mulheres e homens nas Ordens religiosas e nas Comunidades de vida consagrada pessoas que com a sua vida testemunham a esperança de uma satisfação maior do que os desejos humanos e a experiência do amor de Deus que supera qualquer amor humano?

O mundo tem necessidade do nosso testemunho precisamente hoje.

Falemos da obediência. Jesus viveu toda a sua vida, desde os anos escondidos em Nazaré até ao momento da morte na cruz, na escuta do Pai, na obediência para com o Pai. Vemos, por exemplo, a noite no Monte das Oliveiras. "Não seja feita a minha vontade, mas a tua" Mediante esta oração Jesus assume na sua vontade de Filho a obstinação tenaz de todos nós, transforma a nossa rebelião na sua obediência. Jesus era um orante. Mas também sabia ouvir e obedecer: fez-se "obediente até à morte, e morte de cruz" (Ph 2,8). Os cristãos sempre experimentaram que, abandonando-se à vontade do Pai, não se perdem, mas encontram deste modo o caminho para uma profunda identidade e liberdade interior. Em Jesus descobriram que se encontra a si mesmo aquele que se doa, torna-se livre quem se associa a uma obediência fundada em Deus e animada pela busca de Deus. Ouvir Deus nada tem a ver com construção do exterior e perda de si mesmo. Só entrando na vontade de Deus alcançamos a nossa verdadeira identidade. O testemunho desta experiência hoje é necessária no mundo precisamente em relação ao seu desejo de "auto-realização" e "autodeterminação".

Romano Guardini narra na sua autobiografia como, num momento crítico do seu caminho, quando a fé da sua infância se tinha tornado insegura, lhe foi dada a decisão básica de toda a sua vida a conversão no encontro com a palavra de Jesus segundo a qual se encontra a si mesmo só aquele que se perde (cf. Mt 8, 34S; Jn 12,25); sem o abandono, sem o perder-se não pode haver encontro de si, uma auto-realização. Mas depois surge a pergunta: em que direcção é lícito perder-me? A quem me posso dedicar? Tornou-se para ele evidente que só nos podemos doar completamente se fazendo-o caímos nas mãos de Deus. Só n'Ele podemos, no fim, perder-nos e só n'Ele podemos encontrar-nos a nós mesmos. Contudo, em seguida ele fez a pergunta: quem é Deus? Onde está Deus? E então compreendeu que o Deus no qual nos podemos abandonar é apenas o Deus que se fez concreto e próximo em Jesus Cristo. Mas de novo ele faz a pergunta: onde encontro Jesus Cristo? Como posso verdadeiramente oferecer-me a Ele? A resposta que Guardini encontrou na sua fadigosa busca é esta: Jesus está presente entre nós de modo concreto só no seu corpo, a Igreja. Por isso a obediência à vontade de Deus, a obediência a Jesus Cristo, na prática deve ser muito concretamente uma obediência semelhante à Igreja. Penso que também sobre isto devemos fazer sempre de novo um profundo exame de consciência. Tudo isto se encontra resumido na oração de Santo Inácio de Loyola uma oração que me parece sempre muito grande, a ponto que quase não ouso dizê-la e que, contudo, deveríamos sempre de novo, mesmo com dificuldade, repropor-nos: "Toma, Senhor, a minha liberdade, a minha memória, o meu intelecto e toda a minha vontade, tudo o que tenho e possuo; tu mo deste, a ti, Senhor, o restituo; tudo é teu, de tudo dispões segundo a tua vontade, dá-me unicamente o teu amor e a tua graça, e sou rico o suficiente, nada mais peço" (Eb 234).

Queridos irmãos e irmãs! Agora vós regressais ao vosso ambiente de vida, aos lugares do vosso compromisso eclesial, pastoral, espiritual e humano. A nossa grande Advogada e Mãe Maria estenda a sua mão protectora sobre vós e sobre as vossas obras. Interceda por vós, junto do seu Filho, o nosso Senhor Jesus Cristo. Com o agradecimento pela vossa oração e pelo vosso trabalho na vinha do Senhor uno a minha súplica a Deus, para que conceda protecção e bem-estar a todos vós, ao povo, em particular aos jovens, aqui na Áustria e nos vários Países dos quais muitos de vós provêm. Acompanho a todos de coração com a minha Bênção.




AOS MONGES REUNIDOS NA ABADIA DE HEILIGENKREUZ Domingo, 9 de Setembro de 2007

9917
Reverendíssimo Dom Abade
Queridos Irmãos no Episcopado
Queridos monges cistercienses de Heiligenkreuz
Estimados irmãos e irmãs de vida consagrada
Ilustres hóspedes e amigos do Mosteiro e da Academia
Senhoras e Senhores!

Foi com prazer que vim, na minha peregrinação à Magna Mater Austriae, também à Abadia de Heiligenkreuz, a qual não é apenas uma etapa importante na Via Crucis rumo a Mariazell, mas o mais antigo mosteiro cisterciense que permaneceu activo sem interrupção. Quis vir a este lugar rico de história, para chamar a atenção para a directriz fundamental de São Bento, sob cuja Regula vivem também os cistercienses. Bento dispõe concisamente de "nada antepor ao Ofício divino" (Regula Benedicti, 43, 3).

Por isso, num mosteiro de orientação beneditina, o louvor a Deus, que os monges celebram como coral oração solene, tem sempre a prioridade. Sem dúvida e graças a Deus! não são apenas os monges que rezam; também rezam outras pessoas: crianças, jovens e idosos, homens e mulheres, pessoas casadas e solteiras cada cristão reza, ou pelo menos deveria fazê-lo!

Contudo, na vida dos monges a oração tem uma especial importância: é o centro da sua tarefa profissional. Eles, de facto, exercem a profissão do orante. Na época dos Padres da Igreja, a vida monástica era qualificada como vida à maneira dos anjos. E como característica fundamental dos anjos via-se o seu ser adoradores. A sua vida é adoração. Isto deveria ser válido também para os monges. Eles rezam antes de tudo não por esta ou aquela coisa, mas simplesmente porque Deus merece ser adorado. "Confitemini Domino, quoniam bonus! Celebrai o Senhor, porque ele é bom, porque eterna é a sua misericórdia!", exortam vários Salmos (por ex. Sl 106, 1). Uma oração assim sem uma finalidade específica, que deseja ser puro serviço divino é com razão chamado "officium". É o "serviço" por excelência, o "serviço sagrado" dos monges. Ele é oferecido a Deus trino que, acima de tudo, é digno "de receber a glória, a honra e o poder" (
Ap 4,11), porque criou o mundo de modo maravilhoso e de maneira ainda mais maravilhosa o renovou.

Ao mesmo tempo, o officium dos consagrados é também um serviço sagrado aos homens e um testemunho para eles. Cada homem tem no íntimo do seu coração, consciente ou inconscientemente, a nostalgia de uma satisfação definitiva, da máxima felicidade, portanto, no fundo a nostalgia de Deus. Um mosteiro, no qual a comunidade se reúne várias vezes ao dia para louvar a Deus, testemunha que este originário desejo humano não cai no vazio: o Deus Criador não nos colocou nas trevas assustadoras onde, às apalpadelas, deveríamos desesperadamente procurar um sentido último fundamental (cf. Ac 17,27); Deus não nos abandonou num deserto do nada, privado de sentido, no qual, em última análise, nos espera apenas a morte. Não! Deus iluminou as nossas trevas com a sua luz, por obra do seu Filho Jesus Cristo. N'Ele, Deus entrou no nosso mundo com toda a sua "plenitude" (cf. Col 1,19), n'Ele toda a verdade, da qual sentimos saudade, tem a sua origem e o seu ápice (cf. Concílio Vaticano II, Gaudium et spes GS 22).

A nossa luz, a nossa verdade, a nossa meta, a nossa satisfação, a nossa vida tudo isto não é uma doutrina religiosa, mas uma Pessoa: Jesus Cristo. Muito além das nossas capacidades de procurar e de desejar Deus, antes já fomos procurados e desejados, aliás, encontrados e remidos por Ele!

O olhar dos homens de todos os tempos e povos, de todas as filosofias, religiões e culturas encontra por fim os olhos abertos do Filho de Deus crucificado e ressuscitado; o seu coração aberto é a plenitude do amor. Os olhos de Cristo são o olhar do Deus que ama. A imagem do Crucificado sobre o altar, cujo original romano se encontra na Catedral de Sarzano, mostra que este olhar se dirige para cada homem. O Senhor, de facto, vê no coração de cada um de nós.

O cerne do monaquismo é a adoração o viver como os anjos. Contudo, sendo os monges homens de carne e sangue nesta terra, São Bento ao imperativo central do "ora" acrescentou outro: o "labora". Segundo o conceito de São Bento como também de São Bernardo, uma parte da vida monástica, juntamente com a oração, é também o trabalho, a cultivação da terra em conformidade com a vontade do Criador. Assim, em todos os séculos os monges, partindo do seu olhar dirigido para Deus, tornaram a terra vivível e bela. A salvaguarda e o cuidado da criação provêm precisamente do seu olhar para Deus. No ritmo do ora et labora a comunidade dos consagrados dá testemunho daquele Deus que em Jesus Cristo olha para nós, quer para o homem quer para o mundo que, olhados por Ele, se tornam bons.

Não só os monges dizem o officium, mas a Igreja inspirou-se na tradição monástica a recitação do Breviário para todos os religiosos, e também para sacerdotes e diáconos. Também aqui é válido que as religiosas e os religiosos, os sacerdotes e os diáconos e naturalmente também os Bispos na quotidiana oração "oficial" se apresentam diante de Deus com hinos e salmos, com agradecimentos e pedidos sem finalidades específicas.

Queridos irmãos no ministério sacerdotal e diaconal, estimados irmãos e irmãs na vida consagrada! Eu sei que é necessária disciplina, aliás, por vezes até a superação de si para recitar fielmente o Breviário; mas mediante este officium recebemos ao mesmo tempo muitas riquezas: quantas vezes, ao fazer isto, cansaço e desencorajamento dissipam-se! Onde Deus é louvado e adorado com fidelidade, não falta a sua bênção. Com razão se diz na Áustria: "Tudo depende da bênção de Deus!".

O vosso principal serviço para este mundo deve portanto ser a vossa oração e a celebração do Ofício. A predisposição interior de cada sacerdote, de cada pessoa consagrada deve ser a de "nada antepor ao Ofício divino". A beleza desta predisposição interior expressar-se-á na beleza da liturgia, a ponto que onde juntos cantamos, louvamos, exaltamos e adoramos Deus, torna-se presente na terra um pouco de céu. Deveras não é exagerado dizer que numa liturgia totalmente centrada em Deus, nos ritos e nos cânticos, se vê uma imagem da eternidade. De outra forma, como teriam podido os nossos antepassados há centenas de anos construir um edifício sagrado tão solene como este? Já a arquitectura só por si atrai para o alto os nossos sentidos para "aquelas coisas que nenhum olho viu, nenhum ouvido ouviu, nem jamais passou pelo pensamento do homem, o que Deus preparou para aqueles que O amam" (cf. 1Co 2,9). Em cada forma de empenho pela liturgia o critério determinante deve ser sempre o olhar dirigido para Deus. Nós estamos diante de Deus Ele fala-nos e nós falamos com Ele. Quando, nas reflexões sobre a liturgia, nos perguntamos como torná-la atraente, interessante e bela, o jogo já está feito. Ou ela é opus Dei com Deus como sujeito específico ou não o é. Neste contexto peço-vos: realizai a sagrada liturgia tendo o olhar em Deus na comunhão dos Santos, da Igreja vivente de todos os lugares e de todos os tempos, para que se torne expressão da beleza e da sublimidade do Deus amigo dos homens!

Por fim, a alma da oração é o Espírito Santo. Sempre, quando rezamos, na verdade é Ele que "vem em ajuda da nossa debilidade, intercedendo com insistência por nós, com gemidos indescritíveis" (cf. Rm 8,26). Confiando nesta palavra do apóstolo Paulo garanto-vos, queridos irmãos e irmãs, que a oração suscitará em vós aquele efeito que outrora se expressava chamando sacerdotes e pessoas consagradas simplesmente "Geistliche" (isto é, pessoas espirituais). O Bispo Sailer de Ratisbona disse certa vez que os sacerdotes deveriam ser antes de tudo pessoas espirituais. Gostaria que a expressão "Geistliche" voltasse de novo a ser mais usada. Mas contudo é importante que se cumpra em nós aquela realidade que a palavra descreve: que no seguimento do Senhor, em virtude da força do Espírito, nos tornemos pessoas "espirituais".

A Áustria é, como se diz em sentido duplo, verdadeiramente "Klösterreich": reino de claustros e rica de claustros. As vossas antiquíssimas abadias com origens e tradições que remontam há muitos séculos são lugares da "preferência por Deus". Queridos irmãos, tornai muito evidente para os homens esta prioridade de Deus! Como oásis espiritual um mosteiro indica ao mundo de hoje o que é mais importante, aliás, no final a única coisa decisiva: existe uma razão última pela qual vale a pena viver, isto é Deus e o seu amor imperscrutável.

E peço-vos, queridos irmãos, considerai as vossas abadias e os vossos mosteiros aquilo que são e sempre desejam ser: não apenas lugares de cultura e tradição ou até simples empresas económicas. Estrutura, organização são necessárias também na Igreja, mas não são o essencial.

Um mosteiro é sobretudo um lugar de força espiritual. Ao entrar num dos vossos mosteiros aqui na Áustria tem-se a mesma impressão de quando, depois de uma caminhada sobre os Alpes que foi cansativa, finalmente podemos refrescar-nos num ribeiro de água nascente... Portanto, aproveitai destas nascentes da proximidade de Deus no vosso País, estimai as comunidades religiosas, os mosteiros e as abadias e recorrei ao serviço espiritual que os consagrados se disponibilizam a oferecer-vos!

Por fim, a minha visita dirige-se à Academia agora Pontifícia que já se encontra no 205º aniversário da sua fundação e que, no seu novo estado, recebeu do Abade o nome adjunto do actual sucessor de Pedro. Por muito que seja importante a integração da disciplina teológica na universitas do saber mediante as faculdades teológicas católicas nas universidades estatais, contudo é de igual modo importante que haja lugares de estudos, tão organizados como o vosso, onde é possível um vínculo aprofundado entre teologia científica e espiritualidade vivida. De facto, Deus nunca é simplesmente o Objecto da teologia, é sempre ao mesmo tempo o seu Sujeito vivo. A teologia cristã nunca é um discurso apenas humano sobre Deus, mas é sempre ao mesmo tempo também o Logos e a lógica na qual Deus se revela. Por isso, a intelectualidade científica e devoção vivida são dois elementos do estudo que, numa complementaridade irrenunciável, dependem uma da outra.

O pai da Ordem cisterciense, São Bernardo, no seu tempo lutou contra o afastamento de uma racionalidade objectiva da corrente da espiritualidade eclesial. A nossa situação hoje, mesmo sendo diversa, tem também semelhanças notáveis. Na ansiedade por obter o reconhecimento de cientificidade rigorosa no sentido moderno, a teologia pode perder o alcance da fé. Mas como uma liturgia que esquece de olhar para Deus está, como tal, definhando, assim também uma teologia que já não respira no espaço da fé, deixa de ser teologia; termina por se reduzir a uma série de disciplinas mais ou menos relacionadas entre elas. Ao contrário, onde se pratica uma "teologia de joelhos", como pedia Hans Urs von Balthasar (cf. Hans Hurs von Balthasar, Theologiae und Heiligkeit, Aufsatz von 1948 em: Verbum Caro. Schriften zur Theologie I, Einsiedeln 1960, 195-224), não faltará a fecundidade para a Igreja na Áustria e também noutras partes.

Esta fecundidade mostra-se no apoio e na formação de pessoas que têm em si uma chamada espiritual. Para que hoje uma chamada ao sacerdócio e ao estado religioso possa ser vivida com fidelidade por toda a vida, é necessária uma formação que integre fé e razão, coração e mente, vida e pensamento. Uma vida no seguimento de Cristo precisa da integração de toda a personalidade.

Onde se descuida a dimensão intelectual, nasce demasiado facilmente uma forma de paixão piedosa que vive quase exclusivamente de emoções e de estados de ânimo que não podem ser mantidos por toda a vida. E onde se descuida a dimensão espiritual, cria-se um racionalismo rarefacto que com base na sua frieza e no seu desapego nunca pode desembocar numa doação entusiasta de si a Deus. Não se pode basear uma vida no seguimento de Cristo sobre tais unilateralidades; com as meias medidas permanecer-se-ia pessoalmente insatisfeitos e, por conseguinte, talvez até espiritualmente estéreis. Cada chamada à vida religiosa ou ao sacerdócio é um tesouro tão precioso que os responsáveis devem fazer o possível por encontrar os caminhos de formação adequados para promover juntos fides et ratio a fé e a razão, o coração e a mente.

São Leopoldo da Áustria ouvimo-lo há pouco sob conselho do filho, o Beato Bispo Otto de Freising (celebra-se em Freising a sua festa), fundou em 1133 a vossa abadia dando-lhe o nome de "Unsere Liebe Frau zum Heiligen Kreuz" - Nossa Senhora da Santa Cruz. Este mosteiro não é dedicado a Nossa Senhora só tradicionalmente mas aqui arde o fogo mariano de um São Bernardo de Claraval. Bernardo que, juntamente com 30 companheiros entrou no mosteiro, é uma espécie de Padroeiro das vocações espirituais. Talvez tivesse uma influência muito entusiasmante e encorajadora sobre muitos jovens do seu tempo chamados por Deus, porque estava animado por uma particular devoção mariana. Onde está Maria, ali se encontra a imagem primordial da doação total e do seguimento de Cristo. Onde estiver Maria, ali está o sopro pentecostal do Espírito Santo, o início de uma renovação autêntica.

Deste lugar mariano na Via Crucis desejo a todos os lugares espirituais na Áustria fecundidade e capacidade de irradiação. Aqui, gostaria antes de partir, como já fiz em Mariazell, de pedir à Mãe de Deus mais uma vez que interceda por toda a Áustria. Com as palavras de São Bernardo convido cada um a fazer-se confiantemente "criança" diante de Maria, como o fez o próprio Filho de Deus. São Bernardo diz, e nós dizemos com ele: "Olha para a estrela, invoca Maria... Nos perigos, nas angústias, nas incertezas, pensa em Maria, invoca Maria. Não se afaste o seu nome dos teus lábios, não se afaste do teu coração... Se a seguires não te perdes, rezando a ela não desesperas, pensando nela não erras. Se ela te ampara, não cais; se ela te protege, não temes; se ela te guia, não te cansas, se ela te concede os seus favores, chegas ao teu fim" (Bernardo de Claraval, In Laudibus Virginis Matris, Homilia 2, 17).



ENCONTRO COM O MUNDO DO VOLUNTARIADO NA "WIENER LONZERTHAUS" Domingo, 9 de Setembro de 2007

9927
Ilustre Senhor Presidente Federal
Reverendíssimo D. Kothgasser
Queridos colaboradores e colaboradoras voluntárias
e honorários dos vários Organismos assistenciais na Áustria
Ilustres Senhoras e Senhores
E sobretudo: amados jovens amigos!

Aguardei com especial alegria este encontro convosco que se realiza no final da minha visita na Áustria. E naturalmente junta-se também a alegria de ter podido ouvir não só uma maravilhosa interpretação de Mozart, mas inesperadamente também os "Wiener Sängerknaben". Agradeço de coração! É belo encontrar pessoas que na nossa sociedade procuram dar um rosto à mensagem do Evangelho; ver pessoas idosas e jovens, que tornam realmente experimentável na Igreja e na sociedade aquele amor pelo qual nós, como cristãos, devemos ser conquistados: é o amor de Deus que nos faz reconhecer no outro o nosso próximo, o irmão ou a irmã! Estou cheio de gratidão e de admiração pelo compromisso generoso no voluntariado de tantas pessoas de idades diversas neste País; gostaria hoje de expressar a minha particular consideração a todos vós e aos que ocupam um cargo a título gratuito na Áustria. Agradeço de coração a Vossa Excelência, Senhor Presidente, e a Vossa Excelência, querido Arcebispo de Salzburg, como sobretudo a vós, jovens representantes dos voluntários na Áustria, as palavras belas e profundas que me dirigistes.

Para muitos, graças a Deus, trata-se de uma questão de honra empenhar-se voluntariamente pelo próximo, por uma associação, uma união ou por determinadas situações de bem comum. Um tal compromisso significa antes de tudo uma ocasião para formar a própria personalidade e para se inserir com uma contribuição activa e responsável na vida social. A disponibilidade para uma actividade voluntária, contudo, baseia-se em variadas e por vezes diversas motivações. Muitas vezes, na base, está simplesmente o desejo de fazer algo que tenha sentido e seja útil e abrir novos campos de experiência. Naturalmente nisto, os jovens procuram com razão, também a alegria de acontecimentos belos, uma experiência de autêntico coleguismo numa comum actividade rica de sentido. Muitas vezes as ideias e as iniciativas pessoais relacionam-se com um efectivo amor ao próximo; desta forma, o indivíduo é integrado numa comunidade que o apoia.

Gostaria agora de expressar o meu agradecimento muito sentido pela marcada "cultura do voluntariado" na Áustria. Gostaria de agradecer a cada uma das mulheres, homens, todos os jovens e todas as crianças o empenho voluntário das crianças, de facto, com frequência é imponente; considere-se apenas a acção dos "Sternsinger" no tempo natalício: Vossa Excelência, querido Arcebispo, já o mencionou. Mas quereria agradecer sobretudo aqueles pequenos e grandes serviços e fadigas que nem sempre sobressaem. Obrigado e "Vergelt's Gott" pela vossa contribuição para a edificação de uma "civilização do amor", que se coloca ao serviço de todos e cria Pátria! O amor ao próximo não se pode delegar; o Estado e a política, mesmo se com os cuidados necessários pelo Estado social o Senhor Presidente afirmou isto não podem substituí-lo.

O amor ao próximo exige sempre o compromisso pessoal e voluntário, para o qual o Estado certamente pode e deve criar condições gerais favoráveis. Graças a este compromisso, a ajuda mantém a sua dimensão humana e não é despersonalizada. E precisamente por isso vós, voluntários, não sois "tapa-buracos" na rede social, mas pessoas que contribuem deveras para o rosto humano e cristão da nossa sociedade.

Precisamente os jovens desejam que as suas capacidades e os seus talentos sejam "incentivados e descobertos". Os voluntários desejam ser pessoalmente chamados em causa. "Preciso de ti!", "Tu és capaz!": como nos agrada um tal pedido! Precisamente na sua simplicidade humana, ela remete-nos de modo indirecto para aquele Deus que quis cada um de nós e que a todos deu a tarefa pessoal, aliás, que precisa de cada um de nós e espera o nosso empenho. Assim Jesus chamou os homens e lhes deu a coragem para o grandioso empreendimento que eles por si não teriam coragem nem capacidade de fazer. Deixar-se chamar, decidir-se e depois empreender um caminho sem a pergunta rectórica acerca da utilidade e da vantagem esta atitude deixará marcas restabelecedoras. Os santos, com a sua vida, indicaram este caminho, que é interessante e apaixonante, um caminho generoso e, precisamente hoje, actual. O "sim" a um compromisso voluntário e solidário é uma decisão que liberta e abre para as necessidades do próximo; para as exigências de justiça, da defesa da vida e a salvaguarda da criação. Nas actividades de voluntariado entra em jogo a dimensão-chave da imagem cristã de Deus e do homem: o amor de Deus e o amor do próximo.

Queridos voluntários, senhoras e senhores! Comprometer-se no voluntariado constitui um eco da gratidão e é a transmissão do amor recebido. "Deus vult condiligentes Deus quer pessoas que amem com Ele", afirmou o teólogo Duns Escoto no século XIV (Opus Oxoniense III d. 32 q. 1 n. 6). Assim considerado, o compromisso a título gratuito tem muito a ver com a Graça. Uma cultura que deseja contabilizar tudo e retribuir tudo, que estabelece a relação entre os homens como uma espécie de coluna obrigatória de direitos e deveres, experimenta, graças às inúmeras pessoas empenhadas a título gratuito, que a própria vida é um dom imerecido. Por muito diversas, multíplices ou também contraditórias que sejam as motivações ou as formas de empenho voluntário, na base de todas está no fim de contas aquela profunda vida em comum que brota da "gratuidade".

Foi gratuitamente que recebemos a vida do nosso Criador, gratuitamente fomos libertados do caminho cego do pecado e do mal, gratuitamente foi-nos concedido o Espírito com os seus multíplices dons. Na minha Encíclica escrevi: "O amor é gratuito; não é exercido para alcançar outras finalidades" (Deus caritas est ). "Quem está em condições de ajudar reconhece que precisamente desta forma é ajudado também ele; não é mérito seu nem motivo de orgulho o facto de poder ajudar. Esta tarefa é Graça" (Ibid., 35). Gratuitamente transmitimos o que recebemos, através do nosso empenho, da nossa ocupação voluntária. Esta lógica da gratuidade situa-se além do simples dever e poder moral.

Sem empenho voluntário o bem comum e a sociedade não podem e não poderão perdurar. A disponibilidade espontânea vive e demonstra-se além do cálculo e do intercâmbio esperado; ela interrompe as regras da economia de mercado. De facto, o homem é muito mais que um simples factor económico que deve ser avaliado de acordo com critérios económicos. O progresso e a dignidade de uma sociedade dependem sempre de novo precisamente daquelas pessoas que fazem mais que o seu dever. Senhoras e senhores! O empenho voluntário é um serviço à dignidade do homem fundada no seu ser criado à imagem e semelhança de Deus. Ireneu de Lião, no século II, disse: "A glória de Deus é o homem vivo e a vida do homem é a visão de Deus" (Adversus haereses IV, 20, 7). E Nicolau de Cusa, na sua obra sobre a visão de Deus desenvolveu o seguinte pensamento: "Dado que o olhar está onde está o amor, sinto que Tu me amas... O Teu olhar, Senhor, é amar... Olhando para mim, Tu, Deus escondido, fazes-Te vislumbrar por mim... O Teu olhar é vivificar... O Teu olhar significa agir" (De visione Dei / Die Gottesshau, em Philosophisch-Theologische Schriften, hg. und eingef. von Leo Gabriel, überzetzt von Dietlind und Wilhelm Dupré, Wien 1967, Bd. III, 105-111). O olhar de Deus o olhar de Jesus contagia-nos com o amor de Deus. Há olhares que podem cair no vazio ou até serem de desprezo. E olhares que podem conferir deferência e expressar amor. As pessoas comprometidas gratuitamente conferem ao próximo consideração, recordando a dignidade do homem e suscitam alegria de vida e esperança. Os representantes do voluntariado são guardiães e advogados dos direitos do homem e da sua dignidade.

Com o olhar de Jesus está relacionada ainda outra forma de olhar. "Viu-o e passou adiante", lê-se no Evangelho do sacerdote e do levita que vêem um homem meio morto que jaz à beira da estrada, mas não intervêm (cf.
Lc 10,31 Lc 10,32). Há quem vê e finge não ver, tem a necessidade diante dos seus olhos e contudo permanece indiferente, isto faz parte das correntes frias do nosso tempo. No olhar dos outros, precisamente daquele que tem necessidade da nossa ajuda, experimentamos a exigência concreta do amor cristão. Jesus Cristo não nos ensina uma mística "dos olhos fechados", mas uma mística "do olhar aberto" e com ele, do dever absoluto de compreender a condição dos outros, a situação em que se encontra aquele homem que, segundo o Evangelho, é o nosso próximo. O olhar de Jesus, a escola do olhar de Jesus introduz numa proximidade humana, na solidariedade, na partilha do tempo, na partilha dos talentos e também dos bens materiais. Por isso, "quantos trabalham nas Instituições caritativas da Igreja devem distinguir-se pelo facto de que não se limitam a executar de maneira hábil o que convém naquele momento também isto é importante mas dedicam-se ao outro com as atenções que o coração sugere... Este coração vê onde há necessidade de amor e age em consequência" (Deus caritas est ). Sim, "devo tornar-me uma pessoa que ama, uma pessoa cujo coração está aberto para se deixar incomodar perante a necessidade do próximo. Então encontro o meu próximo, ou melhor: é ele que me encontra" (Joseph Ratzinger / Bento XVI, Gesù di Nazareth, Milão 2007, pág. 234).

Por fim, o mandamento do amor (cf. Mt 22,37-40 Lc 10,27) recorda-nos que ao próprio Deus, mediante o amor ao próximo, nós cristãos tributamos a honra. Já foi citada pelo Arcebispo Kothgasser a palavra de Jesus: "Sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes" (Mt 25,40). Se no homem concreto que encontramos está presente Jesus, então a actividade gratuita pode tornar-se uma experiência de Deus. A participação nas situações e nas necessidades dos homens leva a um "novo" estar juntos e age "dando sentido". Assim o serviço gratuito pode ajudar a fazer sair as pessoas do isolamento e a integrar na comunidade.

Por fim, gostaria de recordar a força e a importância da oração para quantos estão empenhados no trabalho caritativo. A oração a Deus é a saída da ideologia ou da resignação face à infinidade das necessidades. "Os cristãos continuam a crer, apesar de todas as incompreensões e confusões do mundo circunvizinho, na "bondade de Deus" e no "seu amor pelos homens" (Tt 3,4). Eles, mesmo se imersos como os outros homens na dramática complexidade das vicissitudes da história, permanecem firmes na certeza de que Deus é Pai e nos ama, mesmo se o seu silêncio permanece incompreensível para nós" (Deus caritas est ).

Queridos colaboradores voluntários a título honorífico das obras de socorro na Áustria, senhoras e senhores! Quando alguém não faz apenas o seu dever na profissão e na família e para o fazer bem já são necessárias muitas energias e um grande amor mas se empenha ainda pelos outros, pondo o seu tempo livre precioso ao serviço do homem e da sua dignidade, o seu coração dilata-se. Os voluntários não compreendem o conceito de próximo de modo estrito; eles reconhecem também no "distante" o próximo que é aceite por Deus e que, com a nossa ajuda, deve ser alcançado pela obra de redenção realizada por Cristo. O outro, o próximo do Evangelho, torna-se para nós um parceiro privilegiado perante as pressões e obrigações do mundo no qual vivemos. Quem respeita a "prioridade do próximo", vive e age segundo o Evangelho e participa também na missão da Igreja, que olha sempre para o homem todo e deseja fazer-lhe sentir o amor de Deus. Queridos voluntários, a Igreja apoia plenamente o vosso serviço. Estou convicto de que dos voluntários da Áustria também no futuro hão-de provir muitas bênçãos e a todos acompanho com a minha oração. Peço para todos vós a alegria do Senhor (cf. Ne Ne 8,10) que é a nossa força. O bom Deus esteja sempre próximo de vós e vos guie continuamente mediante a ajuda da sua graça.






Discursos Bento XVI 8907